DESAFIOS DE ENFERMEIROS GESTORES NO TRABALHO EM HOSPITAIS BRASILEIROS E PORTUGUESES: ESTUDO DE MÉTODOS MISTOS

RESUMO

Objetivo:

analisar os desafios presentes no trabalho de enfermeiros gestores no contexto hospitalar, no Brasil e em Portugal.

Método:

pesquisa de métodos mistos, abordagem explanatório sequencial, realizada com enfermeiros gestores de quatro hospitais, entre março de 2019 e março de 2020. O estudo iniciou com a etapa quantitativa, aplicando um survey a 143 participantes e dados analisados por estatística analítica e inferencial. A etapa qualitativa foi realizada com 71 destes participantes utilizando entrevistas, para compreender os desafios deste trabalho, e os dados foram submetidos à análise de conteúdo. A integração dos achados foi realizada por meio de conexão de dados.

Resultados:

na etapa quantitativa os resultados evidenciaram que as atividades de gestão realizadas pelos enfermeiros por cenário, incluíram planejamento, gestão de pessoas, de processos assistenciais, de materiais, da qualidade e liderança, com maiores médias para os quatro primeiros. A qualitativa permitiu aprofundar os achados anteriores, contrastando a invisibilidade do planejamento, confirmando a gestão de pessoas como o desafio comum às realidades, explicando as médias nas realidades nacional e portuguesa. A integração dos achados detalhou na gestão de pessoas e liderança a relevância dos conflitos e do déficit de profissionais.

Conclusão:

gerenciar pessoas, processos assistenciais e materiais se mostram desafios dos enfermeiros na gestão hospitalar nos dois países. Os enfermeiros carecem de suporte estrutural e formação continuada para melhor gestão e aprimoramento do planejamento e liderança.

DESCRITORES:
Gestão em saúde; Administração de serviços de saúde; Administração de Recursos Humanos em Hospitais; Enfermagem; Hospitais

ABSTRACT

Objective:

to analyze the challenges found in nurse-managers' work in the Brazilian and Portuguese hospital contexts.

Method:

a mixed-methods research study with a sequential explanatory approach, carried out between March 2019 and March 2020 with nurse-managers from four hospitals. The study was initiated with the quantitative stage, applying a survey to 143 participants and analyzing the data by means of analytical and inferential statistics. The qualitative stage was carried out with 71 of these participants using interviews, in order to understand the challenges inherent to this job, and the data were submitted to content analysis. Integration of the findings was performed through data connection.

Results:

in the quantitative stage, the results evidenced that the managerial activities carried out by nurses by scenario included planning, people management, management of care processes, management of materials, quality management and leadership, with higher mean values for the first four. The qualitative stage allowed deepening the previous findings, contrasting invisibility of the planning, confirming people management as the common challenge to the realities, explaining the mean values in the national and Portuguese scopes. Integration of the findings detailed the relevance of the conflicts and the deficit of professionals in people management and leadership.

Conclusion:

managing people, care processes and materials are challenges for nurses in hospital management in both countries. Nurses lack structural support and ongoing training for better management and improvement of planning and leadership.

DESCRIPTORS:
Health management; Administration of health services; Administration of Human Resources in Hospitals; Nursing; Hospitals

RESUMEN

Objetivo:

analizar los desafíos presentes en el trabajo de enfermeros gerentes en el contexto hospitalario, tanto en Brasil como en Portugal.

Método:

investigación de métodos mixtos con enfoque explicativo secuencial, realizado entre marzo de 2019 y marzo de 2020 con enfermeros gerentes de cuatro hospitales. El estudio se inició con la etapa cuantitativa, aplicando una encuesta a 143 participantes y analizando los datos por medio de estadística analítica e inferencial. La etapa cualitativa se condujo con 71 de estos participantes por medio de entrevistas para comprender los desafíos de este trabajo, y los datos se sometieron a análisis de contenido. La integración de los hallazgos se realizó por medio de conexión de datos.

Resultados:

en la etapa cuantitativa, los resultados evidenciaron que las actividades de gestión realizadas por los enfermeros y por escenario incluyeron planificación, gestión de personas, de procesos asistenciales, de materiales, de la calidad, y liderazgo, con valores medio más elevados para las cuatro primeras. La etapa cualitativa permitió profundizar los hallazgos anteriores, contrastando la invisibilidad de la planificación y confirmando que la gestión de personas es un desafío común am ambas realidades, explicando los valores medios en los ámbitos de Brasil y de Portugal. La integración de los hallazgos detalló la relevancia de los conflictos y el déficit de profesionales en la gestión de personas y en el liderazgo.

Conclusión:

gerenciar personas, procesos asistenciales y materiales se erige como un desafío que deben afrontar los enfermeros en la gestión hospitalaria en ambos países. Los enfermeros carecen de soporte estructural y de formación continua para una mejor gestión y para perfeccionar la planificación y el liderazgo.

DESCRIPTORES:
Gestión en salud; Administración de servicios de salud; Administración de Recursos Humanos en hospitales; Enfermería; Hospitales

INTRODUÇÃO

Nos sistemas de saúde, em especial nas organizações hospitalares, as atividades relacionadas à gestão são complexas, tendo em vista que incluem o provimento e o monitoramento de condições para uma assistência segura e de qualidade, incluindo a coordenação do trabalho coletivo e a organização estrutural e de material e insumos. Entre as funções do enfermeiro, em sua competência gerencial, encontra-se referência à responsabilidade de prover recursos para o ambiente de trabalho, de modo a garantir todas as condições necessárias para prestação dos serviços pela equipe assistencial1^-2.

No Brasil, a profissão de Enfermagem é regulamentada pela Lei do Exercício Profissional (LEP) nº 7.498/1986 e as atividades de gestão são consideradas privativas do enfermeiro. Este profissional é responsável pela coordenação e capacitação de equipes, planejamento, liderança, gestão de materiais e participação no processo de disponibilização de infraestrutura para o funcionamento dos serviços de saúde e enfermagem3. O sistema Conselho Federal de Enfermagem e os Conselhos Regionais de Enfermagem têm a atribuição legal de normatizar e fiscalizar o exercício profissional, com base no disposto na LEP e em normativas infralegais. No entanto, dentre os dispositivos infralegais, não existe uma normativa específica que trate da regulação do trabalho de enfermeiro gestor; há, apenas, o reconhecimento de diversos títulos como especialidades de gestão em enfermagem4.

Em Portugal, a Enfermagem é exercida somente por enfermeiros, e o trabalho dos enfermeiros gestores segue normativas da Ordem dos Enfermeiros (OE)5. O Regulamento nº 76/2018, “Competência Acrescida Avançada em Gestão”, define o perfil de competências do enfermeiro gestor, as quais envolvem a prática profissional, ética e legal, incluindo: gestão da qualidade e segurança; gestão do desenvolvimento profissional e organizacional; planejamento, organização, direção e controle; prática profissional baseada em evidência e orientada para a obtenção de ganhos em saúde; e exercício de assessoria e consultoria. O conjunto destas competências legais direcionam a atuação dos enfermeiros gestores e reafirmam a sua relevância, não só na assistência em enfermagem, mas também na gestão5.

No trabalho gerencial em hospitais, os enfermeiros realizam múltiplas atividades, incluindo o dimensionamento de pessoal de enfermagem, o desenvolvimento e estímulo para a capacitação permanente dos profissionais, a gestão de conflitos e da comunicação, e apoio na tomada de decisão, com objetivo de ampliar a autonomia profissional6^-9. Contudo, o trabalho de gestão tem se tornado cada vez mais desafiador para os enfermeiros, em decorrência das deficiências estruturais, falta de profissionais e materiais, do esgotamento do trabalhador, do limitado prestígio social da profissão, incluindo, também, dificuldades relativas à experimentação, disponibilidade e avaliação de modelos de gestão e de tecnologias inovadoras7^-8^,10^-12.

Neste sentido, os enfermeiros gestores necessitam desenvolver competências, dominar e aplicar conhecimentos relacionados às áreas típicas deste trabalho, como planejamento, liderança, gestão de pessoas, gestão de processos assistenciais, gestão da qualidade e gestão de materiais2^,8^,10^-11. A formação e preparo dos enfermeiros para atuar na gestão deve ser tratada como prioridade, pois o modo como são conduzidos os processos gerenciais e assistenciais repercutem na efetividade (ou não) do trabalho do enfermeiro e na qualidade e segurança da assistência.

O conhecimento dos desafios na gestão contribui para o desenvolvimento de estratégias que visem a resolução dos problemas e promovam a qualidade no contexto hospitalar. Tendo em vista a importância dos hospitais no campo da saúde e do trabalho de gestão nesses espaços e a necessidade de conhecer e analisar criticamente o que os enfermeiros gestores fazem, incluindo dois países de contextos culturais distintos, a investigação de métodos mistos se mostra relevante para ampliar a compreensão do objeto de estudo.

Considerando-se os pressupostos teóricos do processo de trabalho e normativas vigentes das organizações multilaterais nos dois países onde o estudo foi desenvolvido, o estudo partiu da seguinte questão de pesquisa: quais os desafios enfrentados pelos enfermeiros na realização do trabalho de gestão em hospitais e os fatores a eles relacionados? Diante do exposto, a presente pesquisa objetivou analisar os desafios presentes no trabalho de enfermeiros gestores no contexto hospitalar, no Brasil e em Portugal.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de métodos mistos, escolhida por seu potencial de ampliar e aprofundar o entendimento de uma temática complexa13^-14, como é o caso da gestão em enfermagem na problematização formulada. Utilizou-se a abordagem explanatório sequencial, identificada com a notação “QUAN” e “qual”, com vistas a evidenciar esta escolha ao longo do texto13. Na primeira etapa foram coletados os dados QUAN, seguidos de análise estatística, com maior peso pela necessidade de exploração da realidade. O follow-up, na etapa qual,13 focou na busca da compreensão dos desafios encontrados neste trabalho, utilizando o recurso de entrevistas, realizadas com parte dos participantes da etapa QUAN. Após análise em separado, a interpretação conjunta se deu por meio de conexão entre achados QUAN e o encontrado na etapa qual, permitindo ampliar o entendimento acerca do fazer e os desafios presentes no trabalho dos enfermeiros gestores.

A realização do estudo seguiu os critérios de rigor metodológico para estudos mistos, conforme a Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT).

A pesquisa foi desenvolvida em dois hospitais do Brasil e dois hospitais de Portugal, sendo um hospital acreditado pela Joint Commission International (JCI) e um hospital universitário, em cada país. As instituições brasileiras estão localizadas nos estados de Santa Catarina e São Paulo, e as instituições portuguesas, na cidade do Porto e no distrito de Braga. A escolha das instituições foi intencional, considerando os seguintes critérios: hospitais com diferentes especialidades e de referência por prestarem atendimento de qualidade à população em suas respectivas localizações. Nos dois países, os hospitais acreditados eram do setor privado, e os hospitais universitários, do setor público.

A pesquisa foi iniciada pela etapa QUAN. Foram incluídos enfermeiros que exerciam função/cargo de gestão em serviços/setores ou na administração superior dos quatro cenários. Foram excluídos os profissionais ausentes por qualquer motivo. Após contato com a administração superior dos hospitais e/ou com enfermeiros que ocupavam esses cargos, identificou-se uma população elegível de 187 enfermeiros gestores. Consideraram-se, para o cálculo amostral, o nível de confiança de 95% e a margem de erro de 5% e 10% de perdas. A amostra foi calculada em 140 participantes. Todos os elegíveis receberam convite para participar do estudo, sendo que 143 enfermeiros gestores responderam o survey, compondo a amostra da etapa QUAN do estudo.

Na sequência, o universo dos participantes da etapa QUAN foi convidado para a etapa qual, que contou com a participação de 71 enfermeiros gestores, conduzida posteriormente a coleta e análise dos dados quantitativos. A amostra foi considerada suficiente pelos critérios de representatividade das quatro instituições e de saturação dos achados15.

A coleta de dados ocorreu durante 12 meses, de março de 2019 a março de 2020. O processo de inclusão dos participantes, no Brasil e em Portugal, ocorreu após contatos prévios institucionais, os quais possibilitaram o encaminhamento do survey via e-mail ou através do convite presencial para o estudo. Primeiramente, o participante recebeu convite e informações sobre a pesquisa e, mediante aceite (assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido), recebeu o survey por e-mail. A seguir, os que aceitaram participar da etapa qual foram acessados presencialmente, incluindo todos os que aceitaram participar.

Desse modo, na etapa QUAN, os enfermeiros gestores responderam a um survey, construído pelos autores. A validação de construto e linguagem foi realizada com pesquisadores brasileiros e portugueses, e, antes da aplicação, o mesmo foi testado nos dois países com 20 enfermeiros não incluídos na amostra. O survey incluiu seis dimensões, considerando as áreas estruturais do trabalho de gestão nas organizações em geral e na saúde e enfermagem3^-8: planejamento, gestão de pessoas, gestão de processos assistenciais, gestão de materiais, gestão da qualidade e liderança. As variáveis para compor cada dimensão foram elaboradas, incluindo um número distinto de questões: planejamento (oito); gestão de pessoas (18); gestão de processos assistenciais (12); gestão de materiais (cinco); gestão da qualidade (seis); e liderança (sete). Cada variável foi avaliada por meio de uma escala tipo Likert, com classificação de 0 a 4: não realizo/não se aplica (0); quase não realizo (1); às vezes realizo (2); quase sempre realizo (3); sempre realizo (4). O instrumento passou pela análise de consistência interna, mediante cálculo do alfa de Cronbach, que obteve 0,918.

Sequencialmente, na etapa qual, os enfermeiros gestores participantes da etapa QUAN foram convidados a participar de uma entrevista orientada por uma pergunta norteadora, lacuna revelada a partir da análise quantitativa: qual o seu maior desafio, atualmente, como enfermeiro gestor? Os participantes da etapa qual totalizaram 71 enfermeiros gestores. Os participantes foram entrevistados em seus locais de trabalho, mediante agendamento prévio, no Brasil e em Portugal. Cada entrevista teve duração, em média, de uma hora, foi gravada e realizada em ambiente reservado.

Os achados da etapa QUAN passaram pela análise descritiva, utilizando-se média, desvio padrão, mediana e intervalo interquartílico (IIQ), composto pelo quartil 1 e quartil 3 ([q1; q3]), mínimas e máximas, para apresentação dos dados. Na análise inferencial, foi considerado o teste de Shapiro-Wilk, para testar a normalidade dos dados e confirmar a distribuição normal. Para comparar as médias dos índices de cada dimensão, em cada hospital estudado, foi utilizado o modelo de Equações de Estimações Generalizadas (Modelo GEE), e para analisar a significância, utilizou-se o teste de comparação múltipla de Bonferroni.

Também foram comparadas as médias das dimensões constantes no survey, considerando países e tipos de hospitais. Para comparação entre os efeitos principais e efeito da interação entre os fatores, país e tipo de hospital para cada área da gestão, foi realizada a análise de variância de duas vias (ANOVA-2way). O nível de significância adotado para todos os testes da etapa QUAN foi de 0,05. As análises foram realizadas com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.

Os achados da etapa qual, oriundos das entrevistas, foram transcritos e inseridos no software ATLAS.ti 8.4.24, em formato DOC, com numeração sequencial. A análise seguiu os preceitos da análise de conteúdo16, selecionando trechos significativos e atribuindo códigos que representavam os desafios no trabalho de gestão. Os códigos foram articulados em temas, tendo como referência as dimensões da gestão da etapa QUAN.

A seguir, os dados foram integrados utilizando a estratégia de conexão dos achados obtidos nas etapas QUAN e qual. Registra-se que, neste estudo, a conexão realizada foi entre o fazer dos enfermeiros gestores, por área de gestão, e o mencionado como principais desafios. O follow-up acrescentou dados à investigação para ampliar a compreensão do problema, considerando, na interpretação, a existência de convergências ou divergências entre os dois bancos de dados.

A pesquisa respeitou os preceitos éticos internacionais para pesquisas com seres humanos e o disposto na Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. As falas dos participantes foram codificadas utilizando: E (enfermeiro), um número de ordem, P (Portugal), B (Brasil) (ex: E12B e E10P).

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 143 enfermeiros gestores, 17 enfermeiros gestores do hospital universitário do Brasil, 44 do hospital universitário de Portugal, 22 enfermeiros do hospital acreditado de Portugal e 60 do hospital acreditado do Brasil. Considerando os dados QUAN dos dois países e das quatro instituições, os participantes do estudo, que totalizaram 143, foram em sua maioria mulheres (n=121/85,1%). Em relação à formação profissional, tinham titulação de especialista (n=83/57,7%), mestrado (n=40/28,2%) e doutorado (n=7/4,9%). No que diz respeito ao tempo de experiência em gestão, os enfermeiros portugueses tinham maior tempo de experiência como gestores (mediana=16 anos; IIQ=[1;8]), em relação aos enfermeiros dos hospitais brasileiros (mediana=5 anos; IIQ=[8,5;20]). Verificou-se significância estatística entre a variável tempo de experiência e o país de atuação (p<0,001).

Os dados relativos às atividades de gestão realizadas pelos enfermeiros foram sistematizados, segundo os cenários investigados e organizados, em seis dimensões, representando as áreas do trabalho de gestão encontradas em organizações de saúde e enfermagem, conforme utilizado no survey (Tabela 1).

Tabela 1 -
Áreas de atuação no trabalho de enfermeiros gestores segundo tipo de hospital e país. Brasil e Portugal, 2020 (n=143)

Cenários/Dimensões	Média†	Mediana [q1; q3]	Min-Máx
*universitário - Brasil (n=17)‡
Planejamento	2,85a (0,65)	3 [3; 3]	1 - 4
Gestão de pessoas	2,50b (0,48)	3 [2; 3]	1 - 3
Gestão de materiais	2,49ab (0,51)	2 [2; 3]	1 - 3
Liderança	2,43ab (0,79)	3 [2; 3]	1 - 4
Gestão de processos assistenciais	1,96bc (1,01)	2 [1; 3]	0 - 3
Gestão da qualidade	1,75c (0,86)	2 [1; 2]	0 - 3
*universitário - Portugal (n=44)‡
Gestão de materiais	3,52a (0,63)	4 [3; 4]	1 - 4
Planejamento	3,24b (0,54)	3 [3; 4]	2 - 4
Gestão de pessoas	2,85c (0,56)	3 [3; 3]	2 - 4
Gestão de processos assistenciais	2,67cd (0,76)	3 [2; 3]	1 - 4
Gestão da qualidade	2,50d (0,72)	2 [2; 3]	1 - 4
Liderança	1,93e (0,82)	2 [1; 2]	0 - 4
*acreditado - Brasil (n=60)‡
Planejamento	3,26a (0,61)	3 [3; 4]	1 - 4
Gestão da qualidade	3,06ab (0,66)	3 [3; 4]	1 - 4
Gestão de pessoas	2,89b (0,55)	3 [3; 3]	1 - 4
Gestão de processos assistenciais	2,89abc (1,01)	3 [3; 4]	0 - 4
Gestão de materiais	2,75bc (0,95)	3 [2; 4]	0 - 4
Liderança	2,41c (1,03)	3 [2; 3]	0 - 4
*acreditado - Portugal (n=22)‡
Planejamento	3,30a (0,63)	4 [3; 4]	2 - 4
Gestão de materiais	3,09ab (1,28)	4 [3; 4]	0 - 4
Gestão de pessoas	2,66bc (0,53)	3 [2; 3]	1 - 4
Gestão de processos assistenciais	2,54c (1,09)	3 [2; 3]	0 - 4
Gestão da qualidade	2,48bc (0,76)	2 [2; 3]	1 - 4
Liderança	2,24c (1,06)	2 [2; 3]	0 - 4

• *hospital; †desvio padrão; ‡p<0,001 para todas as instituições (cálculo pelo modelo GEE). Letras distintas (a,b,c,d,e) representam médias diferentes entre as áreas da gestão segundo o hospital estudado (teste post-hoc de Bonferroni).

Ao aplicar o teste post-hoc de Bonferroni, identificou-se que, no hospital universitário do Brasil, as maiores médias encontradas foram nas dimensões planejamento(a), gestão de materiais(ab) e liderança(ab). No hospital universitário de Portugal, a maior média foi na dimensão gestão de materiais(a). No hospital acreditado do Brasil, as maiores médias encontradas foram no planejamento(a), processos assistenciais(abc) e gestão da qualidade(ab). No hospital acreditado de Portugal, a maior média encontrada foi no planejamento(a) e gestão de materiais(ab). Já as médias dos escores da interação país e tipo de hospital, em cada uma das dimensões estão apresentados na Figura 1.

Figura 1 -
Média dos escores da interação país e tipo de hospital, conforme as áreas de atuação no trabalho de enfermeiros gestores, Brasil e Portugal, 2020.

Na Figura 1, observa-se que as interações significativas foram encontradas nas dimensões gestão de pessoas (p=0,005), de processos assistenciais (p=0,004), de materiais (p=0,042) e da qualidade (p<0,001).

Os dados da etapa qual estão apresentados no Quadro 1, articulados aos achados da etapa QUAN. Para a integração e análise final, utilizou-se a estratégia de conexão dos achados, considerando convergências ou divergências entre os dois bancos de dados e relacionando os desafios mencionados às áreas da gestão organizadas na Tabela 1. O Quadro 1 apresenta a integração dos dados em exibição conjunta (joint display).

Quadro 1 -
Joint display articulando resultados das etapas QUAN e qual segundo tipo de hospital e país. Brasil e Portugal, 2020.

Áreas do trabalho de gestão	Resultados QUAN (média)				Resultados qual
	* HUB	† HUP	‡ HAB	§ HAP	|| HU	¶ HA
Planejamento
Médias elevadas em todos os hospitais. Contudo, não mencionado na qual.	2,85	3,24	3,26	3,3	Dificuldade no fazer, dar conta de realizar e executar o planejamento (E2B)	Não foi identificado no discurso dos enfermeiros gestores referência a desafios relacionados ao planejamento.
Gestão de pessoas
Médias elevadas em todos os hospitais, constituindo-se o maior desafio dos gestores na etapa qual, conforme falas.	2,5	2,85	2,89	2,66	Gerir recursos humanos [...], gerir equipes, conflitos, personalidades e manter este equilíbrio é muito difícil (E7P). A gestão de recursos humanos não é gerir única e exclusivamente números, é gerirmos pessoas com tudo que isso envolve: a comunicação, a gestão de conflitos, as faltas que nós temos, em assegurar a relação da equipe (E9B). Gestão de conflitos e de pessoas (E5B).	A gestão de pessoas, de modo geral, é muito complicada, gerir pessoas em conflitos pessoais (E12B). Gestão de pessoas e conflitos (E10P).
Gestão de processos assistenciais
Médias elevadas no hospital acreditado do Brasil e mais baixas no hospital universitário do Brasil. Desafio detalhado na integração dos dados.	1,96	2,67	2,89	2,54	A dificuldade é conseguir satisfazer a minha área profissional e ainda ter tempo para estar a gerir os dois serviços. Acho que são dois serviços muito grandes, muito complexos, são porta de entrada do hospital (E2P).	Gestão de processos, tudo da cirurgia, gestão articulando tudo (E22B).
Gestão de materiais
Média mais elevada nos hospitais portugueses. Desafio detalhado na integração dos dados.	2,49	3,52	2,75	3,09	Os sistemas que não são tão fáceis de usar, perdendo tempo e desacreditando no sistema. Não aproveitando tudo que poderiam aproveitar (E15B). Nós não possuímos materiais necessários na neonatologia (E3P). Falta de controle informatizado (E15B).	Como lidar com a cultura da tecnologia e garantir a atenção e acolhimento ao paciente (E14P).
Gestão da qualidade
Média menor no hospital universitário do Brasil e mais elevada no hospital acreditado do Brasil. Desafio detalhado na integração dos dados.	1,75	2,5	3,06	2,48	Conseguir atingir maior número de profissionais de qualidade [X oferta de profissionais qualificados no mercado]. Manter a qualidade da assistência nessa situação é um desafio (E24B).	Demonstrar que a tecnologia é uma ferramenta importante para segurança do paciente, comunicação efetiva e otimização do tempo de enfermagem (E22P). Manter operação com qualidade e segurança, ter sustentabilidade (E2P).
Liderança
Menores médias no hospital universitário e no hospital acreditado de Portugal. Desafio detalhado na integração dos dados.	2,43	1,93	2,41	2,24	O maior desafio é [liderar equipes, nas quais há] falta de profissionalismo no trabalho (E25B).	Desafios de liderança, de promover o envolvimento das pessoas. Envolvê-las com as melhorias que o hospital precisa, ser um bom líder (E9B).

• ^*
  HUB = hospital universitário do Brasil; ^†HUP = hospital universitário de Portugal; ^‡HA B = hospital acreditado do Brasil; ^§HAP = hospital acreditado de Portugal; ^||hospital universitário; ^¶hospital acreditado.

DISCUSSÃO

A pesquisa de métodos mistos mostrou-se adequada possibilitando caracterizar o fazer dos enfermeiros gestores, identificar os principais desafios, mostrando a relevância deste trabalho e as lacunas para sua qualificação.

Os resultados mostram que, dentre as áreas da gestão, no trabalho realizado pelos enfermeiros, o planejamento foi o mais significativo em todos os hospitais, com exceção do hospital universitário de Portugal. Ao analisar a conexão dos dados das etapas QUAN e qual, verificou-se que o planejamento é uma atividade muito realizada. Contudo, nos hospitais acreditados não foram mencionados desafios na sua realização e no hospital universitário foram reconhecidas dificuldades para realizar e executar o planejamento. Isto pode ser interpretado de duas maneiras: o planejamento é realizado rotineiramente pelos enfermeiros gestores sem dificuldades significativas; ou, o planejamento consiste em uma prescrição institucional, sendo mencionado pelos enfermeiros gestores quando questionados sobre as atividades que realizam no seu fazer diário.

Estudos evidenciam a importância do desenvolvimento das competências necessárias para a realização da gestão e liderança em enfermagem, com ênfase no planejamento das ações assistenciais e gerenciais1^-2^,17, corroborando com o encontrado neste estudo. No entanto, distinto do achado nesta pesquisa, o planejamento ainda constitui um desafio, conforme mencionado na literatura8^,18^-19. No campo da gestão, o planejamento é uma atividade considerada de grande importância, consistindo um alicerce para o bom desempenho das equipes e o reconhecimento do trabalho realizado pelos enfermeiros gestores2^,8^,18. Frequentemente coordenado pelos enfermeiros, o planejamento é prioridade e iniciativa relevante para uma atuação adequada, todavia, em muitas instituições de saúde, a cultura de avaliação dos resultados ainda é incipiente17.

A gestão de pessoas envolve desde o desenvolvimento dos profissionais, para que atuem com foco na melhoria de desempenho para atendimento das necessidades do paciente, até o provimento do quantitativo adequado de profissionais, para atendimento seguro e de qualidade4^,20. Na etapa qual, a gestão de pessoas mostrou-se como o maior desafio dos enfermeiros, especialmente no que concerne à gestão de conflitos e déficit de profissionais. Estudos destacam os impactos da indisponibilidade de quantitativo adequado de profissionais de enfermagem, com implicações para a segurança dos pacientes, a qualidade dos serviços, a saúde e satisfação dos próprios profissionais e a ampliação do acesso à saúde3^,6^,20^-21.

Na gestão de pessoas, evidencia-se a importância da educação permanente e capacitação para o uso de tecnologias, bem como do enfrentamento dos desafios de promover ambientes de prática amigáveis e motivadores6^,22. Os conflitos interpessoais são considerados desafios no trabalho de gestão, por comprometerem a efetividade dos cuidados, especialmente quando não são trabalhados de forma a favorecer o crescimento da equipe. São requeridas estratégias assertivas para o manejo dos conflitos, além de reafirmar a importância da liderança como competência de gestão6^-7^,12^,17^,22.

Nesta pesquisa, a área de liderança apresentou médias menores nos hospitais universitário e acreditado de Portugal. Embora seja realizada pelos enfermeiros, a liderança foi pouco mencionada como desafio. Esse achado se distingue do amplo debate encontrado na literatura acerca da importância da liderança, tipos de liderança e sua relação com a gestão de conflitos. Uma gestão participativa e uma liderança que estimule o potencial das pessoas contribui para produzir satisfação no trabalho e promover transformações positivas no contexto da prática hospitalar6^,17^,19^,22.

Ainda, existem lacunas sobre a identificação e medição de intervenções eficazes para o desenvolvimento de habilidades de liderança entre enfermeiros hospitalares, contudo a evidência sugere que as intervenções destinadas a promover a liderança dos enfermeiros são complexas, exigindo que sejam abordadas as competências cognitivas, interpessoais e intrínsecas, bem como o empoderamento psicológico, a inteligência emocional e as competências de reflexividade crítica23. Nessa direção, as instituições precisam investir em programas para desenvolvimento desta competência dos enfermeiros, sendo uma estratégia diferencial para os avanços da gestão.

Na gestão de processos assistenciais as médias indicam que os enfermeiros realizam as atividades, tendo como desafio conciliar atividades conjuntas relativas à gestão e a assistência. Os achados mixados mostram que os enfermeiros reconhecem que a gestão dos processos assistenciais envolve todas as ações relacionadas ao cuidado direto ao usuário e à avaliação das necessidades assistenciais, com vistas a uma assistência segura e de qualidade, assim como às ações para cálculo do número requerido de força de trabalho e de planejamento, devendo estar alinhada com outras áreas de atuação, como a gestão de pessoas e de materiais3^,11^,24^-25. Uma gestão de processos assistenciais ineficaz contribui para a sobrecarga de trabalho dos enfermeiros, dificulta a realização das atividades assistenciais e impacta de maneira negativa na segurança e na qualidade da assistência3^-4^,20^,26.

A gestão dos processos assistenciais também sofre influências das tecnologias presentes no cotidiano de trabalho. Neste estudo, constatou-se que os sistemas atuantes nos hospitais pesquisados não possuem interoperabilidade, prejudicando a transformação de dados em informação e, em algumas situações, comprometendo a geração de indicadores que podem nortear as decisões dos gestores e da liderança clínica26. A grande quantidade de dados gerados e a não aplicação dos mesmos na rotina faz com que os profissionais compreendam a tecnologia como um elemento dificultador do processo de trabalho.

A participação do enfermeiro na gestão de materiais também foi significativa neste estudo, com maiores médias nos hospitais portugueses. Os principais desafios estão relacionados a carências de materiais necessários à assistência em Portugal e dificuldades na operabilidade e efetividade das tecnologias digitais no Brasil. O papel do enfermeiro na gestão de materiais é amplo, envolvendo o processo de planejamento e provimento dos materiais necessários ao funcionamento hospitalar, o controle da qualidade e a avaliação dos processos de aquisição e distribuição desses materiais aos setores assistenciais27. Outro estudo registra que déficits de materiais constituem um problema que repercute na gestão dos serviços de saúde, com grande impacto em alguns setores do hospital, como Centro Cirúrgico e Central de Material e Esterilização (CME), gerando cancelamento de cirurgias e impactos negativos para os pacientes28.

Em relação à gestão da qualidade, o hospital acreditado do Brasil possui maior média, seguido do hospital universitário e acreditado de Portugal. A preocupação com a qualidade nos hospitais acreditados corrobora com os resultados de uma pesquisa realizada com 901 profissionais de saúde da Arábia Saudita, que infere que a acreditação traz melhorias diretas no processo de trabalho, em função das exigências normatizadas29. Entretanto, os benefícios nas dimensões assistencial ou administrativo/estratégico ainda são pouco evidenciados nacionalmente e internacionalmente, sinalizando a necessidade de estudos que identifiquem, especificamente, as melhorias relacionadas ao sistema de gestão da qualidade18^,30.

O estudo dá luz aos desafios enfrentados pelos enfermeiros na gestão de hospitais no âmbito nacional e internacional, contribuindo para o pensar crítico sobre a prática nessa importante dimensão do trabalho dos enfermeiros. Conhecer o fazer e seus desafios é fundamental para o processo de transformações, com vistas à qualidade e segurança da assistência em saúde e enfermagem. Ressalta-se, ainda, a importância da aprendizagem contínua para a qualificação do fazer cotidiano do enfermeiro gestor.

Como limitações do estudo, pode-se considerar que a pesquisa foi realizada em um cenário no qual a prática gerencial é fortemente valorizada, por tratar-se de hospitais de qualidade, como acreditados e universitários, que são mais sensíveis à utilização de ferramentas de gestão para a qualificação dos resultados assistenciais e institucionais, e também a elaboração do instrumento pelos pesquisadores, o que possui limites, sendo interessante sua validação em outros estudos. Mesmo assim, lacunas e déficits significativos foram encontrados, indicando que problemas mais expressivos podem estar presentes no trabalho de gestão realizado por enfermeiros em outros cenários. Um melhor entendimento do papel gerencial dos enfermeiros e dos seus desafios poderá ser obtido com a realização de estudos semelhantes em outras realidades assistenciais.

CONCLUSÃO

O estudo apresenta que os principais desafios na gestão, entre enfermeiros dos cenários pesquisados, foram registrados nas áreas de gestão de pessoas, gestão de processos assistenciais e gestão de materiais. A gestão de pessoas teve grande relevância, relacionada, especialmente, à gestão de conflitos e ao déficit de profissionais, o que vai ao encontro da necessidade de investir no planejamento e na liderança, como também revelam os achados. A não identificação de desafios na realização do planejamento instiga novos estudos, pela sua relevância para a qualidade e segurança da assistência em saúde e enfermagem. Carências estruturais e de conhecimento dos profissionais no âmbito da gestão também compõem o cenário a ser enfrentado. Os resultados encontrados contribuem com o pensar crítico acerca da gestão com potencial para subsidiar um agir transformador, para esclarecer os enfermeiros e as instituições acerca do foco das estratégias educacionais e de gerenciamento.

A integração de resultados em uma pesquisa de métodos mistos se mostrou adequada, possibilitando evidenciar que o trabalho desenvolvido pelos enfermeiros no âmbito da gestão em hospitais é complexo, altamente relevante e requer o desenvolvimento de competências necessárias para a sua adequada realização.

AGRADECIMENTO

Ao estatístico Luciano Santos Pinto Guimarães pelo trabalho prestado, em formato de consultoria, imprescindível à análise dos dados quantitativos.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da pesquisa que originou a tese - Tecnologias de gestão no trabalho de enfermeiros: estudo Brasil - Portugal, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2020. Tese na íntegra, em sigilo.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Brasil e Portugal, pareceres de aprovação nº 3.585.330 e nº 3.656.172, e referências 83/19 e 14/2019, respectivamente. CAAE: 91962218.9.1001.0121 Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil, Centro Hospitalar São João - Porto - Portugal, Hospital da Senhora de Oliveira - Guimarães - Portugal, Hospital Israelita Albert Einstein - Brasil

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Elisiane Lorenzini, Maria Lígia Bellaguarda Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Jun 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Mar 2023
• Aceito
  08 Maio 2023