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A FAMÍLIA DA CRIANÇA COM CÂNCER EM EMERGÊNCIA ONCOLÓGICA PEDIÁTRICA: REVELANDO SIGNIFICADOS

RESUMO

Objetivo:

compreender os significados que os familiares de crianças com câncer atribuem às emergências oncológicas.

Método:

estudo descritivo com abordagem qualitativa realizado em uma instituição no Rio de Janeiro-RJ, Brasil, com 18 familiares de crianças em emergência oncológica. Os dados foram coletados por entrevista semiestruturada, entre fevereiro e setembro de 2021, analisados através da análise temático-categorial e interpretados à luz do Interacionismo Simbólico.

Resultados:

a partir da análise, duas categorias emergiram: significados que familiares atribuem às emergências oncológicas e a dinâmica familiar; e interação com os profissionais de saúde na emergência oncológica pediátrica.

Conclusão:

os achados demarcam intensas alterações na dinâmica familiar de natureza social, emocional, econômica e psicológica e apontam para o valor dos processos interativos com os profissionais, podendo contribuir para o avanço de cuidados que sejam centrados na família.

DESCRITORES:
Enfermagem; Criança; Emergências; Oncologia; Família

ABSTRACT

Objective:

to understand the meanings attributed by family members of children with cancer to Oncology emergencies.

Method:

a descriptive study with a qualitative approach carried out with 18 family members of children undergoing Oncology emergencies at an institution in Rio de Janeiro-RJ, Brazil. The data were collected through semi-structured interviews, between February and September 2021, analyzed using thematic-categorical analysis and interpreted in the light of Symbolic Interactionism.

Results:

two categories emerged from the analysis, namely: meanings attributed by family members attribute to Oncology emergencies and family dynamics; and interaction with health professionals in the Pediatric Oncology Emergency sector.

Conclusion:

the findings mark intense changes of a social, emotional, economic and psychological nature in family dynamics and point to the value of interactive processes with professionals, which can contribute to the advancement of family-centered care.

DESCRIPTORS:
Nursing; Child; Emergencies; Oncology; Family

RESUMEN

Objetivo:

comprender los significados que los familiares de niños con cáncer atribuyen a las emergencias oncológicas.

Método:

estudio descriptivo de enfoque cualitativo realizado en una institución de Río de Janeiro-RJ, Brasil, con 18 familiares de niños en situaciones de emergencia oncológica. Los datos se recolectaron por medio de entrevistas semiestructurada entre febrero y septiembre de 2021, y fueron analizados por medio de análisis temático-categórico e interpretados sobre la base del Interaccionismo Simbólico.

Resultados:

surgieron dos categorías a partir del análisis, a saber: significados que atribuyen los familiares a las emergencias oncológicas y a la dinámica familiar; e interacción con los profesionales de la salud en los servicios de Emergencia Oncológica Pediátrica.

Conclusión:

los hallazgos demarcan profundas alteraciones de naturaleza social, emocional, económica y psicológica en la dinámica familiar y señalan el valor de los procesos interactivos con los profesionales, con la posibilidad de contribuir al avance de medidas de atención centradas en la familia.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Niño; Emergencias; Oncología; Familia

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença que possui em seu arcabouço um crescimento de células de modo desordenado, cujo material genético sofre alterações contínuas, gerando falhas em seu processo estrutural. Essa patologia está classificada como uma das principais causas de morte por doenças não transmissíveis no mundo. Apesar de avanços significativos da evolução tecnológica na área oncológica, ainda assim, existe um percurso desafiador quanto a essa realidade terapêutica11. Wild CP, Weiderpass E, Stewart BW. World cancer report: cancer research for cancer prevention. International Agency for Research on Cancer. 2020 [cited 2022 Nov 05]. Available from: http://publications.iarc.fr/586
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No Brasil, estimativas projetam 704 mil novos casos de câncer para os anos de 2023 a 2025. Especificamente no que concerne ao câncer infantojuvenil, que acomete a faixa etária de 0 a 19 anos, a estimativa para cada ano desse mesmo triênio é de 7.930 casos. Diante desse panorama, vale ressaltar a latente importância de estudos e pesquisas voltadas para esse público22. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2022 [cited 2023 Mar 02].Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2023.pdf
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O câncer infantojuvenil é predominantemente de natureza embrionária e acomete principalmente células do sistema sanguíneo e de tecidos de sustentação. Os tipos de cânceres mais incidentes são: as leucemias, as doenças mieloproliferativas e mielodisplásicas, os linfomas, as neoplasias reticuloendoteliais, os tumores do Sistema Nervoso Central (SNC), as neoplasias intracranianas e intraespinhais, os neuroblastomas, os retinoblastomas, os tumores renais, os tumores hepáticos, os tumores ósseos malignos, os sarcomas de partes moles, as neoplasias de células germinativas, as trofoblásticas e carcinomas33. Feliciano SVM, Santos MO, Pombo-de-Oliveira MS. Incidência e mortalidade por câncer entre crianças e adolescentes: uma revisão narrativa. Rev Bras Cancerol [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 05];64(3):389-96.Available from: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2018v64n3.45
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O aparecimento de uma doença como o câncer, no ambiente familiar, é um momento de aflição entre todos os membros. A dinâmica entre os familiares se altera e sentimentos como medo e ansiedade começam a fazer parte dessa trajetória, especialmente diante de complicações e agravos que podem acontecer subitamente, exigindo da família a procura de atendimento imediato44. Rodrigues JRG, Siqueira Junior AC, Siqueira FPC. Nursing consultation in pediatric oncology: a tool for empowering parents. Rev Pesq Cuid Fundam Online [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 05];12:210-20.Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.7569
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Este termo versa sobre condições agudas e complicações que se instalam subitamente, relacionadas ao curso da doença oncológica ou do tratamento oncológico, que exigem rápida avaliação, intervenção e tratamento dado o maior risco de morbidades, sequelas, sofrimento intenso ou óbito55. Lopes GMJ, Simino GPR, Rocha PRS, Aguiar BRL, Reis PED, Ferreira EB. Cuidados de enfermagem em emergências oncológicas: revisão integrativa. Rev Enferm Cent-Oeste Min [Internet]. 2022 [cited 2023 Mar 6];12:e4350.Available from: http://doi.org/10.19175/recom.v12i0.4350
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Assim, admite-se que a doença oncológica ocasiona inúmeras situações emergenciais agudas ao longo do percurso terapêutico devido à gravidade do câncer e às suas especificidades que, por vezes, geram intercorrências com sinais e sintomas diversificados e sistêmicos, solicitando expertise do enfermeiro para reconhecer, gerenciar e intervir de forma hábil66. Ramos LGA, Sabóia VM, Fortini RG. O Cuidado de enfermagem no atendimento de emergências oncológicas: uma revisão integrativa. Rev Enferm Atual In Derme [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 5];86(24).Available from: https://doi.org/10.31011/reaid-2018-v.86-n.24-art.367
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-77. Souza GRM, Anjos TH, Souza JC. Emergency care nurse in oncology urgency and emergency: an integrative review. Bras J Develop [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];7(12):112049-59.Available from: https://doi.org/10.34117/bjdv7n12-137
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As emergências oncológicas pediátricas se apresentam como um momento difícil para a criança e sua família, ao passo que impõem uma mudança abrupta na rotina e dinâmica de vida. A literatura revela que o cotidiano de vida da família da criança com câncer é alterado, suas relações afetivas são distanciadas, e durante todo percurso terapêutico oncológico, o contexto familiar sofre com os enfrentamentos que a doença impõe88. Oliveira LS. Câncer infantil: o impacto do diagnóstico para a criança e familiares. REASE [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];7(5):635-44.Available from: https://doi.org/10.51891/rease.v7i5.1223
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As transformações no cotidiano de toda família visam constituir um movimento revelador, que culminam em previsões negativas que culturalmente rodeiam o câncer. Imersos em expectativas e turbulências, as famílias carecem lançar mão de estratégias que possam dar suporte às mudanças provenientes da doença neoplásica maligna em sua criança99. Rossato L, Fuente AMUDL, Scorsolini-Comin F. Repercussões psicossociais do câncer na infância e na adolescência. Mudanças [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];29(2):55-62. Available from: https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v29n2p55-62
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As repercussões do câncer entre os membros familiares diferem de família para família, porém sempre resultam em movimentações no modo de vida deste grupo social. As interações singulares entre seus membros, as condições socioeconômicas e uma sucessão de fatores interferem nas práticas rotineiras das famílias1010. Honicky M, Galvão IA. Leucemia na infância e adolescência: Repercussões psicossociais nos irmãos sadios, sob a ótica das mães. Psicol Rev [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 5];26(2):660-79. Available from: https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2020v26n2p660-679
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-1111. Silva NCF, Hora SS, Lima FFS. O impacto do diagnóstico nas condições socioeconômicas das famílias de crianças e adolescentes com tumores sólidos. Rev Bras Cancerol [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 5];66(3):e131104.Available from: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.1104
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Tal fato revela a necessidade de preparo da equipe de enfermagem para acolher e cuidar com expertise da criança com câncer e de seus familiares no contexto da emergência oncológica, onde as sensações de medo, ansiedade e desconhecimento do desfecho da circunstância, são estressores que podem trazer implicações para a dinâmica familiar1212. Mendes LAM, Guareschi APDF. Presença da família da criança nas situações de emergência e procedimentos invasivos: revisão integrativa. Rev Soc Bras Enferm Ped [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 5];18(2):96-102.Available from: http://doi.org/10.31508/1676-3793201800015
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Alicerçar cientificamente medidas que subsidiem o cuidado com expertise e qualidade no atendimento emergencial da pessoa com doença crônica e sua família pode trazer reflexos positivos para a qualidade de vida destes indivíduos, incluindo a criança com câncer1313. Demenech LM, Dumith SC, Vieira MECD, Neiva-Silva L. Income inequity and risk of infection and death by COVID-19 in Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 5];23:e200095.Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720200095
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. Assim, questiona-se: quais os significados que familiares de crianças com câncer atribuem às emergências oncológicas? Como percebem a sua interação com os profissionais de saúde na emergência oncológica pediátrica?

A relevância desse estudo repousa na possibilidade de conhecer, a partir dos significados atribuídos pelos familiares de crianças com câncer às emergências oncológicas, como a família pensa e se organiza diante desse fato, o que pode apontar para estratégias de avanço no cuidado centrado na família. Portanto, definiu-se como objetivo deste estudo compreender os significados que familiares de crianças com câncer atribuem às emergências oncológicas.

MÉTODO

Estudo descritivo de abordagem qualitativa realizado em um Serviço de Emergência Pediátrica Oncológica de uma instituição de referência na assistência à pessoa oncológica, no município do Rio de Janeiro, Brasil.

Participaram da pesquisa 18 familiares de crianças com câncer com idade até 12 anos, que tiveram atendimento no setor de emergência pediátrica oncológica. Os participantes da pesquisa atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser familiar da criança com câncer; ter a criança como paciente matriculado na instituição de cuidados; e ter ido ao menos a um atendimento da criança na emergência pediátrica. Os critérios de exclusão foram: familiar menor de idade (menor de 18 anos); familiar sem condições (físicas ou emocionais) para ceder a entrevista (sinalizados pela equipe de atendimento do setor); ser familiar de criança com mais de 12 anos de idade.

As entrevistas do tipo semiestruturadas foram realizadas individualmente entre os meses de fevereiro e setembro de 2021, sendo gravadas em arquivo digital e posteriormente transcritas. Seguiu-se um roteiro contendo perguntas fechadas que permitiram a caracterização dos participantes e perguntas abertas para o alcance dos objetivos, a saber: conte-nos sobre você e sua criança em relação à necessidade de vir para a emergência oncológica pediátrica (tomada de decisão, sentimentos, enfrentamentos, dinâmica da família). O que o senhor(a) pensa a respeito do cuidado à sua criança e à sua família diante de emergências oncológicas?

O recrutamento dos participantes e a condução das entrevistas foram realizados pela primeira autora. Durante a coleta das entrevistas, foi possível proporcionar um distanciamento para facilitar a fala do familiar, porém ele permaneceu visível para a criança. Isto porque, em geral, familiares evitam falar sobre a gravidade da doença perto de sua criança e, assim, foi realizada a distração lúdica e dialógica desta, de forma respeitosa, pela equipe de atendimento. Destaca-se ainda o atendimento a todos os cuidados recomendados diante da pandemia de Covid-19.

Não houve desistência de participação e todos os familiares abordados integraram o estudo. A amostragem foi por conveniência e a coleta foi encerrada com base no critério de saturação dos dados1414. Campos CJG, Saidel MGB. Amostragem em investigações qualitativas: conceitos e aplicações ao campo da saúde. Rev Pesq Qual [Internet]. 2022 [cited 2023 Mar 06];10(25):404-24. Available from: http://doi.org/10.33361/RPQ.2022.v.10.n.25.545
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A análise de dados seguiu as etapas da Análise Temático-Categorial. As etapas são desenvolvidas, primeiramente, com a escolha dos documentos ou definição do corpus de análise, formulação dos objetivos e elaboração dos indicadores que fundamentam a interpretação final. Em seguida, a exploração do material ou codificação processo, através do qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes ao conteúdo expresso no texto1515. Oliveira DC. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2008 [cited 2022 Nov 05];16(4):569-76.Available from: http://files.bvs.br/upload/S/0104-3552/2008/v16n4/a569-576.pdf
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Após a transcrição das entrevistas, efetuou-se uma leitura flutuante inicial, a qual gerou unidades em comum nos discursos. O conteúdo temático de cada fala foi identificado, recortado e transitado para um novo arquivo, no qual houve a possibilidade de confecção das unidades temáticas e identificação de sua recorrência nas falas dos declarantes, denominadas unidades de significação, seguidas das unidades de registro, quantificando a recorrência nos corpus analíticos1515. Oliveira DC. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2008 [cited 2022 Nov 05];16(4):569-76.Available from: http://files.bvs.br/upload/S/0104-3552/2008/v16n4/a569-576.pdf
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Os dados coletados foram interpretados à luz do Interacionismo Simbólico (IS). A partir desse referencial teórico, compreende-se que a realidade é simbólica, sendo construída mediante os processos interativos entre os sujeitos, os quais agem com base nos significados que as coisas têm para eles, ou seja, são os significados que orientam e modulam as ações e interações entre os sujeitos na vida social1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986.. Por essa razão, como o objeto de estudo envolve o contexto simbólico dos significados que os familiares de crianças com câncer atribuem às emergências oncológicas, optou-se por utilizar esse referencial teórico por considerá-lo pertinente à epistemologia do estudo.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) das instituições, proponente e coparticipante. Para realização das entrevistas, participantes e pesquisador assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para garantir a confidencialidade dos dados, todas as entrevistas e referências aos trechos de falas foram apresentadas no texto através de códigos alfanuméricos, onde “F” representa familiar, seguido de números arábicos, que remete à ordem de entrada desses participantes no estudo (F1, F2....F18).

RESULTADOS

Entre os 18 familiares participantes, 15 eram mães, dois eram pais e uma tia materna, com a idade variando entre 19 e 51 anos, com uma média de 33 anos. Quanto à escolaridade, três familiares possuíam fundamental completo, 11 declararam o ensino médio completo e quatro cursaram o ensino superior. Destaca-se que metade dos familiares participantes declarou rendimento familiar mensal de até um salário mínimo (R$ 1.100,00) e 12 famílias são compostas por mais de quatro pessoas no mesmo domicílio.

Quanto à idade da criança que acompanhavam na emergência oncológica pediátrica, esta variou entre 1 a 12 anos, com uma média de seis anos. Somente um participante acompanhava criança em tratamento de leucemia (tumor hematológico), sendo os 17 restantes familiares que acompanhavam crianças que tratavam tumores sólidos. Isto se deu porque o cenário de pesquisa é um hospital terciário especializado em oncologia pediátrica referência em tumores sólidos e raros.

Da análise, emergiriam as seguintes categorias apresentadas abaixo:

Significados que familiares atribuem às emergências oncológicas e a dinâmica familiar

Esta primeira categoria apresenta ao leitor as unidades de significação referentes à dinâmica de vida das famílias no contexto simbólico da doença oncológica e da necessidade de buscar a emergência. Os resultados denotam a vigilância constante do familiar cuidador que é, principalmente, a mãe, mas também acordos e ajustes de toda a família voltados para o cuidado à criança que está em tratamento oncológico:

Mudou bastante a minha rotina, [...] eu não durmo mais direito. Toda hora eu acordo e olho para ela para saber se ela está bem, como ontem, eu fiquei atenta o tempo todo (F2).

A mudança foi mais depois da primeira cirurgia, tive que conversar com minhas meninas [...]. A gente acabou montando um cerco em volta dessa criança para ter todos os cuidados com ele. A família toda voltada, a atenção é toda para ele, [...]. Eu falei para eles terem mais cuidado, calma, tranquilidade, paciência (F8).

As famílias relatam grandes modificações na rotina de vida após o diagnóstico do câncer infantil que também estão relacionadas com as emergências oncológicas. Os enfrentamentos oriundos do itinerário terapêutico percorrido por estas famílias são de vertentes emocionais, sociais e econômicas.

Assim que a gente começou o tratamento dele, a gente decidiu morar aqui perto. A mudança de domicílio, em questão financeira afetou muito [...]. Hoje a gente compromete quase oitenta, noventa por cento do salário, mas por ele, se fosse preciso até cem por cento ou mais, a gente daria um jeito (F10).

Eu recebo muita doação de alimentos e quantias. É esse dinheiro que a gente mexe para trazer ela para cá, para comprar alguma coisa, pois ela está na dieta. Então, eu gasto muito, com passagem então (F5).

Eu não faço nada na minha casa [...] faço no máximo comida, lavar uma louça e botar uma roupa na máquina e acabou [...]. Eu só cuido da [nome da criança], a minha vida é ela, entendeu!? Eu me sinto mal, ainda mais quando falam que ela precisa internar (F12).

Você acaba que não consegue criar uma rotina porque você não sabe o que pode te esperar. Uma hora a gente está em casa muito bem e do nada acontece alguma coisa e já tem de correr com ele. A vida mudou totalmente (F18).

O tratamento oncológico impõe algumas limitações ao cotidiano interativo das crianças, o que reflete no desenvolvimento escolar e no brincar, conforme descrito nas narrativas a seguir:

A mudança foi na escola dele. Ele estava estudando no terceiro ano, começando a ler direitinho e regrediu um pouquinho. Ele agora não quer escrever, não quer papel, não quer pintar (F8).

O [nome da criança] tinha uma vida diferente, ele brincava, ele corria, ia para a rua. Hoje em dia, ele tem uma vida mais regrada, ele não sai, ele não brinca (F14).

Além de ficarem evidentes as mudanças no cotidiano de vida dessas famílias, foi possível perceber uma dificuldade de alguns familiares em falar o termo “câncer”, o que se deve ao significado socialmente construído, pois geralmente os termos utilizados foram: “esse negócio”, “essa doença”.

Depois que eu descobri esse negócio dela, sobre essa doença, eu não durmo mais direito (F2). [...] mas aí veio a situação, o problema de saúde dele (F10).

Aqui para baixo eu não conheço nada e não aprendi ainda ir de ônibus e, por ele estar com esse probleminha, em multidão, em metrô, essas coisas... (F3).

A percepção parental de sobrecarga é algo explícito nas falas dos participantes do estudo e a emergência oncológica acaba por exacerbar a jornada exaustiva de cuidados e responsabilidades.

Então, tudo sou eu e em casa também, me sinto sobrecarregada, esqueço das coisas, esqueço o que ia fazer ou onde deixei e é tudo nas minhas costas. Hoje ela já vai ficar internada, sou eu para tudo (F5).

Assim, eu não tenho mais vida social com ninguém mais, pois se eu ficasse doente não teria mais ninguém para poder vir e cuidar dela. O pai dela é ausente, então não tem como, só eu (F16).

Interação com os profissionais de saúde na emergência oncológica pediátrica

Esta segunda categoria revela os significados do familiar na emergência oncológica pediátrica resultante da assistência/conduta dos profissionais de saúde, incluindo também os cuidados e acolhimento de enfermagem. Os resultados denotam a percepção de uma interação para o cuidado da criança e da família mediadas por amor e atenção, como destacado nas falas abaixo:

Olha... a gente quando descobre uma doença dessas e é atendida por pessoas que amam o que fazem... É o que eu falo: Existe o atendimento pelo amor e existe o atendimento pela profissão, e ali eu vejo amor (F1).

Aqui é uma atenção toda hora, porque tem lugar que te deixa ali, largou, acabou. Você não tem que estudar por dinheiro. Numa profissão dessas você tem que estudar por amor (F6).

Aqui eu sempre tive um atendimento bem diferenciado. Se eu conversar com uma enfermeira, ela me dá atenção como mãe, e ela vai me perguntar coisas e não vai direcionar para o meu esposo. Porque eu continuo sendo mãe da [nome da criança], independentemente de ser uma pessoa com deficiência e eu sempre fui muito bem tratada (F13).

A família da criança em tratamento oncológico busca, nas múltiplas interações simbólicas, confiar na equipe, em especial, quando tem a percepção do conhecimento técnico-científico dos profissionais que atuam no cuidado de sua criança.

Assim, eu penso que vocês estudam para isso. Eu tento confiar. Não adianta eu falar para você ‘não quero, não tira sangue da minha filha’. Então... se você está aqui, você estudou para isso, para cuidar da minha filha (F12).

Mesmo no contexto da emergência oncológica, familiares e profissionais se reconhecem pelo tempo e frequência nos atendimentos, criando vínculos para além do hospital.

É porque tem umas (profissionais de saúde) que são mais amigas, trocamos telefone, a gente conversa mais. (F12).

DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa denotam que os familiares de crianças com câncer apresentam vulnerabilidades socioeconômicas e emocionais que precisam ser consideradas na assistência, o que pode ser especialmente desafiador em um contexto de emergência oncológica pediátrica.

O diagnóstico de câncer na infância interfere de forma significativa no equilíbrio dinâmico da família, exigindo adaptações na dinâmica familiar com a redefinição de papéis, alterações na rotina diária e a ampliação da rede de apoio para suprir as necessidades biopsicossociais, econômicas e espirituais da família1717. Marques G. The family of the child with cancer: socioeconomic needs. Rev Gaucha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 5];38(4):e2016-0078.Available from: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.04.2016-0078
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. Assim, admite-se que o câncer na infância condiciona a natureza simbólica da vida social da criança e de sua família, influenciando seus comportamentos, ações e interações no enfrentamento da doença1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986. .

Nessa lógica, um estudo1818. Caprini FR, Motta AB. Câncer infantil: uma análise do impacto do diagnóstico. Psicol Teo Prat [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 5];19(2):164-76.Available from: http://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v19n2p161-173
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, que analisou o impacto do diagnóstico de câncer em 12 crianças com idades entre seis e 12 anos e em seus pais, identificou que mais da metade das famílias apresentava fatores de risco psicossocial em nível clínico (58,3%), sendo os problemas familiares e os problemas com a criança as condições que colocam a família da criança com câncer em uma situação de maior vulnerabilidade no que diz respeito ao diagnóstico recente.

Outro estudo1919. Paula DPS, Silva GRC, Andrade JMO, Paraiso AF. Câncer infantojuvenil do âmbito familiar: percepções e experiências frente ao diagnóstico. Rev Cuid [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 5];10(1).Available from: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v10i1.570
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realizado com 27 famílias revelou que o impacto do diagnóstico de câncer abala toda a estrutura psicológica dos pais, os quais passam a se cobrar em relação ao cuidado com o filho, devido ao medo da morte estar muito presente. Os pais sentem desespero, medo e incertezas sobre tudo o que pode acontecer com a criança. Esse resultado corrobora com os achados deste estudo no que se refere à alta cobrança no cuidado ao filho em tratamento oncológico.

Essa alta cobrança no cuidado ao filho com câncer revela a intencionalidade dos pais em prover tudo o que é necessário para mitigar o sofrimento da criança. Tal ação, à luz do interacionismo simbólico,1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986. revela uma consciência ética e humana dos pais, os quais refletem, pensam e interpretam as reações de seu filho nas interações simbólicas de cuidado.

Sobre as incertezas que permeiam o tratamento da criança com câncer, um estudo2020. Park M, Suh EE, Yu S. Uncertainty and nursing needs of parents with pediatric cancer patient in different treatment phases: a cross sectional study. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];18(8):4253.Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph18084253
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realizado com 119 familiares de crianças em tratamento oncológico revelou que os níveis de incertezas dos pais de pacientes pediátricos com câncer apresentam diferenças estatísticas significativas entre as fases do tratamento, com maior nível de incerteza no início (87.77 ± 13.43) e no curso (83.33 ± 15.10) do tratamento do que na fase pós-tratamento (75.35 ± 12.82). Em todas as fases, as demandas de cuidado de enfermagem estavam relacionadas ao controle de infecção, dieta, atividades diárias de vida e prognóstico. Depreende-se uma correlação com este estudo no que se refere às emergências oncológicas como complicações no curso da doença e do tratamento que podem aumentar as incertezas nos pais, afetando a dinâmica de vida da família.

Neste estudo, as mães participantes relataram serem as principais responsáveis pelos cuidados domiciliares desenvolvidos com as crianças e, por acompanhá-las nas emergências e sucessivas internações, permaneceram sobrecarregadas. A literatura2121. Vieira AC, Cunha MLR. My role and responsibility: mothers’ perspectives on overload in caring for children with cancer. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 05];54:e03540.Available from: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2018034603540
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reforça o presente resultado ao analisar seis mães de crianças com câncer, destacando que a sobrecarga materna vivenciada no cuidado de crianças hospitalizadas com câncer é resultado do acúmulo de estressores decorrentes do próprio cuidado e da condição de doença das crianças, especialmente devido ao diagnóstico de câncer.

A sobrecarga das mães pode ser classificada em física, financeira, de informações e emocional. Quanto à sobrecarga física, elas manifestaram fadiga física relacionada à rotina de cuidados com o filho durante a hospitalização, e no domicílio, as demandas de afazeres domésticos e de cuidar de outros familiares; a sobrecarga financeira decorrente da dependência de outros membros da família, devido ao abandono do emprego; a sobrecarga de informações de como cuidar dos filhos, aumentando a angústia e as deixando confusas; e a sobrecarga emocional resultante de todas as outras sobrecargas e estressores, como também de como lidar com a falta de compreensão de alguns profissionais e com os estigmas de pessoas em relação ao câncer2121. Vieira AC, Cunha MLR. My role and responsibility: mothers’ perspectives on overload in caring for children with cancer. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 05];54:e03540.Available from: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2018034603540
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Os resultados desta pesquisa permitem um destaque no que concerne aos reflexos socioeconômicos que o câncer infantil, o tratamento e as emergências oncológicas podem ter na dinâmica financeira das famílias. Limitações para deslocamentos, comprometimento da renda familiar e recursos escassos para dar conta da trajetória terapêutica ficaram evidentes nas falas e se correlacionam à caracterização dos participantes. Isto, por sua vez, encontra amparo nos achados de estudo desenvolvido com 55 pais/responsáveis de crianças ou adolescentes com tumores sólidos que destacou redução da renda familiar e empobrecimento das famílias após a confirmação diagnóstica. É importante destacar que, os programas e benefícios sociais possuem limitações por estarem centrados no critério renda para elegibilidade e possuem ações focalizadas que não atingem a perspectiva multidimensional das necessidades dessas famílias1111. Silva NCF, Hora SS, Lima FFS. O impacto do diagnóstico nas condições socioeconômicas das famílias de crianças e adolescentes com tumores sólidos. Rev Bras Cancerol [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 5];66(3):e131104.Available from: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.1104
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Os resultados deste estudo revelam que o tratamento oncológico impõe mudanças nos hábitos de vida da criança, como também ressignificações nas relações familiares. Em outras palavras, o tratamento oncológico demanda da criança e de sua família novos arranjos sociais, os quais reverberam em suas condutas comportamentais face às interpretações simbólicas que desenvolvem sobre a doença e o seu tratamento. Nesse período, os significados são manipulados e modificados através de um processo interpretativo, produzindo ressignificações quanto ao cuidado1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986..

Sabe-se que o câncer infantil gera uma série de impactos psicossociais e desenvolvimentais em nível individual, familiar e comunitário.2222. Boles J, Daniels S. Researching the Experiences of Children with Cancer: Considerations for Practice. Children [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 5];6(8):93.Available from: https://doi.org/10.3390/children6080093
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Para a criança, as recorrentes internações e a perda de dias letivos, de espaços coletivos de brincar e de interações trazem prejuízos para o desenvolvimento social, psicológico e educacional, o que precisa ser alvo de políticas e programas que auxiliem a socialização, mesmo durante o tratamento oncológico2323. Boles JC, Winsor DL. My school is where my friends are: Interpreting the drawings of children with cancer. J Res Child Educ [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 5];33(2):225-41. Available from: https://doi.org/10.1080/02568543.2019.1577771
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Ademais, cumpre destacar o esforço dos pais em dividir sua atenção com outros filhos, permitindo o engajamento para o cuidado da criança doente. Sobre o exposto, um estudo revelou que irmãos de crianças em terapia de câncer tiveram piores pontuações de relacionamento familiar quando comparados com a pontuação de seu irmão ou irmã doente. O mesmo estudo alerta para a eventual presença de sintomas depressivos em irmãos de crianças em terapia oncológica2424. Erker C, Yan K, Zhang L, Bingen K, Flynn EK, Panepinto J. Impact of pediatric cancer on family relationships. Cancer Med [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 5];7(5):1680-8. Available from: https://doi.org/10.1002/cam4.1393
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Em outro estudo2525. Battles H, Bedoya SZ, Pao M, Mullins LL, Wiener L. Caring for a child with cancer: the experience of the “lone” parent, and why it matters. Psycho Oncol [Internet]. 2018 [cited 2022 Nov 5];27(12):2869-72.Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/pon.4871
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identificou-se que pais solteiros relataram menor capacidade de atender às necessidades básicas de seus filhos com câncer após o diagnóstico, fato que também se repete no esforço destes em atender às necessidades emocionais de seus outros filhos após o diagnóstico de câncer.

O impacto, as preocupações e o medo relacionado ao diagnóstico da doença são observados nos depoimentos e percebidos quando os participantes evitam falar a palavra câncer, usando outros termos para se referir à doença. Esse fato é evidenciado em estudo2626. Fernandes MA, Soares AJ, Ferraz MMM, da Silva FAA, Silva JS, Carvalho RJ. Representações sociais por mães com filhos em tratamento de câncer. Rev Enferm Atual in Derme [Internet]. 2019 [cited 2022 Nov 5];11(1):27-31.Available from: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.2337
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no qual foi observado que as mães, assim como outros membros da família, significaram a palavra câncer como palavra ruim e como a pior das doenças, evocando sentimentos negativos como tristeza, medo, aflição, fé, impacto, esperança, questionamentos, morte, dor, desespero e sofrimento.

Contudo, é possível que os processos interativos estabelecidos entre os familiares e os profissionais de saúde, como também entre os próprios familiares que vivenciam o câncer infantil, auxiliem os participantes desta pesquisa a ressignificarem a doença e o seu tratamento, não associando-a a uma sentença de morte, pois é a partir do processo interativo entre os seres humanos que os significados são elaborados e podem ser modificados1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986..

Quanto à interação com os profissionais de saúde na emergência oncológica pediátrica, os familiares relataram se sentir acolhidos, respeitados e exercitam confiança nos cuidados prestados pela equipe de saúde, com destaque de participantes para a assistência humanizada e holística da equipe de enfermagem. Esses significados quanto aos cuidados profissionais à criança com câncer, chamam atenção para a qualidade das interações estabelecidas entre os familiares e os profissionais de saúde, haja vista que eles não são inerentes ao objeto em tela, como também não emanam de elementos psicológicos da pessoa, mas surgem do processo interativo entre as pessoas, mediante a interpretação, a partir da qual são usados e revisados como instrumentos para guiar e formar ações1616. Blumer H. Symbolic Interactionism: Perspective and Method. California: University of California Press; 1986..

O cenário das emergências pediátricas se apresenta como um ambiente difícil para a criança e sua família. A equipe de enfermagem tem o papel de acolher e dispor as informações necessárias para o esclarecimento da família sobre as ações e as intervenções implementadas no atendimento emergencial. Fornecer informações, esclarecimentos que possam auxiliar os familiares na busca do atendimento emergencial, facilita e proporciona uma sensação positiva de segurança, aproximando a família dos recursos assistenciais de urgência que podem suavizar a situação fatigante que vivenciam2727. Santos KCO, Oliveira ICS, Martinez EA, Azevedo MSN, Carmo SA. Nursing professionals’ performance regarding the transmission of information to the relatives of children admitted to emergency care units. Rev Pesq Cuid Fundam Online [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 05];12:1087-92.Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.7994
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O câncer infantil impacta na dinâmica familiar causando alterações por situações estressoras do câncer e das emergências advindas do tratamento. Assim, surge a necessidade de uma comunicação efetiva entre profissionais e familiares de crianças em tratamento oncológico com vistas ao acolhimento e apoio2828. Freitas ACM, Vilela AL, Ferraz GFL, Marcon G, Quelho Filho JL, Gonçalves LC, et al. Abordagem psicossocial do diagnóstico inicial na oncopediatria. REAS [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];13(2):e5546.Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e5546.2021
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Com relação aos elementos de qualidade da interação destacados pelos participantes desta pesquisa, tais como: amor, atenção, vínculo e confiança, a literatura2828. Freitas ACM, Vilela AL, Ferraz GFL, Marcon G, Quelho Filho JL, Gonçalves LC, et al. Abordagem psicossocial do diagnóstico inicial na oncopediatria. REAS [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];13(2):e5546.Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e5546.2021
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corrobora com esse estudo ao destacar que o enfermeiro que cuida tem como vantagem a possibilidade de compreender a família e a criança com câncer como seres únicos, captar e identificar seus sentimentos e emoções, reconhecendo a sua singularidade e totalidade. Nessa conjuntura, a escuta empática, o fortalecimento de vínculo e a valorização das crenças da família são estratégias que os enfermeiros devem lançar mão para promover uma boa interação com as famílias2929. Schwertner MVE, Nietsche EA, Salbego C, Pivetta A, da Silva TC, Stochero HM. Strategies for aid to families in the course of post-diagnosis of child cancer. Rev Pesq Cuid Fundam [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];13:443-50.Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v13.7543
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Os enfermeiros desempenham um papel fundamental na emergência oncológica pediátrica, na medida em que identificam as necessidades de cada paciente/família e, juntamente com a equipe multidisciplinar, são capazes de propor intervenções e adaptações. Assim, o investimento dos enfermeiros na interação afetiva com a criança e com sua família, manifestado por voz meiga, olhar com ternura, uso de expressões verbais acolhedoras, empatia, reforço positivo e expressões gestuais de simpatia, diminuem o distanciamento e podem ser consideradas estratégias de interação facilitadoras para as relações de cuidado2828. Freitas ACM, Vilela AL, Ferraz GFL, Marcon G, Quelho Filho JL, Gonçalves LC, et al. Abordagem psicossocial do diagnóstico inicial na oncopediatria. REAS [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 5];13(2):e5546.Available from: https://doi.org/10.25248/reas.e5546.2021
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Em síntese, os significados que foram evidenciados neste estudo apontam as emergências oncológicas para além dos distúrbios clínicos das crianças. As complicações clínicas que impulsionam a busca da emergência estão intimamente associadas a outras complicações na dinâmica familiar, ainda pouco consideradas na prática assistencial, tais como a escassez de recursos financeiros, a mudança da dinâmica familiar, o prejuízo do desenvolvimento da criança na escola e na socialização, a vigilância constante do cuidador principal para súbitas complicações e a consequente sobrecarga parental. As interações com os profissionais foram apontadas como significantes para a percepção de um cuidado zeloso e confiável à criança.

As limitações do estudo estiveram relacionadas ao número reduzido de instituições especializadas em oncologia no município do Rio de Janeiro, no âmbito do Sistema Único de Saúde, que possuem emergência oncológica pediátrica, sendo possível a realização do estudo em apenas uma unidade. Outra limitação importante foi a necessidade de adequar a coleta de dados ao período pandêmico de COVID-19, o que reduziu o acesso aos demais familiares, possibilitando a coleta apenas do familiar que estava como acompanhante.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados, compreende-se que os familiares de crianças com câncer significam as emergências oncológicas a partir da realidade familiar em termos socioeconômicos e emocionais e das interações com os profissionais de saúde. A esse respeito, os achados deste estudo revelam um contexto de incertezas, alterações na dinâmica familiar, sobrecarga materna e demandas familiares de cuidado de natureza social, emocional, econômica e psicológica.

Ademais, compreendeu-se que as interações com os profissionais de saúde da unidade de emergência oncológica possibilitaram a elaboração de significados que permitem a percepção de uma assistência profissional humanizada, baseada em vínculos afetivos e na confiança técnico-profissional para o cuidado da criança.

Os resultados apresentados possibilitam avanços no contexto da Enfermagem de Família e da Enfermagem Oncológica Pediátrica ao viabilizarem uma compreensão sobre os impactos do câncer infantil na organização familiar perante as emergências oncológicas, como também ao apontarem o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema ancoradas na perspectiva do avanço de estratégias de cuidado centrado na família.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - A dinâmica familiar da criança com câncer frente às emergências oncológicas em tempos de pandemia de covid-19, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em 2022.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, parecer 4.453.678, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 40619320.4.0000.5285. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer, parecer 4.494.280, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 40619320.4.3001.5274.

Editado por

Editores Associados:

Luciara Fabiane Sebold, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda

Editor-chefe:

Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2022
  • Aceito
    20 Mar 2023
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