Acessibilidade / Reportar erro

INICIAÇÃO SEXUAL PRECOCE DE ADOLESCENTES MASCULINOS EM CONTEXTO DE DIVERSIDADE DE GÊNERO

RESUMO

Objetivo:

compreender o processo de iniciação sexual precoce de adolescentes escolares masculinos em contexto de diversidade de gênero, à luz da Teoria de Madeleine Leininger.

Método:

pesquisa descritiva, exploratória de abordagem qualitativa, realizada com 18 adolescentes escolares na cidade do Recife-Pernambuco, Brasil. As entrevistas individualizadas ocorreram nos meses de junho a dezembro de 2019 e, para produção do material empírico, empregou-se um roteiro de entrevista semiestruturado. Como recurso analítico, recorreu-se ao software IRAMuTeQ® para categorização dos dados na modalidade temática.

Resultados:

a partir das entrevistas, emergiram quatro eixos temáticos: Fatores influenciadores na iniciação sexual precoce; Vivência na iniciação sexual precoce; Identidade de gênero em contexto de múltiplas masculinidades e aspectos culturais relacionados à iniciação sexual precoce. A iniciação sexual constitui-se como um requisito para o adolescente masculino ser respeitado e aceito em um grupo. Compreende-se que a sexarca precoce delimita-se principalmente pela imaturidade emocional e carência de conhecimentos, expondo-os a situações de vulnerabilidades.

Conclusão:

os tabus inibem o estabelecimento de relações dialógicas no contexto familiar e no cenário escolar, configurando situações de vulnerabilidades para a iniciação sexual precoce, diante das descobertas da sexualidade em contexto de diversidade de gênero. Torna-se essenciais ações interdisciplinares e intersetoriais, com ênfase no papel articulador do enfermeiro, para fomentar espaços dialógicos de cuidado congruente para com o adolescente visando a construção de conhecimentos sobre a diversidade de gênero e a iniciação sexual segura.

DESCRITORES:
Adolescente; Sexualidade; Comportamento sexual; Diversidade de gênero; Masculinidade; Educação em saúde

ABSTRACT

Objective:

to understand the early sexual initiation process among male adolescents attending school in the context of gender diversity, in the light of Madeleine Leininger's Theory.

Method:

a descriptive and exploratory research study with a qualitative approach, conducted with 18 adolescents attending school in the city of Recife-Pernambuco, Brazil. The individual interviews were conducted from June to December 2018 and a semi-structured interview script was used to produce the empirical material. As analytical resource, the IRAMuTeQ® software was resorted to in order to categorize the data in the thematic modality.

Results:

four thematic axes emerged from the interviews, namely: Influencing factors in early sexual initiation; Experience in early sexual initiation; Gender identity in the context of multiple masculinities; and Cultural aspects related to early sexual initiation. Sexual initiation emerges as a requirement for male adolescents to be respected and accepted in a group. It is understood that early sexual initiation is mainly characterized by emotional immaturity and by lack of knowledge, exposing adolescents to situations of vulnerabilities.

Conclusion:

taboos inhibit the establishment of dialogical relations in the family context and in the school setting, configuring situations of vulnerability for early sexual initiation, given the findings of sexuality in the context of gender diversity. Interdisciplinary and intersectoral actions, with emphasis on nurses' articulating role, become essential to foster dialogical spaces of congruent care for adolescents aiming at constructing knowledge about gender diversity and safe sexual initiation.

DESCRIPTORS:
Adolescent; Sexuality; Sexual behavior; Gender diversity; Masculinity; Education in health

RESUMEN

Objetivo:

comprender el proceso de iniciación sexual temprana de adolescentes varones que asisten a la escuela en el contexto de la diversidad de género, a la luz de la Teoría de Madeleine Leininger.

Método:

investigación descriptiva y exploratoria con enfoque cualitativo, realizada con 18 adolescentes que asisten a la escuela en la ciudad de Recife-Pernambuco, Brasil. Las entrevistas individualizadas tuvieron lugar en los meses de junio a diciembre de 2019, y para producir el material empírico se empleó un guion de entrevista semiestructurado. Como recurso analítico, se recurrió al programa de software IRAMuTeQ® para categorizar los dados en la modalidad temática.

Resultados:

surgieron cuatro ejes temáticos a partir de las entrevistas, a saber: Factores que ejercen influencia en la iniciación sexual temprana; Experiencia en la iniciación sexual temprana; Identidad de género en el contexto de múltiples masculinidades; y Aspectos culturales relacionados con la iniciación sexual temprana. La iniciación sexual emerge como requisito para que los adolescentes varones sean respetados y aceptados en un grupo. Se entiende la iniciación sexual temprana está principalmente caracterizada por inmadurez emocional y carencia de conocimientos, exponiendo a los adolescentes a situaciones de vulnerabilidad.

Conclusión:

los tabús inhiben la posibilidad de establecer relaciones de diálogo en el contexto familiar y en el ambiente escolar, configurando situaciones de vulnerabilidad para la iniciación sexual temprana, frente a lo descubierto sobre la sexualidad en el contexto de la diversidad de género. Es esencial implementar acciones interdisciplinarias e intersectoriales, con énfasis el rol articulador de los enfermeros, a fin de fomentar espacios dialógicos de atención congruentes con los adolescentes y con el objetivo de construir conocimientos sobre diversidad de género e iniciación sexual segura.

DESCRIPTORES:
Adolescente; Sexualidad; Conducta sexual; Diversidad de género; Masculinidad; Educación en salud

INTRODUÇÃO

A sexualidade é construída a partir das experiências vivenciadas por meio de um processo contínuo na vida do ser humano, por meio de uma aprendizagem constante e permeada por concepções históricas, sociais e culturais11. Silva SMDT, Ferreira MMSV, Amaral-Bastos MM, Monteiro MAJ, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 10];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO...
. Emerge um entendimento da sexualidade como parte integrante de uma identidade individual, sendo influenciada por atitudes sociais que afetam tanto o comportamento sexual quanto a totalidade do funcionamento humano22. Ventriglio A, Bhugra D. Sexuality in the 21st Century: sexual fluidity. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 11];29:30-4.Available from: https://www.easap.asia/index.php/find-issues/current-issue/item/834-1903-v29n1-p30
https://www.easap.asia/index.php/find-is...
.

Os contextos sociais e culturais influenciam significativamente a integração de cada indivíduo22. Ventriglio A, Bhugra D. Sexuality in the 21st Century: sexual fluidity. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 11];29:30-4.Available from: https://www.easap.asia/index.php/find-issues/current-issue/item/834-1903-v29n1-p30
https://www.easap.asia/index.php/find-is...
. Portanto, no mundo contemporâneo, a sexualidade e as relações de gênero podem influenciar-se mutuamente, repercutindo nas escolhas e nas práticas sexuais dos adolescentes33. Kågesten AE, Pinandari AW, Page A, Wilopo SA, Van Reeuwijk M. Sexual wellbeing in early adolescence: a cross-sectional assessment among girls and boys in urban Indonesia. Reprod Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Sep 11];18(1):153.Available from: https://doi.org/10.1186/s12978-021-01199-4
https://doi.org/10.1186/s12978-021-01199...
. Inúmeros requisitos comportamentais e atitudinais são socialmente estabelecidos ao adolescente na construção de sua masculinidade, concorrendo para situações de vulnerabilidade, como a violência, a internalização das emoções e o assédio sexual44. Carvalho APM. Espaço de meninos: reflexões sobre a construção das masculinidades por adolescentes de uma escola pública do município do Rio de Janeiro. Revista Crítica Histórica [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 15];11(22):153-69.Available from: https://doi.org/10.28998/rchv11n22.2020.0008
https://doi.org/10.28998/rchv11n22.2020....
.

A abordagem de gênero está ancorada nas circunstâncias vivenciadas ao longo da vida em uma concepção não binária, por considerar um contexto de diversidade de gênero caracterizado por constituir múltiplas possibilidades de uma autopercepção não restrita às questões biológicas, e que não se enquadram em padrões de cisheteronormatividade55. Guimarães J, Cabral CS. Pedagogies of sexuality: discourses, practices and (mis)encounters in integrated health care for adolescentes. Pro-Posições [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 29];33:e20200043EN.Available from: http://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0043EN
http://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-00...
.

É válido ressaltar que a invisibilização das demandas sociais, a negação da subjetivação e da construção da identidade masculina, considerando as diversidades de gênero, é capaz de propiciar condições correlacionadas a padrões de vulnerabilidade à saúde, com destaque para a Iniciação Sexual Precoce (ISP) desse grupo minoritário66. Santana ADS, Araújo EC, Abreu PD, Lyra J, Lima MS, Moura JWS. Health vulnerabilities of transgender sex workers: An integrative review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 20];30:e20200475.Available from: http://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0475
http://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-202...
.

A ISP é definida como a sexarca antes dos 15 anos de idade.77. Arruda EPT, Brito LGO, Prandini TR, Lerri MR, Reis RM dos, Barcelos TMR, et al. Sexual Practices During Adolescence. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 21];42(11):731-8.Available from: https://doi.org/10.1055/s-0040-1713411
https://doi.org/10.1055/s-0040-1713411...
Estudos realizados no Brasil,88. Araújo WJS, Moura MIA, Bragagnollo GR, Camargo RAA de, Monteiro EMLM. Factors related to the initiation of early sexual practices in adolescence: an integrative review. Res Soc Dev [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 02];10(14):e504101422505.Available from: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.22505
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.2250...
nos Países do Caribe99. Pengpid S, Peltzer K. Prevalence and correlates of sexual risk behavior among school-going adolescents in four Caribbean Countries. Behav Sci [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 07];10(11):166.Available from: https://doi.org/10.3390/bs10110166
https://doi.org/10.3390/bs10110166...
e no Reino Unido1010. Xu Y, Norton S, Rahmanautor Q. Adolescent sexual behavior patterns in a British Birth cohort: a latent class analysis. Arch Sex Behav [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 08];50(1):161-80.Available from: https://doi.org/10.1007/s10508-019-01578-w
https://doi.org/10.1007/s10508-019-01578...
mostram que os principais fatores associados à ISP são: questões sociodemográficas (identidade de gênero, idade, cor, religião, início da puberdade, tempo de escolaridade), relações interpessoais e comportamentais, consumo de psicoativos (álcool, cigarro e drogas ilícitas) e exposição a situações de vulnerabilidade.

Ressalta-se que a ocorrência de uma sexarca precoce exerce influências na construção da personalidade e na vida sexual dos adolescentes masculinos, reforçando a necessidade de acesso às orientações para a promoção da Saúde Sexual1111. Spinola MCR. Fatores associados à iniciação sexual precoce de adolescentes em Santarém, Pará. SANARE Rev Polit Públicas [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 08];19(1):36-47. Available from: https://doi.org/10.36925/sanare.v19i1.1385
https://doi.org/10.36925/sanare.v19i1.13...
. A Educação em saúde sexual e reprodutiva, voltada aos adolescentes masculinos que experienciam aspectos relacionados à vivência e à percepção intrínseca da diversidade de gênero, requer um referencial teórico que subsidie as ações do cuidado em Enfermagem.

Emerge o papel do enfermeiro, como um articulador de ações intersetoriais entre a educação e a saúde, em diversos contextos mundiais, ampliando os cenários dialógicos sobre a temática em articulação com o contexto familiar1212. Pereira MD, Moutian I, Faria RGS, Cordeiro DR, Viegas SMF. Intersectoral actions between health and education: notes on the Health at School Program. Physis [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 09];31(2):1-21.Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310224
https://doi.org/10.1590/S0103-7331202131...
.

Nesta pesquisa, optou-se pela Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural (TDUCC), de Madeleine Leininger, que propõe uma conexão entre a Enfermagem e a Educação, a partir das necessidades de saúde do adolescente, e expressa a importância dos fenômenos culturais nos processos de saúde-doença1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006.. Diante do exposto, este estudo objetivou compreender o processo de iniciação sexual precoce de adolescentes escolares masculinos em contexto de diversidade de gênero, à luz da Teoria de Madeleine Leininger.

MÉTODO

Estudo descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, fundamentado na Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural (TDUCC)1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006.. A escolha da teoria justifica-se pela finalidade de alcançar a compreensão sobre a construção e a vivência da ISP de adolescentes em contexto de diversidade de gênero, no qual os valores e as crenças são determinantes da cultura desse grupo minoritário e que podem contribuir na oferta de cuidados de enfermagem.

A pesquisa ocorreu em uma escola pública estadual de educação básica, na cidade do Recife/PE. O estabelecimento dispõe de ensino a partir do 5º ano e não dispõe do Programa Saúde na Escola. A equipe pedagógica e gerencial relatou a existência de fatores de vulnerabilidade à saúde entre os escolares, como: consumo de álcool e drogas, bullying, gravidez na adolescência e ISP.

Foram incluídos adolescentes masculinos com a idade entre 15 e 19 anos em contexto de diversidade de gênero e que iniciaram as práticas sexuais. Foram excluídos os adolescentes com laudo médico, que apresentaram repercussões cognitivas com necessidade de ensino especial e os que estavam participando de outro estudo com foco em sexualidade durante a coleta dos dados. Optou-se por esta faixa etária para oportunizar um discurso sobre a temática com maior maturidade, possibilitando o relato de vivências precoces de iniciação sexual com uma maior precisão dos relatos.

Para a captação dos participantes, foi aplicado o método snowball1414. Bockorni BRS, Gomes AF. A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da administração. Rev Ciênc Empresariais UNIPAR [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 09];22(1):105-17.Available from: https://doi.org/10.25110/receu.v22i1.8346
https://doi.org/10.25110/receu.v22i1.834...
. O primeiro participante foi convidado por indicação da gestão escolar, durante uma reunião com a participação dos professores. Este participante, denominado semente, iniciou a sequência de indicações de novos integrantes ao estudo. Assim, cada recém integrante realizava uma nova indicação.

Para determinar o número de participantes, foi utilizado o critério de saturação teórica1515. Fontanella BJB, Ricas MGB, Turato, J. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 [cited 2022 Oct 09];24(1):17-27.Available from: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
. Constatou-se que a saturação dos dados ocorreu na entrevista 14, na qual nenhuma nova informação foi identificada ou considerada relevante para a pesquisa. Optou-se por realizar ainda mais 4 entrevistas, para assegurar a confirmação da saturação, definindo-se a composição da amostra em 18 adolescentes.

A coleta de dados iniciou-se com a inserção prévia do autor principal no ambiente escolar, para o reconhecimento do contexto dos participantes. As rotinas escolares foram exploradas e os encontros favoreceram as aproximações dos pesquisadores com o grupo de alunos que foi convidado a participar da pesquisa, com o apoio do gestor escolar e dos professores.

O estudo foi apresentado nas salas de aula a fim de convidar os estudantes interessados. Estes foram direcionados a uma sala reservada, para receberem orientação quanto ao preenchimento e à assinatura das anuências formais, a saber: Termo de Assentimento Livre e Esclarecido para menores de 18 anos; Termo de Consentimento Livre Esclarecido para os pais ou responsáveis dos adolescentes menores de 18 anos e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os adolescentes a partir de 18 anos.

Para produção dos dados, foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada validado com embasamento na literatura, bem como por três especialistas na área da sexualidade, sendo um enfermeiro, um pedagogo e um psicólogo. A primeira parte do formulário contou com dados de caracterização dos participantes, incluindo orientação sexual, idade, idade da primeira relação sexual, religião, etnia e renda familiar, seguidos pela segunda parte, que contou com um roteiro de entrevista.

No início da fase de coleta, com a finalidade de verificar a adequação do roteiro quanto à clareza das questões e correlação aos objetivos do estudo, realizou-se um teste piloto com três adolescentes, que não compuseram a amostra, subsidiando modificações necessárias na apresentação do roteiro de entrevista aplicado. Ele foi composto pelos questionamentos: 1) Quais os fatores que você identifica que concorreram para a sua iniciação sexual? 2) Como você descreve a sua vivência na iniciação sexual? 3) Como você percebe a sua identidade de gênero? 4) Que conhecimentos e condições você considera necessários para o adolescente masculino sentir-se preparado para iniciar a sua atividade sexual?

As entrevistas ocorreram nos meses de junho a dezembro de 2019, em ambiente escolar reservado, com duração média de 40 minutos, registradas mediante gravação e transcrição dupla na íntegra. Os dados foram validados pelos adolescentes no cenário escolar, mediante leitura e anuência das transcrições realizadas, por meio de agendamento por telefone.

Para a análise dos dados, constituiu-se um banco de dados com as respostas oriundas das entrevistas, ou corpus textual, que, posteriormente, foi submetido a uma análise estatística lexicográfica pelo software IRAMuTeQ® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que gerou a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). A organização dos dados para análise no software seguiu os procedimentos recomendados,1616. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 10];52:e03353.Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201701...
a saber: organização do conteúdo textual no software Libre Office; definição da linha de comando para cada entrevista por meio de marcadores em asteriscos; construção do conteúdo de forma monotemática com remoção das perguntas e dos parágrafos, uniformização de siglas ou palavras compostas pelo símbolo underline, inclusão de números na forma de algoritmo e exclusão de símbolos como aspas, apóstrofo, hífen, cifrão, percentagem, reticências e asterisco no corpus textual. Esta organização resultou em um corpus textual de 70 páginas. O software analisou as repetições vocabulares contidas no corpus textual e realizou agrupamentos temáticos entre os segmentos de texto (ST) que se constituíram em classes, resultando na formação gráfica pelo método Reinert1616. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 10];52:e03353.Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201701...
.

A interpretação dos dados baseou-se no “Modelo Sunrise” da TDUCC, para a compreensão das dimensões da estrutura cultural e social na complexidade da atenção à saúde, diante das influências das condições de vidas humanas, analisadas a partir do ponto de vista dos participantes. Desse modo, foi possível obter informações sobre os significados relacionados aos cuidados em saúde e direcionar a atenção do enfermeiro para os conhecimentos que envolvem a vivência na ISP sob o olhar dos adolescentes masculinos em contexto de diversidade de gênero1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

Foram garantidos tanto o sigilo das informações pessoais dos participantes quanto o anonimato. Foram atribuídos codinomes da mitologia grega aos participantes. A construção do manuscrito seguiu as recomendações do COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research) traduzido e validado para a língua portuguesa, atendendo às exigências científicas para os estudos qualitativos1717. Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE02631.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO...
.

O estudo atendeu aos preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, obtendo aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa dezoito adolescentes masculinos em contexto de diversidade de gênero, entre 15 e 19 anos, com idade média de 18,3 anos. A menor idade relatada para a primeira relação sexual foi de 10 anos e a maior, 17 anos de idade, apresentando média de 13,6 anos. Em relação à orientação sexual, treze adolescentes reconhecem-se como heterossexuais, quatro homossexuais e um transexual; quatorzes adolescentes se autodeclararam negros ou pardos; a maioria tem renda familiar de até dois salários-mínimos. No que concerne aos aspectos religiosos, cinco afirmaram ser evangélicos; quatro católicos; um candomblecista; e oito adolescentes referiram não ter religião, porém afirmaram acreditar em Deus.

Os dados coletados por meio de dezoito entrevistas formaram o Corpus Textual “ISP de adolescentes masculinos na diversidade de gênero”, que gerou 432 Segmentos de Textos (ST), relacionando 2.112 vocábulos que ocorreram 15.138 vezes. Destes ST, 346 foram considerados estatisticamente válidos pelo software, o que corresponde a 80,09% de aproveitamento de todo material, gerando quatro classes. Na leitura do dendrograma (Figura 1) realizada da esquerda para direita, conforme recomendado pelo Iramuteq® 0.7, o corpus foi dividido em dois subcorpus: o da esquerda sofreu duas subdivisões emergindo as classes 3, 2 e 1; o da direita sofreu uma subdivisão originando a classe 4, onde é possível observar a associação de vocábulos predeterminados em resposta ao objeto do estudo, sendo consideradas com significância e alta significância estatística os valores p<0,005 e p<0,0001 respectivamente, após aplicação da prova do qui-quadrado.

Figura 1 -
Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) do corpus sobre iniciação sexual precoce de adolescentes masculinos em contexto de diversidade de gênero. Recife, PE, Brasil, 2020.

Na análise do dendrograma proveniente da CHD, observa-se pelas chaves de ligações que a Classe 1 contém um tema que sustenta as demais. As Classes 3 e 2 são as mais próximas, separadas da Classe 4. Isso possibilitou formular o primeiro eixo temático (Classe 3), intitulado Fatores influenciadores na ISP. Esta classe caracteriza-se pelo maior nível de porcentagem, expressando os fatores que, possivelmente, foram os gatilhos para a iniciação da prática sexual precoce dos adolescentes pesquisados. Tal fato demarca uma nova etapa na vida deste público, pois, constitui-se um momento de (re)descoberta da sua sexualidade, vivida na inter-relação com os seus pares e que engloba a integralidade do ser adolescente, sendo marcada por questões intersubjetivas e simbólicas, podendo interferir negativamente no aflorar da saúde sexual.

[...] o desejo, a curiosidade [...] sofri pressão psicológica por partes dos amigos [...] assistia filmes eróticos para aprender mais (Hefesto). [...] sofri pressão psicológica exercida pelos meus amigos. Decidi transar, porque tive medo de ser excluído do meu grupo social (Hélios).

[...] eu vivia com amigos falando sobre sexo, assistia vídeos eróticos na internet e nas redes sociais. Meus amigos falavam sobre minha idade e diziam que era hora de transar (Eros). [...] na minha primeira vez, eu estava bêbado e tinha usado maconha (Dionísio).

[...] a vontade de iniciar minha vida sexual foi aumentando e despertou em mim curiosidade em saber como seria [...] então decidi iniciar por vontade própria (Himeneu). [...] sofri pressão psicológica por parte da minha prima, eu não tinha sentimentos por ela [...] ela forçou a barra até acontecer o ato sexual (Éos).

Com 27,5% dos ST, o segundo eixo temático (Classe 2) foi nomeado como Vivência na ISP; classe que está diretamente relacionada aos desafios postos socialmente pelas descobertas decorrentes das primeiras experiências de uma prática sexual precoce. Sentimentos de um prazer momentâneo com a eclosão da sexualidade subordinam-se àqueles reconhecidos como ausência de preocupação, tranquilidade, estranheza, indiferença e frustração, retratando diferentes percepções associadas às questões de gênero, religião e saúde.

[...] na minha iniciação sexual senti uma sensação única [...] não usei preservativo [...] na minha cabeça eu só queria transar. Eu não estava preocupado com gravidez, aids, sífilis, por isso eu nem pensei (Hélios). [...] minha primeira vez foi com um homem [...] na hora senti prazer, mas foi algo que não agregou nada em minha vida (Afrodite).

[...] nós éramos evangélicos e transar antes do casamento é algo complicado. Me senti estranho no momento do ato sexual (Hades). [...] minha iniciação sexual aconteceu com uma garota de programa [...] foi muito ruim e nunca mais voltei naquele lugar (Dionísio).

[...] foi estranha essa experiência, nunca tinha acontecido comigo [...] durante o ato sexual, ela não foi grosseira comigo, porém, pedia que eu batesse nela [...] no momento foi bom. E só depois fiquei pensando na situação (Anteros). [...] conheci a prima de uma amiga numa festa [...] estávamos bêbados e acabamos transando [...] não foi como mostram os vídeos eróticos. Ao término da relação sexual, me senti preocupado, porque tenho medo de engravidar alguma mulher (Ares).

O terceiro eixo temático (Classe 4), apresentado como Identidade de gênero em contexto de múltiplas masculinidades, refere-se à percepção dos adolescentes acerca da identidade de gênero em um contexto de diversidade. Esta classe constituiu-se de 22,8% dos ST. Ainda é possível visualizar, na construção social masculina, a determinação de valores culturais machistas, que tendem a reproduzir relacionamentos conflituosos diante da intolerância com o diferente. No cenário familiar, alguns adolescentes que se autodeclaram homossexuais e afirmaram exposição a situações de opressão e intolerância, por meio de discursos homofóbicos, podendo envolver agressões psicológicas e físicas, com o intuito de “readaptar” o adolescente masculino às normas cis heteronormativas.

[...] minha identidade de gênero gerou conflitos. Quando meus amigos descobriram minha condição sexual me excluíram do convívio social (Zeus). [...] sinto atração por pessoas do mesmo sexo que o meu. Descobri desde a infância, eu já me sentia diferente das outras pessoas. Meu pai não me aceita. Já vivenciei agressões verbais na escola [...] usam palavras de baixo nível [...] atitudes grosseiras como empurrões (Apolo).

[...] sinto atração por homens. Descobri na minha primeira relação sexual. Minha identidade de gênero causou vários conflitos na escola, sofri agressão física por parte dos meus colegas. Os conflitos familiares aconteciam por meio de agressões verbais, até da minha mãe (Poseidon). [...] tenho atração por mulheres. Descobri porque veio de sangue. Tive aconselhamento do meu pai e meus avôs, falando sobre as mulheres. Então segui o caminho abençoado. Eu me amei ao descobrir que gosto de mulheres, porque, tem um período na adolescência que ficamos em dúvida (Dionísio).

[...] só gosto de mulheres. Meu pai quem me ensinou na infância, que era melhor ficar com mulher, pois, a sociedade discrimina e agride quem é homossexual (Príapo). [...] tenho atração por mulheres [...] já é do instinto do homem. Nascemos para gostar apenas de mulheres (Himeros).

A Classe 1 representa o quarto eixo temático, denominado Aspectos culturais relacionados à ISP, contou com 21,4% dos ST e faz referência às influências culturais vivenciadas pelos adolescentes masculinos durante a fase de descoberta sexual. A adolescência é marcada por uma fase que anseia pela interação com os seus pares, em busca de novas descobertas, gerando embates emocionais frente às construções transgeracionais de crenças, valores e costumes culturais.

[...] as músicas da atualidade estimulam o adolescente a iniciar sua atividade sexual, porque elas só falam sobre sexo (Hermes). [...] o adolescente precisa ter o orgasmo e a vontade, entender que é simplesmente uma diversão [...] é preciso ser popular na sociedade [...] que saibam dançar, porque as meninas já pensam em ficar conosco (Pothos).

A dança e alguns ritmos musicais favorecem a uma melhor interação entre os indivíduos (Hélios). [...] meus familiares são evangélicos e me pressionavam [...] diziam que era errado ser homossexual e transar antes do casamento (Apolo).

O livre acesso à internet e sites de conteúdo eróticos acaba estimulando o adolescente a querer praticar sexo o mais rápido possível (Dionísio). [...] o uso de aplicativos de conversa estimula bastante a iniciação sexual dos adolescentes, principalmente nos grupos de amigos, pois fala-se muitas coisas sobre sexo (Deméter).

DISCUSSÃO

Os participantes do estudo apresentaram baixo nível socioeconômico, a maioria não referiu prática religiosa e houve prevalência de adolescentes que se autodeclararam pretos e pardos. A literatura aponta que este perfil está fortemente relacionado à prática sexual precoce e, consequentemente, aos comportamentos considerados de vulnerabilidade à saúde1919. Vieira KJ, Barbosa NG, Dionízio LA, Santarato N, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA. Initiation of sexual activity and protected sex in adolescents. Esc Anna Nery [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 15];25(3):e20200066.Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0066
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
-2020. Alves JSA, Gama SGN da, Viana MCM, Martinelli KG, Santos Neto ET dos. Socioeconomic characteristics influence attitudes towards sexuality in adolescents. J Hum Growth Dev [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 18];31(1):101-15.Available from: https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084
https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084...
.

Para compreender questões de vulnerabilidade relacionadas ao processo de ISP de adolescentes escolares masculinos, em contexto de diversidade de gênero, emerge uma ancoragem na Teoria Transcultural de Leininger. Esta considera essenciais os aspectos históricos, políticos e socioculturais para consolidar uma proposta integral de cuidado à saúde com esse grupo populacional,1212. Pereira MD, Moutian I, Faria RGS, Cordeiro DR, Viegas SMF. Intersectoral actions between health and education: notes on the Health at School Program. Physis [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 09];31(2):1-21.Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310224
https://doi.org/10.1590/S0103-7331202131...
uma vez que este público se encontra em desenvolvimento biopsicossociocultural ainda em construção1818. Silva AJC da, Trindade RFC da, Oliveira LLF de. Presumption of sexual abuse in children and adolescents: vulnerability of pregnancy before 14 years. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 10];73(Suppl 4):e20190143.Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0143
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
.

Segundo a teórica, as representatividades da visão de mundo e dos sistemas sociais levam em consideração a percepção dos aspectos e modos de viver, hábitos e comportamentos que são representados como parte integrante da cultura, relacionando as influências dos padrões de cuidados integrais em saúde e o bem-estar, que repercutem sobre as experiências vivenciadas ao longo da vida do ser adolescente1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

A média de 13,6 anos de idade, para a iniciação sexual dos adolescentes deste estudo, corrobora com os dados encontrados em estudo realizado com escolares do ensino público no município Pouso Alegre, Minas Gerais, que apresentaram média de 13,8 anos de idade1818. Silva AJC da, Trindade RFC da, Oliveira LLF de. Presumption of sexual abuse in children and adolescents: vulnerability of pregnancy before 14 years. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 10];73(Suppl 4):e20190143.Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0143
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
. Ademais, adolescentes masculinos iniciam as atividades sexuais mais precocemente e apresentam um maior quantitativo no número de relacionamentos vivenciados, quando comparado ao gênero feminino.99. Pengpid S, Peltzer K. Prevalence and correlates of sexual risk behavior among school-going adolescents in four Caribbean Countries. Behav Sci [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 07];10(11):166.Available from: https://doi.org/10.3390/bs10110166
https://doi.org/10.3390/bs10110166...
O entendimento de uma ISP também é influenciado pela imaturidade emocional e carência de conhecimentos pertinentes, expondo-os a situações de vulnerabilidades1919. Vieira KJ, Barbosa NG, Dionízio LA, Santarato N, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA. Initiation of sexual activity and protected sex in adolescents. Esc Anna Nery [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 15];25(3):e20200066.Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0066
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
.

A Classe 3 da CHD originou palavras referentes aos fatores influenciadores da ISP dos adolescentes masculinos em diversidade de gênero, sendo um fenômeno que transcende os aspectos ligados ao determinismo sexual, capaz de aumentar a vulnerabilidade à saúde, como a exposição às IST e a ocorrência de gravidez não planejada2121. Silva SM, Ferreira MM, Amaral-Bastos MM, Monteiro MA, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO...
.

A tendência de uma ISP no gênero masculino é detectada em diferentes casuísticas, com a observação de maior número de parceiros sexuais1818. Silva AJC da, Trindade RFC da, Oliveira LLF de. Presumption of sexual abuse in children and adolescents: vulnerability of pregnancy before 14 years. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 10];73(Suppl 4):e20190143.Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0143
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
. Nessas circunstâncias, a ISP distancia o adolescente de uma saúde sexual pautada em atos seguros e responsáveis, transgredindo o seu pleno desenvolvimento2222. Young LE, Fujimoto K, Alon L, Zhang L, Schneider JA. The multiplex social environments of young Black men who have sex with men: How online and offline social structures impact HIV prevention and sex behavior engagement. J Soc Struct [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 20];20(3):70-95.Available from: https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007
https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007...
.

Ao longo dos relatos, nota-se que a eclosão da sexualidade dos adolescentes é despertada pelo interesse e curiosidade pela iniciação sexual, influenciada pelas alterações físicas, pelas sensações de libido e pela atração sexual, além das interferências exercidas por fatores extrínsecos, que podem contribuir para antecipar ou retardar a iniciação sexual. É elucidado na literatura que o processo transitório da sexualidade, associado à precocidade das relações sexuais, demonstram que os adolescentes estão desenvolvendo comportamentos de vulnerabilidade à saúde, como o desprovimento de segurança durante o ato sexual1919. Vieira KJ, Barbosa NG, Dionízio LA, Santarato N, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA. Initiation of sexual activity and protected sex in adolescents. Esc Anna Nery [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 15];25(3):e20200066.Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0066
https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-20...
.

O processo saúde-doença dos adolescentes masculinos permeia a sexualidade humana e origina-se de interações individuais e coletivas, estabelecidas mediante as dimensões socioculturais. De acordo com Leininger, deve-se considerar o conhecimento do contexto sociocultural para a caracterização das condições e experiências de vida, no intuito de reconhecer os costumes não favoráveis ao bem-estar integral dos adolescentes masculinos e fortalecer os comportamentos e hábitos satisfatórios1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

A proximidade com os seus pares na adolescência culmina no relato dos participantes sobre a pressão pela iniciação sexual, com o estímulo ao acesso a materiais e ambientes virtuais com conteúdo eróticos. O apelo midiático ao ato sexual tem espaço ampliado, podendo antecipar a iniciação sexual e potencializar práticas vulneráveis, na busca por sensações sexuais com múltiplos parceiros e no uso inconsistente do preservativo2222. Young LE, Fujimoto K, Alon L, Zhang L, Schneider JA. The multiplex social environments of young Black men who have sex with men: How online and offline social structures impact HIV prevention and sex behavior engagement. J Soc Struct [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 20];20(3):70-95.Available from: https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007
https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007...
.

Neste estudo, destaca-se que a tomada de decisão para o início das relações sexuais, além de sofrer interferência das questões de gênero, é influenciada e estimulada pelos pares, principalmente quando a rede de amigos é formada por adolescentes que já mantém uma vida sexual ativa2323. Espinosa-Hernández G, Velazquez E, McPherson JL, Fountain C, Garcia-Carpenter R, Lombardi K. The role of Latino masculine values in Mexican adolescent sexuality. Cult Divers Ethn Minor Psychol [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];26(4):520-31.Available from: https://doi.org/10.1037/cdp0000328
https://doi.org/10.1037/cdp0000328...
.

A ISP chega a constituir um requisito para o adolescente masculino ser respeitado e aceito no grupo. Por outro lado, foi relatado que ao sentir-se pressionado para cumprir este ritual, o adolescente pode recorrer ao consumo de álcool e outras drogas para romper a timidez e a insegurança, culminando em situações de maior vulnerabilidade. Cabe destacar que Leininger reconhece a influência do contexto socioambiental e cultural em que o adolescente está inserido, ao repercutir nas interações sociais e nas demandas saúde1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

Um estudo realizado em uma escola pública no norte de Portugal corrobora com este fato, ao ressaltar que a ISP pode ocorrer por meio da difusão de modelos sexuais comportamentais ditados pelos amigos que, por sua vez, encontram-se sujeitos às imposições sociais que moldam e integram condutas éticas, morais e sexuais desprovidas de conscientização e responsabilidade2121. Silva SM, Ferreira MM, Amaral-Bastos MM, Monteiro MA, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO...
.

A Classe 2 da CHD relaciona-se à vivência na ISP, consolidando o entendimento e a complexidade que envolve a influência dos fatores intrínsecos e extrínsecos na iniciação sexual do adolescente, sem a instrumentalização de conhecimentos e orientações adequadas para a tomada de decisão com autonomia. Converge com esse entendimento um estudo que diagnosticou a carência de conhecimentos sobre a primeira relação sexual e a prevenção da gravidez, destacando a necessidade de aconselhamento e cuidados em saúde sexual e reprodutiva, com recomendações de ações educativas, considerando as influências culturais específicas ao contexto de gênero2121. Silva SM, Ferreira MM, Amaral-Bastos MM, Monteiro MA, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO...
.

Os relatos dos adolescentes masculinos diante da eclosão da sexualidade, como componente do desenvolvimento humano, concorrem para uma atitude impulsiva e descompromissada em relação à prática sexual. A família constitui uma rede de apoio social, capaz de potencializar situações de resiliência ou de vulnerabilidade, quando consegue ou não desempenhar um papel de orientação e acolhimento às inquietações e necessidades em relação à saúde sexual dos adolescentes.

Estudo realizado no interior de São Paulo mostrou que a família reproduz discursos e práticas culturais cis heteronormativas, discriminando as dissidências, com posturas violentas e imposição de padrão sexual hegemônico masculino aos filhos2424. Silva JCP, Cardoso RR, Cardoso ÂMR, Gonçalves RS. Sexual diversity: a perspective on the impact of stigma and discrimination on adolescence. Ciên Saúde Colet [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 24];26(7):2643-52.Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08332021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
. A resistência para lidar e respeitar a realidade da diversidade sexual e de gênero de cada indivíduo em sua integralidade corrobora para a exacerbação de situações de exclusão e até de violência2424. Silva JCP, Cardoso RR, Cardoso ÂMR, Gonçalves RS. Sexual diversity: a perspective on the impact of stigma and discrimination on adolescence. Ciên Saúde Colet [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 24];26(7):2643-52.Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08332021
https://doi.org/10.1590/1413-81232021267...
.

Neste estudo, com o advento da diversidade de gênero, verifica-se que a ISP de adolescentes masculinos cis heterossexuais demandam um reconhecimento entre os pares, os familiares e a sociedade. Entretanto, a sexarca de adolescentes homossexuais ainda é marcada por posturas de intolerância e de exclusão, por vezes provenientes da própria família.

De acordo com a teoria de Leininger,1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006. é imprescindível consolidar a importância da compreensão do adolescente masculino em sua dimensão transcultural, levando em consideração a pluralidade dos indivíduos de viverem e serem saudáveis. Leininger reforça que o cuidado requer uma aproximação do indivíduo em sua conjuntura sociocultural, rompendo as barreiras da impessoalidade, e valorizando as especificidades e necessidades próprias de cada indivíduo, na perspectiva de oportunizar a ampliação do olhar para as múltiplas masculinidades existentes.

A Classe 4 refere-se à identidade de gênero em contexto de múltiplas masculinidades. Os adolescentes relataram uma vivência marcada por conflitos psicossociais oriundos do processo de formação da identidade pessoal, social e sexual, revelando indicadores de novas masculinidades. Entretanto, as expressões emitidas pelos adolescentes revelam a influência de uma organização social cis heteronormativa, que endossa a masculinidade hegemônica. Prevalece ainda uma construção social masculina, em que os meninos são estimulados a experiências sexuais com o sexo oposto precocemente, com repercussões de dimensões complexas quando os adolescentes não se percebem representados por esses padrões.

As representações de gênero frente à masculinidade cis heteronormativa, diz respeito à atividade sexual masculina, entendida como um ritual para a constituição da virilidade, concorrendo para uma postura de intolerância diante das possibilidades de múltiplas masculinidades2525. Lau F, Antonio M, Davison K, Queen R, Devor A. A rapid review of gender, sex, and sexual orientation documentation in electronic health records. J Am Med Informatics Assoc [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 24];27(11):1774-83.Available from: https://doi.org/10.1093/jamia/ocaa158
https://doi.org/10.1093/jamia/ocaa158...
. Leininger ressalta que as dimensões culturais compreendem a visão de mundo, os saberes e as experiências de cada jovem masculino, individualmente ou coletivamente, construída durante a adolescência, e que vão designar as escolhas e os significados no decorrer da sua existência.1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006. Como nas concepções sobre o corpo e a diferenciação de gêneros, consideradas idealizações discursivas culturais e reguladas por regras e saberes internalizados2626. Francisco AHS. “Homem Não Fala Sobre Vida Sexual!” Rev Bras Sex Humana [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 26];32(1):100-2.Available from: https://doi.org/10.35919/rbsh.v32i1.975
https://doi.org/10.35919/rbsh.v32i1.975...
.

Para Leininger, a aproximação do indivíduo em sua conjuntura sociocultural propicia o reconhecimento e a valorização de especificidades próprias ao desenvolvimento integral do adolescente. Ao aproximar-se da realidade dos hábitos, dos valores e das crenças dos adolescentes, o enfermeiro e os demais profissionais são instrumentalizados a estabelecerem relações harmoniosas e acolhedoras, baseadas na diferenciação do gênero, na perspectiva de oportunizar a ampliação do olhar para as múltiplas masculinidades existentes1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

Um estudo, que corrobora com os achados, e que aborda o modo como a família reage em relação à revelação da orientação de gênero do adolescente é dissonante dos padrões cis heteronormativos, gerando vivências muitas vezes violentas, com repressão comportamental, perseguição e até expulsão do seio familiar. Situações de violência psicológica foram relatadas como modalidade adotada pela família, no intuito de “readaptar” os adolescentes masculinos às normas sexuais hegemônicas, gerando situações de sofrimento psíquico, incertezas e medos, com repercussões danosas ao desenvolvimento integral do ser adolescente2727. Kwok DK. Contesting sexual prejudice to support sexual minorities: views of chinese social workers. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 26];18(6):3208.Available from: https://doi.org/10.3390%2Fijerph18063208
https://doi.org/10.3390%2Fijerph18063208...
.

Leininger evidencia que cada indivíduo percebe o mundo a partir de suas crenças e seus valores, realidade que pode limitar ou potencializar a vida do indivíduo1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006.. As situações de discriminação, vivenciadas por adolescentes quanto a sua identidade de gênero, apresenta repercussões prejudiciais ao desenvolvimento emocional, por desencadear sentimentos de medo, insegurança e sensação de isolamento para lidar com as questões da sexualidade.

As palavras oriundas da Classe 1 concorrem para a ressignificação sobre a compreensão conceitual de cultura proposta por Leininger, que compreende crenças, valores, normas comportamentais e práticas relativas ao estilo de vida, aprendidos, compartilhados e transmitidos por grupos específicos, que incidem sobre o pensamento, as decisões e as ações dos adolescentes pertencentes aos grupos.

Desse modo, a ISP é permeada pelos modos de vida, pelos valores e pelas relações culturais que alicerçam a sexualidade masculina, considerando as influências biopsicossocioculturais deste público etário. As questões religiosas e crenças foram apresentadas pelos adolescentes, como fatores de repressão dos modos de vivenciar a sexualidade humana.

É importante reconhecer que as crenças e os costumes, alinhados às diferenças culturais na forma dos adolescentes masculinos expressarem a sua sexualidade, estão relacionadas às normas de gênero que apresentam correlação com os modos de vida pessoal, familiar, social e religioso2828. Willie TC, Khondkaryan E, Callands T, Kershaw T. “Think like a man”: how sexual cultural scripting and masculinity influence changes in men’s use of intimate partner violence. Am J Community Psychol [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 20];61(1-2):240-50.Available from: https://doi.org/10.1002%2Fajcp.12224
https://doi.org/10.1002%2Fajcp.12224...
.

No que concerne à cultura de acesso a conteúdos on-line, destaca-se o estudo realizado em Chicago, o qual demonstra que a comunicação no ambiente virtual é um fator importante para impulsionar a iniciação sexual. Neste contexto, é recomendado aos profissionais de saúde, educadores e pais o acompanhamento dos adolescentes com probabilidade de se tornarem sexualmente ativos2222. Young LE, Fujimoto K, Alon L, Zhang L, Schneider JA. The multiplex social environments of young Black men who have sex with men: How online and offline social structures impact HIV prevention and sex behavior engagement. J Soc Struct [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 20];20(3):70-95.Available from: https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007
https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007...
.

Os fatores culturais relacionados à ISP exercem influências sobre as expressões relacionadas à saúde, à doença, ao bem-estar ou ao enfrentamento das questões de vulnerabilidade do público adolescente. A TDUCC aborda a necessidade de estabelecer cuidados consonantes com as crenças, as práticas e os valores culturais, individuais e coletivos, concorrendo para um cuidado culturalmente congruente1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

As dimensões de algumas práticas religiosas propagam que a percepção do sexo e da sexualidade deve ser praticado unicamente após o casamento, ao considerar pecaminosas a ocorrência fora deste contexto2929. Jayne A, Koch JM, Federici DJ. Predictors of sex anxiety: emphasis on religion in childhood, religious values, and family communication. Sex Cult [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 28];25(2):525-39.Available from: https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781-x
https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781...
. O estudo realizado em Oklahoma State University avaliou as relações entre a ansiedade sexual, a comunicação familiar e a ênfase na religião durante a infância, verificando entre adolescentes e adultos jovens que as crenças religiosas atuais não interferem para a variação na ansiedade sexual2929. Jayne A, Koch JM, Federici DJ. Predictors of sex anxiety: emphasis on religion in childhood, religious values, and family communication. Sex Cult [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 28];25(2):525-39.Available from: https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781-x
https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781...
. Com esta perspectiva, as práticas religiosas na formação familiar podem assumir um fator opressor ou libertador do corpo masculino, dependendo da coerência posta pela valorização dos princípios cristãos.

Os fundamentos da TDUCC destacam o reconhecimento das diversidades culturais para o desenvolvimento de ações educativas em saúde, propondo um cuidado sensível às questões subjetivas que envolvem o processo de desenvolvimento sexual integral dos adolescentes masculinos1313. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006..

Destarte, a necessária integração de políticas públicas, universidades, escolas, famílias e jovens na construção de diálogos para a promoção do respeito e do autocuidado. Para fomentar ações promotoras em saúde sexual, com ênfase em iniciação sexual segura, considera-se importante o cuidado cultural articulando o papel educativo do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde, professores e familiares. Dessa forma, o desafio é encorajar e subsidiar os atores sociais envolvidos, para a construção de espaços dialógicos e de escuta aos adolescentes, despojando-se de orientações prescritivas e normativas em relação às condutas dos jovens.

Evidencia-se a necessidade de abordar as questões da sexualidade como uma importante intervenção no campo da Saúde Pública,3030. Araújo WJS, Bragagnollo GR, Nascimento KC, Camargo RAA, Tavares CM, Monteiro EMLM. Educational intervention on HIV/aids with elderly individuals: a quasi-experimental study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 01];29:e20180471.Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0471
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
envolvendo o contexto familiar e escolar, ao informar e sensibilizar o adolescente para as questões de cuidados relacionados às infecções sexualmente transmissíveis, HIV/aids e gravidez não planejada, como também para as questões intersubjetivas, que apresentam repercussões ao longo dos ciclos vitais. Para tanto, cabe assegurar um ambiente propício às relações dialógicas envolvendo a temática da sexualidade, de modo a promover autonomia e responsabilidade no processo emancipatório dos indivíduos, em consonância com as políticas que contemplam os direitos sexuais e reprodutivos.2020. Alves JSA, Gama SGN da, Viana MCM, Martinelli KG, Santos Neto ET dos. Socioeconomic characteristics influence attitudes towards sexuality in adolescents. J Hum Growth Dev [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 18];31(1):101-15.Available from: https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084
https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084...
.

O estudo demonstrou a necessidade de compreender o processo de ISP, de adolescentes escolares masculinos, em seu contexto histórico e sociocultural. Ao considerar a realidade desses adolescentes, a pesquisa proporcionou um diagnóstico situacional das vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas dos adolescentes, sendo estas essenciais para embasar a criação de novas ações e políticas de saúde.

Para a enfermagem, a apreensão dos fatores que concorrem para a ISP de adolescentes em contexto de múltiplas masculinidades vem sensibilizar e ressignificar a complexidade do serviço de enfermagem em saúde escolar. Ao provocar inquietações diante do compromisso da oferta sistemática de estratégias educativas em saúde, alicerçadas em abordagens participativas, promotoras do protagonismo dos adolescentes, é essencial estimular a construção crítica e reflexiva de conhecimentos e comportamentos em saúde, para assegurar possibilidades na construção de uma identidade individual propositiva em sua trajetória de vida.

As limitações deste estudo estão relacionadas à abordagem de questões relacionadas à identidade de gênero, que envolvem tabus e resistências. O reconhecimento dessas limitações requereu do pesquisador a valorização de aspectos intersubjetivos para resguardar o estabelecimento de relações de confiança e acolhimento entre o pesquisador e os adolescentes em contexto de múltiplas masculinidades.

CONCLUSÃO

Compreender o processo de ISP de adolescentes masculinos em contexto de diversidade de gênero, ancorado na Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural permitiu considerar as possibilidades de redimensionar a compreensão da influência do contexto ambiental e cultural na produção de atitudes e comportamentos que venham resguardar um cuidado cultural, considerando a complexidade da ISP e suas perspectivas de vida, ao compreender o adolescente, como ser influenciável e experienciador, que vivencia uma pluralidade de conflitos psicossociais oriundos do processo de enfrentamento das modificações biológicas e da orientação da identidade de gênero, social e sexual.

A vivência do adolescente no contexto de diversidade de gênero é marcada por atitudes de intolerância e preconceito, no seio familiar, na escola e na sociedade, concorrendo para a autoculpabilização, ao perceber que a sua identidade de gênero transita entre as múltiplas masculinidades, não se adequando aos padrões cis heteronormativos.

A discussão sobre a temática ainda envolve tabus, que inibem o estabelecimento de relações dialógicas no contexto familiar, repercutindo no cenário escolar, fragilizando a composição de rede de apoio e contribuindo para uma vivência da iniciação sexual com repercussões negativas ao pleno desenvolvimento do adolescente masculino.

Faz-se necessário considerar o desenvolvimento de uma conscientização sobre os desafios postos, por percepções errôneas e fragmentadas da sexualidade humana, enquanto elemento inerente ao desenvolvimento do indivíduo em sua integralidade, considerando os processos de cuidar em contextos étnico-humanísticos, que resguardem suas perspectivas de vida.

Diante da dimensão de complexidade da ISP, são requeridas ações interdisciplinares e intersetoriais, com ênfase no papel articulador do enfermeiro para fomentar espaços dialógicos, integrando o contexto escolar e familiar, propícios ao cuidado congruente com as questões culturais e as necessidades e especificidades da população adolescente, na construção de conhecimentos sobre diversidade de gênero e iniciação sexual segura, como elementos integradores ao seu protagonismo e ao desenvolvimento biopsicossociocultural.

O estudo apresenta como contribuições para a área da saúde e da enfermagem a difusão e a consolidação de conhecimentos científicos acerca da identificação dos fatores de vulnerabilidade à saúde, vivenciada a partir da ISP de adolescentes masculinos, que não se enquadram nos padrões cis heteronormativos.

De modo a oportunizar uma análise situacional da vivência discriminatória violenta, que nega os direitos sexuais e reprodutivos deste público, que os fazem enfrentar cotidianamente situações de preconceito, concorrendo para a minimização de oportunidades, a evasão escolar, as coibições quanto à sexualidade e a ruptura do vínculo familiar. Desta forma, este estudo visa fomentar o planejamento de ações em saúde sexual para esse público, além de favorecer a compreensão da amplitude da atuação da enfermagem no âmbito da educação em saúde.

REFERENCES

  • 1. Silva SMDT, Ferreira MMSV, Amaral-Bastos MM, Monteiro MAJ, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 10];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
  • 2. Ventriglio A, Bhugra D. Sexuality in the 21st Century: sexual fluidity. East Asian Arch Psychiatry [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 11];29:30-4.Available from: https://www.easap.asia/index.php/find-issues/current-issue/item/834-1903-v29n1-p30
    » https://www.easap.asia/index.php/find-issues/current-issue/item/834-1903-v29n1-p30
  • 3. Kågesten AE, Pinandari AW, Page A, Wilopo SA, Van Reeuwijk M. Sexual wellbeing in early adolescence: a cross-sectional assessment among girls and boys in urban Indonesia. Reprod Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Sep 11];18(1):153.Available from: https://doi.org/10.1186/s12978-021-01199-4
    » https://doi.org/10.1186/s12978-021-01199-4
  • 4. Carvalho APM. Espaço de meninos: reflexões sobre a construção das masculinidades por adolescentes de uma escola pública do município do Rio de Janeiro. Revista Crítica Histórica [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep 15];11(22):153-69.Available from: https://doi.org/10.28998/rchv11n22.2020.0008
    » https://doi.org/10.28998/rchv11n22.2020.0008
  • 5. Guimarães J, Cabral CS. Pedagogies of sexuality: discourses, practices and (mis)encounters in integrated health care for adolescentes. Pro-Posições [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 29];33:e20200043EN.Available from: http://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0043EN
    » http://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0043EN
  • 6. Santana ADS, Araújo EC, Abreu PD, Lyra J, Lima MS, Moura JWS. Health vulnerabilities of transgender sex workers: An integrative review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 20];30:e20200475.Available from: http://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0475
    » http://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2020-0475
  • 7. Arruda EPT, Brito LGO, Prandini TR, Lerri MR, Reis RM dos, Barcelos TMR, et al. Sexual Practices During Adolescence. Rev Bras Ginecol Obstet [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 21];42(11):731-8.Available from: https://doi.org/10.1055/s-0040-1713411
    » https://doi.org/10.1055/s-0040-1713411
  • 8. Araújo WJS, Moura MIA, Bragagnollo GR, Camargo RAA de, Monteiro EMLM. Factors related to the initiation of early sexual practices in adolescence: an integrative review. Res Soc Dev [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 02];10(14):e504101422505.Available from: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.22505
    » https://doi.org/10.33448/rsd-v10i14.22505
  • 9. Pengpid S, Peltzer K. Prevalence and correlates of sexual risk behavior among school-going adolescents in four Caribbean Countries. Behav Sci [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 07];10(11):166.Available from: https://doi.org/10.3390/bs10110166
    » https://doi.org/10.3390/bs10110166
  • 10. Xu Y, Norton S, Rahmanautor Q. Adolescent sexual behavior patterns in a British Birth cohort: a latent class analysis. Arch Sex Behav [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 08];50(1):161-80.Available from: https://doi.org/10.1007/s10508-019-01578-w
    » https://doi.org/10.1007/s10508-019-01578-w
  • 11. Spinola MCR. Fatores associados à iniciação sexual precoce de adolescentes em Santarém, Pará. SANARE Rev Polit Públicas [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 08];19(1):36-47. Available from: https://doi.org/10.36925/sanare.v19i1.1385
    » https://doi.org/10.36925/sanare.v19i1.1385
  • 12. Pereira MD, Moutian I, Faria RGS, Cordeiro DR, Viegas SMF. Intersectoral actions between health and education: notes on the Health at School Program. Physis [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 09];31(2):1-21.Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310224
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310224
  • 13. Leininger MM, Mcfarland MR. Culture care diversity and universality: a worldwide nursing theory. 2nd ed. New York: McGraw-Hill; 2006.
  • 14. Bockorni BRS, Gomes AF. A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da administração. Rev Ciênc Empresariais UNIPAR [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 09];22(1):105-17.Available from: https://doi.org/10.25110/receu.v22i1.8346
    » https://doi.org/10.25110/receu.v22i1.8346
  • 15. Fontanella BJB, Ricas MGB, Turato, J. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública [Internet]. 2008 [cited 2022 Oct 09];24(1):17-27.Available from: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
  • 16. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 10];52:e03353.Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
    » https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
  • 17. Souza VRS, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 10];34:eAPE02631.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
  • 18. Silva AJC da, Trindade RFC da, Oliveira LLF de. Presumption of sexual abuse in children and adolescents: vulnerability of pregnancy before 14 years. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 10];73(Suppl 4):e20190143.Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0143
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0143
  • 19. Vieira KJ, Barbosa NG, Dionízio LA, Santarato N, Monteiro JCS, Gomes-Sponholz FA. Initiation of sexual activity and protected sex in adolescents. Esc Anna Nery [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 15];25(3):e20200066.Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0066
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2020-0066
  • 20. Alves JSA, Gama SGN da, Viana MCM, Martinelli KG, Santos Neto ET dos. Socioeconomic characteristics influence attitudes towards sexuality in adolescents. J Hum Growth Dev [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 18];31(1):101-15.Available from: https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084
    » https://doi.org/10.36311/jhgd.v31.11084
  • 21. Silva SM, Ferreira MM, Amaral-Bastos MM, Monteiro MA, Couto GR. Diagnosis of knowledge on sexuality among adolescents. Acta Paul Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];33:eAPE20190210.Available from: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2020AO0210
  • 22. Young LE, Fujimoto K, Alon L, Zhang L, Schneider JA. The multiplex social environments of young Black men who have sex with men: How online and offline social structures impact HIV prevention and sex behavior engagement. J Soc Struct [Internet]. 2019 [cited 2022 Oct 20];20(3):70-95.Available from: https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007
    » https://doi.org/10.21307%2Fjoss-2019-007
  • 23. Espinosa-Hernández G, Velazquez E, McPherson JL, Fountain C, Garcia-Carpenter R, Lombardi K. The role of Latino masculine values in Mexican adolescent sexuality. Cult Divers Ethn Minor Psychol [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 20];26(4):520-31.Available from: https://doi.org/10.1037/cdp0000328
    » https://doi.org/10.1037/cdp0000328
  • 24. Silva JCP, Cardoso RR, Cardoso ÂMR, Gonçalves RS. Sexual diversity: a perspective on the impact of stigma and discrimination on adolescence. Ciên Saúde Colet [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 24];26(7):2643-52.Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08332021
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.08332021
  • 25. Lau F, Antonio M, Davison K, Queen R, Devor A. A rapid review of gender, sex, and sexual orientation documentation in electronic health records. J Am Med Informatics Assoc [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 24];27(11):1774-83.Available from: https://doi.org/10.1093/jamia/ocaa158
    » https://doi.org/10.1093/jamia/ocaa158
  • 26. Francisco AHS. “Homem Não Fala Sobre Vida Sexual!” Rev Bras Sex Humana [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 26];32(1):100-2.Available from: https://doi.org/10.35919/rbsh.v32i1.975
    » https://doi.org/10.35919/rbsh.v32i1.975
  • 27. Kwok DK. Contesting sexual prejudice to support sexual minorities: views of chinese social workers. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 26];18(6):3208.Available from: https://doi.org/10.3390%2Fijerph18063208
    » https://doi.org/10.3390%2Fijerph18063208
  • 28. Willie TC, Khondkaryan E, Callands T, Kershaw T. “Think like a man”: how sexual cultural scripting and masculinity influence changes in men’s use of intimate partner violence. Am J Community Psychol [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 20];61(1-2):240-50.Available from: https://doi.org/10.1002%2Fajcp.12224
    » https://doi.org/10.1002%2Fajcp.12224
  • 29. Jayne A, Koch JM, Federici DJ. Predictors of sex anxiety: emphasis on religion in childhood, religious values, and family communication. Sex Cult [Internet]. 2021 [cited 2022 Oct 28];25(2):525-39.Available from: https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781-x
    » https://doi.org/10.1007/s12119-020-09781-x
  • 30. Araújo WJS, Bragagnollo GR, Nascimento KC, Camargo RAA, Tavares CM, Monteiro EMLM. Educational intervention on HIV/aids with elderly individuals: a quasi-experimental study. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 01];29:e20180471.Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0471
    » https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0471

NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Iniciação sexual de adolescentes masculinos em contexto de diversidade de gênero à luz da teoria de Leininger, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Enfermagem, da Universidade Federal de Pernambuco, em 2020.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, parecer n. 3.314.889/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 11322119.9.0000.5208.

Editado por

EDITORES

Editor Associado: Francielly Zilli, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2022
  • Aceito
    29 Mar 2023
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br