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PROTÓTIPO DE TECNOLOGIA DE CUIDADO PARA PRÁTICA DO FLUSHING NA MANUTENÇÃO DE CATETERES INTRAVENOSOS

RESUMO

Objetivo:

elaborar, com base na avaliação da prática do flushing da equipe de enfermagem, um protótipo de tecnologia de cuidado voltado a promover as boas práticas na manutenção dos cateteres intravenosos em terapia intensiva.

Método:

estudo de elaboração de tecnologia, desenvolvido em três etapas: avaliação da prática do flushing através de questionário preenchido por 108 profissionais de enfermagem atuantes na manutenção dos cateteres intravenosos em cenários de terapia intensiva de um hospital público localizado no município do Rio de Janeiro, Brasil. A coleta de dados ocorreu de novembro de 2019 a janeiro de 2020, com análise descritiva e inferencial dos dados; análise dessa prática quanto à existência de erros segundo as principais diretrizes e evidências científicas, com classificação dos tipos de erros à luz do referencial conceitual da segurança do paciente; e elaboração do protótipo da tecnologia.

Resultados:

88% dos participantes realizam o flushing na sua prática; 49,5% aplicam a técnica de pressão contínua no êmbolo da seringa; 22% realizam o flushing antes, entre e após a administração de medicamentos; predomínio da utilização do volume e de seringas com calibres de 5 ml e 10 ml. Variáveis relacionadas ao conhecimento associaram-se à não realização do flushing. Houve erros ativos e latentes que orientaram a construção do protótipo da tecnologia.

Conclusão:

construiu-se um Guia de Cuidado que objetiva ampliar o conhecimento da equipe de enfermagem sobre as boas práticas do flushing e se configura como uma barreira à recorrência dos erros.

DESCRITORES:
Cuidados de enfermagem; Segurança do paciente; Cateteres venosos centrais; Cateterismo periférico; Tecnologia biomédica

ABSTRACT

Objective:

to elaborate, based on the assessment of the nursing team’s flushing practice, a care technology prototype aimed at promoting good practices in intravenous catheter maintenance in intensive care.

Method:

a technology elaboration study, developed in three stages: flushing practice assessment through a questionnaire completed by 108 nursing professionals working in intravenous catheter maintenance in intensive care settings of a public hospital located in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Data collection took place from November 2019 to January 2020, with descriptive and inferential data analysis; analysis of this practice regarding the existence of errors according to the main guidelines and scientific evidence, with classification of types of errors in the light of the conceptual framework of patient safety; and technology prototype development.

Results:

88% of participants perform flushing in their practice; 49.5% apply the continuous pressure technique on the syringe plunger; 22% perform flushing before, between and after medication administration; predominance of use of volume and syringes with gauges of 5 ml and 10 ml. Variables related to knowledge were associated with not performing flushing. There were active and latent errors that guided the technology prototype construction.

Conclusion:

a care guide was built that aims to increase nursing team’s knowledge about good flushing practices and is configured as a barrier to error recurrence.

DESCRIPTORS:
Nursing Care; Patient Safety; Central Venous Catheters; Catheterization Peripheral; Biomedical Technology

RESUMEN

Objetivo:

elaborar, a partir de la evaluación de la práctica de flushing del equipo de enfermería, un prototipo de tecnología asistencial con el objetivo de promover buenas prácticas en el mantenimiento de catéteres intravenosos en cuidados intensivos.

Método:

estudio de elaboración de tecnología, desarrollado en tres etapas: evaluación de la práctica de flushing a través de un cuestionario completado por 108 profesionales de enfermería que actúan en el mantenimiento de catéteres intravenosos en Unidades de Cuidados Intensivos de un hospital público ubicado en la ciudad de Río de Janeiro, Brasil. La recolección de datos ocurrió de noviembre de 2019 a enero de 2020, con análisis de datos descriptivo e inferencial; análisis de esta práctica en cuanto a la existencia de errores según las principales guías y evidencias científicas, con clasificación de tipos de errores a la luz del marco conceptual de seguridad del paciente; y desarrollo del prototipo tecnológico.

Resultados:

el 88% de los participantes realizan flushing en su consulta; el 49,5% aplica la técnica de presión continua sobre el émbolo de la jeringa; el 22% realiza flushing antes, entre y después de la administración de medicamentos; hubo predominio del uso de volumen y jeringas con calibres de 5 ml y 10 ml. Las variables relacionadas con el conocimiento se asociaron con no realizar el flushing. Existieron errores activos y latentes que orientaron la construcción del prototipo tecnológico.

Conclusión:

se elaboró ​​una guía de atención que tiene como objetivo aumentar el conocimiento del equipo de enfermería sobre las buenas prácticas de flushing y se configura como una barrera para la recurrencia de errores.

DESCRIPTORES:
Atención de Enfermería; Seguridad del Paciente; Catéteres Venosos Centrales; Cateterismo Periférico; Tecnología Biomédica

INTRODUÇÃO

O flushing do cateter intravenoso é uma técnica que visa manter a permeabilidade do cateter, assegurando o livre fluxo de fluido no seu interior. Além disso, possibilita avaliar se o dispositivo de acesso vascular apresenta retorno sanguíneo quando aspirado através de uma seringa. Assim, o flushing é definido como a injeção manual de cloreto de sódio a 0,9% (SF 0,9%) em cateter intravenoso periférico curto (CIPC) ou cateter venoso central (CVC), com o objetivo de limpar o cateter, testar o seu funcionamento e prevenir complicações relacionadas à terapia intravenosa11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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-22. Cullinane C. Right Management and Flushing. In: Moureau N, editor. Vessel Health and Preservation: The Right Approach for Vascular Access. Springer; 2019 [cited 2021 Oct 18]. p. 243-61. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-03149-7_19
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Dentre as complicações da terapia intravenosa, a obstrução é uma das principais, que resulta na perda da funcionalidade do cateter. Estudos têm apontado que a obstrução em cateteres venosos é um desfecho desfavorável frequente e que compromete a segurança do paciente33. Miliani K, Taravella R, Thillard D, Chauvin V, Martin E, Edouard S, et al. Peripheral venous cateter related adverse events: evaluation from a multicentre epidemiological study in France (the CATHEVAL Project). PLoS One [Internet]. 2017 [cited 2021 Oct 18];12(1):e0168637. Available from: http://doi.org/10.1371/journal.pone.0168637
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-44. Wei T, Li XY, Yue ZP, Chen YY, Wang YR, Yuan Z, et al. Catheter dwell time and risk of catheter failure in adult patients with peripheral venous catheters. J Clin Nurs [Internet]. 2019 [cited 2022 Mar 15];28(23-24):4488-95. Available from: http://doi.org/10.1111/jocn.15035
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. Nesse sentido, a prática de manutenção da permeabilidade reduz a ocorrência dos quadros de obstrução, impedindo que haja a oclusão do cateter pelo acúmulo de sangue e outros produtos na sua superfície interna, além de remover depósitos de fibrina do lúmen e prevenir interações devido à incompatibilidade de fluidos/medicamentos11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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-22. Cullinane C. Right Management and Flushing. In: Moureau N, editor. Vessel Health and Preservation: The Right Approach for Vascular Access. Springer; 2019 [cited 2021 Oct 18]. p. 243-61. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-03149-7_19
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Diretrizes nacionais e internacionais baseadas em evidências recomendam a avaliação do refluxo sanguíneo antes de cada infusão e a aplicação do flushing antes e depois da administração de cada medicamento, conforme ordem SAS, qual seja: injeção de SF 0,9% (S), seguida da administração (A) de medicamentos ou fluidos e, por fim, injeção de SF 0,9% (S) 11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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-66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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Falhas na realização dessas etapas recomendadas do flushing são consideradas erros de medicação e, por conseguinte, os desfechos desfavoráveis resultantes representam eventos adversos (dano ao paciente). Tais erros de medicação estão relacionados à administração do medicamento, isto é, desvios de procedimentos, políticas e/ou melhores práticas para a administração de medicamentos, criando condições para consequências adversas aos pacientes55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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Investigações demonstraram que a negligência nessa prática de manutenção do cateter gera impactos negativos na assistência, como a necessidade de substituição do cateter, flebite e infecção de corrente sanguínea33. Miliani K, Taravella R, Thillard D, Chauvin V, Martin E, Edouard S, et al. Peripheral venous cateter related adverse events: evaluation from a multicentre epidemiological study in France (the CATHEVAL Project). PLoS One [Internet]. 2017 [cited 2021 Oct 18];12(1):e0168637. Available from: http://doi.org/10.1371/journal.pone.0168637
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-44. Wei T, Li XY, Yue ZP, Chen YY, Wang YR, Yuan Z, et al. Catheter dwell time and risk of catheter failure in adult patients with peripheral venous catheters. J Clin Nurs [Internet]. 2019 [cited 2022 Mar 15];28(23-24):4488-95. Available from: http://doi.org/10.1111/jocn.15035
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. Esses impactos podem culminar no aumento do tempo de internação, dos custos e da taxa de eventos adversos. Ademais, a necessidade de reposição de um novo dispositivo resulta em interrupção da terapia, dor associada ao procedimento e aumento do gasto de tempo dos profissionais22. Cullinane C. Right Management and Flushing. In: Moureau N, editor. Vessel Health and Preservation: The Right Approach for Vascular Access. Springer; 2019 [cited 2021 Oct 18]. p. 243-61. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-03149-7_19
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-33. Miliani K, Taravella R, Thillard D, Chauvin V, Martin E, Edouard S, et al. Peripheral venous cateter related adverse events: evaluation from a multicentre epidemiological study in France (the CATHEVAL Project). PLoS One [Internet]. 2017 [cited 2021 Oct 18];12(1):e0168637. Available from: http://doi.org/10.1371/journal.pone.0168637
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,77. Braga LM, Parreira PMSD, Arreguy-Sena C, Carlos DM, Mónico LSM, Henriques MAP. Incidence rate and the use of flushing in the prevention of obstructions of the peripheral venous catheter. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 10];27(4):e2810017. Available from: http://doi.org/10.1590/0104-07072018002810017
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-88. Goosens GA. Flushing and locking of venous catheters: available evidence and evidence deficit. Nurs Res Pract [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 10];2015:985686. Available from: http://doi.org/10.1155/2015/985686
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Ressalta-se que a problemática dos erros de medicação continua merecendo a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS), que lançou, em 2017, o documento Patient Safety Challenge on Medication Safety, com o objetivo de reduzir em 50% ao longo de cinco anos (2017-2022) a ocorrência dos erros de medicação por falhas nos processos de cuidado e dos danos graves resultantes99. World Health Organization. Medication without harm: WHO global patient safety challenge [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [cited 2020 Aug 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/255263/1/WHO-HIS-SDS-2017.6-eng.pdf?ua=1
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As melhores evidências sobre o flushing indicam que a sua realização pela equipe de enfermagem garante a eficácia no tratamento e a qualidade do cuidado prestado11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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,88. Goosens GA. Flushing and locking of venous catheters: available evidence and evidence deficit. Nurs Res Pract [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 10];2015:985686. Available from: http://doi.org/10.1155/2015/985686
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. Por outro lado, revisão integrativa de publicações realizadas entre 2016 e 2020 constatou que ainda existem divergências sobre o volume, a frequência, a solução de preparo, a técnica e os dispositivos para a realização do flushing. Em especial, no cenário brasileiro, não foram identificadas pesquisas desenvolvidas sobre o tema nesse período1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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As pesquisas existentes entre 2009 e 2015 apenas verificaram a realização ou não do flushing como uma das etapas de administração da terapia intravenosa, sem aprofundar as suas características1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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, o que aponta a necessidade de novos estudos sobre o tema na perspectiva da segurança do paciente, em vista da redução dos erros.

Para tanto, é importante considerar que no modelo conceitual da segurança a forma de manejo do erro defendida é a abordagem do sistema. Na ótica do sistema, não se busca culpabilizar os envolvidos nos erros, mas inicialmente conhecer as características de como esses ocorrem, em vista de se criar barreiras para evitar a sua repetição1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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. As defesas, barreiras e salvaguardas ocupam uma posição chave na abordagem do sistema, com a função de proteger as vítimas em potencial1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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Nesse modelo sistêmico de análise dos incidentes, proposto por James Reason, as vulnerabilidades do sistema de saúde são comparadas aos buracos de um “Queijo Suíço” 1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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. Tais vulnerabilidades se referem aos erros ativos (cometidos pelos profissionais que estão em contato direto com os pacientes) e os latentes (relacionados ao nível gerencial). Em geral, a presença de orifícios em qualquer “fatia do queijo” normalmente não causa um resultado ruim, mas quando os buracos em muitas camadas se alinham criam-se as condições para a ocorrência de um acidente, que traz risco de prejuízos às vítimas (pacientes) 1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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Essa compreensão abrangente dos fatores contribuintes ao incidente subsidia a formulação de novas estratégias para o aperfeiçoamento das várias camadas de defesa do processo de cuidado do paciente1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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. Portanto, para prevenir os erros relacionados ao flushing é preciso identificar as características de como os mesmos acontecem, para a criação de barreiras de segurança, isto é, ferramentas tecnológicas para o fortalecimento da segurança do sistema.

Este estudo teve como objetivo: Elaborar, com base na avaliação da prática do flushing da equipe de enfermagem, um protótipo de tecnologia de cuidado voltado a promover as boas práticas na manutenção dos cateteres intravenosos em terapia intensiva.

MÉTODO

Estudo de produção de tecnologia, que seguiu um dos métodos de elaboração de tecnologias cuidativo-educacionais, qual seja o de elaboração do produto baseada em evidências da realidade1212. Teixeira E. Desenvolvimento de tecnologias cuidativo-educacionais. Porto Alegre: Moriá; 2017. . Assim, inicialmente, analisou-se a prática do flushing dos profissionais de enfermagem quanto à existência e tipologia dos erros com base em uma pesquisa de campo e, a partir disso, selecionou-se as dimensões que foram o foco de construção do protótipo da tecnologia de cuidado, no intento de que esse funcione como uma barreira de segurança para prevenir tais erros.

A primeira etapa foi uma pesquisa quantitativa, transversal, de levantamento das características da prática do flushing dos profissionais de enfermagem. Utilizou-se o suporte da ferramenta STROBE para a apresentação dos dados dessa etapa. A segunda etapa consistiu na análise dessa prática quanto à existência de erros, utilizando os seguintes referenciais: para a identificação dos potenciais erros, as diretrizes internacionais da Infusion Nurses Society (INS)11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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e nacionais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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sobre boas práticas relacionadas ao flushing, bem como revisão integrativa da literatura feita pelos autores1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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; e, para a análise desses erros, o modelo de análise dos incidentes de segurança de James Reason1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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A justificativa para a utilização desse modelo pauta-se na necessidade de uma análise ampliada da ocorrência dos erros, ou seja, compreende-se que é preciso além de identificar as características dos erros cometidos pelos profissionais à luz das diretrizes e evidências científicas (erros ativos), entender quais são as condições latentes que contribuem para que esses ocorram, com vistas a pensar a criação das barreiras de segurança, análise que é possibilitada pelo modelo proposto por James Reason.

A terceira etapa foi de elaboração do protótipo da tecnologia, a partir da seleção de conteúdos mais relevantes para orientar a prática profissional, com base nas análises sobre os erros provenientes das etapas anteriores.

Na etapa 1, a pesquisa foi realizada em um hospital público, de cunho universitário, localizado no Município do Rio de Janeiro, entre os meses de novembro de 2019 e janeiro de 2020. Os locais da pesquisa foram quatro setores de cuidado ao paciente crítico, sendo eles a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral, a Unidade Coronariana, a UTI Cardíaca e a Unidade Intermediária Pós-Operatória. Tais unidades contemplam internações clínicas e cirúrgicas de pacientes de alta complexidade, logo, com alta demanda pela utilização da terapia intravenosa e o uso diversificado de dispositivos intravenosos, o que justificou a escolha desses cenários.

Os participantes foram os membros da equipe de Enfermagem envolvidos na prática do flushing. Como critérios de inclusão estabeleceram-se: ser membro da equipe de enfermagem dos setores escolhidos para a pesquisa; e estar atuante no cuidado direto ao paciente na manutenção dos dispositivos intravenosos e administração de medicamentos. A população dos quatro setores envolvidos era composta de 120 profissionais, diante disso, buscou-se trabalhar com todos os participantes possíveis, com o objetivo de garantir a validade interna. Todavia, 12 profissionais da equipe de enfermagem não participaram, por motivos de férias, licenças ou recusa. Com isso, essa etapa da pesquisa contou com 108 participantes, uma amostra equivalente a 90% da população.

A coleta dos dados ocorreu de 19 de novembro de 2019 a 31 de janeiro de 2020, totalizando 74 dias ao longo dos quatro cenários de cuidados intensivos que serviram de lócus para a pesquisa. A coleta dos dados se deu através da aplicação de um questionário estruturado que foi preenchido pelo profissional de enfermagem atuante na manutenção dos dispositivos intravenosos. Para tanto, em cada cenário investigado foi realizada uma ambientação inicial, com o objetivo de conhecer as caraterísticas gerais do setor em relação à terapia intravenosa, realizar a abordagem preliminar dos profissionais e o posterior convite para participação na pesquisa. Nessa fase de ambientação, buscou-se identificar junto à gestão dos serviços a existência de diretrizes e protocolos de terapia intravenosa, de equipe de monitoramento dos acessos vasculares e conhecer a dinâmica dos setores quanto à organização da equipe para a administração dos medicamentos e manutenção dos cateteres.

Esse período de aproximação aos participantes também contribuiu para reduzir a pressão normativa relacionada à presença do pesquisador durante a coleta de dados, que poderia interferir nas respostas que envolviam a avaliação da prática de cuidado. Assim, com essa estratégia, bem como com a codificação do questionário para a garantia do anonimato, buscou-se diminuir o viés de resposta ao instrumento adotado.

O questionário foi produzido no âmbito de uma pesquisa desenvolvida em língua portuguesa por pesquisadores internacionais1313. Parreira P, Vicente R, Bernardes RA, Sousa LB, Serambeque B, Costa P, et al. The flushing procedure in nursing practices: a cross-sectional study with Portuguese and Brazilian nurses. Heliyon [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 15];6(8):e04579. Available from: http://doi.org/10.12707/RIV19006
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com os quais os autores possuem parcerias acadêmicas, tendo sido adaptado à realidade brasileira com autorização do pesquisador principal. Ele contemplou, na primeira parte, o perfil da unidade de atuação do profissional quanto ao número de pacientes e dispositivos intravenosos utilizados no cuidado. A segunda parte foi composta pelas variáveis sobre a prática do flushing, tais como: a frequência de realização, o calibre da seringa utilizada, o volume administrado para cada dispositivo, a técnica empregada, dentre outras informações. A frequência foi graduada numa escala Likert que variou de 1-nunca a 5-sempre. A terceira parte relacionou-se à obtenção de informações para caracterização do perfil profissional dos participantes e sobre o conhecimento prévio/formação quanto ao flushing.

O questionário foi aplicado nos horários mais convenientes ao preenchimento, escolhidos após a aproximação da realidade de cada setor. Foi entregue impresso ao participante, junto a uma prancheta para apoio e uma caneta esferográfica azul, com orientação de responder no mesmo momento e devolver à pesquisadora. Na devolução o instrumento era revisado imediatamente, a fim de evitar a ausência de preenchimento dos dados e a potencial perda do participante.

Na fase de análise foi construído um banco de dados das variáveis do questionário através do Software Statistical Package for the Social Sciences 23(SPSS®). As variáveis sobre a prática do flushing foram analisadas descritivamente por meio de frequência absoluta e relativa e da medida de tendência central - mediana. Realizou-se análise bivariada pelo teste qui-quadrado de Pearson. Considerou-se como variável dependente a realização do flushing e como variáveis independentes as características do perfil: categoria profissional, turno de trabalho, possuir conhecimento de recomendações ou guidelines sobre o flushing, formação específica ligada à acesso venoso e tempo de exercício profissional. As variáveis que apresentaram valor de p ≤0,05 foram classificadas com diferença significativa. Procedeu-se também análise inferencial com o teste de razão de chance - Odds Ratio, com utilização de um intervalo de confiança de 95%.

Essa análise da associação do perfil profissional objetivou complementar a análise sobre a existência de fatores latentes que concorrem para o erro, considerando que a literatura aponta que o nível de experiência, de conhecimento, a formação profissional e a existência de diretrizes/protocolos são fatores indiretos que interferem na prática do flushing1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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.

Na etapa 2, os dados quantitativos obtidos passaram por análise quanto ao atendimento às recomendações das diretrizes nacionais e internacionais, bem como das demais evidências da literatura sobre as boas práticas do flushing. O não atendimento foi considerado erro, assim definido à luz do arcabouço conceitual da segurança do paciente “como um termo geral que abrange todas aquelas ocasiões em que uma sequência traçada de atividades mentais ou físicas falha em alcançar o resultado esperado e quando estas falhas não podem ser atribuídas à intervenção do acaso”1414. Reason J. Human error. 20th ed. New York: Cambridge University Press; 2009. :99. World Health Organization. Medication without harm: WHO global patient safety challenge [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [cited 2020 Aug 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/255263/1/WHO-HIS-SDS-2017.6-eng.pdf?ua=1
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. Os erros foram categorizados em ativos e latentes, conforme conceituação previamente apresentada.

Com base na análise e interpretação desses erros mais relevantes elaborou-se uma ferramenta tecnológica voltada à assistência pelos profissionais de enfermagem na terapia intravenosa. Na fase de elaboração foi feita a seleção dos conteúdos que integrariam o protótipo da tecnologia, o desenvolvimento de ilustrações e a diagramação pelos pesquisadores, o que originou a primeira versão. Ainda nessa fase de elaboração, para a avaliação preliminar da pertinência do conteúdo, do design e da potencial aplicabilidade do protótipo, recorreu-se a quatro pesquisadores (três nacionais e um internacional), escolhidos por conveniência, considerando as redes de cooperação do grupo de pesquisa que a autora principal integra.

Tais pesquisadores eram enfermeiros; doutores em enfermagem; docentes de universidades; com experiência no estudo das temáticas: terapia intravenosa, cuidado de enfermagem, cuidados intensivos, segurança do paciente e tecnologias de cuidado. Uma das pesquisadoras era atuante em um dos setores da instituição pesquisada e participante do Núcleo de Segurança do Paciente institucional. A partir da primeira avaliação, realizada em duas sessões grupais com os pesquisadores, foram realizados os ajustes no conteúdo e design que resultaram na elaboração da versal final do protótipo da tecnologia apresentada no artigo em tela.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa do hospital investigado e os sujeitos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento, em atendimento aos requisitos das normas éticas nacionais de pesquisas com seres humanos. Além disso, cada questionário foi identificado por um código alfanumérico, de modo a não possibilitar o reconhecimento do participante, garantindo, assim, o anonimato dos indivíduos pesquisados.

RESULTADOS

Dos 120 profissionais de enfermagem atuantes nos setores estudados, 108 compuseram a pesquisa. Na caracterização do perfil dos participantes verificou-se que 70% eram mulheres; 63% com graduação em enfermagem; 57% atuando na instituição investigada e em mais um vínculo empregatício. Em relação à experiência, 69,5% tinham tempo de atuação profissional superior a cinco anos e 62% atuavam há mais de cinco anos no setor estudado. No quesito sobre o conhecimento de recomendações ou guidelines que abordam sobre a prática do flushing, apenas 57% responderam afirmativamente; 53% referiram não terem formação específica ligada à temática da terapia intravenosa.

Na caracterização do cenário da pesquisa realizada a partir do período de ambientação, identificou-se a existência de um Procedimento Operacional Padrão institucional para a administração de medicação por via intravenosa, que indicava apenas a necessidade de avaliar a permeabilidade do cateter e evitar a incompatibilidade dos medicamentos, focalizando a aplicação do flushing após a administração dos medicamentos. Além disso, sobre a dinâmica de organização das equipes para a realização da terapia intravenosa, constatou-se que cada cenário possuía um processo de trabalho diferente, ou seja, havia unidades em que somente um profissional por turno ficava responsável pela administração de medicamentos de todos os pacientes e, em outras, em que cada profissional preparava e administrava a medicação dos pacientes sob sua responsabilidade, podendo ser enfermeiros ou técnicos de enfermagem.

Destacou-se ainda que o treinamento sobre a terapia intravenosa era irregular e não havia uma equipe específica para o monitoramento e avaliação dos acessos vasculares na instituição e a proposição de diretrizes práticas.

Quanto aos dados da primeira etapa, dos 108 membros da equipe de enfermagem que responderam ao questionário, 88% (n=95) registraram efetuar a prática do flushing para a manutenção da permeabilidade dos dispositivos intravenosos. Entre esses que realizam o flushing, 93% (n=88) descreveram o SF 0,9% como solução utilizada, seguida da água destilada com 7% (n=7) das respostas.

No que tange à técnica empregada, 49,5% (n=47) aplicam a pressão contínua no êmbolo da seringa, 35% (n=33) push pause, 11,5 % (n=11) push pause + pressão positiva, 3% (n=3) utilizam a função flushing através da bomba infusora e 1% (n=1) realiza pressão contínua no êmbolo da seringa + pressão positiva.

Dos 95 participantes que responderam efetuar o flushing, no detalhamento das etapas, 40% afirmaram realizar antes de administrar o medicamento, 10% entre e 98% após a administração dos medicamentos. Apenas 22% dos participantes mencionaram que realizam o flushing antes, entre e após a administração de um medicamento.

Apesar dessa indicação do predomínio do flushing após a administração do medicamento, quando os participantes classificaram a frequência dessa prática numa escala que ia de nunca a sempre, evidenciou-se a mediana 4 (muitas vezes) na realização do flushing em ambos os momentos, antes, entre e depois. Por exemplo, no CVC, verificou-se que 64% referiram que realizam muitas vezes/sempre o flushing antes da administração do medicamento; 66% muitas vezes/sempre durante a administração dos medicamentos; e 79% realizam muitas vezes/sempre depois. Essa caracterização por tipo de cateter está ilustrada na Tabela 1.

Tabela 1 -
Frequência das etapas da prática do flushing relatada pela equipe de enfermagem intensivista de acordo com o tipo de cateter, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020. (n=95).

A Tabela 2 apresenta as características da prática do flushing referidas pelos participantes no que concerne ao calibre da seringa, forma de preparo e volume administrado. No calibre da seringa para uso em CVC e CIPC, houve predomínio da seringa de 10 ml para a realização do flushing após a administração do medicamento. Nas etapas antes e entre a administração de medicamentos ocorreu um equilíbrio do emprego da seringa de 5 ml e de 10 ml. Destaca-se que a seringa de 20 ml foi indicada para uso após a administração de medicamentos em CIPC por 15% dos respondentes.

Quanto à fonte de preparo da solução para a realização do flushing nos CVC e CIPC, 48% e 46%, respectivamente, afirmaram utilizar o soro em curso no paciente para a etapa de avaliação de permeabilidade, o que também se repetiu para 24% dos respondentes na etapa após a administração dos medicamentos nos CVC e CIPC. Por sua vez, mais de 70% apontaram a seringa preparada pelo profissional com SF 0,9% como de escolha para a realização do flushing entre e após a administração de medicamentos.

O volume de 5 ml obteve maior emprego antes e entre as administrações de medicamentos nos CVC e CIPC. O volume de 10 ml foi o mais escolhido para uso após, todavia, quando se soma o quantitativo de respostas da utilização de 20 ml e 5 ml após a administração de medicamentos, constatou-se maior equilíbrio nessa distribuição.

Tabela 2 -
Características da prática do flushing da equipe de enfermagem intensivista quanto ao calibre da seringa, volume administrado e forma de preparo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020. (n=95)

Na Tabela 3 evidenciou-se que variáveis relacionadas ao conhecimento do profissional sobre recomendações ou guidelines do flushing tiveram associação significativa com a sua prática. Não possuir conhecimento de recomendações ou guidelines levou a 33 vezes mais chances de o profissional não realizar o flushing, enquanto não frequentar formação específica ligada à acesso venoso resultou numa chance 16 vezes mais elevada de o profissional não realizar o flushing.

Tabela 3 -
Associação do perfil profissional da equipe de enfermagem com a prática do flushing, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020. (n=108).

A análise dos resultados do estudo em tela em relação às diretrizes estabelecidas e evidências da literatura indicou erros na prática do flushing, que foram categorizados segundo o referencial de segurança conforme o Quadro 01.

Quadro 1 -
Análise das características da prática do flushing segundo os referenciais do estudo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020.

Com base nos erros latentes identificados, propôs-se um protótipo de tecnologia em formato de Guia de Cuidado para a prática do flushing, com foco nas boas práticas. Nas rodadas de construção considerou-se a necessidade dos aprimoramentos: reduzir o excesso de informação textual; melhora do design e diagramação; incluir dados relacionados aos principais erros identificados; não uso de siglas e troca de alguns termos. Na Figura 1 tem-se a versão elaborada.

Figura 1 -
Guia para prática do flushing, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2020.

DISCUSSÃO

Os resultados globais evidenciaram que 12% dos participantes não efetuavam o procedimento do flushing para a manutenção dos dispositivos intravenosos. Apesar de 88% referirem praticar o flushing, verificaram-se desvios nas várias etapas da sua implementação, quais sejam 60% registraram que não realizam antes da administração do medicamento e 90% não realizam entre os medicamentos, com maior destaque para o emprego do flushing após a administração do medicamento, com 98%.

Estudos nacionais e internacionais obtiveram resultados semelhantes aos identificados nesta pesquisa, apontando as dificuldades dos profissionais de enfermagem na implementação efetiva de todas as etapas do flushing77. Braga LM, Parreira PMSD, Arreguy-Sena C, Carlos DM, Mónico LSM, Henriques MAP. Incidence rate and the use of flushing in the prevention of obstructions of the peripheral venous catheter. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 10];27(4):e2810017. Available from: http://doi.org/10.1590/0104-07072018002810017
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,1313. Parreira P, Vicente R, Bernardes RA, Sousa LB, Serambeque B, Costa P, et al. The flushing procedure in nursing practices: a cross-sectional study with Portuguese and Brazilian nurses. Heliyon [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 15];6(8):e04579. Available from: http://doi.org/10.12707/RIV19006
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,1515. Keogh S, Flynn J, Marsh N, Mihala G, Davies K, Rickard C. Varied flushing frequency and volume to prevent peripheral intravenous cateter failure: a pilot, factorial randomised controlled trial in adult medical-surgical hospital patients. Trials [Internet]. 2016 [cited 2021 Oct 18];17(1):348. Available from: https://doi.org/10.1186/s13063-016-1470-6
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. No caso dos estudos relacionados aos dispositivos periféricos, investigação realizada com 76 enfermeiras brasileiras e portuguesas buscou identificar as práticas relacionadas ao flushing por meio de um questionário online. Verificou-se, a partir dos dados, que a maioria dos enfermeiros (84,2%) afirmou realizar o flushing após a inserção do cateter, antes e após a administração do medicamento, porém, com inconsistências na solução usada, volume e tamanho da seringa. Houve, ainda, reconhecimento da omissão deste procedimento por limitações de tempo, falta de familiaridade e material indisponível1313. Parreira P, Vicente R, Bernardes RA, Sousa LB, Serambeque B, Costa P, et al. The flushing procedure in nursing practices: a cross-sectional study with Portuguese and Brazilian nurses. Heliyon [Internet]. 2020 [cited 2022 Oct 15];6(8):e04579. Available from: http://doi.org/10.12707/RIV19006
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Survey sobre a prática do flushing de enfermeiras australianas mostrou que, de 1.178 instrumentos respondidos, 584 deles relatavam a realização do flushing de CVC. Acerca da frequência, os autores consideraram que foram amplas e variadas, sendo os momentos mais relatados pré e pós-administração do medicamento, com 21%, e pré e pós-medicamento mais administração de 6 horas, com 22%1515. Keogh S, Flynn J, Marsh N, Mihala G, Davies K, Rickard C. Varied flushing frequency and volume to prevent peripheral intravenous cateter failure: a pilot, factorial randomised controlled trial in adult medical-surgical hospital patients. Trials [Internet]. 2016 [cited 2021 Oct 18];17(1):348. Available from: https://doi.org/10.1186/s13063-016-1470-6
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.

No aprofundamento da análise sobre a frequência do flushing por tipo de cateter, os resultados indicaram maior quantitativo de respostas dos profissionais categorizadas como “muitas vezes/sempre” nos momentos antes, entre e depois da administração dos medicamentos, em ambos os tipos de cateter, apesar de terem registrado previamente menor porcentagem de realização do flushing antes e entre os medicamentos.

Esses dados sobre a implementação do flushing na prática evidenciam que os cuidados de enfermagem na manutenção de dispositivos intravenosos apresentam inconsistências e nem sempre respeitam as diretrizes da INS e da ANVISA11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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-66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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, que recomendam a avaliação do refluxo sanguíneo antes de cada infusão e a aplicação do flushing antes e depois da administração de cada medicamento.

No que diz respeito ao modo de preparo e solução utilizada, houve o predomínio do SF 0,9% como solução de escolha para o flushing, com adesão superior a 90%. Em relação ao seu preparo, a utilização do SF 0,9% que se encontra em infusão contínua no paciente, principalmente antes da administração do medicamento, contrapõe-se ao padronizado pela ANVISA e INS, que recomendam os frascos de dose única ou seringas comercialmente preenchidas com solução salina 0,9%55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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-66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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Acerca do uso do SF 0,9%, a INS indica que o seu emprego é seguro e eficaz na prevenção da oclusão do cateter em populações adultas com CVC55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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. Essa recomendação é congruente com os resultados de investigações internacionais recentemente desenvolvidas. Revisão sistemática com metanálise envolvendo 7.875 indivíduos avaliou a eficácia da SF 0,9% versus Solução Heparinizada na manutenção da permeabilidade de CVC em pacientes adultos1515. Keogh S, Flynn J, Marsh N, Mihala G, Davies K, Rickard C. Varied flushing frequency and volume to prevent peripheral intravenous cateter failure: a pilot, factorial randomised controlled trial in adult medical-surgical hospital patients. Trials [Internet]. 2016 [cited 2021 Oct 18];17(1):348. Available from: https://doi.org/10.1186/s13063-016-1470-6
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. Os resultados mostraram que o SF 0,9% pode ser igualmente, se não mais eficaz, em manter os cateteres funcionantes. Dos estudos que relataram desfechos secundários, a solução heparinizada não demonstrou ser superior à solução não heparinizada1616. Klein J, Jepsen A, Patterson A, Reich RR, Mason TM. Heparin versus normal saline: flushing effectiveness in managing Central Venous Catheters in patients undergoing Blood and marrow transplantation. Clin J Oncol Nurs [Internet]. 2018 [cited 2021 Oct 18];22(2):199-202. Available from: https://doi.org/10.1188/18.CJON.199-202
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Outros estudos têm mostrado discrepâncias na prática do flushing em relação à solução empregada em cenários de UTI. Um deles sobre a prática do flushing de enfermeiras australianas indicou que 96% relataram utilizar SF 0,9% para flushing de CIPC e 75% no CVC. Em 25% dos flushings de CVC havia alguma concentração de heparina. A seringa de 10 ml foi a mais frequente; no entanto, 24% usaram seringas de menor calibre e 10% as seringas pré-carregadas. O estudo concluiu que houve inconsistência das práticas, que reflete a atual falta de evidências na área do flushing1515. Keogh S, Flynn J, Marsh N, Mihala G, Davies K, Rickard C. Varied flushing frequency and volume to prevent peripheral intravenous cateter failure: a pilot, factorial randomised controlled trial in adult medical-surgical hospital patients. Trials [Internet]. 2016 [cited 2021 Oct 18];17(1):348. Available from: https://doi.org/10.1186/s13063-016-1470-6
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Utilizar solução SF 0,9% isenta de conservantes para flushing também é indicada nos CIPC11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
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-66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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. Revisão sistemática atual corrobora a indicação das principais diretrizes e apontou que a solução salina normal parece superar a solução de heparina na manutenção da permeabilidade do CIPC e na prevenção de complicações1717. Sotnikova C, Fasoi G, Efstathiou F, Kaba E, Bourazani M, Kelesi M. The efficacy of normal saline (N/S 0.9%) versus heparin solution in maintaining patency of peripheral venous cateter and avoiding complications: a systematic reviews. Mater Sociomed [Internet]. 2020 [cited 2021 Oct 18];32(1):29-34. Available from: https://doi.org/10.5455/msm.2020.32.29-34
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Os participantes relataram utilizar em sua maioria a seringa de 10ml, mas também houve relato de uso das seringas de 05 e 20ml para a prática do flushing. Tal resultado demonstra variabilidade na escolha do calibre da seringa do flushing, o que resulta em diferentes pressões no lúmen do cateter. Quanto menor o calibre da seringa, maior a pressão que ela pode gerar, expondo o paciente ao risco de ruptura do cateter. Por essa razão, recomenda-se o flushing com seringa de 10 ml, que gera pressão de 20 Psi11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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Outro método de flushing apontado pelos participantes foi o do soro em curso no paciente. Estudo americano comparou o flushing e lock intermitente com a utilização do soro em curso no paciente de maneira contínua para manutenção de CIPC. Foram acompanhados 85 cateteres e, embora o grupo com manutenção intermitente com lock de SF 0,9% tenham tido um tempo de duração do cateter ligeiramente maior, não foi estatisticamente significativo. Fatores como o desejo de deambular ou a liberação noturna das linhas de acesso merecem consideração nas decisões de cuidado do CIPC1818. Roszell SS, Rabinovich HB, Smith-Miller CA. Maintaining short peripheral catheter patency: a comparison of saline lock versus continuous infusion in the acute care setting. J Infus Nurs [Internet]. 2018 [cited 2021 Oct 18];41(3):165-9. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000276
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Em relação à técnica empregada, a pressão contínua no êmbolo da seringa foi mencionada em 49,5% dos questionários, seguida pela técnica push pause (pulsátil) em 35%. A INS e ANVISA propõem o uso da técnica pulsátil como boa prática11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Medidas de prevenção de infecção relacionada à assistência à saúde [Internet]. Brasília: Anvisa; 2017 [cited 2019 Feb 10]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/publicacoes/caderno-4-medidas-de-prevencao-de-infeccao-relacionada-a-assistencia-a-saude.pdf/view
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais...
-66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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. A manutenção deve associar a técnica pulsátil entre a administração de medicamentos com a pressão positiva após a administração, ou seja, é indicado deixar uma pequena quantidade (0,5-1,0 ml) de solução do flushing em uma seringa para evitar a compressão da junta do êmbolo, minimizando o refluxo de sangue para o lúmen do cateter88. Goosens GA. Flushing and locking of venous catheters: available evidence and evidence deficit. Nurs Res Pract [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 10];2015:985686. Available from: http://doi.org/10.1155/2015/985686
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,1919. Hawthorn A, Bulmer AC, Mosawy S, Keogh S. Implications for maintaining vascular access device patency and performance: application of science to practice. J Vasc Access [Internet]. 2019 [cited 2021 Oct 18];20(5):461‐70. Available from:http://doi.org/10.1177/1129729818820200
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O flushing pulsátil apoia-se na dinâmica de fluxo dos fluidos, isto é, tensão de cisalhamento da parede por meio de 10 bólus curtos de solução de 1 ml interrompidos por breves pausas. Esse cisalhamento é mais eficiente na limpeza de depósitos sólidos nos cateteres em comparação com um fluxo contínuo de 10 ml66. Gorski LA, Hadaway L, Hagle ME, Broadhurst D, Clare S, Kleidon T, et al. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];44(Suppl 1):S1-S224. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000396
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,2020. Boord C. Pulsatile Flushing: a review of the literature. J Infus Nurs [Internet]. 2019 [cited 2022 Mar 15];42(1):37-43. Available from: http://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000311
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.

O volume de 5ml de flushing foi mais frequente antes e entre as administrações de medicamentos, tanto no CVC quanto no CIPC, enquanto o uso de 10ml predominou após a administração de medicamentos nesses dispositivos intravenosos. A utilização de 5 ml e 20 ml após a administração de medicamento, em conjunto, principalmente no CVC, foi de aproximadamente a 50%.

Essa não-uniformidade pode advir da ausência de evidências confirmadas que indiquem o volume certo a ser aplicado77. Braga LM, Parreira PMSD, Arreguy-Sena C, Carlos DM, Mónico LSM, Henriques MAP. Incidence rate and the use of flushing in the prevention of obstructions of the peripheral venous catheter. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Feb 10];27(4):e2810017. Available from: http://doi.org/10.1590/0104-07072018002810017
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,1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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,1414. Reason J. Human error. 20th ed. New York: Cambridge University Press; 2009. . As recomendações podem ser imprecisas nesse contexto tendo em conta que o volume da solução de flushing depende de vários fatores como o tipo e o calibre do dispositivo, a idade do paciente e o tipo de terapia de infusão a ser administrada. O mínimo é, pelo menos, o dobro do volume do cateter, isto é, 3-5 ml para CIPC e 10 ml para CVC, aumentando para 20 ml após a coleta de sangue ou flushing após medicamentos vesicantes em cada etapa11. Gorski L, Hadaway L, Hagle ME, Mcgoldrick M, Orr M, Doellman D. Infusion therapy standards of practice. J Infus Nurs [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 17];39(Suppl 1):S1-S159. Available from: https://www.ins1.org/publications/infusion-therapy-standards-of-practice/
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,88. Goosens GA. Flushing and locking of venous catheters: available evidence and evidence deficit. Nurs Res Pract [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 10];2015:985686. Available from: http://doi.org/10.1155/2015/985686
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,1414. Reason J. Human error. 20th ed. New York: Cambridge University Press; 2009. .

Para manejar os erros identificados, o modelo de segurança de Reason se coloca a favor da criação de barreiras, com vistas à interceptação do erro1111. Reason J. Human error: models and management. West J Med [Internet]. 2000 [cited 2019 Feb 10];172(6):393-6. Available from: http://doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
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, e o desenvolvimento de ações e estratégias com foco no fortalecimento da cultura de segurança2121. Heidmann A, Trindade LF, Schmidt CR, Loro MM, Fontana RT, Kolankiewicz ACB. Contributive factors for the consolidation of patient safety culture in the hospital environment. Esc Anna Nery [Internet]. 2019 [cited 2022 Mar 15];24(1):e20190153. Available from: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0153
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. Nesse sentido, considerando que tecnologias de cuidado relacionadas à terapia intravenosa que interceptem “os buracos do queijo suíço” e mantenham seguros os sistemas de medicação são incipientes, o protótipo de tecnologia elaborado poderá contribuir para a disseminação das melhores práticas em relação ao flushing, como uma barreira ao erro de administração dos medicamentos.

A escolha da modalidade de tecnologia apresentada neste artigo parte de evidências que mostram que o conhecimento sobre as diretrizes do flushing influencia nas práticas dos profissionais. Estudo apresentou o efeito positivo da educação/treinamento da equipe de enfermagem sobre o CIPC na manutenção desses dispositivos intravenosos2222. Keogh S, Shelverton C, Flynn J, Mihala G, Mathew S, Davies M, et al. Implementation and evaluation of short peripheral intravenous catheter flushing guidelines: a stepped wedge cluster randomised trial. BMC Med [Internet]. 2020 [cited 2022 Mar 15];18(1):252. Available from: https://doi.org/10.1186/s12916-020-01728-1
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. Por outro lado, a falta de diretrizes e protocolos que orientem sobre os cuidados com o cateter e a realização do flushing no local de atuação dos enfermeiros impacta negativamente, favorecendo a negligência e falhas na prática1010. Ribeiro GSR, Campos JF, Silva RC. What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Oct 15];75(5):e20210418. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
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.

A escolha de realização do estudo em cenários de cuidados intensivos é uma limitação da pesquisa, pois pode ter restringido a avaliação sobre a manutenção dos CIPC. Pontua-se também que, embora as perguntas do questionário tenham se referido à prática atual do flushing, como esse tipo de instrumento registrou o relato sobre a prática, pode não refletir com toda precisão a forma como o flushing é realizado no cotidiano assistencial, o que é um limite, sendo importante aprofundar a análise dos achados com resultados de estudos observacionais sobre esse fenômeno.

Reconhece-se como outras limitações o fato de que o protótipo da tecnologia ainda passará, nas próximas etapas da investigação, por aprimoramentos no seu design e funcionalidades, e pelas fases de validação com juízes e testagem na prática clínica com os profissionais de enfermagem. Na fase de aprimoramento, planeja-se realizar a inclusão de QR Codes que conduzirão os usuários para vídeos instrutivos, com simulação clínica dos momentos do flushing e da técnica que deve ser aplicada. Por sua vez, os resultados das etapas de validação e testagem do protótipo quanto aos impactos na performance do flushing poderão sustentar a sua incorporação nas instituições de saúde como estratégia educacional e de cuidado para a melhoria das práticas do flushing pelos profissionais de enfermagem.

CONCLUSÃO

A prática do flushing registrada pela equipe de enfermagem para a manutenção de cateteres intravenosos utilizados nos pacientes hospitalizados nos cuidados intensivos caracterizou-se por erros quanto à fonte para preparo, calibre da seringa, regime de realização do flushing, volume administrado e técnica aplicada. Esses erros orientaram a construção de um protótipo de tecnologia com formato de Guia de Cuidado para a prática do flushing na instituição pesquisada.

O Guia de Cuidado amplia o conhecimento da equipe de enfermagem acerca da manutenção dos cateteres intravenosos, reunindo os principais erros ativos e as recomendações para a realização das etapas do flushing, como uma barreira à recorrência dos erros.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Artigo extraído da Dissertação - Flushing na Manutenção de Cateteres Intravenosos: Um Estudo Observacional da Prática de Enfermagem na Terapia Intensiva, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2021.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, sob parecer número 3.461.363/2019, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 59375016.0.0000.5259

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Renata Cristina de Campos Pereira Silveira, Maria Lígia Bellaguarda. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2022
  • Aceito
    09 Maio 2023
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