POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA A ASSISTÊNCIA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

RESUMO

Objetivo:

compreender as potencialidades e desafios para a assistência desenvolvida pelos profissionais no contexto da atenção primária à saúde.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo ação participante, fundamentada no Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, que consiste de Investigação Temática; Codificação e Descodificação; e, Desvelamento Crítico. Foi desenvolvida no primeiro semestre de 2021, com a participação de 20 profissionais, entre médico, enfermeiro, odontólogo, técnico de enfermagem, auxiliar de consultório dentário e agente comunitário, todos de uma Unidade Básica de Saúde de Santa Catarina.

Resultados:

os profissionais de saúde desvelaram como potencialidades o engajamento da equipe, assim como o acolhimento que fortalece as relações interpessoais na atenção primária. Como desafios ressaltaram a limitada valorização profissional e parcos recursos materiais e humanos, fatores esses que geram tensionamentos para a assistência.

Conclusão:

o engajamento e a relação interpessoal revelam o comprometimento e dedicação dos profissionais em promover uma atenção integral e de qualidade, buscando suprir as limitações da assistência na atenção primária à saúde.

DESCRITORES:
Promoção da saúde; Saúde; Atenção primária à saúde; Profissionais de saúde; Acolhimento

ABSTRACT

Objective:

to understand the potentialities and challenges for the care provided by professionals in the primary health care context.

Method:

a qualitative research study of the participatory action type, based on Paulo Freire's Research Itinerary, which consists of Thematic Investigation; Coding and Decoding; and Critical Unveiling. It was developed in the first half of 2021, with the participation of 20 professionals, including physicians, nurses, dentists, nursing technicians, dental assistants and community agents, all from a Basic Health Unit in Santa Catarina.

Results:

the health professionals revealed the team's engagement as potentialities, as well as welcoming, which strengthens interpersonal relationships in Primary Care. As challenges, they highlighted the limited professional appreciation and scarce material and human resources, factors that generate tensions for the assistance to be provided.

Conclusion:

engagement and interpersonal relationships reveal the professionals' commitment and dedication to promoting comprehensive and good quality care, seeking to overcome the limitations inherent to assistance in Primary Health Care.

DESCRIPTORS:
Health promotion; Health; Primary health care; Health professionals; Welcoming

RESUMEN

Objetivo:

comprender las potencialidades y los desafíos para la asistencia desarrollada por los profesionales en el contexto de la Atención Primaria de la Salud.

Método:

investigación cualitativa y del tipo acción participante, fundamentada en el Itinerario de Investigación de Paulo Freire, que consiste en Investigación Temática; Codificación y Decodificación; y Revelación Crítica. Se desarrolló en el primer semestre de 2021 con la participación de 20 profesionales, entre médicos, enfermeros, odontólogos, técnicos de Enfermería, auxiliares de consultorio dental y agentes comunitarios, todos de una Unidad Básica de Salud de Santa Catarina.

Resultados:

los profesionales de la salud indicaron lo siguiente como potencialidades: compromiso del equipo, al igual que la recepción, que fortalece las relaciones interpersonales en la Atención Primaria. Como desafíos, destacaron la limitada valorización profesional y escasos recursos materiales y humanos, factores que generan tensiones sobre la asistencia.

Conclusión:

el compromiso y las relaciones interpersonales revelan la dedicación de los profesionales por promover una atención integral y de buena calidad, procurando suplir las limitaciones de la asistencia provista en la Atención Primaria de la Salud.

DESCRIPTORES:
Promoción de la salud; Salud; Atención primaria de la salud; Profesionales de la salud; Recepción

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1970, a partir de Alma-Ata, a relevância da Atenção Primária à Saúde (APS) como elemento central na organização de sistemas voltados para a promoção da saúde universal tem sido apontada. Salienta-se maior importância da APS para garantia de acesso aos serviços de saúde nos países em desenvolvimento1. Os princípios da APS estão fortemente relacionados à promoção da saúde e pressupõem indissociabilidade entre saúde e desenvolvimento social para enfrentar iniquidades sociais, democratizar a participação social e garantir acesso universal a uma rede de serviços de assistência à saúde. É um espaço de suma importância para o desenvolvimento de práticas promotoras saudáveis direcionadas ao engajamento comunitário e nas políticas públicas, a fim de modificar os determinantes sociais da saúde, contribuindo para combater as desigualdades2^-4.

O direcionamento da APS pressupõe a organização das ações tendo como atributos: primeiro contato do usuário; longitudinalidade; cuidado integral; e, orientação para a comunidade. A APS brasileira foi organizada por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) e das equipes de Atenção Básica (eABs), que planejam e executam ações dentro de um território adscrito, junto à população que vive nesta área delimitada.

Neste sentido, uma estratégia para melhoria de atuação e resolutividade está na ampliação do acolhimento como uma prática de aprimoramento do trabalho em saúde. Acolher possibilita receber a demanda das situações de saúde e doença de determinada região. Como a APS representa a porta de entrada da população aos serviços de saúde, é fundamental promover uma assistência acolhedora a fim de diminuir as desigualdades e proporcionar a integralidade do cuidado. O acolhimento provoca o desafio da garantia de uma assistência integral, sendo necessário ações que oportunizem a participação social dos atores envolvidos5.

O contexto da APS é um caminho viável à construção de um novo modelo de atenção à saúde. As experiências e inovações na APS, como a articulação de conhecimentos interdisciplinares na assistência individual e coletiva, a abordagem da determinação social no processo saúde-doença, as ações intersetoriais, a participação comunitária e o fortalecimento dos vínculos, podem propiciar mudanças e contribuir com a reorganização dos sistemas de saúde. Os desafios para o desenvolvimento de práticas saudáveis são enormes, principalmente nos determinantes da saúde e no enfoque à sua promoção6^-7.

Problemas e desafios enfrentados pelas equipes de APS estão relacionados à centralização no atendimento médico, à burocratização traduzida por horários restritos que prejudicam o acesso de usuários que trabalham no horário de funcionamentos das unidades de saúde, à baixa intenção/competência comunicativa de profissionais administrativos atuantes nas recepções, bem como escasso domínio das tecnologias de comunicação e informação para fins administrativos3^,8. Além disso, pontuam-se as dificuldades em realizar ações intersetoriais, bem como o diálogo entre profissionais para atuação em conjunto entre e-NASF e equipe de saúde da família5. Certamente, as mudanças advindas da Política Nacional de Atenção Básica impactam ainda mais a assistência em saúde das equipes. Diante da relevância do tema exposto, questiona-se: quais as potencialidades e desafios para a assistência desenvolvida pelos profissionais no contexto da atenção primária à saúde? Este trabalho tem como objetivo compreender as potencialidades e desafios para a assistência desenvolvida pelos profissionais no contexto da atenção primária à saúde.

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo ação participante, baseada no referencial metodológico de Paulo Freire. O Itinerário de Pesquisa Freireano consiste em três momentos dialéticos e interligados: Investigação Temática; Codificação e Descodificação; e, Desvelamento Crítico9.

Na etapa da Investigação Temática os temas geradores são levantados, impulsionando participantes a dialogarem sobre o tema investigado. Na Codificação e Descodificação, debatem-se os significados das temáticas, permitindo a tomada de consciência com o exercício de um olhar crítico e reflexivo. No Desvelamento Crítico ocorre a análise e apreensão das informações que emergem do debate, possibilitando a emancipação dos participantes e a mudança da realidade vivida9.

O Itinerário de Pesquisa Freireano acontece no Círculo de Cultura, no qual as pessoas dialogam, compartilham vivências e reflexões frente à realidade da vida9. O Círculo de Cultura aconteceu em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de um município da região da grande Florianópolis, estado de Santa Catarina. A organização da escrita deste artigo seguiu o protocolo do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Os participantes foram um gestor (enfermeiro) e trabalhadores da UBS (três médicos, dois enfermeiros, dois odontólogos, cinco técnicos de enfermagem, dois auxiliares de consultório dentário e cinco agentes comunitários). Como critérios de inclusão, consideraram-se os profissionais de saúde vinculados à APS e a autorização de anuência da coordenação da UBS, para adequação das agendas. E, de exclusão, os profissionais que estivessem afastados por férias ou licença no período da investigação temática.

A investigação dos temas ocorreu no desenrolar de um Círculo de Cultura, com duração de duas horas, em maio de 2021. O encontro aconteceu no auditório da UBS, em horário e dia de reunião da equipe, negociado previamente com os participantes. Pesquisadores, com experiência na abordagem do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, foram os mediadores do Círculo de Cultura.

A escolha das equipes participantes se deu por meio de indicação da gestão municipal de saúde, que reconheceu que aquela equipe desenvolvia atividades promotoras de saúde e se constituía de três equipe de Estratégia Saúde da Família completa atuando na mesma Unidade Básica e envolvia todas as categorias profissionais.

O coordenador da unidade escolhida foi previamente convidado para a participação do Círculo de Cultura e repassou o convite à equipe. Dos trabalhadores da saúde que trabalhavam na UBS, 20 pessoas se dispuseram a participar da pesquisa.

No dia da realização do Círculo de Cultura, inicialmente foram apresentados os objetivos do estudo, bem como a metodologia de trabalho a ser desenvolvida. Posteriormente, houve uma dinâmica, em que os participantes se apresentaram e preencheram os dados socioeconômicos. A partir de então, iniciou-se a primeira etapa - a Investigação Temática. Os participantes foram divididos em três subgrupos e, estimulados a dialogar, anotaram os temas geradores em cartolinas coloridas, a partir da questão norteadora: quais as potencialidades e desafios para desenvolver o trabalho na APS? Após a investigação, os subgrupos voltaram a se reunir em um grande grupo e partilharam suas temáticas. Foram identificados dezesseis temas geradores: nove potencialidades e sete desafios para desenvolver a assistência em saúde na APS.

Na segunda etapa - codificação e descodificação - debateram-se as temáticas surgidas da investigação no grande grupo, sendo explorados dois temas geradores. Um, apontando os aspectos positivos que possibilitavam o trabalho na APS, emergindo a temática - Potencialidades para atuação na APS. O outro tema gerador foi o momento em que refletiram sobre os aspectos negativos da assistência em saúde na APS, os quais convergiram para a segunda temática - Desafios que desmotivam os profissionais para o trabalho na Atenção Primária.

Na etapa do Desvelamento Crítico, aprofundou-se o debate acerca dos dois temas, sendo revelado como aspecto positivo o empoderamento dos participantes para a promoção de um trabalho com qualidade e maior valorização profissional. O ato de desvelar remete à leitura cuidadosa, reflexão e interpretação dos temas emergentes ao longo do Círculo de Cultura9.

Com o consentimento dos participantes, os diálogos foram gravados, e posteriormente transcritos. A análise dos dados (temáticas identificadas, codificadas e descodificadas, desvelamento crítico) se realizou de maneira simultânea ao desenvolvimento do Círculo de Cultura e conforme preveem os preceitos do Itinerário de Pesquisa de Paulo Freire, com o envolvimento de todos os participantes do estudo9.

Antes de iniciar o Círculo de Cultura, os participantes foram apresentados à pesquisa e leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e seguiu todos os preceitos da Resolução 466, de 2012; 510, de 2016; e 580, de 2018; do Conselho Nacional de Saúde. Respeitou-se o anonimato dos pesquisados, que foram identificados com nomes de adjetivos que representam pilares nas relações interpessoais, e escolhidos pelos participantes, tais como Ética, Respeito, Honestidade, Justiça, Responsabilidade, Tolerância, entre outros.

RESULTADOS

Os vinte participantes do estudo atuavam em diferentes profissões no âmbito da APS: três médicas, duas enfermeiras, uma cirurgiã dentista, duas auxiliares de saúde bucal, três técnicas de enfermagem e oito agentes comunitários de saúde. Destes, 15 eram do sexo feminino e cinco, do sexo masculino. Uma entrevistada, no momento da pesquisa, atuava como coordenadora do serviço. A faixa etária variou de 24 a 55 anos e o tempo de atuação na APS divergiu de um mês a 20 anos.

Os dois temas geradores que emergiram para discussão no Círculo de Cultura foram: 1) Potencialidades para atuação na APS; 2) Desafios que desmotivam os profissionais para a assistência na Atenção Primária. No primeiro tema gerador, os participantes discutiram sobre as potencialidades para atuação na APS e desvelaram que o engajamento e a relação interpessoal da equipe são facilitadores para o trabalho. Refletiram sobre a importância de a equipe atuar de forma unida e engajada, sendo uma questão essencial na assistência em saúde.

[...] e os pontos positivos, o trabalho em equipe, eu vi que foi unanimidade isso, com certeza é maravilhoso aqui (Empatia).

[...] agora a gente vai para as nossas potencialidades: o engajamento da nossa equipe, que é top dez [...], a boa relação interpessoal Ética).

Outra potencialidade mencionada foi o acolhimento, o qual possibilita a construção de uma relação de confiança dos usuários com os profissionais. Facilita o desenvolvimento das práticas promotoras de saúde e diminuição das filas de espera, como destacado pelos participantes.

[...] porque a gente está mantendo o acolhimento [...] e esse cuidado naquele momento, traz a promoção e a prevenção para o paciente (Honestidade).

[...] a gente reduziu uma planilha gigante (de consultas agendadas) por causa do acolhimento (Justiça).

A organização da assistência na UBS foi evidenciada como uma potencialidade por meio do planejamento. Os profissionais destacaram que têm a oportunidade de dialogar e discutir efetivamente sobre suas ações nas reuniões em equipe.

[...] facilidades e organização do processo de trabalho [...] (Responsabilidade).

Tudo que é feito aqui é planejado. E uma facilidade também é nas reuniões que nós podemos dialogar tudo [...] (Respeito).

O uso de tecnologia no processo de comunicação e orientação da população também foi citado nesse estudo como uma potencialidade para a equipe de saúde integrar com os usuários, facilitando o trabalho dos profissionais na APS.

[...] nós temos facilidade também com o WhatsApp, que a pessoa pode correr risco de vir aqui aglomerar ou pegar uma doença. E de casa, ela pode acessar, conversar e tirar dúvidas (Empatia).

Os participantes também dialogaram que o mapeamento e o reconhecimento da área de abrangência são potencialidades no trabalho, visto que qualificam o planejamento estratégico e a acessibilidade da população adscrita.

[...] o mapeamento e reconhecimento da área, isso está sendo um processo [...] isso está acontecendo para que a gente possa desenvolver melhor o planejamento estratégico e a acessibilidade.(Respeito).

Neste estudo, os participantes destacaram o mapeamento como um relevante instrumento, o qual qualifica o planejamento das ações da equipe de saúde e a acessibilidade.

O acesso avançado foi discutido no Círculo de Cultura como uma potencialidade para a assistência em saúde no contexto da APS.

[...] no posto, colocaram o acesso avançado, então, de manhã, a gente tem demanda e isso está dando um bom fluxo e as agendas também... (Respeito).

No segundo tema gerador, destacaram-se os desafios do trabalho dos profissionais atuantes na APS. Nos diálogos emergiram elementos como a reduzida motivação da equipe de saúde para o desenvolvimento do trabalho, com destaque para a redução do número de profissionais e o baixo salário.

[...] quadro incompleto dos funcionários, está deixando a gente sobrecarregado [...] e o salário, que é incompatível [...] (Ética).

Os participantes também dialogaram sobre as condições inapropriadas da infraestrutura da UBS, o que interfere no trabalho, referindo escassos materiais básicos para manter a sua própria higiene pessoal.

[...] há falta de estrutura física, por vezes, a gente não tem água, tem goteira, tem mofo, falta papel toalha e a gente tem que implorar por coisas básicas [...] (Respeito). [...]

.acho que a estrutura física [...] nossa situação da falta do básico, até pra nossa equipe, até pra nossa higiene do dia a dia.(Paciência).

Outro problema discutido foi a falta de voz ativa que os profissionais possuem no desenvolvimento do seu trabalho. Também ressaltaram a falta de paciência dos usuários em compreender que não existe apenas o caso deles, havendo inúmeras situações de saúde que precisam ser resolvidas. A partir de então, alguns usuários faltam com respeito com os profissionais.

[...] a gente queria muito que os profissionais tivessem um pouco mais de voz, mas infelizmente aqui não funciona assim (Amorosidade).

[...] nem sempre o paciente está flexível. Ele chega com o problema, aquele é o problema dele e pensa que é só ele que tem problema [...] é bem complicado, eles entram com a questão do desrespeito e a equipe tenta explicar da forma mais correta, mas nem sempre tem bom resultado.(Diálogo).

Quanto à relação entre os atores envolvidos na assistência em saúde na APS, os participantes do estudo citaram com veemência a interferência política, recebendo ameaças, sobretudo quando alguma ação preconizada no serviço desagrada a população.

[...] há situações que a população vem pra gente com isso: eles sabem que podem recorrer à secretaria, com vereador A ou vereador B. E quem não tem uma estabilidade, acaba cedendo.(Humildade).

[...] a gente se depara com alguns casos de situações que ocorrem aqui de âmbito de cunho político. A política está muito dentro, atrelada à UBS, então às vezes a gente segue regras que são preconizadas pela secretaria ou que são passadas pra gente e a população não aceita aquela regra e, muitas das vezes, nós somos ameaçados com situações que ‘olha, nós vamos lá na secretaria e vamos reclamar’! (Participação).

Os participantes ainda dialogaram que devido à COVID-19, o fluxo de atenção teve como prioridade a situação pandêmica, a qual afetou a assistência em saúde na atenção primária, sendo canceladas as ações de prevenção e promoção da saúde.

[...] a prioridade agora é a questão da pandemia, tá andando conforme liberarem [...] Tem uma dificuldade em alguns processos [...] e alguns não estão sendo feitos por causa de pandemia (Simpatia).

DISCUSSÃO

O trabalho em equipe na APS envolve a estruturação e a organização das práticas de saúde, tendo como base as relações interpessoais por meio do diálogo efetivo, com ações e saberes construídos de modo coletivo. Portanto, o trabalho em equipe e o engajamento dos profissionais, como mencionado pelos participantes deste estudo, são fundamentais para o desenvolvimento dos princípios da ESF, contribuindo para a reorientação do modelo de atenção à saúde, em busca da integralidade e da promoção da saúde10. Desse modo, a gestão dos serviços de saúde deve instigar o trabalho em equipe e o engajamento dos profissionais na práxis da atenção primária.

Revelaram, também, o acolhimento como potencialidade para o desenvolvimento da assistência no contexto da APS. O acolhimento se revela como uma estratégia eficaz para atingir melhores resultados, potencializando os níveis de resolutividade e a organização dos serviços11.

O acolhimento na APS tem favorecido a prática clínica da enfermagem, o trabalho em equipe, bem como a melhoria no acesso3. Além disso, oportuniza o desenvolvimento das ações promotoras de saúde, como apontado neste estudo, visto que melhora a relação entre os profissionais e os usuários12. No entanto, a elevada demanda, a escassa capacitação dos profissionais e a dificuldade de reorganizar o trabalho de modo democrático, podem limitar os benefícios dessa diretriz3.

A reunião de equipe, como destacado pelos participantes, também é um importante instrumento para a estruturação e organização do planejamento, com estabelecimento de diretrizes e tomada de decisões por meio do diálogo. Somado a isso, as reuniões favorecem a reorganização da assistência na APS, tendo como base as informações discutidas entre os profissionais13. Salienta-se que essas reuniões de trabalho devem ser desenvolvidas de maneira democrática, envolvendo a participação de todos os profissionais atuantes nesse cenário. Porém, ainda há resquícios do modelo hierárquico, com prevalência de enfermeiros e médicos na tomada de decisões, em que, por vezes, a opinião de outros profissionais não é considerada, como exemplo, a dos agentes comunitários de saúde, que são os trabalhadores que estabelecem o maior vínculo entre a equipe de saúde e a comunidade13.

Por outro lado, é na APS que se busca reduzir distâncias e fortalecer o elo entre a comunidade e os profissionais da equipe. Uma estratégia eficaz é a utilização de tecnologias, as quais facilitam a comunicação com os usuários e promovem a continuidade do cuidado, sobretudo em tempos pandêmicos14.

O mapeamento e a territorialização também foram evidenciados como potencialidades para a assistência em saúde no contexto da APS. Uma das atribuições de todos os profissionais da ESF é a participação no processo de territorialização. Mas o seu desenvolvimento, por vezes, é reduzido e simplificado, sendo considerado apenas uma ação burocrática, sem a devida aplicação no trabalho dos profissionais atuantes na APS15.

Atualmente, o modelo Acesso Avançado é uma das maneiras para qualificar o acesso no âmbito da APS, o qual proporciona que os usuários busquem atendimento com o seu profissional de referência no momento mais oportuno, em geral no mesmo dia, conforme a sua necessidade. Esse modelo organiza a agenda diária, sem reservar horários para grupos específicos, em busca de atender à demanda de cada dia16.

Entretanto, a sobrecarga de trabalho e o excesso de demanda na APS são apontados como desafios para desenvolvimento da assistência em saúde, pois podem desencadear o desenvolvimento de doenças mentais nos profissionais. Isso se relaciona principalmente pela dificuldade que envolve a efetivação dos princípios preconizados no SUS, diante das precárias condições de trabalho. Esses profissionais estão expostos a intenso trabalho, com escassa mão de obra, sendo ligados diretamente à realidade e à necessidade da comunidade que assistem, o que pode gerar o esgotamento, constituindo a Síndrome de Burnout17. Portanto, é de extrema relevância que os profissionais de saúde tenham boas condições laborais para que possam exercer o seu trabalho com motivação, de modo pleno e adequado com a sua carga de trabalho18.

A desvalorização profissional, que inclui baixos salários, também foi apontada em outros estudos, visto que a sobrecarga laboral e intensas cobranças dos gestores afetam diretamente na motivação e desenvolvimento do trabalho em saúde19^-21. Vale ainda lembrar que muitos trabalhadores ingressam na APS sem um concurso público para os efetivar e os assegurar economicamente20^-21. A literatura menciona que há constante rodízio de profissionais no serviço, com instabilidade dos contratos e baixos salários, prejudicando a assistência em saúde das equipes da ESF,19^-21 com dificuldade de estabelecimento de vínculo com a equipe e comunidade. Esses fatores podem desmotivar os profissionais de saúde e, consequentemente, desqualificar a assistência aos usuários e comunidade18.

Em consonância com os resultados negativos encontrados no presente estudo quanto à estrutura das UBS, outras pesquisas desvelam como principais problemas a falta de equipamentos de informática, de telefone, do acesso à internet e de veículo para realizar atividades na comunidade19^,22. Tais dificuldades podem dificultar a continuidade do trabalho na APS, limitando a potencialidade das ações neste setor22. Nesse cenário, tornam-se prementes políticas que favoreçam possibilidades para que gestores municipais, estaduais e nacionais possam garantir uma estrutura adequada e materiais suficientes nas UBS, com vistas a manter condições adequadas de trabalho aos profissionais.

Para o alcance de bons resultados nos serviços prestados na APS, postulam-se o exercício da autonomia dos profissionais e uma gestão local efetiva23. Na atenção primária, os atores envolvidos no processo de cuidado são a comunidade, os gestores e também os profissionais. Portanto, os trabalhadores precisam ser ouvidos pela população e pela gestão, com voz ativa e com respeito, como protagonistas nas práticas em saúde, tendo autonomia para definir as melhores estratégias para assistir os indivíduos, famílias e comunidade. Por vezes, há comunicação ineficaz entre os profissionais da saúde e gestores, e entre esses trabalhadores e a comunidade, podendo gerar tensionamento nessas relações,23 como apontado pelos participantes deste estudo.

Na relação entre o profissional de saúde e a comunidade, os usuários geralmente aguardam uma assistência resolutiva, que solucione o seu problema com agilidade e lhes satisfaça23.

A pandemia amplificou os desafios existentes na APS e exigiu esforços da União para os estados e municípios, com vistas a apoiar as ações de vigilância e assistência à população. Na conjuntura pandêmica, os profissionais da APS atuaram em várias frentes, buscando desenvolver o seu trabalho: vigilância em saúde nos territórios; atenção aos usuários com COVID-19; suporte social a grupos vulneráveis; e, continuidade das ações próprias da APS, buscando-se adaptar à nova situação de saúde, a qual exigia cuidados para a manutenção do distanciamento social24. No enfrentamento à COVID-19, a APS foi protagonista para mitigar os efeitos da pandemia25. Nesse período, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e pesquisadores de diferentes países reforçaram a necessidade de fortalecer a APS, considerando o acesso com brevidade, a assistência próxima a indivíduos e coletivos, conforme a realidade e cultura de cada território, a integralidade e a coordenação do cuidado26^-28.

O fortalecimento dos atributos da APS, como a longitudinalidade, é essencial para o desenvolvimento de assistência em saúde com qualidade. Evidências brasileiras demonstram que o vínculo longitudinal do cuidado, consiste no acompanhamento do usuário ao longo do tempo, na qual se espera uma relação terapêutica que envolva a responsabilidade por parte do profissional de saúde e a confiança por parte do usuário, modelo centrado na pessoa29.

Como fator limitante na realização deste estudo, cita-se que foi desenvolvido em uma única realidade. Sugere-se a continuidade e ampliação de pesquisas, envolvendo o trabalho dos profissionais atuantes na atenção primária de diversas regiões do Brasil e mundo, em prol de reflexões e melhorias neste setor. A partir dos resultados alcançados, foi possível ampliar as evidências científicas sobre a assistência em saúde na APS, que é a porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde no Brasil, a qual merece atenção dos pesquisadores. É tempo de discutir e implementar políticas que auxiliem na qualidade de vida, bem-estar e processo laboral dos profissionais da saúde, para instigar a sua motivação no seu trabalho, conforme as diretrizes do SUS, cumprindo com qualidade o seu papel na APS.

CONCLUSÃO

Os participantes revelaram como potencialidades o empoderamento e envolvimento dos profissionais na assistência em saúde. Como desafios revelaram a carência de recursos humanos e materiais e apontaram a importância de ampliar o foco da atenção em saúde e melhorar a atuação dos profissionais.

Ressaltaram que é preciso lidar com questões políticas, econômicas e sociais. Ações essas que irão interferir na estruturação dos serviços e nos protocolos, interferências que, na maioria das vezes, é negativa tanto para a população quanto para os trabalhadores de saúde.

Os resultados deste estudo podem subsidiar discussões entre gestores e profissionais da saúde, a fim de identificar as possibilidades e limitações para o desenvolvimento do trabalho das equipes na atenção primária.

Este estudo revelou a realidade enfrentada pelos profissionais da atenção primária ao identificar potencialidades e desafios da assistência em saúde, permitindo avanços das práticas no cotidiano de trabalho.

Ao utilizar a pesquisa ação participante, por meio da práxis Freireana, ocorre a reflexão sobre a realidade e intervenção sobre esta, principalmente na sua dimensão política. A importância do diálogo no momento do Círculo de Cultura oportunizou a leitura crítica das situações vivenciadas pelos participantes.

AGRADECIMENTO

Agradecimento especial a Professora Doutora Jeane Barros de Souza por sua dedicação e contribuição com esse estudo. Nesse texto, fica apenas uma pequena parte do seu lindo legado! Sentiremos muito a sua falta física e intelectual. Com afeto, saudades e na certeza que você brilhará, cantará e encantará em todos os espaços que agora ocupa. Desejamos muita luz no espaço celestial!

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da Projeto de Pesquisa CNPq - 426445/2018-0 / MCTIC/CNPq Nº 28/2018 - Universal/Faixa B intitulado: “A Sinergia da promoção da saúde com os Determinantes Sociais no contexto da Atenção Primária” da Universidade Federal de Santa Catarina.

• FINANCIAMENTO

  Conselho Nacional Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - 426445/2018-0 / MCTIC/CNPq Nº 28/2018 - Universal/Faixa B.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, parecer número 3996148 e CAAA número 30780820400000121.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Leticia de Lima Trindade, Ana Izabel Jatobá de Souza Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  21 Dez 2022
• Aceito
  18 Abr 2023