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ENTREVISTA NARRATIVA ETNOGRÁFICA CLÍNICA SOBRE A EXPERIÊNCIA DE MULHERES EGRESSAS DO SISTEMA PRISIONAL

RESUMO

Objetivos

analisar a percepção de mulheres egressas do sistema prisional sobre os principais estressores que marcaram suas trajetórias de vida e discutir a viabilidade da técnica Entrevista Narrativa Etnográfica Clínica para facilitar a narrativa desse grupo.

Método

pesquisa narrativa desenvolvida em um dispositivo de proteção social do interior de São Paulo. Os dados foram coletados em 2021 (janeiro e fevereiro) utilizando a técnica Entrevista Narrativa Etnográfica Clínica, que intercala narrativas e recursos visuais. A sinergia entre os conceitos de vulnerabilidade e estresse foi adotada como referencial teórico, tendo sido realizada a análise de conteúdo. A discussão da viabilidade foi pautada nos critérios aceitabilidade e expansão.

Resultados

As narrativas abordaram dificuldades psicossociais pregressas ao encarceramento e o ambiente hostil do cárcere superlotado como lócus de conflitos e abuso de poder. Desamparo familiar, distanciamento dos filhos, emoções negativas, sintomas somáticos e traumas foram mencionados como consequências da reclusão. As participantes também relataram processos de enfrentamento com palavras que remetiam às ideias de superação, esperança, recomeço e gratidão. Entende-se que esse ponto alto das narrativas pode ter reflexos do potencial da técnica de entrevista e corrobora a sua adequação.

Conclusão

O indubitável caráter doloroso das narrativas sobre as diferentes adversidades vivenciadas, sobretudo em decorrência da reclusão, também foi perpassado por aspectos que denotaram processos resilientes. A adoção da referida técnica de entrevista tornou a coleta de dados mais sensível, acolhedora e oportuna para ampliar o repertório de palavras na expressão dos sentimentos e revisitação de experiências dolorosas, vislumbrando possibilidades positivas para o futuro.

DESCRITORES:
Saúde mental; Mulheres; Estresse relacionado a aspectos da vida; Promoção da saúde; Prisão; Apoio social

ABSTRACT

Objectives

to analyze the perception of women discharged from the prison system about the main stressors that marked their life trajectories and to discuss the feasibility of the Clinical Ethnographic Narrative Interview technique to facilitate the narrative of this group.

Method

narrative research developed in a social protection center in the interior of São Paulo. Data were collected in 2021 (January and February) using the Clinical Ethnographic Narrative Interview technique, which intersperses narratives and visual aids. The synergy between the concepts of vulnerability and stress was adopted as a theoretical framework, and content analysis was performed. The discussion of viability was based on the criteria of acceptability and expansion.

Results

The narratives addressed psychosocial difficulties prior to incarceration and the hostile environment of the overcrowded prison as a place of conflict and abuse of power. Family helplessness, estrangement from children, negative emotions, somatic symptoms and traumas were mentioned as consequences of seclusion. The participants also reported coping processes with words that referred to the ideas of overcoming, hope, new beginning and gratitude. It is understood that this high point of the narratives may reflect the potential of the interview technique and corroborates its adequacy.

Conclusion

The undoubted painful character of the narratives about the different adversities experienced, especially as a result of seclusion, was also permeated by aspects that denoted resilient processes. The adoption of this interview technique made data collection more sensitive, welcoming and timely to expand the repertoire of words in the expression of feelings and revisit painful experiences, envisioning positive possibilities for the future.

DESCRIPTORS:
Mental health; Women; Stress related to aspects of life; Health promotion; Prison; Social support

RESUMEN

Objetivos

analizar la percepción de mujeres egresadas del sistema penitenciario sobre los principales estresores que marcaron sus trayectorias de vida y discutir la viabilidad de la técnica de Entrevista Narrativa Etnográfica Clínica para facilitar la narrativa de este grupo.

Método

investigación narrativa desarrollada en un dispositivo de protección social del interior de São Paulo. Los datos fueron recolectados en 2021 (enero y febrero) utilizando la técnica de Entrevista Narrativa Etnográfica Clínica, que intercala narrativas y ayudas visuales. Se adoptó como marco teórico la sinergia entre los conceptos de vulnerabilidad y estrés y se realizó un análisis de contenido. La discusión de viabilidad se basó en los criterios de aceptabilidad y expansión

Resultados

Las narrativas abordaron las dificultades psicosociales previas al encarcelamiento y el ambiente hostil de la prisión superpoblada como locus de conflicto y abuso de poder. Se mencionaron como consecuencias de la reclusión el desamparo familiar, el alejamiento de los hijos, las emociones negativas, los síntomas somáticos y los traumas. Los participantes también relataron procesos de afrontamiento con palabras que hacían referencia a las ideas de superación, esperanza, nuevo comienzo y gratitud. Se entiende que este punto alto de las narraciones puede reflejar el potencial de la técnica de la entrevista y corrobora su adecuación.

Conclusión

El indudable carácter doloroso de las narrativas sobre las diferentes adversidades vividas, especialmente a raíz del encierro, también estuvo permeado por aspectos que denotaban procesos resilientes. La adopción de esta técnica de entrevista hizo que la recolección de datos fuera más sensible, acogedora y oportuna para ampliar el repertorio de palabras en la expresión de sentimientos y revivir experiencias dolorosas, vislumbrando posibilidades positivas para el futuro.

DESCRIPTORES:
Salud mental; Mujer; Estrés relacionado con aspectos de la vida; Promoción de la salud; Prisión; Apoyo social

INTRODUÇÃO

Os estudos recentes sobre a vulnerabilidade feminina destacam questões como violência, maior suscetibilidade aos transtornos mentais, aspectos socioeconômicos, raciais e desigualdade de gênero como importantes estressores que permeiam a trajetória de vida das mulheres11. Hackett RA, Steptoe A, Jackson SE. Sex discrimination and mental health in women: A prospective analysis. Saúde Psicol [Internet]. 2019 [cited 2023 Apr 2];38(11):1014-24. Available from: Available from: https://doi.org/10.1037/hea0000796
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-44. Ahmadabadi Z, Najman JM, Williams GM, Clavarino AM, D'abbs P, Abajobir AA. Maternal intimate partner violence victimization and child maltreatment. Child Abus Negl [Internet]. 2018 [cited 2023 Apr 2];82:23-33. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.05.017
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.

Tais questões se configuram como marcadores sociais que se apresentam interseccionados, sobretudo em alguns subgrupos específicos, como é o caso das mulheres encarceradas e/ou egressas do sistema prisional55. Gweshengwe B, Hassan NH. Defining the characteristics of poverty and their implications for poverty analysis. Cogent Social Sciences [Internet]. 2020 [cited 2022 May 20];6(1):1768669. Available from: Available from: https://doi.org/10.1080/23311886.2020.1768669
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-66. Prowse M. Towards a clearer understanding of 'vulnerability' in relation to chronic poverty. CPRC Working Paper [Internet]. 2003 [cited 2022 May 20];24:41. Available from: Available from: https://doi.org/10.2139/ssrn.1754445
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.

O Brasil, país no qual as desigualdades social e de gênero assumem dimensões marcantes, tem a quinta maior população carcerária feminina do mundo77. Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN [Internet]. Brasília, DF (BR) : MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2018 [cited 2022 May 20]. Available from: Available from: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-dez-2016-rev-12072019-0802.pdf
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. A predominância de pessoas negras e com baixa escolaridade nas unidades prisionais brasileiras reflete as desigualdades associadas ao processo de encarceramento no país, tanto no grupo de mulheres quanto da população prisional em geral77. Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN [Internet]. Brasília, DF (BR) : MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2018 [cited 2022 May 20]. Available from: Available from: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-dez-2016-rev-12072019-0802.pdf
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-99. Jones MS, Worthen MGF, Sharp SF, McLeod DA. Life as she knows it: the effects of adverse childhood experiences on intimate partner violence among women prisoners. Child Abuse Negl [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];85:68-79. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.08.005
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A complexidade dos fenômenos criminais, somada às questões sexistas prementes no cenário brasileiro, tendem a legitimar, no imaginário social, um julgamento de cunho moral. Com isso, antes mesmo das análises e decisões jurídicas, as mulheres infratoras já têm sua condenação culturalmente garantida pela sociedade de uma forma geral88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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,1010. Araújo MA, Fernandes EA, Barros VL, Amorim RF. Behavioral and infractional aspects of female teenagers deprived of liberty. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2023 Apr 2];28:e20180308. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0308
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-1111. Nacher M, Ayhan G, Arnal R, Basurko C, Huber F, Pastre A, et al. High prevalence rates for multiple psychiatric conditions among inmates at French Guiana's correctional facility: diagnostic and demographic factors associated with violent offending and previous incarceration. BMC Psychiatry [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];18(1):159. Available from: Available from: https://doi.org/10.1186/s12888-018-1742-7
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. Logo, o estabelecimento de novos projetos de vida, mesmo na qualidade de egressas, é uma possibilidade ainda mais desafiadora para as mulheres do que para a população masculina1212. Schultz AL, Dias MT, Dotta RM. Women deprived of their liberty in the prison system: interface between mental health, social services and vulnerability. Textos Contextos Porto Alegre [Internet]. 2020 [cited 2023 Apr 2];19(2):e36887. Available from: Available from: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2020.2.36887
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-1313. Free BL, Lipinski AJ, Lewin RK, Majeed R, Zakarian RJ, Beck JG. Using a Person-Centered Approach to Identify Patterns of Exposure to Intimate Partner Violence and Child Abuse in Women: Associations with Mental Health. Child Maltreatment [Internet]. 2021[cited 2023 Apr 2];26(4):376-86. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/10775595211031655
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.

Corroborando essas condições, destacam-se os inúmeros estudos que versam sobre o abandono e as dificuldades de restabelecimento de vínculos como questões vivenciadas de maneira mais expressiva pela população de mulheres encarceradas e/ou egressas do sistema prisional99. Jones MS, Worthen MGF, Sharp SF, McLeod DA. Life as she knows it: the effects of adverse childhood experiences on intimate partner violence among women prisoners. Child Abuse Negl [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];85:68-79. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.08.005
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-1111. Nacher M, Ayhan G, Arnal R, Basurko C, Huber F, Pastre A, et al. High prevalence rates for multiple psychiatric conditions among inmates at French Guiana's correctional facility: diagnostic and demographic factors associated with violent offending and previous incarceration. BMC Psychiatry [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];18(1):159. Available from: Available from: https://doi.org/10.1186/s12888-018-1742-7
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,1313. Free BL, Lipinski AJ, Lewin RK, Majeed R, Zakarian RJ, Beck JG. Using a Person-Centered Approach to Identify Patterns of Exposure to Intimate Partner Violence and Child Abuse in Women: Associations with Mental Health. Child Maltreatment [Internet]. 2021[cited 2023 Apr 2];26(4):376-86. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/10775595211031655
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-1515. Mak VW, Chan CK. Effects of cognitive-behavioural therapy (CBT) and positive psychological intervention (PPI) on female offenders with psychological distress in Hong Kong. Crim Behav Ment Health [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20]; 28(2):158-173. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2047
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. Isto é, esse subgrupo é descrito como ainda mais vulnerável em termos de saúde mental, o que demanda a assunção de posição prioritária em termos de desenvolvimento de pesquisas, políticas públicas e ampliação do espectro de intervenções psicossociais88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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-1111. Nacher M, Ayhan G, Arnal R, Basurko C, Huber F, Pastre A, et al. High prevalence rates for multiple psychiatric conditions among inmates at French Guiana's correctional facility: diagnostic and demographic factors associated with violent offending and previous incarceration. BMC Psychiatry [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];18(1):159. Available from: Available from: https://doi.org/10.1186/s12888-018-1742-7
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,1313. Free BL, Lipinski AJ, Lewin RK, Majeed R, Zakarian RJ, Beck JG. Using a Person-Centered Approach to Identify Patterns of Exposure to Intimate Partner Violence and Child Abuse in Women: Associations with Mental Health. Child Maltreatment [Internet]. 2021[cited 2023 Apr 2];26(4):376-86. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/10775595211031655
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-1515. Mak VW, Chan CK. Effects of cognitive-behavioural therapy (CBT) and positive psychological intervention (PPI) on female offenders with psychological distress in Hong Kong. Crim Behav Ment Health [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20]; 28(2):158-173. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2047
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A saúde mental é um dos focos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)1616. Patel V, Saxena S, Lundt C, Thornicroft G, Baingana F, Bolton P, et al. The Lancet Commission on global mental health and sustainable development. Lancet [Internet]. 2018 [cited 2023 Apr 2];392(10157):1553-98. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31612-X
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-1717. World Health Organization. Comprehensive mental health action plan 2013-2030 [Internet]. Geneva (CH): World Health Organization; 2021 [cited 2023 Apr 2]. 40 p. Available from: Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240031029
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e um dos itens propostos nos eixos da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde vigente1818. Ministério da Saúde (Brasil). Agenda de prioridades de pesquisa do Ministério da Saúde [Internet]. Brasília, DF(BR): Ministério da Saúde; 2018 [cited 2023 Apr 2]. 27 p. Available from: Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_prioridades_pesquisa_ms.pdf
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. Há recomendações específicas sobre o desenvolvimento de pesquisas que auxiliem a consolidar estratégias efetivas de combate ao estigma e prevenção do uso de drogas, abordando aspectos relacionados às famílias, às redes de apoio social e às vulnerabilidades relacionadas ao gênero. Preconiza-se o empreendimento de esforços para implementar novas tecnologias, métodos e técnicas tanto para investigar quanto para prevenir e tratar aspectos do âmbito da saúde mental1919. World Health Organization. Mental health atlas 2017 [Internet]. Geneva (CH): World Health Organization; 2018 [cited 2023 Apr 2]. 68 p. Available from: Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241514019
https://www.who.int/publications/i/item/...
-2020. Souza J, Ventura CA, Oliveira JL, Gaino LV, Monteiro JC, de Oliveira JL, et al. Experience of Vulnerable Women Narrated through the Body-Mapping Technique. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];18(24):13094. Available from: Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph182413094
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A saúde mental da mulher também tem sido objeto de agendas nacionais e internacionais de políticas públicas88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017005...
,1111. Nacher M, Ayhan G, Arnal R, Basurko C, Huber F, Pastre A, et al. High prevalence rates for multiple psychiatric conditions among inmates at French Guiana's correctional facility: diagnostic and demographic factors associated with violent offending and previous incarceration. BMC Psychiatry [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];18(1):159. Available from: Available from: https://doi.org/10.1186/s12888-018-1742-7
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-1212. Schultz AL, Dias MT, Dotta RM. Women deprived of their liberty in the prison system: interface between mental health, social services and vulnerability. Textos Contextos Porto Alegre [Internet]. 2020 [cited 2023 Apr 2];19(2):e36887. Available from: Available from: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2020.2.36887
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,2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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. Recomenda-se que sejam proporcionadas oportunidades para melhoria da autoestima, desenvolvimento de habilidades para resolução de problemas, aprendizado sobre assertividade e expressão de emoções, sempre considerando as experiências individuais e as especificidades culturais das mulheres2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
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Vários estudos têm sido desenvolvidos com mulheres encarceradas e egressas do sistema prisional, considerando tanto os diferentes aspectos psicossociais que permeiam tais condições quanto as temáticas estratégicas sobre saúde mental preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como prevenção, tratamento, rastreamento de sintomas, violência e vulnerabilidades88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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,1010. Araújo MA, Fernandes EA, Barros VL, Amorim RF. Behavioral and infractional aspects of female teenagers deprived of liberty. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2023 Apr 2];28:e20180308. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0308
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,1313. Free BL, Lipinski AJ, Lewin RK, Majeed R, Zakarian RJ, Beck JG. Using a Person-Centered Approach to Identify Patterns of Exposure to Intimate Partner Violence and Child Abuse in Women: Associations with Mental Health. Child Maltreatment [Internet]. 2021[cited 2023 Apr 2];26(4):376-86. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/10775595211031655
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-1414. Link TC, Oser CB. The role of Stressful Life Events and Cultural Factors on Criminal Thinking among African American Women involved in the Criminal Justice System. Crim Justice Behav [Internet]. 2018 [cited 2022 May 20];45(1):8-30. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/0093854817736083
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,2323. Karatzias T, Power K, Woolston C, Apurva P, Begley A, Mirza K, et al. Multiple traumatic experiences, post-traumatic stress disorder and offending behaviour in female prisoners. Crim Behav Ment Health [Internet] 2018 [cited 2022 May 20];28(1):72-84. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2043
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-2525. Scherer ZAP, Scherer EA, Santos MA, Souza J, Pillon SC, Scherer NP. Freedom-deprived women: social representations of prison, violence, and their consequences. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Apr 2];73(3):e20180781. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0781
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. No entanto, em relação às abordagens metodológicas utilizadas em tais estudos, observa-se uma tendência à adoção de técnicas mais tradicionais de coleta de dados, como questionários, entrevistas e grupos focais. Logo, identifica-se uma lacuna quanto a abordagens metodológicas e técnicas de coleta que sejam sensíveis às diferentes formas de linguagem (oral, visual e artística) e possam “dar voz” a essas mulheres. Ou seja, técnicas que ampliem potencial de expressão dessas mulheres na exposição de suas percepções e pontos de vista, bem como na elucidação dos estressores mais proeminentes nas diferentes fases do seu ciclo de vida, facilitando a identificação das necessidades psicossociais e colaborando para o planejamento das ações e políticas de saúde.

Assim, um aspecto inovador no presente estudo consiste no uso da técnica CENI (Clinical Ethnographic Narrative Interview, em português Entrevista Narrativa Etnográfica Clínica)2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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-2727. Arnault DS, Sinko L. Comparative ethnographic narrative analysis method: comparing culture in narratives. Glob Qual Nurs Res [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];8:20722. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/23333936211020722
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para investigar as experiências de mulheres egressas do sistema prisional brasileiro. As questões de pesquisa propostas são: “qual é a percepção dessas mulheres sobre os principais estressores que marcaram suas trajetórias de vida? A técnica CENI contribui para qualificar a narrativa nesse grupo?”. Assim, este estudo teve como objetivos analisar a percepção dessas mulheres sobre os principais estressores que marcaram suas trajetórias de vida e, a partir de tal análise, discutir a viabilidade da CENI para facilitar a narrativa desse grupo.

A CENI consiste em uma abordagem de autoria de uma pesquisadora americana chamada Denise Saint-Arnault2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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, que utiliza técnicas visuais como disparadoras para as entrevistas qualitativas. Trata-se de um conjunto de estratégias que propiciam a conexão entre o objeto de estudo e os aspectos de vida do participante, com base numa variabilidade de ângulos. Além da proposta de aprimorar a coleta de dados qualitativos, a autora entende que a CENI tem o potencial de auxiliar o sujeito a processar, sob uma nova égide, a articulação entre o sentido que atribui a um determinado evento/experiência e o significado da cura/reabilitação2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8...
. Assim, o uso da CENI, além de propiciar entrevistas mais fluidas, tem o potencial de suscitar reflexões importantes em relação à autopercepção e às emoções correntes, motivando as participantes em relação a projetos futuros2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
https://doi.org/10.1177/1363461511425877...
,2727. Arnault DS, Sinko L. Comparative ethnographic narrative analysis method: comparing culture in narratives. Glob Qual Nurs Res [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];8:20722. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/23333936211020722
https://doi.org/10.1177/2333393621102072...
-2828. Lathiotaki K, Koutra K, Ratsika N, Arnault DS. trauma recovery of greek women who have experienced gender-based violence: a narrative research. Sexes [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];2(3):256-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.3390/sexes2030021
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.

Estudos prévios têm revelado que essa técnica viabiliza uma releitura cronológica das experiências vividas por mulheres vítimas de trauma, estimulando que elas desenvolvam um movimento interno e externo. Isso resulta tanto em uma narrativa mais precisa dos eventos quanto na reorganização dos sentimentos relacionados a tais experiências. Além disso, valoriza a perspectiva de linha do tempo como um continuum, inclui dados visuais como forma de ampliar repertório de expressão emocional das participantes, proporcionando-lhes uma oportunidade para ventilar suas experiências traumáticas2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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-2828. Lathiotaki K, Koutra K, Ratsika N, Arnault DS. trauma recovery of greek women who have experienced gender-based violence: a narrative research. Sexes [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];2(3):256-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.3390/sexes2030021
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.

Apesar de a técnica CENI ter sido usada para coletar dados junto a mulheres vítimas de trauma em estudos no âmbito internacional2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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-2828. Lathiotaki K, Koutra K, Ratsika N, Arnault DS. trauma recovery of greek women who have experienced gender-based violence: a narrative research. Sexes [Internet]. 2021 [cited 2023 Apr 2];2(3):256-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.3390/sexes2030021
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, a condição de egressa do sistema prisional e o fato de viver em um país como o Brasil, marcado por forte violência de gênero, ampla desigualdade social e alta prevalência de encarceramento feminino77. Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN [Internet]. Brasília, DF (BR) : MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2018 [cited 2022 May 20]. Available from: Available from: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-dez-2016-rev-12072019-0802.pdf
http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/s...
-88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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, proporciona um caráter ainda maior de ineditismo ao presente estudo. Concomitantemente, poderá contribuir para expandir o rol de pesquisas que examinam o uso de estratégias inovadoras na pesquisa qualitativa.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa denominada pesquisa narrativa, que visa explorar as experiências vividas por uma pessoa com base na história contada por ela. O processo de falar sobre os eventos da sua própria vida possibilita que o indivíduo se revele em sua própria história e atribua um novo significado à sua experiência2929. Creswell JW. Educational research: planning, conducting, and evaluating quantitative and qualitative research. 4th ed. Londres (UK): Pearson Education; 2012. 673 p.-3232. Schwind JK, Lindsay GM, Coffey S, Morrison D, Mildon B. Opening the black-box of person-centered care: An arts-informed narrative inquiry into mental health education and practice. Nurs Educ Today [Internet]. 2014 [cited 2023 Apr 2];34(8):1167-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2014.04.010
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.

O foco dado pela pesquisa narrativa é a sequência cronológica dos eventos experienciados pela pessoa e suas consequências. Isso porque o processo de narrar a própria história evoca a sensação de ser ouvido e requer que o sujeito organize seus pensamentos para atribuir certa coesão e coerência entre os episódios, articulando presente, passado e futuro2929. Creswell JW. Educational research: planning, conducting, and evaluating quantitative and qualitative research. 4th ed. Londres (UK): Pearson Education; 2012. 673 p.-3232. Schwind JK, Lindsay GM, Coffey S, Morrison D, Mildon B. Opening the black-box of person-centered care: An arts-informed narrative inquiry into mental health education and practice. Nurs Educ Today [Internet]. 2014 [cited 2023 Apr 2];34(8):1167-71. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2014.04.010
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.

O presente estudo foi desenvolvido em um dispositivo de proteção social vinculado à prefeitura de um município do interior do estado de São Paulo. Dentre outras atribuições, esse dispositivo é responsável por promover ações de inclusão e/ou reinserção social de pessoas em situação de vulnerabilidade social, inclusive mulheres egressas do sistema prisional.

A população do estudo são mulheres egressas do sistema prisional atendidas no referido órgão. Os critérios de elegibilidade foram: frequência nas atividades promovidas nos últimos seis meses; ter mais que 18 anos de idade; e ser alfabetizada, tendo em vista que parte da técnica de coleta de dados utilizada requer habilidade de leitura. No momento de realização do estudo, contava-se com, aproximadamente, 12 mulheres egressas do sistema prisional elegíveis. Em relação ao recrutamento das participantes, foi realizada uma reunião com a responsável pelo local e agendados encontros individuais com as possíveis participantes, a fim de convidá-las para participar do estudo, apresentar os objetivos da pesquisa e esclarecer possíveis dúvidas. Quanto à amostra, adotou-se o critério de saturação dos dados, culminando na participação de cinco mulheres. O convite foi sendo feito à medida que cada entrevista era finalizada; não houve recusas.

Os dados foram coletados no período de 17 de janeiro a 15 de fevereiro de 2021 pela autora principal, a qual foi previamente treinada para o uso da técnica CENI em um curso teórico-prático de 12 horas ministrado pela professora Denise Saint-Arnault, autora dessa técnica. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, tendo sido audiogravadas e com duração aproximada de uma hora. O roteiro e os procedimentos para a operacionalização da CENI foram desenvolvidos e validados pela autora da técnica junto a mulheres de diferentes países do mundo, inclusive mulheres brasileiras residentes no Japão3333. Martinez M, Hatashita H, Suzuki H, Arnault DS, Nishide R, Tanimura S, et al. Socio-cultural factors affecting the health of pregnant and puerperal brazilian women in Japan. Journal of International Health [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2]:69-81. Available from: Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/wpr-378884
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.

A presente pesquisa trata-se do primeiro estudo em território brasileiro desenvolvido com a CENI. Foi supervisionado pela professora Denise Saint-Arnault, que forneceu, à pesquisadora principal, todo o material necessário e já traduzido para o português. Isto é, o roteiro da CENI é inerente à própria técnica, e sua operacionalização se dá por meio de quatro principais abordagens que intercalam perguntas disparadoras e recursos visuais específicos para viabilizar narrativas de mulheres que vivenciaram situações traumáticas e/ou com alto nível de estresse. Tais abordagens são o Mapa de Rede Social, o Card Sort, o Body-mapping e a Linha do Tempo. O uso da técnica CENI requer uma licença que é obtida após um treinamento teórico-prático com a autora da técnica.

O Mapa de Rede Social aborda as relações interpessoais e tem como finalidade identificar os principais apoiadores. O Card sort se refere às emoções. Consiste no uso de cartões com nomes de sentimentos, e sua utilização visa estimular as participantes a nomearem suas sensações, as causas, as consequências e os significados de acontecimentos atuais e/ou perspectivas futuras2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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.

Já o Body-mapping, ou técnica de “mapeamento corporal”, trata de questões somáticas e propicia a representação visual do corpo, de modo que a mulher possa sinalizar os principais pontos de tensão, cicatrizes e “marcas” de suas experiências de vida2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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Por fim, a Linha do Tempo é uma retrospectiva da trajetória do indivíduo e suscita uma representação gráfica sistematizada das várias etapas de sua vida. A pesquisadora responsável deve fornecer uma folha de papel em branco aos sujeitos, no qual devem ser situados os principais eventos, sintomas e sentimentos e indicados os altos e baixos de sua vida2222. Arnault D, Shimabukuro S. The Clinical Ethnographic Interview: a user-friendly guide to the cultural formulation of distress and help seeking. Transcult Psychiatry [Internet] 2012 [cited 2022 May 20];49(2):302-22. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/1363461511425877
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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.

De acordo com as instruções para a operacionalização da técnica CENI, todas as abordagens devem ocorrer em um único encontro, individualmente e em local que garanta a privacidade do participante. Além disso, a sequência e o conteúdo do roteiro devem ser rigorosamente considerados, pois as questões e os procedimentos conformam um encadeamento lógico específico.

Vale ressaltar que, adicionalmente ao roteiro da CENI, foi apresentada às participantes uma questão disparadora, a saber: quais foram as principais dificuldades/tensões que experimentaram ao longo da sua trajetória de vida?

Quanto ao referencial teórico, proposições relacionadas à sinergia entre os conceitos de vulnerabilidade e estresse2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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,3434. Füssel HM. Vulnerability: a generally applicable conceptual framework for climate change research. Glob Environ Change [Internet]. 2007 [cited 2022 May 20];17(2):155-67. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2006.05.002
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-3737. Prowse M. Towards a clearer understanding of 'vulnerability' in relation to chronic poverty. CPRC Working Paper [Internet]. 2003 [cited 2022 May 20];24:41. Available from: Available from: https://doi.org/10.2139/ssrn.1754445
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subsidiaram todo o desenvolvimento do presente estudo (escolha da técnica de coleta dos dados, interpretação dos resultados e discussão). Em tais proposições2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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,3434. Füssel HM. Vulnerability: a generally applicable conceptual framework for climate change research. Glob Environ Change [Internet]. 2007 [cited 2022 May 20];17(2):155-67. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2006.05.002
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-3737. Prowse M. Towards a clearer understanding of 'vulnerability' in relation to chronic poverty. CPRC Working Paper [Internet]. 2003 [cited 2022 May 20];24:41. Available from: Available from: https://doi.org/10.2139/ssrn.1754445
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, a vulnerabilidade é apreendida como a tendência de um grupo, sistema ou indivíduo a sofrer os impactos de um estressor, figurando como uma complexa interação entre risco (probabilidade de um “perigo” ocorrer) e capacidade adaptativa2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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,3434. Füssel HM. Vulnerability: a generally applicable conceptual framework for climate change research. Glob Environ Change [Internet]. 2007 [cited 2022 May 20];17(2):155-67. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2006.05.002
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-3838. Lin N, Cook K, Burt RS. Social capital: theory and research. 4th ed. Nova Jersey, NJ (US): Aldine Transaction; 2008. 333 p..

Com base em tais asserções, recomenda-se que o estudo das situações vulneráveis parta da análise dos estressores (perigos e ameaças), suas causas e seus efeitos3535. Schmidlin TW. Risk factors and social vulnerability. In: Schmidlin TW. International Forum on Tornado Disaster Risk Reduction for Bangladesh, Dhaka, Bangladesh [Internet]. Bangladesh: Government of the People’s Republic of Bangladesh; 2009 [cited 2023 Apr 2]. p. 13-14. Available from: Available from: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.464.3782&rep=rep1&type=pdf
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. Sob essa égide, aponta-se que situações relacionadas à falta de acesso aos direitos humanos básicos se configuram como estressores que podem culminar em injúrias à vida, danos sociais, econômicos e ambientais. Logo, essas situações contribuem para a vulnerabilidade social, marcada, por exemplo, pelas condições de pobreza, analfabetismo e baixo capital social2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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,3535. Schmidlin TW. Risk factors and social vulnerability. In: Schmidlin TW. International Forum on Tornado Disaster Risk Reduction for Bangladesh, Dhaka, Bangladesh [Internet]. Bangladesh: Government of the People’s Republic of Bangladesh; 2009 [cited 2023 Apr 2]. p. 13-14. Available from: Available from: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.464.3782&rep=rep1&type=pdf
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,3737. Prowse M. Towards a clearer understanding of 'vulnerability' in relation to chronic poverty. CPRC Working Paper [Internet]. 2003 [cited 2022 May 20];24:41. Available from: Available from: https://doi.org/10.2139/ssrn.1754445
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-3838. Lin N, Cook K, Burt RS. Social capital: theory and research. 4th ed. Nova Jersey, NJ (US): Aldine Transaction; 2008. 333 p.. A Figura 1 apresenta o marco conceitual adotado a partir desse referencial.

Figura 1 -
Marco conceitual erigido a partir do referencial teórico em pauta, adaptado a partir dos autores elencados2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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,2626. Arnault DS. The use of the clinical ethnographic narrative interview to understand and support help seeking after gender-based violence. TPM Test Psychom Methodol Appl Psychol [Internet]. 2017 [cited 2022 May 20];24(3):423-36. Available from: Available from: https://doi.org/10.4473/TPM24.3.8
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,3535. Schmidlin TW. Risk factors and social vulnerability. In: Schmidlin TW. International Forum on Tornado Disaster Risk Reduction for Bangladesh, Dhaka, Bangladesh [Internet]. Bangladesh: Government of the People’s Republic of Bangladesh; 2009 [cited 2023 Apr 2]. p. 13-14. Available from: Available from: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.464.3782&rep=rep1&type=pdf
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,3737. Prowse M. Towards a clearer understanding of 'vulnerability' in relation to chronic poverty. CPRC Working Paper [Internet]. 2003 [cited 2022 May 20];24:41. Available from: Available from: https://doi.org/10.2139/ssrn.1754445
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-3838. Lin N, Cook K, Burt RS. Social capital: theory and research. 4th ed. Nova Jersey, NJ (US): Aldine Transaction; 2008. 333 p..

Dado que a população prisional feminina brasileira apresenta um perfil que remonta vários marcadores sociais relacionados à vulnerabilidade e à pobreza - raça-cor, baixa escolaridade e família de origem com características típicas de privação socioeconômica77. Ministério da Justiça e Segurança Pública (BR). Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN [Internet]. Brasília, DF (BR) : MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública; 2018 [cited 2022 May 20]. Available from: Available from: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-dez-2016-rev-12072019-0802.pdf
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-, o presente estudo foi desenvolvido considerando a intersecção desses diferentes fatores e sua influência nos aspectos de vida e saúde das mulheres.

As narrativas oriundas das abordagens utilizadas foram transcritas e analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo3939. Graneheim UH, Lundman B. Qualitative content analysis in nursing research: concepts, procedures and measures to achieve trustworthiness. Nurs Educ Today [Internet]. 2004 [cited 2022 May 20];24(2):105-12. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2003.10.001
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e sob a égide do referencial teórico adotado. As informações fornecidas pelas mulheres a partir dos dados visuais também foram transcritos e considerados no processo da análise de conteúdo, assim como foram utilizados para ilustrar os sentidos e os significados expressos nas narrativas.

No tocante à viabilidade da CENI, os critérios adotados foram adaptados a partir de um estudo com recomendações metodológicas para a análise de viabilidade4040. Bowen DJ, Kreuter M, Spring B, Cofta-Woerpel L, Linnan L, Weiner D, et al. How we design feasibility studies. Am J Prev Med [Internet]. 2009 [cited 2022 May 20];36(5):452-7. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.02.002
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e compreendem: a) aceitabilidade: diz respeito a como os destinatários reagem à abordagem4040. Bowen DJ, Kreuter M, Spring B, Cofta-Woerpel L, Linnan L, Weiner D, et al. How we design feasibility studies. Am J Prev Med [Internet]. 2009 [cited 2022 May 20];36(5):452-7. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.02.002
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; para tal, consideraram-se a disposição das participantes para responder aos conteúdos propostos, o engajamento nas abordagens, a facilidade de compreensão por parte delas e as possíveis dificuldades durante o processo; b) expansão: corresponde à identificação do potencial da abordagem com uma população diferente ao que já fora previamente testada, a fim de verificar possibilidade de expandir seu uso a novos grupos4040. Bowen DJ, Kreuter M, Spring B, Cofta-Woerpel L, Linnan L, Weiner D, et al. How we design feasibility studies. Am J Prev Med [Internet]. 2009 [cited 2022 May 20];36(5):452-7. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.amepre.2009.02.002
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. Neste caso, consideraram-se a qualidade e a profundidade dos dados obtidos, bem como sua coerência em relação aos objetivos da técnica.

As impressões da pesquisadora em relação a esses itens foram anotadas logo após o término de cada entrevista. A avaliação desses critérios também considerou os resultados obtidos na análise de conteúdo, e todas as ponderações foram oportunamente discutidas com a equipe de pesquisadores e reportadas à desenvolvedora da técnica, que avalizou tais ponderações.

O presente estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em pesquisa da instituição de origem e foram considerados todos os aspectos éticos previstos pela resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, visando à garantia do anonimato, utilizou-se, para a identificação das falas, a letra P seguida de um número correspondente à sequência na qual as participantes foram abordadas durante a coleta de dados.

RESULTADOS

As entrevistadas tinham entre 30 e 37 anos, tendo sido privadas de liberdade por períodos que variavam de quatro meses a 12 anos, por penas relacionadas ao envolvimento com tráfico de drogas e outros crimes, conforme pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1 -
Características das participantes, Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021. (n=5)

A análise dos dados resultou em três grandes temas. A Figura 2 apresenta a árvore de códigos das categorias elencadas com base na análise de conteúdo.

Figura 2 -
Árvore de códigos correspondentes às categorias e subcategorias, Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021. (n=05)

Categoria 1- As causas e consequências do encarceramento

Identificou-se que as participantes se envolveram tanto com uso quanto com o tráfico de drogas ainda na infância, culminando, posteriormente, nas penalizações e nos encarceramentos.

Ah! Na minha trajetória de vida, eu acho que com sete anos eu fui viciada em droga, eu morava no XXX [bairro vulnerável do município de origem da participante] ...Quando a minha mãe foi descobrir, eu já estava completamente viciada nas drogas [...] a minha mãe ficou desesperada, porque como uma criança de sete, oito anos estava viciada no crack? (P1).

Uma vez privadas de liberdade, depararam-se com um ambiente hostil marcado por abuso de poder, dificuldade na convivência com as demais mulheres e outras adversidades intensificadas pela superlotação.

Então muitas das vezes, elas [companheiras de cela] se mutilavam por conta de tudo que passavam, o que elas estavam sentindo, elas não conseguiam colocar para fora [...]. Uma das coisas mais difíceis, era lidar com as pessoas, muitas mulheres num mesmo espaço [...]. Na minha cela ficavam em média de 18 a 25 mulheres, mas a capacidade era para oito mulheres, muitas ficavam no chão, na “praia” como se fala lá dentro. Já as celas maiores chegavam a comportar até 45 pessoas (P3).

Além disso, foram mencionados rompimentos dos laços familiares e de amizade devido ao encarceramento.

Porque você acha que tem amigos estando lá dentro ou aqui fora, mas a gente não tem, é traição de amigos e da família em geral, aí não tem por que estar junto (P2).

O distanciamento dos filhos foi referido como um sofrimento significativo, também decorrente do encarceramento.

No início eu fiquei meia desesperada, porque pegaram minha filha pequena. [...]. Meu filho ainda estou tentando a guarda dele, e uma aproximação mais forte. Quando fui presa, ele era pequeno, então eu não tive nenhum contato com ele, porque não recebia visitas (P4).

Categoria 2 - Vulnerabilidades sociais pregressas agravadas pelo encarceramento

As participantes enfatizaram situações de violência, dificuldades sociais, financeiras e de aprendizagem em suas trajetórias de vidas.

Mas quando eu tinha quatro anos, ele [tio] tentou me estuprar e foi assim até os meus oito anos. [...] eu não frequentava direito a escola e nem sabia ler (P4).

Eventos como brigas e separação dos pais e inúmeras emoções negativas (desamparo, raiva, revolta, decepção) foram enfatizadas ao descreverem a infância e a adolescência.

Assim dos seis aos 10 anos foi a parte frustrante... eu via as brigas, do meu pai com a minha mãe, ele chegava com faca [...] eu me sentia nervosa e inquieta [...] muita raiva, porque eu gravava tudo o que meu pai fazia com minha mãe [...] chorava no quarto, calada isso, dos seis aos 10 anos (P2).

Todas essas emoções foram intensificadas pelo encarceramento e se traduziram em sintomas físicos, como dores, fraqueza, problemas menstruais, tremores e sintomas de estresse pós-traumático.

As minhas mãos, meus pés ficavam gelados [...] aqui nas minhas pernas vou desenhar elas inchadas, porque era assim lá dentro (P3). Foram muitos traumas, quando eu escuto muito barulho eu entro em desespero...dormir é muito raro, tenho dificuldades demais para dormir, pra mim é tudo lá de dentro (P4)

Sensações como vazio, medo, desamparo, tristeza, frustração, solidão, desespero, vergonha, nervosismo, arrependimento e traumas foram relatadas em relação ao contexto do cárcere.

O primeiro foi frustração, eu passei os oito anos sem aceitar minha condição de estar presa, tudo ali dentro era motivo de ficar cansada e sofrimento. Eu vivia com irritabilidade/nervos à flor da pele, mãos frias e vivia preocupada, preocupação excessiva, o coração acelerado, [...] lembrava que eu não merecia passar por aquilo, se tivesse denunciado, não teria ficado longe de minha filha (P3).

As principais características atribuídas ao período enquanto egressas foram o desemprego, o estigma e o preconceito.

[...] e eu posso estar qualificada ali para certo tipo de vaga de emprego, eu estou ali naquela oportunidade, eu sou a pessoa mais qualificada, estou te falando de casos que já aconteceram, na hora que eles puxam minha ficha criminal, não tenho a mínima chance, e aquela pessoa que estava ali sendo descartada, sendo passada na minha frente, ela não tem aquela competência que estão pedindo e nem tem nenhuma das habilidades que eles estão querendo, porém ela vai ser passada na minha frente porque vou ser excluída (P4).

Categoria 3- Resiliência, perspectivas futuras e apoiadores sociais

As participantes também relataram processos de enfrentamento marcados pela espiritualidade e projetos de vida. Superação e recomeço delimitaram parte dos discursos das participantes em relação ao momento atual, no qual demonstraram estarem imbuídas de esperança e gratidão a despeito de toda a história de sofrimentos. Algumas também referiram que sentem orgulhosas de como são hoje.

Basta termos fé, ter confiança em Deus e querer mudar [...]. Tenho muita gratidão por todas as pessoas que conheci [...], eu sou muito agradecida à turma da pastoral, por ter conhecido Deus e me encontrado (P5).

Eu me sinto orgulhosa da mulher que sou hoje e de tudo que aprendi e vi lá dentro (P3).

Ademais, uma das principais prioridades elencadas pelas participantes estava relacionada ao processo de autoaceitação como caminho para a mudança. Foram destacadas a valorização e a importância da família e do matrimônio, que foram descritos como a base para a retomada de suas vidas.

Ah, o importante agora é que eu posso colocar em prática, por tudo o que eu passei eu mudei bastante (P1).

Hoje, por eu ser casada, eu tenho outra visão sobre o que é ser família [...]. Embora não consiga naquele momento que queria, tenho que lutar e continuar lutando, assim como fiz e venho fazendo (P5).

O apoio social foi tema recorrente nas diferentes fases do ciclo de vida, segundo o relato das participantes. Elas também identificaram a família como principal provedor de diferentes formas de apoio, sobretudo, emocional e material.

Então tive ajuda da minha madrinha, da minha filha para pensar nela e querer estar com ela foi nossa, muito maravilhoso (P3).

O apoio espiritual e as ações da igreja assumiram papel importante na trajetória dessas mulheres. Apesar disso, algumas referiram não perceber apoiador em seu entorno social.

E a ajuda psicológica e os cultos que tinham lá dentro da igreja com o pastor. Sem eles eu não ia conseguir, não mesmo, a ajuda deles foi sem explicação, sou agradecida demais, demais mesmo [...] eu agradeço muito a equipe dele [do pastor da igreja] que muito ajudou e acolheu demais (P3).

Viabilidade da técnica CENI

O Quadro 2 apresenta o parecer que os pesquisadores envolvidos emitiram a cada um dos critérios adotados na análise da viabilidade

Quadro 2 -
Parecer dos pesquisadores em relação aos critérios de viabilidade analisados.

DISCUSSÃO

O perfil das participantes apresenta questões sociais que antecedem o envolvimento com o crime e o encarceramento, corroborando diversos estudos que ressaltam a questão do ciclo de vulnerabilidade e da pobreza vivenciado por esse grupo - o que também é característico da classe trabalhadora, sobretudo nos países de baixa e média renda1313. Free BL, Lipinski AJ, Lewin RK, Majeed R, Zakarian RJ, Beck JG. Using a Person-Centered Approach to Identify Patterns of Exposure to Intimate Partner Violence and Child Abuse in Women: Associations with Mental Health. Child Maltreatment [Internet]. 2021[cited 2023 Apr 2];26(4):376-86. Available from: Available from: https://doi.org/10.1177/10775595211031655
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. Esses aspectos ratificam a questão da sinergia entre os conceitos de vulnerabilidade e estresse, dado que a intersecção entre ser mulher, ser de família periférica e pobre e ser egressa do sistema prisional imprime em suas trajetórias um conjunto de suscetibilidades a sofrerem ainda mais injúrias, assim como danos pessoais, sociais, econômicos e ambientais, corroborando o referencial teórico adotado2121. Philip D, Rayhan I. Vulnerability and poverty: what are the causes and how are they related? [Internet]. Bonn (DE): Center for Development Research, Universitat Bonn; 2004 [cited 2023 Apr 2]. 28 p. Available from: Available from: https://www.zef.de/fileadmin/downloads/forum/docprog/Termpapers/2004_3a_Philip_Rayan.pdf
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-3838. Lin N, Cook K, Burt RS. Social capital: theory and research. 4th ed. Nova Jersey, NJ (US): Aldine Transaction; 2008. 333 p..

A narrativa das participantes revelou uma trajetória marcada por ambientes hostis, tanto em relação a questões estruturais - experiências familiares e sociais negativas vivenciadas na infância e adolescência - quanto ao cárcere propriamente dito na vida adulta. São aspectos que culminaram em sentimentos e manifestações de sofrimento e traumas, corroborando estudos prévios desenvolvidos com essa população88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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,2323. Karatzias T, Power K, Woolston C, Apurva P, Begley A, Mirza K, et al. Multiple traumatic experiences, post-traumatic stress disorder and offending behaviour in female prisoners. Crim Behav Ment Health [Internet] 2018 [cited 2022 May 20];28(1):72-84. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2043
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. Desse modo, foram ressaltados estressores específicos às diferentes fases de vida, remetendo a determinadas pessoas do entorno social.

Em geral, na infância e adolescência, essa percepção se refletia nas figuras parentais; já na vida adulta, se refletia nos filhos, nos amigos e em outras mulheres com quem conviveram quando privadas de liberdade. À luz do referencial teórico, depreende-se que tais relações conformam as bases do baixo capital social3838. Lin N, Cook K, Burt RS. Social capital: theory and research. 4th ed. Nova Jersey, NJ (US): Aldine Transaction; 2008. 333 p. reportado por elas, uma vez que a contingência de relações interpessoais nesses contextos demarcam um baixo repertório de possibilidades para mudanças, transcendências e/ou ampliação dos recursos sociais e acesso aos direitos básicos de saúde e proteção social.

Ademais, a trajetória dessas mulheres perpassa importantes pontos de intensificação da sensação de desamparo, vazio e medo, os quais se traduziram em manifestações somáticas como dor, tremor e fraqueza. Mesmo compartilhando traços de resiliência e uma percepção positiva de possíveis apoiadores do seu entorno social, enquanto egressas, essas mulheres vivenciaram a realidade crua do desemprego, do estigma e do preconceito. No caso deste subgrupo, esses pontos são intensificados pela questão do gênero e pela condição de desigualdade social do país.

Ou seja, as participantes descreveram o período vivenciado no cárcere como permeado de episódios traumáticos decorrentes de um ambiente hostil e violento, bem como de sentimentos que remetem a situações de terror e extrema solidão, emoldurados por um ambiente com precárias condições de infraestrutura, superlotado e sem olhos para suas emoções. Adicionalmente, o aprisionamento culminou no distanciamento dos filhos e no abandono familiar. Na qualidade de egressas, a precarização do trabalho e o estigma foram importantes estressores apontados. Nesses quesitos, os resultados foram similares aos encontrados em estudos prévios88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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-2323. Karatzias T, Power K, Woolston C, Apurva P, Begley A, Mirza K, et al. Multiple traumatic experiences, post-traumatic stress disorder and offending behaviour in female prisoners. Crim Behav Ment Health [Internet] 2018 [cited 2022 May 20];28(1):72-84. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2043
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, inclusive aqueles que utilizaram metodologia quantitativa.

Pautados, portanto, na importância de apreender os fenômenos a partir de uma perspectiva que considere a interação entre riscos e capacidade adaptativa, conforme apontado no referencial teórico88. Santos MVD, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Marchiori GRS, Guerra JVV. Mental health of incarcerated women in the state of Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2023 Apr 2];26(2):e5980015. Available from: Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017005980015
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,2323. Karatzias T, Power K, Woolston C, Apurva P, Begley A, Mirza K, et al. Multiple traumatic experiences, post-traumatic stress disorder and offending behaviour in female prisoners. Crim Behav Ment Health [Internet] 2018 [cited 2022 May 20];28(1):72-84. Available from: Available from: https://doi.org/10.1002/cbm.2043
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, vale destacar um resultado distinto dos apresentados em estudos prévios e, certamente, decorrente do desenho do estudo.

Esse resultado diz respeito a aspectos relacionados a processos resilientes evidenciados nas narrativas. Isto é, a despeito de todas as experiências de sofrimento, condições de vulnerabilidade e estressores mencionados, a narrativa dessas mulheres foi permeada com palavras que denotam sentimentos de esperança e superação. Há, por exemplo, inúmeras menções aos apoiadores sociais, com destaque aos relacionados sua espiritualidade e religiosidade, que parecem ter sido decisivos para que elas ressignificassem seus papéis e sua identidade e estabelecessem projetos de vida.

Vale apontar que a espiritualidade foi mencionada como importante aspecto em relação à instalação de esperança e às reflexões sobre projetos futuros. Nesse sentido, vale destacar a ação de diversos grupos religiosos no âmbito dos presídios brasileiros e sua repercussão na vida e nas crenças desse público - aspectos também descritos em estudo prévio1212. Schultz AL, Dias MT, Dotta RM. Women deprived of their liberty in the prison system: interface between mental health, social services and vulnerability. Textos Contextos Porto Alegre [Internet]. 2020 [cited 2023 Apr 2];19(2):e36887. Available from: Available from: https://doi.org/10.15448/1677-9509.2020.2.36887
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.

Quanto ao uso da técnica CENI como facilitadora da narrativa das mulheres estudadas, pelo fato de o roteiro proposto partir de reflexões sobre as relações sociais e familiares e considerando o contexto comunitário onde vivem, entende-se que tal técnica viabiliza que entrevistador e entrevistado tenham um intercâmbio de informações culturais, bem como oportuniza uma reflexão sobre os múltiplos papéis atribuídos a tais mulheres em seus contextos de vida.

Além disso, conforme descrito anteriormente, a entrevista intercala as narrativas com ferramentas visuais, como o mapa de rede, o mapa corporal e a linha da vida. Os pesquisadores perceberam esse aspecto como propiciador de um ambiente mais leve e, de certo modo, que evoca o lúdico - mesmo na abordagem de um tema doloroso para as participantes.

A etapa do Card Sort foi a mais desafiadora, visto que as participantes relutaram diante da renomeação do que sentiam. Por um lado, isso pode ser interpretado como resultante de um repertório linguístico mais restrito da maioria das participantes; por outro, denota o quanto contextos mais vulneráveis em termos socioeconômicos têm “espaço” para reflexões sobre as expressões mais subjetivas dos sujeitos ou mesmo para a valorização de suas emoções, dado que a premência pelo “básico”, em termos de “sobrevivência”, é a prioridade elencada pelo grupo na maioria dos casos.

Apesar desses desafios, a técnica se mostrou muito potente para estudos sobre eventos estressores, trajetórias de vida e saúde, pois auxilia a abordagem de temas relacionados ao sofrimento humano de um modo sensível, acolhedor e não invasivo. É uma técnica fortemente recomendada para estudos com populações em situação de vulnerabilidade social e emocional, como é o caso das mulheres egressas do sistema prisional.

Em suma, o grande potencial da técnica está em possibilitar que as participantes compreendam sua trajetória de vida com base na narrativa de eventos marcantes e como um continuum de experiências desafiadoras (mas positivas), permitindo que haja uma entrevista fluida e consistente sobre as questões psicossociais que permeiam suas trajetórias. Destaca-se também que a sequência proposta pelo roteiro possibilita que a finalização da entrevista tenha como foco aspectos relacionados às expectativas futuras, promovendo um desfecho menos doloroso para a fala das mulheres. Ainda, é uma espécie de convite para que elas ressignifiquem as suas experiências de dor e sofrimento.

Como principal limitação do estudo, destaca-se a composição da amostra em termos de número de participantes e modo de recrutamento, além dos desafios de desenvolver estudos como este em um período tão conturbado e marcado por medidas de distanciamento social, como o período da pandemia de covid-19.

CONCLUSÃO

As experiências de sofrimento e os estressores apontados pelas participantes remontam ao período anterior ao encarceramento e sinalizam trajetórias de vida marcadas por vulnerabilidade, pobreza e experiências traumáticas, cuja ênfase é dada ao período do cárcere, corroborando estudos prévios. Os estressores específicos de cada etapa das trajetórias remetiam a relações interpessoais que, em geral, conformavam um arcabouço frágil de capital social em termos de recursos e acesso.

Apesar disso, as narrativas apontaram importantes aspectos que denotam processos resilientes, sinalizando, também, o potencial da CENI como uma estratégia de coleta de dados sensível, acolhedora e capaz de ampliar o repertório de palavras para expressão dos sentimentos, bem como revisitar experiências dolorosas, vislumbrando possibilidades positivas para o futuro.

Para estudos futuros, sugere-se comparar a percepção das mulheres egressas e das mulheres que ainda estão na condição de encarceramento sobre os estressores e suas trajetórias de vida, visando identificar possíveis diferenças na ênfase dada a cada condição e período.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - A relação entre a trajetória de vida e estressores correntes de mulheres que foram privadas de liberdade, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 2021.
  • FINANCIAMENTO

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Processo: 88882.378633/2019-1
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, parecer n° 000.0000/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n° 39811420.60000.5393.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Laura Cavalcanti de Farias Brehmer, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2023
  • Aceito
    10 Abr 2023
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