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RECURSOS PARA MANUTENÇÃO DA SAÚDE EM PESSOAS PRESAS COM HIPERTENSÃO ARTERIAL: UMA ABORDAGEM SALUTOGÊNICA

RESUMO

Objetivo:

conhecer os recursos generalizados de resistência das pessoas privadas de liberdade com hipertensão arterial sistêmica de uma região de tríplice fronteira.

Método:

pesquisa qualitativa pautada no referencial teórico da Salutogênese, da qual participaram 38 pessoas privadas de Liberdade de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil, no período de fevereiro a julho de 2022. Utilizou-se de questões norteadoras nas entrevistas, as quais foram submetidas a análise de conteúdo na modalidade temática.

Resultados:

emergiram 12 recursos generalizados de resistência nos relatos das pessoas presas com hipertensão arterial sistêmica: equipe de saúde; acesso às medicações; trabalho; hábitos de vida: alimentação, atividade física e restrição ao acesso a drogas/cigarro/bebida alcóolica; controle do estresse/ansiedade; leitura e jogos; religiosidade; família; autocuidado; companheiros de cubículo e funcionários.

Conclusão:

as pessoas privadas de liberdade com hipertensão arterial sistêmica apresentam recursos generalizados de resistência para manejar sua vida e saúde, os quais se relacionam ao cuidado pessoal, ao grupo social e ao ambiente. Destaca-se que, uma vez identificados, os recursos generalizados de resistência podem ser utilizados pelos profissionais de saúde no gerenciamento da HAS, outras doenças crônicas e promoção da saúde.

DESCRITORES:
Hipertensão arterial sistêmica; Pessoas privadas de liberdade; Prisões; Salutogênese; Senso de coerência

ABSTRACT

Objective:

to know the generalized resistance resources of people deprived of liberty with systemic arterial hypertension in a triple border region.

Method:

a qualitative study based on the theoretical framework of Salutogenesis, in which 38 people deprived of liberty in Foz do Iguaçu, Paraná, Brazil, participated from February to July 2022. Guiding questions were used in the interviews which were submitted to thematic content analysis.

Results:

12 generalized resistance resources emerged in the reports of people deprived of liberty with systemic arterial hypertension: health team; access to medications; work; lifestyle habits: food, physical activity and restriction of access to drugs/cigarettes/alcoholic beverages; stress/anxiety control; reading and games; religiosity; family; self-care; cellmates; and employees.

Conclusion:

people deprived of liberty with systemic arterial hypertension have generalized resistance resources to manage their life and health, which are related to personal care, the social group and the environment. It is noteworthy that once they are identified, the generalized resistance resources can be used by health professionals to manage SAH, other chronic diseases and aid in health promotion.

DESCRIPTORS:
Systemic arterial hypertension; Persons deprived of liberty; Prisons; Salutogenesis; Sense of coherence

RESUMEN

Objetivo:

conocer los recursos generalizados de resistencia de las personas privadas de libertad con hipertensión arterial sistémica en una región de la triple frontera.

Método:

investigación cualitativa basada en el referencial teórico de la Salutogénesis, en la que participaron 38 personas privadas de libertad de Foz do Iguazú, Paraná, Brasil, de febrero a julio de 2022. Se utilizaron preguntas orientadoras en las entrevistas, que fueron sometidas al análisis de contenido en la modalidad temática.

Resultados:

12 recursos generalizados de resistencia surgieron en los relatos de detenidos con hipertensión arterial sistémica: equipo de salud; acceso a medicamentos; trabajar; hábitos de vida: alimentación, actividad física y restricción de acceso a drogas/cigarrillos/bebidas alcohólicas; control del estrés/ansiedad; lectura y juegos; religiosidad; familia; cuidados personales; compañeros de cubículo y empleados.

Conclusión:

las personas privadas de libertad con hipertensión arterial sistémica poseen recursos generalizados de resistencia para el manejo de su vida y salud, los cuales están relacionados con el cuidado personal, el grupo social y el medio ambiente. Se destaca que, una vez identificados, los recursos generalizados de resistencia pueden ser utilizados por los profesionales de la salud en el manejo de la HAS, otras enfermedades crónicas y promoción de la salud.

DESCRIPTORES:
Hipertensión arterial sistémica; Personas privadas de libertad; Prisiones; Salutogénesis; Sentido de coherencia

INTRODUÇÃO

A prisão consiste em cenário especial para a atenção primária à saúde, a qual deve contar com cuidados equivalentes aos prestados a comunidade em geral11. Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis [Internet]. 2020 [cited 2023 Jun 15];30(3):1-19. Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300325
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, cujos objetivos não diferem dos externos à prisão, relacionandos à recuperação, prevenção e promoção da saúde. Assim, as equipes de saúde prisional devem buscar minimizar os efeitos negativos da prisão; entre as condições de saúde recomendadas para assistência, estão as doenças crônicas, tal como a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)22. Wang EA, Pletcher M, Lin F, Vittinghoff E, Kertesz SG, Kiefe CI, et al. Incarceration, Incident Hypertension, and Access to Healthcare: Findings from the Coronary Artery Risk Development In youngs Adults (CARDIA) Study. Arch Intern Med [Internet]. 2009 [cited 2022 Apr 21];169(7):687-93. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2829673 /
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.

Cabe pontuar que a HAS se constitui de doença crônica, não transmissível, considerada o principal fator de risco evitável para doenças cardiovasculares e renal crônica, respondendo por 10 milhões de mortes no mundo33. Caetano GM, Daniel ACQG, Costa BCP, Veiga EV. Elaboration and validation of an educational video on blood pressure measurement in screening programs. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Jun 15];30:e20200237. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0237
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-44. Mills KT, Stefanescu A, He J. The global epidemiology of hypertension. Nat Ver Nephrol [Internet]. 2020 [cited 2023 Jun 15];16(4):223-37. Available from: https://doi.org/10.1038/s41581-019-0244-2
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. No contexto prisional, nos Estados Unidos da América (EUA) estima-se que 30,2% das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) possuem diagnóstico de HAS; já no Brasil, a prevalência de HAS para a mesma população é desconhecida, ainda que o número de PPL continue crescendo e tais pessoas envelhecendo, o que explicita a relevância de compreender a doença e intervenções no cenário prisional55. Silva PN, Kendall C, Silva AZ da, Mota RMS, Araújo LF, Pires R da J Neto , et al. Hipertensão em mulheres presas no Brasil: muito além do biológico. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2023 [cited 2023 Jun 15];28(1):37-48. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232023281.10672022
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O aumento do risco de HAS e de morte por doenças cardiovasculares estão associados ao encarceramento, além de ser a principal causa de morte de pessoas com histórico de privação de liberdade. O risco cardiovascular de PPL é de médio a alto quando comparado a comunidade, especialmente relacionados ao tabagismo e a HAS66. Wang EA, Redmond N, Roux AVD, Redmond N, Himmelfarb CRD, Pettit B, et al. Cardiovascular Disease in Incarcerated Populations. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2017 [cited 2022 Apr 13];69(24):2967-76. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jacc.2017.04.040
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-77. Howell BA, Long JB, Edelman EJ, Mcginnis KA, Fiellin DA, Justice AC, et al. Incarceration history and uncontrolled blood pressure in a multi-site cohort. J Gen Intern Med [Internet]. 2016 [cited 2022 Feb 22];31(12):1496-502. Available from: https://doi.org/10.1007/s11606-016-3857-1
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, embora os mecanismos não sejam conhecidos. Desse modo, o controle da pressão arterial nesse contexto é indispensável para evitar as complicações dela decorrentes88. World Health Organization. Prisons and health [Internet]. Geneva, (CH): WHO Regional Europa; 2014 [cited 2023 Jan 13]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/128603
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. Ainda mais, os Recursos Generalizados de Resistência (GRRs) podem favorecer na gestão da HAS também no contexto prisional.

O conceito GRRs é um dos elementos da Teoria Salutogênica que se constituem de qualquer fenômeno eficaz no combate a uma ampla variedade de estressores; assim, se relacionam à habilidade de uma pessoa ou de um coletivo em lidar com a tensão, evitar e manejar o estresse. Logo, proporcionam ao ser humano um conjunto de experiências de vida consistentes, seja pela participação do indivíduo na ação ou pela possibilidade de fazer um balanço de sua vida e saúde. Os GRRs facilitam a percepção das pessoas sobre suas vidas como consistentes, estruturadas e compreensíveis99. Antonovsky A. Health, stress, and coping. San Francisco, CA(US): Jossey-Bass Publishers; 1979.-1010. Antonovsky A. Unraveling the mistery of health. How People Manage Stress and Stay Well. San Francisco, AS(US): Jossey-Bass Publishers; 1987..

Nesse sentido, evidencia-se que a Teoria Salutogênica, elaborada por Aaron Antonovsky (1923-1994) na década de 1970, foi definida como uma orientação global para ver o mundo, uma vez que o modo como as pessoas veem sua vida tem uma influência positiva sobre sua saúde. A questão central desse modelo é compreender como e o porquê de certas pessoas permanecem bem mesmo após terem vivido situações de estresse intenso, e outros não. O foco é a origem da saúde: a doença ou a saúde dependem da adequada gestão das tensões1111. Mittelmark MB, Bauer GF. The Meanings of Salutogenesis. International Journal of Health Promotion and Education. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2023 Jun 15]. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-79515-3
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Os recursos a serem mobilizados para a gestão das tensões podem estar vinculados ao indivíduo, ao grupo social e ao ambiente, podendo ser internos ou externos. Constituem-se de recursos materiais (dinheiro, alimentação, moradia), conhecimento e inteligência, autoconhecimento, estratégia de enfrentamento racional e flexível, apoio social, coesão e comprometimento com sua cultura, religião e filosofia, comportamentos saudáveis, estado de saúde atual, bem como características genéticas e constitucionais99. Antonovsky A. Health, stress, and coping. San Francisco, CA(US): Jossey-Bass Publishers; 1979.-1010. Antonovsky A. Unraveling the mistery of health. How People Manage Stress and Stay Well. San Francisco, AS(US): Jossey-Bass Publishers; 1987.,1212. Eriksson M, Lindstrom B. Contextualizing salutogenesis and Antonovsky in public health development. Health Prom Inter [Internet]. 2006 [cited 2023 Feb 11];21(3):238-44. Available from: https://doi.org/10.1093/heapro/dal016
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A presença de tais GRRs melhora as chances do indivíduo em lidar com os desafios da vida, auxiliando na construção de experiências de vida coerentes. Portanto, possuem relação com a habilidade do indivíduo em administrar a tensão e evitar, ou manejar, o estresse - ainda, advém das experiências vividas. Contudo, o fator-chave não é apenas sua disponibilidade, mas a capacidade do indivíduo de utilizá-los99. Antonovsky A. Health, stress, and coping. San Francisco, CA(US): Jossey-Bass Publishers; 1979.,1212. Eriksson M, Lindstrom B. Contextualizing salutogenesis and Antonovsky in public health development. Health Prom Inter [Internet]. 2006 [cited 2023 Feb 11];21(3):238-44. Available from: https://doi.org/10.1093/heapro/dal016
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. Pondera-se, entretanto, que a ausência de GRRs também pode se tornar um estressor, nomeado de Déficit Generalizado de Resistência (GRDs)1313. Vinje HF, Langeland E, Bull T. Aaron Antonovsky’s Development of Salutogenesis, 1979-1994. In: In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (orgs). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2023 Feb 15]. p. 29-45. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-79515-3
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O paradigma salutogênico não se vincula à construção da condição de saúde perfeita ou um mundo perfeito, mas uma forma de viver com o potencial de saúde que cada pessoa possui e, ao mesmo tempo, atuar para melhorá-lo. Assim, não se espera um estado perfeito de saúde, porém compreende-se ser condição natural dos seres humanos a luta contra o caos na vida cotidiana, administrando os estressores de uma maneira saudável1414. Saboga-nunes L, Bittlingmayer UH, Okan O. Salutogenesis and health literacy: The health promotion simplex! In: Okan O, Bauer U, Levin-Zamir D, Pinheiro P, Sorensen K. (org.). International handbook of health literacy: research, practice and policy across the lifespan. Chicago, IL(US): Policy Press; 2019. p. 649-64..

A abordagem salutogênica é particularmente apropriada para a promoção da saúde, uma vez que explora a origem da saúde, ao invés da doença e dos fatores de risco. Coaduna, então, com uma visão positiva de saúde física e mental, qualidade de vida e bem-estar. Em vista disso, os profissionais de saúde podem auxiliar as pessoas a identificar, mobilizar e utilizar os GRRs disponíveis para a gestão da saúde das pessoas11. Schultz ALV, Dotta RM, Stock BS, Dias MTG. Limites e desafios para o acesso das mulheres privadas de liberdade e egressas do sistema prisional nas Redes de Atenção à Saúde. Physis [Internet]. 2020 [cited 2023 Jun 15];30(3):1-19. Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300325
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,1212. Eriksson M, Lindstrom B. Contextualizing salutogenesis and Antonovsky in public health development. Health Prom Inter [Internet]. 2006 [cited 2023 Feb 11];21(3):238-44. Available from: https://doi.org/10.1093/heapro/dal016
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,1515. Eriksson M, Lindstrom B. The salutogenic approach to the making of HiAP/Healthy Public Policy: Illustrated by a case study. Global Health Prom [Internet]. 2009 [cited 2023 Feb 22];16(1):17-28. Available from: https://doi.org/10.1177/1757975908100747
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,1616. Antonovsky A. The salutogenic model as a theory to guide health promotion. Health Prom Inter [Internet]. 1996 [cited 2023 Feb 22];11(1):11-8. Available from: https://salutogenesi.org/images/PDF/The_salutogenic_model_as_a_theory_to_guide_health_promotion.pdf
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,1717. Eriksson M, Lindstrom B. Life is more than survival: Exploring links between Antonovsky’s salutogenic theory and the concept of resilience. In: Gow KM, Celinski MJ. Way finding through life’s challenges: Coping and survival. New York, NY(US) : Nova Science Publishers; 2011. p. 31-46.,1818. Super S, Wagemakers MAE, Picavet HSJ, Verlooijen KT, Koelen MA. Strengthening sense of coherence: opportunities for theory building in health promotion. Health Promot Inter [Internet]. 2016 [cited 2023 Feb 22];31(4):869-78. Available from: https://doi.org/10.1093/heapro/dav071
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No contexto prisional é preciso superar os cuidados em saúde com foco patogênico, ampliando para uma visão positiva de saúde, salutogênica, a fim de que se constitua em um espaço promotor de saúde e que oportunize às PPL melhores condições de saúde e bem-estar, considerando a marginalização prévia à detenção e o compromisso com a justiça social. Para tanto, a identificação dos GRRs utilizadas pelas PPL para permanecer bem apesar da prisão e das doenças, e em como as ações do setor saúde podem auxiliá-los no sentido de mobilizar e utilizar tais GRRs e, portanto, possibilitar melhores condições de vida e saúde é essencial1919. Baybutt M, Chemlal K. Health-promoting prisons: theory to practice. Global Health Prom [Internet]. 2015 [cited 2022 Apr 13];23(1):66-74. Available from: https://doi.org/10.1177/1757975915614182
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Nesse sentido, enfatiza-se que os GRRs não foram totalmente explorados nesse contexto, contudo, determinados fatores podem criar às PPL a manutenção de uma atitude positiva diante de sua vida e saúde, contribuindo para seu bem-estar, apesar dos impactos físicos, psicológicos, sociais e materiais que a prisão pode lhes proporcionar2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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, o que justifica esta pesquisa. Desse modo, o objetivo consiste em conhecer os GRRs nos relatos de PPL com HAS de uma região de tríplice fronteira.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter descritivo e exploratório, ancorado no referencial teórico da Salutogênese. Essa abordagem visa apreender relações, visões e julgamentos das pessoas diante da intervenção da qual participam2121. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação de Programas Sociais por Triangulação de Métodos: abordagem de programas sociais. 5th ed. Rio de Janeiro, RJ(BR): Fiocruz; 2016.. Assim, o estudo foi desenvolvido entre os meses de fevereiro e julho de 2022, em uma unidade prisional de Foz do Iguaçu, um município de grande porte de tríplice fronteira na região sul do Brasil, localizado no extremo Oeste do Paraná. Essa unidade abriga pessoas do sexo masculino, com idade superior a 18 anos. A amostra utilizada foi por conveniência, cujo plano amostral utilizou-se da totalidade de PPL com diagnóstico de HAS que se encontravam em privação de liberdade na unidade e que aceitaram participar do estudo. O primeiro contato com os participantes ocorreu em 2021, quando divulgou-se a pesquisa e seus objetivos por meio de folders e verbalmente.

No consultório da unidade penal, a primeira autora, a qual é enfermeira em equipe de saúde prisional, reuniu-se presencial e individualmente com os participantes que atendiam ao critério de inclusão - ser PPL na unidade e possuir diagnóstico de HAS - momento em que foram informados os objetivos do estudo, utilidade e procedimento deste. Participaram do estudo as PPL que aceitaram compor a amostra do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que informava os objetivos da pesquisa e assegurava o anonimato do participante. Cabe destacar que teve como critério de exclusão: ser analfabeto autodeclarado; e, de descontinuidade: solicitar por escrito ou verbalmente a saída da pesquisa. Pontua-se que uma PPL abordada recusou a participação no estudo.

As entrevistas foram realizadas no consultório do ambulatório de saúde da unidade penal, por meio de questões norteadoras em relação aos cuidados de saúde antes e na prisão, sobre quais fatores consideravam que auxiliavam ou dificultavam na manutenção da saúde no contexto prisional e, ainda, como mantinha a saúde, perspectivas futuras e descrição da rotina na unidade. A duração média dessas entrevistas foi de 16,2 minutos (±8,3).

Os nomes dos participantes foram substituídos por códigos identificadores: P (participante), M (masculino) (sexo) e X (número arábico em ordem crescente dos participantes entrevistados). Exemplo: PM_1. No caso de funcionários do sistema penal que foram citados nas entrevistas, utilizou-se números arábicos em sequência.

As entrevistas foram audiogravadas e transcritas, inicialmente com a ferramenta Transkriptor e, posteriormente, foram conferidas e organizadas pela pesquisadora. Na sequência, os dados foram dispostos em uma planilha no Programa Excel, na qual as linhas correspondiam aos participantes e as colunas às respostas obtidas nas questões abertas. Tal planilha foi importada ao Programa NVivo (versão 12 - release 1.7 para Windows), com o qual contou-se para armazenamento, organização e análise dos dados, com posterior análise de conteúdo na modalidade temática, seguindo as etapas: leitura compreensiva e exaustiva, exploração do material; e tratamento e interpretação dos dados2222. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo, SP(BR): Edições 70 Brasil; 2016.-2323. Sousa JR, Santos SCM. Análise de conteúdo em pesquisa qualitativa: modo de pensar e de fazer. Pesq Debate Educ [Internet]. 2020 [cited 2023 Jun 16];10(2):1396-416. Available from: https://doi.org/10.34019/2237-9444.2020.v10.31559
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, sendo codificadas inicialmente pela primeira autora, com revisão e discussão pela equipe de pesquisa.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná.

RESULTADOS

A amostra da pesquisa qualitativa foi de 38 PPL do sexo masculino com diagnóstico de HAS; média de idade de 40,5 anos (±9,4); predominantemente casados; 60,5% pais de 1 a 3 filhos; 71,1% com escolaridade inferior a 12 anos de estudo; cujas entrevistas obtiveram, em média, 16,2 minutos (±8,3).

A codificação total do corpus resultou em quatro categorias e/ou códigos, sendo que, neste estudo, foi considerada a categoria e a subcategoria de análise: os GRRs - fatores que auxiliam a manutenção da saúde na prisão. Procurou-se elencar os GRRs envolvidos no ambiente prisional; portanto, a linguagem utilizada foi semelhante àquela dos participantes, nomeando-a de fatores que auxiliam a manutenção da saúde na prisão para o momento das entrevistas. O Quadro 1 apresenta a categoria e subcategoria.

Quadro 1 -
Categoria e subcategoria de análise. Foz do Iguaçu, PR, Brasil, 2023.

Foram 93 referências codificadas na subcategoria, um percentual de 13,5% do corpus total das entrevistas, das quais emergiram doze GRRs ou fatores que auxiliam a manutenção da saúde na prisão, são eles: a equipe de saúde; o acesso às medicações; o trabalho; os hábitos de vida: alimentação, atividade física e restrição ao acesso a drogas/cigarro/bebida alcoólica; o controle do estresse/ansiedade; leitura e jogos; a religiosidade; a família; o autocuidado; os companheiros de cubículo e os funcionários. Em seguida, apresentam-se os excertos e análises de cada GRRs:

A equipe de saúde

A equipe de saúde prisional e os atendimentos por eles prestados são apresentados como importante elemento na manutenção da saúde pelos participantes; também, os profissionais de saúde constituem referência ao cuidado às PPL, dentre eles, foram citados os enfermeiros e médicos como relevantes no processo de cuidar. O PM_14 relaciona inclusive os atendimentos com o viver.

Que me auxilia é a enfermeira, os enfermeiros que me auxiliam e o doutor que vem aqui na unidade que sempre está, né? Me dando uma direção, e que está, que está me trazendo semanalmente, medindo minha pressão, cuidando de mim, as enfermeiras ou o doutor que me receita o medicamento que me dá o medicamento, na verdade, que eu preciso do medicamento que me dá o medicamento para eu tomar, porque sem o medicamento ia ser pior. Hoje, eu, hoje, eu não podia, se não fossem os enfermeiros do sistema ou o doutor hoje, o medicamento que eles me fornecem eu não podia nem... Né? Pelo fato de uma doença que eu tenho, eu não podia nem tá aqui porque, na verdade, e os (as) enfermeiros (as) e o doutor se preocupam com a nossa saúde, se não se preocupassem eles não mandavam remédio e não estavam aí conosco, entendeu? (PM_17).

O que auxilia para eu manter minha saúde é o atendimento que eu tenho aqui da própria unidade, que é a questão de aferir a pressão, saber como é que eu estou e a medicação que eu tomo. A única coisa que eu tenho é relacionado ao atendimento que eu tenho. (PM_32).

O acesso às medicações

O acesso às medicações no contexto da unidade prisional foi apresentado pelos participantes como elemento que contribui para a manutenção de sua saúde, em especial ao as utilizarem em dosagem e horários corretos. Cabe pontuar que a totalidade de PPL participantes das entrevistas utilizavam de tratamento medicamentoso para HAS.

Eu tento me manter tomando o remédio certinho nos dias certos, tomar remédio na dosagem certa também, porque aquela vez, eu até falei com vocês, que eu estava tomando dois no dia, que estava muito atacada, e daí agora está mais tranquilo (PM_18).

A medicação é um dos pontos principais, porque a pressão alta sem a medicação eu não consigo manter ela, né? Infelizmente, ela vai sempre, posso até me exercitar e, principalmente quando eu me exercito ela sempre sobe um pouquinho, né? É um conjunto. Então, a medicação é o essencial. Não pode faltar. Graças a Deus não está faltando medicação, não está faltando (PM_29).

O trabalho

O trabalho foi apresentado pelas PPL como um importante elemento na manutenção de sua saúde, na medida em que lhes permite ocupar o tempo, realizar atividade física, estabelecer a percepção de ser útil e interagir com outras pessoas e concretizar uma rotina. Ilustra-se com os seguintes relatos.

O que me ajuda é o trabalho que eu faço, [...] é um trabalho que eu já gostava de fazer quando eu estava na rua e agora eu amo mais ainda. Eu trabalho na horta, no cultivo de hortaliça e eu amo porque é muito gostoso: você ver as plantinhas crescendo e você sabendo que você vai se alimentar delas, e isso é muito bom, e a gente vê que tem vida, que Deus está dando a vida (PM_2).

Agora eu consegui um trabalho, tem me ajudado, claro, com certeza, com certeza, ocupa o tempo, o dia acaba sendo pequenininho. [...] A cozinha é um semiaberto, eu fiquei lá na Colônia um ano e quatro meses, a cozinha só não pode ir na rua, mas está ali, eu sinto ar, eu sinto, você não, você nem se sente preso para falar a verdade (PM_26).

Hábitos de vida: alimentação, atividade física e restrição ao acesso a drogas/cigarro/bebida alcoólica

Em alguma medida, a prisão é apresentada pelas PPL como facilitadora para a cessação do consumo de cigarro, bebida alcoólica e drogas, uma vez que restringe a entrada das mesmas, situação que facilitaria às PLL cessação do uso. Ainda mais, no mesmo contexto existe a restrição da alimentação, uma vez que o cardápio é programado por profissional nutricionista e dispõe de maior probabilidade de atender a recomendações saudáveis. A possibilidade de realizar atividades físicas no pátio de sol e mesmo no cubículo também foram descritos pelas PPL como facilitadores para a manutenção da saúde.

A restrição da alimentação, que lá na rua tem muito mais coisa, né? A restrição de várias, de várias formas, até mesmo de uma droga, de um cigarro, de uma bebida, das festas, é a restrição que nós temos aqui. Então, eu acredito que preserva um pouco a nossa saúde, né? De certa forma, você querendo ou você não querendo, não tem, não existe aqui dentro, aqui não existe nada. Então, você de uma forma ou outra que você querendo ou não, vai preservar a sua saúde (PM_12).

Coisas que auxiliam a manter a saúde, manter, eu acho que é voltar a fazer atividade física de novo e, e começar a ter uma reeducação de novo, alimentar de novo (PM_16).

Controle do estresse/ansiedade

Os participantes descreveram que buscar controlar o estresse e a ansiedade na prisão é fundamental para manterem-se saudáveis, utilizando estratégias como leitura e convívio pacífico no cubículo para tal.

Então, eu tento evitar a ansiedade, entendeu? Tanto é que eu aprendi alguns métodos de quando eu estou ansioso, vou tentar controlar, entendeu? Eu procuro, tipo, silêncio, eu pego, deito na cama, tal, fecho o olho, entendeu? E tento manter o máximo imóvel, eu, para mim, funciona. Passa aquilo ali, porque dentro da cela você é ansioso, gera estresse, gera, e não é bom. É, é uma forma de eu me acalmar que eu acho, entendeu? Aprendi lendo também isso aí, aprendi lendo. E a leitura (PM_10).

Eu sei que se você se manter mais tranquilo, porque o lugar é propício ao nervosismo, né? [...] O meu psicológico está mais tranquilo. Mantenho o controle (PM_18).

Leitura e Jogos

A leitura e os jogos foram descritos pelos participantes como suportes para manterem-se bem na prisão, na medida em que permitem a abstração da realidade, com ênfase à leitura.

Passa aquilo ali, porque dentro da cela você é ansioso, gera estresse, gera, e não é bom. É, é uma forma de eu me acalmar que eu acho, entendeu? Aprendi lendo também isso aí, aprendi lendo. E a leitura (PM_10).

É, um artesanato, ler um livro, assim, já é tudo (PM_22).

Religiosidade

Os participantes PM_4 e PM_29 utilizam da fé, da leitura da bíblia e das orações como mecanismos de fortalecimento.

É por exemplo dentro das celas cuidar para não passar muito estresse, nervoso, essas coisas, pegar uma leitura, uma bíblia, uma bíblia sagrada, aí me mantém mais tranquilo. Sim, tem sido um suporte. (PM_4).

Eu, no momento, a minha saúde, eu estou tentando equilibrar meu peso, colocando a cabeça no lugar e avaliando algumas atitudes e estou firme, com fé, fé em Deus, né? A gente tem que se apegar a Deus, né? Principalmente, senão... Isso aí me fortalece. Estou, estou evoluindo, graças a Deus estou evoluindo (PM_29).

Família

A presença dos familiares e seus estímulos é importante para manutenção da saúde, de acordo com os participantes PM_7 e PM_8, na medida em que os fortalecem para permanecer bem e para o autocuidado.

A minha família ajuda a manter a saúde. [...] Eu quero sair bem pra cuidar deles. É, tem sido meu apoio (PM_7).

Na verdade, quando eu, quando eu me casei com essa esposa que eu tenho hoje, eu fui mudado no meu ritmo de alimentação em cima dela, me cobrando, né? Igual eu falei para a senhora, que eu tinha cento e tantos, cento e vinte e oito quilos. Na verdade, tinha até mais um pouco, e daí quando eu conheci ela, foi mudando o modo de comida, menos óleo, menos sal e comer nas horas certas (PM_8).

Autocuidado

O autocuidado, por meio da autogestão de sua doença, foi descrito pelos participantes como fonte de contribuição para manterem-se saudáveis; bem como a determinação, por meio de cuidados com a alimentação, atividades físicas, as distrações e o desejo de sair em liberdade.

Que está me auxiliando é a vontade de eu mesmo, próprio, né? Que tem que ter vontade para manter a minha saúde melhor (PM_19).

Só eu mesmo que tenho me ajudado, eu vou falar bem a verdade, eu me distraindo com jogo de xadrez, é a única coisa que tem me mantido, mantido saudável e a vontade de ir embora, vencer outra vez lá na rua, lá (PM_26).

Companheiros de cela

Os companheiros de cela foram apresentados pelos participantes como suportes para manutenção da saúde, na medida em que uns auxiliam aos outros com os conhecimentos que possuem e para distração por meio de conversas.

As pessoas que estão comigo, eu sempre peço ajuda e eles, sempre me ajudam, sempre, sempre um vai ajudar o outro (PM_17).

O companheiro de cela, ele pode me incomodar muito, fazer eu passar muita raiva ou que nem até um comentário, porque você não tem raiva do guarda? Então, o guarda não está aqui me incomodando, eu convivo é com você, é com você que eu estou convivendo. Então, é nós, a gente tem que se acertar, senão o guarda vem ali, faz o que ele tem que fazer e vai para lá. E nós temos que continuar ali, o dia-a-dia. Exatamente, pode apoiar ou estressar (PM_26).

Funcionários

Os funcionários da equipe de segurança também foram descritos pelas PPL, PM_13 e PM_23, como suportes na manutenção de sua saúde, por meio de conversas que os mesmos consideram terapêuticas e de orientações em saúde.

Tem uns funcionários, seu 1 mesmo é um cara muito bom, seu 2, um cara muito gente boa também, se precisa de alguma coisa, sempre dá uma atenção, trata a gente como humano (PM_23).

A rotina na prisão

Os relatos dos participantes evidenciam que a rotina diária inicia cedo na unidade: para aqueles que estão nas galerias entre 05 e 06 horas da manhã, quando é servido o café; e aos inseridos em atividades laborais, quando inicia a rotina de trabalho de acordo com o setor, entre 04 e 06 horas da manhã. Na sequência, são submetidos ao processo de contagem (conferência pela equipe de segurança de todas as PPL por nomes, uma espécie de chamada, realizada às 07 e 19 horas).

Após, para alguns participantes, a rotina está vinculada ao trabalho, ao estudo, a atividades de higiene pessoal, alimentação e exercícios físicos (PM_1, PM_5, PM_7, PM_8, PM_9). Já os não inseridos em trabalho ou estudo, realizam atividades como: exercícios físicos no momento do pátio de sol (cerca de 1 hora) e no cubículo, leitura de bíblia ou livros, jogos, limpeza da cela, conversa com companheiros de cubículo. Contudo, prevalece para o segundo grupo de PPL a ociosidade/ausência de atividades (PM_3, PM_4).

É mais atividades de trabalho e alimentação. Nós acordamos cinco horas da manhã na cozinha, né? E daí a gente vai até umas seis horas por aí. [...] tem intervalos. Tem, tem descanso. Lazer não. Tem, tem televisão. (PM_8).

É rotineira. Tu acordas, toma o café, aí vai para o pátio, anda no pátio um pouco, joga futebol, volta, vai para uma ducha e volta pro barraco, daí já é só ficar sentado, deitado, assistindo televisão. Então, é isso, esse é rotineiro. Isso. Não, eu trabalho no artesanato, estou fazendo. Não estudo. Eu faço a resenha por livros, mas é uma vez por mês, aí. Não tem outras, é isso mesmo. Muito tempo ocioso. Muito ansioso (PM_27).

DISCUSSÃO

O limitado número de recursos apreendido nos relatos das PPL com diagnóstico de HAS explicita a dificuldade em manutenção da saúde na prisão; contudo, destaca-se que não é apenas a quantidade de recursos que delimita a saúde, mas a capacidade de identificá-los e mobilizá-los99. Antonovsky A. Health, stress, and coping. San Francisco, CA(US): Jossey-Bass Publishers; 1979. e, que podem se relacionar a quaisquer características da pessoa, do grupo ou do ambiente que favoreçam a gestão dos estressores1313. Vinje HF, Langeland E, Bull T. Aaron Antonovsky’s Development of Salutogenesis, 1979-1994. In: In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (orgs). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2023 Feb 15]. p. 29-45. Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-030-79515-3
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.

É preciso ponderar que a possibilidade de uma pessoa gerenciar qualquer situação independente do que esteja ocorrendo em sua vida e, de mesmo modo, da capacidade de resistir no contexto da prisão depende sua saúde e bem-estar2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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. O que se apreende nos relatos dos participantes é a busca por gerenciar suas vidas, apesar das dificuldades impostas pelo cárcere e pela doença/HAS.

Os fatores que auxiliam na manutenção da saúde das PPL participantes mais citados foram o suporte da equipe de saúde prisional e o acesso à medicação, o que diverge dos achados de estudo com PPL suíças, as quais demonstraram falta de confiança, ineficiência dos serviços médicos prisionais e punição por recusar medicamentos como fatores que os impediam de procurar o serviço de saúde2424. Heidari R, Wangmo T, Galli S, Shaw DM, Elger BS. Accessibility of prison healthcare for elderly inmates, a qualitative assessment. J Forensic Legal Med [Internet]. 2017 [cited 2022 Feb 23];52:223-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jflm.2017.10.001
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No estudo suíço, as PPL apresentaram preocupações de ir ao atendimento de saúde, uma vez que poderia lhes causar: acusação de simular condição clínica (de serem “farsantes”); consequências financeiras negativas (como ser retirado do trabalho); isolamento de PPL doente2424. Heidari R, Wangmo T, Galli S, Shaw DM, Elger BS. Accessibility of prison healthcare for elderly inmates, a qualitative assessment. J Forensic Legal Med [Internet]. 2017 [cited 2022 Feb 23];52:223-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jflm.2017.10.001
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. Em nossa amostra, somente um participante relatou que o profissional médico possuía conduta coercitiva semelhante aos profissionais de segurança, nos demais relatos não foi verificado argumento semelhante.

Na mesma perspectiva, 35 PPL do Reino Unido afirmaram que os profissionais de saúde não se preocupavam com sua saúde e bem-estar2525. Viggiani N. Unhealthy prisons: Exploring structural determinants of prison health. Sociol Health Illness [Internet]. 2007 [cited 2022 Feb 23];29(1):115-35. Available from: https://doi.org/10.1111/j.1467-9566.2007.00474.x
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. Em sentido oposto, um participante de nossa amostra evidenciou que os enfermeiros do sistema prisional foram seu suporte para adesão à terapia de HAS.

Pontua-se, nesta perspectiva, que ainda que a adesão ao tratamento se configure como uma prática individual, ela pode ser influenciada pelo coletivo, tal como pela enfermagem e suas ações. Assim, o enfermeiro pode atuar junto da pessoa gerenciando a doença e suas complicações e estabelecendo metas de modo conjunto e participativo2626. Costa KFL, Vieira AN, Bezerra STF, Silva LF, Freitas MC, Guedes MVC. Nursing theory for patients' compliance with the treatments of arterial hypertension and diabetes mellitus. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Jun 15];30:e20200344. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0344
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. Logo, os GRRs presentes podem ser utilizados como pontos fortalecedores e medidas auxiliares no processo de cuidado, bem como o vínculo entre enfermeiro e paciente pode se configurar como um GRRs na medida em que favorece o planejamento terapêutico e seu acompanhamento.

A percepção dos participantes em relação aos funcionários da equipe de segurança de nosso estudo foi paradoxal, uma vez que foram descritos tanto como facilitadores como dificultadores do acesso ao serviço de saúde, existindo, portanto, uma relação entre equipe e PPL que ora pode ser um GRRs, ora um GRD, visto que estes são os responsáveis pela decisão de deslocamentos das pessoas presas ao atendimento de saúde. Cabe salientar que o foco da prisão é a custódia e a segurança, com limitação de mobilização de PPL e profissionais, em detrimento das necessidades de saúde das pessoas presas, o que se configura como um campo de tensão e luta contínua para equilibrar ambas as vertentes2727. Costa MC, Mantovani MF, Miranda FMD, Santos VS, Konczycki BS. Enfermería en las cárceles, una práctica de atención básica en salud: revisión narrativa. Cienc Enferm [Internet]. 2023 [cited 2023 Jun 16];29(6):1-15. Available from: https://revistas.udec.cl/index.php/cienciayenfermeria/article/view/8049
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As relações com os familiares foram, em nosso estudo, fatores que influenciaram a saúde, positivamente aos que mantinham seus vínculos. As relações sociais, em especial com a família, estão relacionados intimamente com a concepção de ser saudável para as PPL, bem como as relações entre presos e profissionais, que podem gerar saúde, em especial mental e emocional2828. Woodall J. Exploring concepts of health with male prisoners in three category-C English prisons. Inter J Health Prom Educ [Internet]. 2010 [cited 2022 Jan 20];48:115-22. Available from: https://doi.org/10.1080/14635240.2010.10708194
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-2929. Crewe B, Liebling A, Hulley S. Staff-prisoner relationships, staff professionalism, and the use of authority in public-and private-sector prisons. Law Social Inquiry [Internet]. 2015 [cited 2023 Jan 19];40(2):309-44. Available from: https://doi.org/10.1111/lsi.12093
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. O contato com a família é central para os valores das PPL na medida em que restaura a dignidade pessoal, impactando positivamente em sua reabilitação e reintegração à sociedade, inclusive com potencial de prevenir a reincidência3030. Testoni I, Marrella F, Biancalani G, Cottone P, Alemanno F, Mamo D, et al. The value of dignity in prison: a qualitative study with life convicts. Behav Sci [Internet]. 2020 [cited 2023 Jan 18];10(6):95. Available from: https://doi.org/10.3390/bs10060095
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, o que vislumbramos que, em nossa amostra, foi apontada como GRRs àqueles que tinham vínculos com seus familiares, inclusive a percepção do futuro era mais positiva.

No que se refere ao cotidiano na prisão, conforme os relatos apresentados pelas PPL, apresenta uma rotina bem estabelecida e estruturada, evidenciadas nos relatos quanto ao andamento no dia-a-dia. Contudo, é preciso considerar que a rotina prisional se constitui de um paradoxo, na medida em que pode ser monótona e prejudicial; e/ou favorecer o bem-estar e a saúde mental na medida em que as PPL podem sentir algum controle sobre suas vidas2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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O acesso às atividades físicas regulares é importante para manter e melhorar a saúde de pessoas presas, o que foi evidenciado em nosso estudo, que contam com cerca de 40-60 minutos ao dia para realização de exercícios físicos e os consideraram benéficos a sua saúde, bem como mudanças estéticas na prisão e espaços adequados para recepção de visitantes2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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O estudo suíço, que utilizou Yoga como forma de atividade física, com 152 PPL, obteve melhora nos níveis de angústia, medo de perder a autonomia, problemas de memória, tomada de decisões, concentração, pensamento obsessivo e disfunção corporal. Os usuários que foram submetidos a outras atividades físicas de livre escolha, não Yoga, também obtiveram melhora no sofrimento. Assim, concluíram que as atividades físicas reduzem o sofrimento psicológico e psiquiátrico, ansiedade e depressão em PPL, seja a Yoga ou outra modalidade de atividade física3131. Sfendla A, Malmström P, Torstensson S, Kerekes N. Yoga Practice Reduces the Psychological Distress Levels of Prison Inmates. Frontn Psych [Internet]. 2018 [cited 2023 Feb 18];9:407. Available from: https://doi.org/10.3389/fpsyt.2018.00407
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A alimentação na unidade penal alvo do estudo, é planejada por um nutricionista, o que teoricamente facilitaria a manutenção de uma dieta adequada. Em estudo com 25 PPL do estado do Rio de Janeiro, Brasil, foi evidenciada uma má avaliação da alimentação nas prisões naquele contexto, pois se mostrou repetitiva, de baixa qualidade, com produtos industrializados e pouco saudável. Houve naquele estudo relato de comida insípida, estragada, com impureza e insetos, bem como períodos de fome3232. Minayo MCS, Ribeiro AP. Condições de saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2023 Feb 20];21(7):2031-40. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.08552016
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. Já em outro estudo com 205 PPL espanholas, foram encontrados índices de obesidade de 13,2 %, o que relacionaram ao excesso alimentar e abuso de alimentos não saudáveis3333. Vera-Remartínez EJ, Monge RL, Chinesta SG, Rodríguez DSA, Ramos MVP. Factores de riesgo cardiovascular en adultos jóvenes de un centro penitenciario. Rev Esp Salud Publica [Internet]. 2018 [cited 2023 Mar 15 ];92:e201807037. Available from: https://scielo.isciii.es/pdf/resp/v92/1135-5727-resp-92-e201807037.pdf
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A alimentação adequada constitui-se de condição de saúde, que deve cumprir normas de higiene e dieta, com controle por nutricionista, cujo valor nutricional deve ser suficiente para manutenção da saúde e vigor físico das PPL3434. Brasil. Portaria Interministerial nº 1.777, de 9 de setembro de 2003: Dispõe sobre o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Diário Oficial da União [Internet]. 2004 [cited 2023 Mar 15]; Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/pri1777_09_09_2003.html
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. Contudo, apesar da previsão legal da regulação do direito à alimentação, nos parece que não foram suficientes para implementação de políticas públicas de acesso à alimentação nas prisões.

É preciso ponderar que os recursos de enfrentamento, sua disponibilidade e utilização são percebidos de modo diferenciado entre as pessoas; assim, mesmo diante de fatores estressantes, algumas pessoas manifestam a capacidade de controlar, manejar, gerir a tensão e estresse, outras, contudo, não obtém o mesmo resultado99. Antonovsky A. Health, stress, and coping. San Francisco, CA(US): Jossey-Bass Publishers; 1979.. Assim, é preciso não apenas conhecer os estressores, mas compreender como os indivíduos, em especial os que se apresentam em condições de vulnerabilidade, tal como as PPL, cujos recursos são escassos, manejam as tensões e combatem os estressores.

Pondera-se, que a marginalização do acesso à saúde das PPL é prévia à privação de liberdade que se relaciona com vulnerabilidade social, problemas de saúde (doenças crônicas não tratadas e doenças mentais), consumo elevado de drogas ilícitas e álcool, situações mantidas e aprofundas com o acesso restrito aos serviços de saúde prisional, bem como as condições insalubres das unidades3535. Trotter RT, Lininger MR, Camplain R, Fofanov VY, Camplain C, Baldwin JA. A Survey of health disparities, social determinants of health, and converging morbidities in a county jail: a cultural-ecological assessment of health conditions in jail populations. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2018 [cited 2023 Feb 10];15(11):2500. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph15112500
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. Em pesquisa com PPL, agentes penitenciários e profissionais de saúde de uma unidade prisional masculina em Minas Gerais, Brasil, desvelou-se que as três categorias percebem o direito à saúde como norma que não se concretiza no cotidiano da vida das PPL3636. Martins ELC, Martins LG, Silveira AM, Melo EM. O contraditório direito à saúde de pessoas em privação de liberdade: o caso de uma unidade prisional de Minas Gerais. Saúde Soc [Internet]. 2014 [cited 2023 Mar 01];23(4):1222-34. Available from: https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000400009
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Cabe destacar que a carga de doenças não tratadas no contexto prisional retornará à comunidade quando da liberdade das PPL, assim como o acesso à saúde relaciona-se à justiça social. Logo, é preciso que o processo de retorno à sociedade seja pensado e planejado, desde a entrada no contexto prisional, trabalhando-se com os fatores que podem auxiliar tais pessoas no momento em que retornarem à comunidade.

Ademais, pode-se apontar como ação promotora de saúde a descrita em revisão sistemática acerca da efetividade de terapia assistida com cães, a qual evidencia que pode constituir de importante ação para melhorar: saúde, controle emocional, habilidades acadêmicas, ansiedade, estresse, reincidência, papel social, empatia, autocontrole; de pessoas presas de ambos os sexos3737. Villafaina-Domínguez B, Collado-Mateo D, Merellano-Navarro E, Villafaina S. Effects of dog-based animal-assisted interventions in prison population: a systematic review. Animals [Internet]. 2020 [cited 2023 Mar 02];10(11):2129. Available from: https://doi.org/10.3390/ani10112129
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Outro exemplo é a fazenda de cuidados para adultos infratores, analisada em estudo executado na Inglaterra com 7 PPL, uma ex-PPL, 5 funcionários do sistema prisional e 6 fazendeiros, a qual parece auxiliar no crescimento pessoal por meio de atividades significativas, motivadoras e estimulantes, bem como interações calmantes, inclusive desenvolvimento de novas habilidades e confiança3838. Murraya J, Cokerb JF, Elseya H. Care farming: Rehabilitation or punishment? A qualitative exploration of the use of care farming within community orders. Health Place [Internet]. 2019 [cited 2023 Mar 15];58:102156 Available from: https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2019.102156
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A mobilização dos recursos pode terminar com estressores: evitados, definidos como não estressores, gerenciados/superados, levando a uma tensão que é gerenciada com sucesso e aumentando o senso de coerência ou levando a um gerenciamento malsucedido, a tensão. São esses resultados que impactam o movimento da pessoa no continuum saúde-doença. O foco está em um sistema mais amplo, no contexto de vida das pessoas, os recursos que possuem para alcançar saúde e que lhes permitam adquirir habilidades e capacidades para acessá-los2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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Pensar a saúde na prisão implica em refletir não apenas sobre a saúde das PPL, mas o contexto prisional salubre ou insalubre, a saúde é criada por meio dos GRRs que podem ser: estruturais, ambientais, sociais e econômicos; e produzirem consistência, estrutura e sentido para a vida das pessoas (tais como: dinheiro, conhecimento, experiência, autoestima, comportamento saudável, compromisso, apoio social, capital cultural, inteligência, tradições e visão da vida). Contudo, a saúde prisional ainda é comumente compreendida por meio do modelo biomédico, da prevenção e controle de doenças nas PPL, a pessoa, em detrimento da perspectiva promotora de saúde, alinhada ao paradigma salutogênico, que considera o contexto social, econômico e ambiental de saúde e doença que cercam os sujeitos, o ambiente prisional e a sociedade em geral2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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Assim, uma “prisão saudável” ou insalubre, refere-se tanto a estrutura da prisão, quanto às experiências vivenciadas, bem como a saúde das PPL em si. Constitui-se de um braço da saúde pública, que objetiva produzir saúde e trabalhar com os determinantes sociais em saúde para criar ambientes que possam implicar em melhores condições tanto de vida quanto da própria saúde, atuando no sentido de capacitar as pessoas para controlar sua saúde e acessar recursos sociais e estruturais para tal2020. Woodall J, Viggiani N, South J. Salutogenesis in Prison. In: Mittelmark MB, Bauer GF, Vaandrager L, Pelikan JM, Sagy S, Eriksson M, et al. (org.). The Handbook of Salutogenesis [Internet]. 2nd ed. Zurique (CH): Springer Cham; 2022 [cited 2022 Feb 23]. Available from: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-79515-3
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Diante do exposto, destaca-se que a noção de “prisão saudável” permanece como um paradoxo, sem a implementação de reformas significativas na administração e no modo como as pessoas presas são tratadas. Pondera-se que o encarceramento em si é prejudicial à saúde, uma vez que as estatísticas de menores taxas de mortalidade na prisão não capturam as experiências vividas nela. A saúde pública nas prisões necessita desafiar os determinantes sociais e estruturais, não se limitando a ações individuais de promoção de estilos de vida mais saudáveis2424. Heidari R, Wangmo T, Galli S, Shaw DM, Elger BS. Accessibility of prison healthcare for elderly inmates, a qualitative assessment. J Forensic Legal Med [Internet]. 2017 [cited 2022 Feb 23];52:223-8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jflm.2017.10.001
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, ainda que as ações individuais possam trazer resultados pontuais, a mudança precisa ser mais ampla.

As limitações do estudo relacionam-se com a amostragem por conveniência, a qual pode não retratar outros grupos de PPL, e ao fato de uma pesquisadora ser membro da equipe de saúde prisional, embora houve ciência e concordância das PPL.

CONCLUSÃO

Os GRRs ou fatores que auxiliam na manutenção da saúde na prisão relatados pelas PPL foram doze: a equipe de saúde; o acesso às medicações; o trabalho; os hábitos de vida: alimentação, atividade física e restrição ao acesso a drogas/cigarro/bebida alcóolica; o controle do estresse/ansiedade; a leitura e jogos; a religiosidade; a família; o autocuidado; os companheiros de cubículo e os funcionários. Destes, destacaram-se dois: a equipe de saúde e o acesso às medicações.

Nesse sentido, os GRRs relacionaram-se ao indivíduo (autocuidado, hábitos de vida); ao grupo social (família, outras pessoas presas, funcionários do sistema penal e saúde) e ao ambiente (estruturas e rotinas na prisão). Ademais, apesar de não muito numerosos, uma vez que foram identificados pelas PPL, podem ser utilizados pelos profissionais de saúde no gerenciamento da condição de saúde dessas pessoas, em especial, nas ações de promoção a saúde e no gerenciamento da doença/HAS.

Diante das evidências de que as PPL possuem limitado acesso ao GRRs na prisão para manejo de sua vida e saúde, visibiliza-se a necessidade de políticas públicas para tornar os ambientes prisionais saudáveis, nas quais as mudanças envolvam o contexto de toda a instituição penal e da visão social do cárcere. Para tanto, favorecer o acesso aos serviços de saúde qualificados, habitação, vestuário, alimentação, trabalho, lazer, relações sociais, são fundamentais para a garantia dos direitos humanos às PPL e para potencializar o acesso aos GRRs.

O profissional enfermeiro, nesse cenário, necessita advogar pela necessidade de mudanças amplas nos contextos organizacionais e estruturais das prisões, nos quais a saúde das PPL seja central, em detrimento das normativas de segurança.

AGRADECIMENTO

À Coordenação Administrativa das unidades penais da Regional de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil.

REFERENCES

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da tese - Doença crônica e saúde das pessoas privadas de liberdade à luz da Teoria Salutogênica: estudo de métodos mistos, a ser apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Paraná, em 2023.
  • 30
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - chamada CNPq/MS/SAPS/DEPROS nº 27/2020 - pesquisa em doenças crônicas não transmissíveis e fatores de risco associados.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, parecer n. 4.618.359/2021, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 42695321.8.0000.0102e.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2023
  • Aceito
    22 Jun 2023
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
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