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PRÁTICAS ASSISTENCIAIS DE EQUIPES MÉDICAS E DE ENFERMAGEM ÀS PESSOAS EM CUIDADOS PALIATIVOS HOSPITALIZADAS

RESUMO

Objetivo:

analisar as práticas de equipes médicas e de enfermagem às pessoas em cuidados paliativos hospitalizadas.

Método:

pesquisa qualitativa, vinculada à perspectiva pós-crítica, realizada entre novembro de 2020 e abril de 2021 em um hospital de ensino do sul do Brasil. Os participantes foram três médicos, quatro enfermeiros, três técnicos de enfermagem e quatro adultos hospitalizados acompanhados por equipe de consultoria em cuidados paliativos. Como técnica de produção dos dados foram utilizadas vinheta e extração de dados de prontuários. O programa Atlas.ti, versão Cloud para estudantes, foi utilizado para o gerenciamento dos dados, submetidos à análise de conteúdo, do tipo temática, e interpretados com noções teóricas de tecnologias de vida, economia terapêutica e biopolítica.

Resultados:

as práticas estiveram direcionadas ao sofrimento físico. As tecnologias, representadas por equipamentos e medicamentos foram as principais formas de abordagem para tal. Algumas práticas, mesmo que controversas, tendem a ser utilizadas com vistas a prolongar os dias de vida, se esse for um desejo da família. A família tende a ser utilizada como um elo entre o hospital e o domicílio, porém, carece de ser cuidada.

Conclusão:

as práticas de equipes médicas e de enfermagem convergem, em parte, com recomendações e princípios dos cuidados paliativos. Mesmo sob o acompanhamento de equipe especializada, as condutas prescritas por equipes assistenciais são respaldadas, sobretudo, em valores morais e julgamento empírico. Tal postura repercute na resistência da aceitação da morte como um evento existencial, inerente à vida, mantendo-o ainda medicalizado, mesmo sob perspectivas diferenciadas, como os cuidados paliativos.

DESCRITORES:
Cuidados paliativos; Hospitais; Enfermagem de cuidados paliativos na terminalidade da vida; Medicina paliativa; Equipe de assistência ao paciente

ABSTRACT

Objective:

to analyze the practices of Medical and Nursing teams for hospitalized people in Palliative Care.

Method:

a qualitative research study linked to the post-critical perspective, carried out between November 2020 and April 2021 in a teaching hospital from southern Brazil. The participants were three physicians, four nurses, three nursing technicians and four hospitalized adults monitored by a Palliative Care consulting team. Vignette and data extraction from medical records were used as data production techniques. The Atlas.ti program, cloud version for students, was used for data management. The data were submitted to content thematic content analysis and interpreted with theoretical notions of life technologies, therapeutic economics and biopolitics.

Results:

the practices were directed towards physical distress. The technologies, represented by devices and medications, were the main ways of approaching this. Even if controversial, some practices tend to be used with a view to prolonging the days of life, if that should be the family's wish. The family tends to be used as a link between the hospital and the home; however, it needs to be cared for.

Conclusion:

the practices of Medical and Nursing teams partially converge with Palliative Care recommendations and principles. Even under the monitoring of a specialized team, the behaviors prescribed by care teams are supported, above all, on moral values and empirical judgment. Such stance has repercussions on the resistance to accepting death as an existential event and inherent to life, keeping it still medicalized, even from different perspectives, such as Palliative Care.

DESCRIPTORS:
Palliative care; Hospitals; Palliative care nursing at the end of life; Palliative medicine; Patient assistance team

RESUMEN

Objetivo:

analizar las prácticas de equipos médicos y de Enfermería para personas en Cuidados Paliativos internadas.

Método:

investigación cualitativa vinculada a la perspectiva post-crítica, realizada entre noviembre de 2020 y abril de 2021 en un hospital escuela del sur de Brasil. Los participantes fueron tres médicos, cuatro enfermeros, tres técnicos de Enfermería y cuatro adultos internados bajo seguimiento del equipo de asesoramiento en Cuidados Paliativos. Se utilizaron viñetas y extracción de datos de historias clínicas como técnicas de producción de datos. Se utilizó el programa Atlas.ti, versión cloud para estudiantes, para administrar los datos, que fueron sometidos a análisis temático de contenido e interpretados con nociones teóricas de tecnologías de vida, economía terapéutica y biopolítica.

Resultados:

las prácticas estuvieron dirigidas al sufrimiento físico. Las tecnologías, representadas por dispositivos y medicamentos, fueron las principales formas de abordaje para ellos. Aunque controversiales, algunas prácticas tienden a ser utilizadas con vistas a prolongar los días de vida, si ese fuese el deseo de la familia. La familia tiende a ser utilizada como enlace entre el hospital y el domicilio, aunque debe ser atendida.

Conclusión:

las prácticas de equipos médicos y de Enfermería convergen parcialmente con recomendaciones y principios de los Cuidados Paliativos. Incluso bajo la supervisión de un equipo especializado, las conductas prescritas por equipos asistenciales se apoyan especialmente en valores morales y decisiones empíricas. Tal postura repercute en la resistencia a aceptar la muerte como un evento existencial e inherente a la vida, manteniéndola medicalizada incluso desde perspectivas diferenciadas, como los Cuidados Paliativos.

DESCRIPTORES:
Cuidados paliativos; Hospitales; Enfermería de cuidados paliativos al final de la vida; Medicina paliativa; Equipo de asistencia al paciente

INTRODUÇÃO

O final da vida, no contemporâneo, ocorre majoritariamente no hospital, local para onde as pessoas são encaminhadas, devido ao aparato tecnológico, recursos humanos e materiais capazes de propiciar conforto e alívio da sobrecarga familiar11. Cordeiro FR, Kruse MHL. It possible to die at home? Analysis of the Brazilian and French scenarios. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 13];28:e20170602. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0602
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. Apesar disso, nesse espaço os profissionais de saúde estão submetidos a estressores pessoais e ambientais, os quais interferem nas experiências de cuidado22. Böger R, Bellaguarda ML dos R, Knihs N da S, Manfrini GC, Rosa LM da, Santos MJ dos, et al. Palliative professionals: Stressors imposed on the team in the death and dying process. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2022 [cited 2023 Jul 18];31:e20210401. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2021-0401en
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Dentre esses estressores estão a fragilidade na formação acadêmica - e ao longo da vida - para atuar diante das demandas oriundas da finitude, as limitações na habilidade de comunicação intraequipe, com pacientes e familiares, além de estruturas deficitárias das instituições para acolher e implementar o preconizado pelos cuidados paliativos22. Böger R, Bellaguarda ML dos R, Knihs N da S, Manfrini GC, Rosa LM da, Santos MJ dos, et al. Palliative professionals: Stressors imposed on the team in the death and dying process. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2022 [cited 2023 Jul 18];31:e20210401. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2021-0401en
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. Cuidados Paliativos (CP) são uma abordagem holística com o objetivo de promover qualidade de vida à pessoa de qualquer idade, com doença grave e sofrimento relacionado à saúde, à sua família e aos seus cuidadores33. Radbruch L, Lima L de, Knaul F, Wenk R, Ali Z, Bhatnaghar S, et al. Redefining palliative care - a new consensus-based definition. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2020 [cited 2023 Jul 18];64(4):754-64. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2020.04.027
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No hospital, o desenvolvimento tecnológico e a formação voltada para intervenções heroicas direcionam os profissionais para o uso das técnicas disponíveis a favor da continuidade da vida. Como consequência, surgem intervenções potencialmente inadequadas, comunicação falha e abordagem insatisfatória do sofrimento44. Floriani CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cad Saúde Pública [Internet]. 2021 [cited 2022 Mar 15];37(9):e00264320. Available from: https://doi.org/10.1590/0102-311X00264320
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. Percebe-se, ainda, que os limites entre o abandono e a obstinação terapêutica, o prolongamento da vida com sofrimento, os custos envolvidos nos cuidados terminais e/ou a medicalização das etapas finais do adoecimento despertam incertezas e dúvidas durante a atuação dos profissionais55. Karnik S, Kanekar A. Ethical issues surrounding end-of-Life care: A narrative review. Healthcare (Basel) [Internet]. 2016 [cited 2020 Aug 13];4(2):24. Available from: https://doi.org/10.3390/healthcare4020024
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Neste espaço, a equipe de enfermagem é diretamente responsável pelo cuidado e, por permanecer diuturnamente com pacientes e familiares, desempenha papel primordial no acompanhamento em CP e no final de vida. Junto aos médicos, atuam diretamente na tomada de decisão quanto às práticas realizadas durante o acompanhamento de pessoas que respondem ou não ao tratamento modificador da doença. Práticas, neste artigo, referem-se às ações, àquilo que pode proporcionar efeitos produtivos, repercutindo em experiências transformadoras das relações do sujeito consigo e com o mundo66. Ferraro JLS. O conceito de vida: Uma discussão à luz da educação. Educ Real [Internet]. 2019 [cited 2023 Jul 18]44(4):e90398. Available from: https://doi.org/10.1590/2175-623690398
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Transpondo-se aos CP, práticas que visam modificar as experiências de cuidado de pacientes, famílias e cuidadores, por vezes, podem transitar na dualidade entre o excesso de intervenções e o abandono em relação aos cuidados, especialmente no final da vida. Sob esse ínterim, emergem discussões acerca da tecnologização da vida. Tecnologia, sob o referencial teórico que sustenta este estudo, pode ser compreendida como “um conjunto de relações sociais e humanas dentro do qual equipamentos e técnicas são apenas um elemento”77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013.:32. As tecnologias de vida pretendem controlar os processos vitais do corpo e da mente e não apenas curar doenças quando elas se manifestam. Elas buscam alterar a natureza do organismo, com o objetivo de recalcular processos vitais e modificar o futuro77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013..

Alguns estudos88. Mroueh R, Haapaniemi A, Saarto T, Grönholm L, Grénman R, Salo T, et al. Non-curative treatment of patients with oral tongue squamous-cell carcinoma. Eur Arch Otorhinolaryngol [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 14];276(7):2039-45. Available from: https://doi.org/10.1007/s00405-019-05456-y
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-1010. Verhofstede R, Smets T, Cohen J, Eecloo K, Costantini M, Noortgate NVD, et al. End-of-Life care and quality of dying in 23 acute geriatric hospital wards in Flanders, Belgium. J Pain Symptom Manage [Internet]. 2017 [cited 2020 Aug 13];53(4):693-702. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2016.10.363
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têm abordado dilemas e controvérsias que envolvem a tomada de decisão quanto à suspensão ou limitação de tratamentos mantenedores de vida. Determinadas práticas prescritas aos adultos em cuidados paliativos hospitalizados não têm sido recomendadas na literatura nas etapas finais do adoecimento, tais como o uso de cateter venoso periférico ou central, a hidratação e a nutrição artificial, a aferição frequente de sinais vitais, a antibioticoterapia e exames de laboratoriais e de imagem1111. Economos G, Cavalli P, Guérin T, Filbet M, Perceau-Chambard E. Quality of end-of-life care in the emergency department. Turk J Emerg Med [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 14];19(4):141-5. Available from: https://doi.org/10.1016/j.tjem.2019.09.003
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Nessa direção, tem-se como pressuposto e justificativa que as práticas de equipe médicas, no hospital, ainda estão centralizadas na perspectiva da cura, mesmo quando a pessoa está sendo acompanhada sob a filosofia dos cuidados paliativos e a doença não responde mais ao tratamento modificador; e que as práticas da equipe de enfermagem carecem de sustentação teórica e tendem a disciplinar o corpo da pessoa, sem considerar os princípios dos CP.

Diante do contextualizado, questiona-se: quais as práticas de equipes médicas e de enfermagem realizadas junto aos adultos hospitalizados em cuidados paliativos? Como são desenvolvidas tais práticas? De modo a problematizar as questões, delineou-se como objetivo analisar as práticas de equipes médicas e de enfermagem às pessoas em cuidados paliativos hospitalizadas.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, vinculada à perspectiva pós-crítica. Ressalta-se que a pesquisa foi desenvolvida buscando seguir os preceitos do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). A produção dos dados ocorreu entre novembro de 2020 e abril de 2021. O cenário foi constituído por unidades de internação clínica e cirúrgica adulta, além da equipe de consultoria em cuidados paliativos de um hospital de ensino do sul do Brasil. A instituição é referência regional em Oncologia, possui equipe consultora em CP desde 2016, além de serviço de atenção domiciliar com a filosofia dos CP instituída desde 2009.

Como técnicas de produção de dados foram utilizadas a aplicação de vinheta e a extração de informações de prontuários. Vinheta é uma estratégia metodológica por meio de texto, imagem, recurso tecnológico ou escrito, que simula uma experiência baseada na realidade para estimular os participantes a exporem suas percepções, reflexões e modo de agir1212. Agulho DLZ, Blaz BSV, Cardoso JDC, Oliveira AD, da Silva M, Cunha CRT. Application of the vignette technique in nursing research with the elderly. Rev Fund Care Online [Internet]. 2021 [cited 2023 Jul 18];13:103-8. Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v13.7627
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. A vinheta utilizada foi elaborada por uma médica atuante em CP hospitalares e domiciliares e revisada por duas doutoras em Enfermagem com experiência na área do cuidado ao adulto.

Os prontuários consultados eram de pacientes que atendessem aos critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos, estar hospitalizado em uma das unidades clínica ou cirúrgica adulta do hospital em que o estudo foi desenvolvido e estar em acompanhamento pela equipe de consultoria em cuidados paliativos. Considerou-se como critério de exclusão o falecimento do paciente antes de três encontros, pelo fato de um tempo reduzido de acompanhamento não produzir aprofundamento da compreensão acerca das práticas realizadas.

Essa consulta teve por finalidade identificar informações clínicas, condutas, prescrições e registros dos profissionais de saúde acerca dos pacientes. Tais informações foram utilizadas de maneira complementar às perguntas semiestruturadas que acompanhavam a vinheta aplicada aos profissionais. Vale destacar que todos os pacientes foram acompanhados pela médica e pela enfermeira da equipe de consultoria em cuidados paliativos da instituição, as quais figuraram entre os participantes da pesquisa. Entretanto, nem todos foram cuidados pelos demais profissionais participantes, pois se tratava de pacientes de diferentes unidades de internação. A equipe de consultoria em cuidados paliativos atua se deslocando entre as unidades hospitalares, orientando equipes que assistem diretamente os pacientes e solicitam seu apoio.

A vinheta abordou a situação clínica de uma mulher com câncer de mama metastático em fase final de vida, hospitalizada, seguida de questões sobre as decisões e condutas tomadas em relação a pacientes em situações como a apresentada. Com as(os) profissionais que cuidaram dos pacientes que tiveram o prontuário consultado, foram acrescidas discussões sobre a similitude do caso acompanhado na prática com o caso da vinheta, a fim de explorar as práticas realizadas. Os participantes do estudo foram médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que atenderam ao critério de inclusão: atuar há, pelo menos, três meses no hospital. Foram excluídos aqueles que estivessem em algum tipo de afastamento.

Dos 27 profissionais contatados, 10 aceitaram participar da pesquisa. As vinhetas tiveram duração variável entre cinco e 20 minutos. Com relação às vinhetas, as mesmas foram aplicadas de maneira remota, via Webconf ou Google Meet, de acordo com a preferência dos profissionais de saúde escolhidos, descartando, inicialmente, o espaço hospitalar como cenário para essa etapa. Entretanto, por alguns considerarem essa forma de realização de vinhetas um elemento dificultador, foi agendado encontro em uma sala na instituição para a realização de maneira presencial. Tal situação ocorreu com quatro participantes.

A amostra do estudo foi proposital, por meio da escolha intencional de um profissional enfermeiro e um técnico de cada unidade. Nessa etapa, para os médicos, inicialmente seriam escolhidos os prescritores e responsáveis pelos pacientes a serem acompanhados, e para enfermeiros e técnicos seriam escolhidos aqueles indicados pela equipe de consultoria. Entretanto, houve dificuldade de retorno dos convites por parte dos profissionais de todas as categorias, optando-se pela seleção a partir do conhecimento prévio de alguns dos profissionais e da indicação dos profissionais que aceitaram participar das vinhetas, utilizando, portanto, a amostragem intencional e a amostragem em bola de neve. A decisão por essas amostragens ocorreu após 17 profissionais não responderem aos e-mails e ligações para convite à participação na pesquisa. Embora o número de participantes possa ser considerado reduzido, acredita-se que auxiliaram na compreensão das práticas, pois os dados oriundos das vinhetas foram complementados pelos registros extraídos dos prontuários.

Os dados provenientes de prontuários foram organizados em uma planilha do programa Excel. As respostas oriundas da aplicação da vinheta foram registradas em áudio por meio de um gravador digital. Posteriormente, os arquivos foram transcritos de forma literal, pela primeira autora, em documento no programa Microsoft Word. Ao todo, foram geradas 65 páginas oriundas da transcrição das vinhetas. No programa Atlas.ti foram inseridas as 10 transcrições referentes aos profissionais de saúde e um arquivo referente às práticas identificadas nos prontuários dos pacientes. As práticas oriundas dos prontuários foram copiadas literalmente e digitadas no arquivo em Word.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo do tipo temática1313. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016., constituída da pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise é a fase em que se organiza o material a ser analisado com o objetivo de torná-lo operacional, sistematizando as ideias iniciais1313. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. Nesta pesquisa, essa etapa foi empreendida ao ser realizada a transcrição, leitura, revisão e organização dos materiais oriundos das coletas de dados em pastas no programa de armazenamento de dados e compartilhamento de arquivos Dropbox e também no programa Atlas.ti.

A exploração do material consiste na definição de categorias e na identificação das unidades de registro e das unidades de contexto nos documentos1313. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. Essa etapa foi operacionalizada por meio da codificação dos dados no programa Atlas.ti e, posteriormente, pela categorização, a qual se deu em partes no Atlas.ti e também por meio da construção de quadro a partir da aproximação dos conteúdos com as noções teóricas elegidas para nortear as análises. Dessa forma, foram elencados 28 códigos, totalizando 403 excertos, os quais foram sintetizados em três categorias de análise. Dentre as três, duas são apresentadas como resultados neste artigo.

Por fim, o tratamento dos dados, inferência e interpretação, considerados como o terceiro e último polo de análise, diz respeito ao momento em que o pesquisador condensa e destaca as informações para análise, culminando nas interpretações inferenciais. É o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica1313. Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.. Nesta pesquisa, essa etapa teve início no processo de codificação, ao serem associadas as noções teóricas com os conteúdos, de forma a compor as categorias, e teve continuidade no momento da extração dos excertos representativos de cada categoria e a interpretação e discussão com os autores que sustentam teoricamente a pesquisa e outros estudos da área dos cuidados paliativos.

As noções teóricas que sustentaram as análises foram tecnologias de vida77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013., economia terapêutica1414. Nguyen VK. Antiretroviral Globalism, Biopolitics, and Therapeutic Citizenship. In: Ong A, Collier SJ. Global Assemblages: Technology, politics, and ethics as anthropological problems. Hoboken: Blackwell Publishing; 2005. p. 124-44. e biopolítica1515. Foucault M. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes; 2008.. Tecnologias de vida se referem ao conjunto de relações que envolvem aspectos sociais e afetivos atrelados aos dispositivos e técnicas orientados para a otimização dos processos vitais77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013..

Nesse cenário biomédico e tecnológico emerge um novo tipo de cidadania: a biológica. Ela engloba os projetos de cidadania que ligam as concepções de cidadãos às crenças sobre a existência biológica de seres humanos como indivíduos, famílias, linhagens, comunidades, população, raça e espécie. Nesse contexto, eles se envolvem com explicações biológicas e constroem novas relações com figuras de autoridade médica no processo de saúde1616. Rose N, Novas C. Biological Citizenship. In: Ong A, Collier SJ. Global Assemblages: Technology, politics, and ethics as anthropological problems. Hoboken, New Jersey: Blackwell Publishing; 2005. p. 439-63..

Ao encontro, emerge o conceito de economia terapêutica, que diz respeito à totalidade de opções terapêuticas de determinado local, bem como à lógica subjacente aos padrões de recurso pelo qual essas terapias são acessadas. Esse tipo de economia se organiza a partir de três elementos principais: as práticas, as pessoas que as executam e as formas de conhecimento que a sustentam1414. Nguyen VK. Antiretroviral Globalism, Biopolitics, and Therapeutic Citizenship. In: Ong A, Collier SJ. Global Assemblages: Technology, politics, and ethics as anthropological problems. Hoboken: Blackwell Publishing; 2005. p. 124-44.. Na presente pesquisa, entende-se esses três elementos na seguinte perspectiva: as práticas são aquelas ações desenvolvidas pela equipe médicas e de enfermagem e possíveis de serem descritas e identificadas a partir da coleta nos registros em prontuário e na aplicação das vinhetas; as pessoas que as sustentam são médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem; e as formas de conhecimento são os saberes e valores registrados e acionados pelos profissionais para decidirem acerca das condutas tomadas, identificadas por meio das vinhetas e prontuários e confrontadas com os princípios dos cuidados paliativos.

Vale destacar que tais conceitos fazem parte dessa configuração atual da biopolítica. A biopolítica, a partir do século XVII, emerge como uma nova forma de poder na qual o poder político (o Estado) assume a função de gerir a vida, focando no corpo como suporte dos processos biológicos (o corpo-espécie). Esse novo mecanismo passa a se ocupar com questões de saúde, como a demografia da população, higiene pública, doenças endêmicas, envelhecimento, e passa a intervir e controlar esses processos, buscando obter controle sobre a morte1717. Foucault M. História da sexualidade: A vontade do saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2008..

A respeito dos aspectos éticos, esta pesquisa seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto foi aprovado por Comitê de ética em pesquisa e, para preservar o anonimato dos participantes pacientes, a identificação ocorreu pelo uso da expressão pessoa em cuidados paliativos (PCP) + letra em ordem alfabética, conforme a inclusão no estudo (A, B, C, D). Para os profissionais, pelo fato de serem em número reduzido, além de estarem vinculados à instituição de médio porte, não foi realizada a caracterização detalhada.

RESULTADOS

Em relação aos profissionais, três eram médicos(as), quatro eram enfermeiros(as) e três eram técnicos(as) de enfermagem, com faixa etária variando entre 26 e 49 anos. Quanto aos pacientes, houveram quatro participantes, com diagnóstico médico de encefalopatia hipóxica isquêmica (PCPA), câncer de próstata (PCPB), anorexia nervosa (PCPC) e esclerose Lateral Amiotrófica (PCPD), e tempo de acompanhamento na pesquisa de 90 dias, 11 dias, 56 dias e 154 dias, respectivamente.

Em 2020, período de realização da pesquisa, houve deslocamentos e adaptações voltados aos pacientes afetados pelo Coronavírus em detrimento de pacientes com outras necessidades, inclusive de CP. […] pra ti ter uma ideia ontem eu fui deslocada para a unidade de transição dos contactantes, aí hoje eu já tô na equipe clínica, que a princípio era pra ser uma equipe clínica e de cuidados paliativos, mas na verdade o projeto não tá saindo como deveria (P8).

No que se refere ao uso de terminologias para designar a pessoa com doença que não responde ao tratamento modificador, surgiram cuidados paliativos, final de vida, paciente sem vida de relação, manejo, manejo máximo de andar, paciente em estado vegetativo, paciente terminal, fora de possibilidade terapêutica, cuidados paliativos exclusivos e cuidados paliativos complementares. [...] foi conversado com a família que em caso de parada, medidas como RCP poderiam ser fúteis, pois paciente não apresenta vida de relação (Prontuário de PCPA). [...] seriam cuidados paliativos exclusivos (P9). [...] uma paciente em estado vegetativo, né? (P8). A que eu mais odeio é ‘manejo’ e também ‘MMA’, ‘manejo máximo de andar’, eu acho horrível (P3).

A aferição dos sinais vitais e os cuidados com a higiene foram práticas destacadas como prioritárias e que devem ser mantidas até o fim. [...] verificação de sinais na mesma frequência, verificação da fralda na mesma frequência, porque, às vezes, quando o paciente tá assim, já quase não tem mais diurese ou evacua, mas mesmo assim eu acho necessário trocar a fralda uma vez ao turno, fica suado, machuca. [...] aspirar todas as vezes que for necessário, os cuidados que a gente faz no dia a dia com qualquer outro paciente que não seja paliativo (P6).

Cuidados com a pele e a nutrição também foram citados como importantes de serem realizados. [...] a dieta deveria ser repensada, porque muitas vezes seguir ofertando via oral também é risco. Mas se a pessoa já está com sonda, caso ela não esteja é mais desconforto (P3). entro em contato com equipe de pele do hospital (Prontuário de PCPD). [...] Sempre cuidava muito da questão das proeminências ósseas do seu [PCPD], pra tentar posicionar ele da melhor forma (P1).

Em relação aos cuidados com a dor, alguns profissionais entrevistados relataram não utilizar escalas para a sua avaliação, levando em consideração, principalmente, as fácies e adotando estratégias semelhantes às escalas conhecidas, como a visual analógica. [...] numa escala de 0 a 10, o manejo da dor aqui é assim, onde 0 é muito ruim e 10 seria 100%, eu acho que é abaixo de 5 com certeza (P3). [...] eu nunca vi escala aqui e nunca vi nenhum colega usando. Eu pergunto a intensidade da dor dele, se é fraca, forte, muito forte. [...] sou muito de olhar pra pessoa pra dizer se a pessoa tá com muita dor (P2). Nos pacientes que a gente acompanha, a gente vai perguntando. Explica aquela do zero a dez, [...] quando a pessoa não consegue entender, às vezes a gente leva uma carinha (P4).

Dentre as práticas para alívio da dor, além da avaliação, identificou-se o uso de medicamentos e o encaminhamento para os demais profissionais da equipe multidisciplinar. [...] com base na intensidade da dor eu vou ver se vou usar analgésicos não opioides, opioides de ação moderada ou forte, às vezes eu uso uma dose mais baixa para tratamento da dor. Exame físico, né... É uma questão bem didática assim, para tratar a dor, usamos a escala de tratamento da OMS, acho que basicamente é isso. Ah, e eu também solicito bastante a terapia ocupacional, porque eu acho que ajuda bastante assim, a achar posições que aliviam a dor, né? Tirar do imobilismo, pedir fisioterapia, né? (P8). [...] realizar teste de reação com 1 mg de morfina SC e observar (paciente relata ter tido reação anteriormente e tem medo, mas concorda com a ideia) (Prontuário de PCPB).

Outro aspecto foi a dispneia e a extubação paliativa, estratégia acionada (sem sucesso) em um dos pacientes do estudo. [...] o que eu acho que é mais difícil, que eu encontro dificuldade, é na dispneia, porque às vezes parece que é uma coisa muito angustiante, que parece, às vezes, que a gente não consegue dar o conforto por inteiro sem uma sedação paliativa (P9). [...] até cheguei a pensar na possibilidade de uma extubação paliativa, mas isso é uma coisa que nunca foi feita na instituição, e a gente acabou não evoluindo nesse sentido, por entender que existe uma certa barreira cultural (P10).

Práticas relacionadas às limitações terapêuticas foram relatadas pelos profissionais. [...] se ela precisasse que eu prolongasse a vida dela um pouco mais por algum motivo, acho que um tratamento com antibiótico, pensando não só em controle de sintomas, talvez fizesse sentido para prolongar um pouco a vida dela, a depender do valor (P8). [...] explico sobre outras terapias, como antibioticoterapia para quadro infeccioso, e sobre como isso pode afetar no quadro da paciente, entretanto, familiar gostaria de que se paciente precisar dessas medidas, que as mesmas sejam feitas (Prontuário de PCPA). “[...]quando aquele paciente, aquela família, compreende a situação e a equipe também é esclarecida, compreende a situação, consegue tirar (hidratação e nutrição artificial). Caso contrário, isso vira uma bola de neve, é uma questão bem complicada assim (P4). [...] Ag. (aguardar) culturas. [...] solicita retirada de acesso venoso central e observa curva térmica. [...] Trocar sonda de gastrostomia. [...] retiro sonda vesical” (Prontuário de PCPA). [...] eu penso assim, o que a gente não quer? Prolongar o sofrimento ou aumentar procedimentos invasivos, excesso de punção também; a gente tem a hipodermóclise” (P3).

Houve consideração das demandas psicoemocionais. [...] abrir espaço para escuta e validação dos sentimentos da mãe, que parece ter luto saudável (Prontuário de PCPA). No âmbito das necessidades espirituais e religiosas, identificou-se dificuldades em explorá-las e, quando isso ocorre, as intervenções são mediadas pela equipe de consultoria em CP. [...] raramente eu vejo alguma outra religião aqui, às vezes vêm alguns pastores, padres, mas raramente (P5). A gente sempre pergunta pra pessoa o que faz sentido para aquela pessoa. ‘O que tem, traz sentido pra tua vida, o que que tu buscas?’. Eu acho que a espiritualidade é um pouco disso (P4).

No que concerne às práticas com as famílias, verificou-se fragilidade no sentido de cuidá-las e acolhê-las. [...] não existe esse espaço, então esse espaço é conforme a gente organiza, por exemplo, na [nome da unidade] a gente tentava, não era uma sala reservada, porque tem os ‘escaninhos’, então dava pra escutar um pouco do outro lado, mas a gente organiza pra equipe conversar com o familiar ali naquela salinha. Na [nome de unidade] a mesma coisa (P3). Na maioria das situações, ela foi percebida como um membro que participa do processo decisório sobre os cuidados e sua implementação. [...] conversamos com (nome da prima), prima da paciente, com a qual tem relação muito próxima, e que foi elegida pela mãe junto a sua irmã (nome da irmã), para serem as responsáveis pela conversa com a equipe médica e auxílio para tomada de decisões. [...] compreende a gravidade do caso e necessidade de avaliação criteriosa de quais terapias possam realmente contribuir para a qualidade de vida, sem prolongar o sofrimento (Prontuário de PCPA).

Além disso, a família é frequentemente acionada para viabilizar o retorno do paciente ao domicílio, podendo ser uma facilitadora ou dificultadora, dependendo das condições socioeconômicas que apresenta. [...] familiar relata desejo de receber paciente em casa e não em instituição, porém, estão sem condições financeiras para organizar. Relata que estão aguardando auxílio. [...] aguarda família para alta (Prontuário de PCPA.)

DISCUSSÃO

Os profissionais atuantes nas equipes assistenciais e na equipe de consultoria em cuidados paliativos relataram impedimentos na continuidade do cuidado devido às adaptações estruturais e humanas ocasionadas pela pandemia de Covid-19. Dito isso, aciona-se o conceito de economia terapêutica1414. Nguyen VK. Antiretroviral Globalism, Biopolitics, and Therapeutic Citizenship. In: Ong A, Collier SJ. Global Assemblages: Technology, politics, and ethics as anthropological problems. Hoboken: Blackwell Publishing; 2005. p. 124-44., que envolve o conjunto de opções terapêuticas disponíveis em um contexto e as formas de pensamento e de organização mobilizadas para ofertá-las a uma população.

A partir dele é possível pensar nos discursos e tecnologias utilizadas para o surgimento de novas formas de manutenção da vida, pois em um período de pandemia, as tentativas de fazer a população viver influenciaram nas decisões dos profissionais de saúde. Essas decisões passaram a ser determinadas pelos arranjos institucionais efetuados, os quais repercutiram em menor disponibilidade de profissionais das equipes assistenciais e de consultoria em CP, que precisaram ser deslocados para diferentes setores. Essa ponderação foi necessária, pois pode ter repercutido no modo de avaliação dos profissionais e decisão sobre as práticas, para quem e como deveriam ser realizadas.

Para se referir às pessoas com doença que não responde ao tratamento modificador, os profissionais utilizaram diversas terminologias. Considerando que as palavras inventam as práticas, o uso de determinados termos reflete a maneira como os cuidados são oferecidos e o dualismo expressado e vivido pelos profissionais, que ora se alinham aos princípios dos cuidados paliativos ora expressam os elementos da formação biomédica que os constitui e subjetiva enquanto sujeitos.

"Manejo de andar" é uma expressão utilizada em alguns hospitais para determinar que os cuidados de um paciente serão centrados em medidas de conforto, não havendo a indicação de reanimação cardiorrespiratória. Não há literatura que defina essa terminologia, então, apesar de utilizada corriqueiramente, trata-se de uma forma inadequada de referência.

A expressão “cuidados paliativos exclusivos” tem seu uso predominante no cenário brasileiro e se refere aos CP ofertados separadamente do tratamento modificador da doença, sobretudo na fase avançada. Ao assumir essa abordagem, é importante o médico dialogar com paciente e familiares sobre o estágio e prognóstico da doença, as opções de tratamento e as possibilidades de limitações dos mesmos, além das perspectivas reais e irreais sobre eles, um trabalho que pode ser facilitado por equipes consultoras1818. Freitas R de, Oliveira LC de, Mendes GLQ, Lima FLT, Chaves GV. Barreiras para o encaminhamento para o cuidado paliativo exclusivo: a percepção do oncologista. Saúde debate [Internet]. 2022 [cited 2023 Jul 18];46(133):331-45. Available from: https://doi.org/10.1590/0103-1104202213306
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. Nesse sentido, percebe-se, especialmente pelos registros de prontuários, que os médicos desta pesquisa procuram abordar as expectativas sobre a doença e sobre o tratamento, trabalham com os sentimentos das famílias e tentam respeitar o tempo em relação à elaboração do luto antecipatório.

Em contraponto, os termos “paciente em estado vegetativo”, “sem vida de relação” e “paciente terminal” emergiram dos prontuários e vinhetas, reforçando o estigma acerca da temática. Estado vegetativo é caracterizado pela ausência da consciência de si e do meio externo, no qual o paciente não apresenta qualquer sinal de interatividade, a não ser por estímulos dolorosos que ocasionam alterações nos sinais vitais1919. Kondziella D, Cheung MC, Dutta A. Public perception of the vegetative state/unresponsive wakefulness syndrome: A crowdsourced study. Peer J [Internet]. 2019 [cited 2022 Sep 14];7:e6575. Available from: https://doi.org/10.7717/peerj.6575
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. No contexto desta pesquisa, esse termo foi equiparado ao termo “sem vida de relação”. Nesse sentido, reduzir a vida de uma pessoa a um estado de não responsividade, desconsiderando sua biografia, sua história e sua família, é uma forma de igualá-la a um objeto em inércia, algo que vai de encontro aos princípios dos cuidados paliativos.

Com relação à aferição de sinais vitais e higiene corporal, práticas evocadas principalmente por técnicos de enfermagem, indicou-se que pacientes, independentemente do estágio da doença, devem receber os mesmos cuidados. Houve reconhecimento do vínculo com o Grupo de Pele da instituição, por meio da atenção dispensada à prevenção de lesões por pressão. Por um lado, constata-se preocupação das equipes de enfermagem com o conforto, a manutenção da dignidade e o senso de “justiça” na oferta de cuidados, atitudes convergentes com os princípios dos CP. Por outro, denota-se a fragilidade de reconhecimento da proporcionalidade dos CP em acordo com a fase de evolução da doença, indicando a necessidade de educação junto a esses profissionais.

Um estudo brasileiro abordou uma proposta de educação permanente em CP hospitalares. Nele, identificou-se que de 45 técnicos em enfermagem, 33 não tinham formação anterior sobre o tema, e entre os que possuíam, adquiriram no próprio serviço. Reforçou-se a necessidade de fomento das instituições onde os profissionais estão inseridos para a extensão do processo formativo durante a prática, incluindo todos os atores envolvidos nos cuidados2020. Cezar VS, Waterkemper R, Rabin EG, Castilho RK, Reys KZ. Continuous education in palliative care: An action research proposal. Rev Fund Care Online [Internet]. 2019 [cited 2023 Jul 19];11(2):324-32. Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i2.324-332
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Internacionalmente, a aferição frequente de sinais vitais não é recomendada na fase ativa de morte, reconhecida como as horas e dias que antecedem o óbito1111. Economos G, Cavalli P, Guérin T, Filbet M, Perceau-Chambard E. Quality of end-of-life care in the emergency department. Turk J Emerg Med [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 14];19(4):141-5. Available from: https://doi.org/10.1016/j.tjem.2019.09.003
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. Nos momentos finais deve ser priorizado o acompanhamento do paciente com a família e a equipe, evitando a sensação de abandono.

Medidas direcionadas à higiene corporal e à prevenção de lesões são importantes para a promoção do conforto, e assegurar esses cuidados é uma forma de evitar desconforto físico, social e emocional. Cuidados com a higiene corporal podem resgatar a dignidade e devem se estender para o período pós morte2121. Silva RS da, Pereira Á, Mussi FC. Comfort for a good death: Perspective nursing staff’s of intensive care. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2015 [cited 2021 Jun 22];19(1). Available from: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150006
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. Cuidados de higiene, incluindo a pele, são fundamentais para a promoção do conforto.

Todavia, em CP, especialmente na fase final da vida, alguns cuidados devem ser ponderados. Áreas como face, orelhas, dedos das mãos e dos pés devem ser priorizadas, já que tendem a ser afetadas no final da vida por vasoconstrição periférica. Algumas práticas possíveis nesse sentido são a fixação correta de dispositivos médicos, para que não lesionem a pele, reposicionamento frequente da cabeça e proteção térmica das extremidades, para evitar perda de calor e piora da hipoperfusão. Além disso, orienta-se tratamentos que reduzam o odor e melhorem o aspecto da lesão, mesmo que a mesma não cicatrize, visando a qualidade de vida2222. Cordeiro FR, Tristao FS, Zillmer JGV, Padilha MAS, da Fonseca ACF, Fernandes VP. Avaliação e cuidados com a pele no final da vida. Evidentia [Internet]. 2019 [cited 2023 Mar 23];16(16):32. Available from: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7265167
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Os participantes, tanto médicos quanto enfermeiros, mencionaram dilemas relacionados aos benefícios da nutrição no final da vida. A nutrição e a hidratação são práticas atreladas a questões simbólicas, culturais, sociais e emocionais, consideradas fundamentais para a vida. Decisões acerca da interrupção causam desconforto tanto nos profissionais de saúde quanto nas famílias, que associam a falta de alimentação ao sofrimento do paciente2323. Bottoni A, Zaher-Rutherford VL. Reflexão bioética sobre uso de nutrição e hidratação artificial em pacientes terminais. Rev Bras Bioética [Internet]. 2019 [cited 2023 Mar 16];15:1-25. Available from: https://doi.org/10.26512/rbb.v15.2019.26871
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No que se refere ao controle de sintomas, especialmente a dor, verificou-se que alguns profissionais desconhecem escalas de avaliação da dor, outros fazem uso de instrumentos, mas sem a convicção de que “aquela escala” se constitui em um instrumento que permite tomar uma decisão, no caso a administração de medicamentos. Um estudo2424. Silva MA dos S, Diniz MA, Carvalho RT de, Chiba T, Mattos-Pimenta CA de. Palliative care consultation team: Symptom relief in first 48 hours of hospitalization. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2023 Jul 18];73(6):e20190391. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0391
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com pacientes acometidos por câncer avançado apontou que equipes de CP têm desempenho melhor no que tange ao controle de sintomas como dor, dispneia e depressão, quando comparadas às abordagens de outros profissionais. Também tendem a obter melhora dos pacientes assistidos após 48 horas da internação, o que pode ser justificado pelo caráter educativo e de intervenções mais apropriadas proporcionadas por tais equipes.

Os opioides, frequentemente citados pelos profissionais do presente estudo, são indicados para o controle da dor e da dispneia em CP. Em relação à morfina, foi identificada a associação do seu uso com a proximidade da morte, ao mesmo tempo em que foi reconhecida como estratégia para o conforto. Um estudo2525. Vahos J, Rojas-Cortés R, Daza D, Osorio-Florez RZ, Saint-Gerons DM, Pastrana T, et al. Barriers of access to opioid medicines within the context of palliative care in Latin America: the perception of health professionals. J Palliat Med [Internet]. 2023 [cited 2023 Jul 18];26(2):199-209. Available from: https://doi.org/10.1089/jpm.2022.0122
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realizado em 17 países da América Latina constatou que, especialmente na região do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai), as principais barreiras para acesso aos opioides em cuidados paliativos foram a falta de conhecimento, habilidades e treinamento dos profissionais de saúde quanto à prescrição de opioides, avaliação inadequada da dor e medo da dependência.

Diante do supracitado, percebe-se investimento das equipes na abordagem de sintomas e cuidados físicos e que os medicamentos emergem como tecnologia utilizada de forma potente e preponderante no contexto hospitalar. Médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, subjetivados pela formação com enfoque no aspecto biológico, por vezes, restringem conforto à administração de fármacos. Essa importância dada aos medicamentos se deve, em parte, ao conceito de susceptibilidade. No contexto do conhecimento acerca do biológico, há a possibilidade de intervenção, ou seja, o corpo é maleável e a biologia não é destino. Sendo assim, não há mais a predestinação como certeza, há a possibilidade de modular e alterar, por exemplo, o mecanismo fisiológico da dor e de outros sintomas77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013..

Outro aspecto evidenciado foi o predomínio quanto a não utilização de suporte avançado de vida, como reanimação cardiopulmonar (RCP), achado que vai ao encontro de um estudo1111. Economos G, Cavalli P, Guérin T, Filbet M, Perceau-Chambard E. Quality of end-of-life care in the emergency department. Turk J Emerg Med [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 14];19(4):141-5. Available from: https://doi.org/10.1016/j.tjem.2019.09.003
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que considera tal medida inadequada principalmente em final de vida. Equipes de cuidados paliativos atuam como facilitadoras junto às equipes assistentes no processo de decisão e na abordagem com as famílias acerca da reanimação cardiopulmonar2626. Ramos JGR, Tourinho FC, Borrione P, Azi P, Andrade T, Costa V, et al. Efeitos de um programa de cuidados paliativos nas tendências de utilização da unidade de terapia intensiva e ordens de não reanimar durante hospitalizações terminais. Análise de séries temporais interrompidas. Rev Bras Ter Inten [Internet]. 2018 [cited 2020 Aug 13];30(3):308-16. Available from: https://www.scielo.br/j/rbti/a/RmmbKS4tMckwGRT7VCDHbCp/
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. Quanto ao uso de antibioticoterapia, os profissionais consideraram as particularidades de cada situação, priorizando o controle de outros sintomas. Manter a prescrição de antibióticos, parece ainda assegurar conforto e acolhimento às famílias, ao se transmitir a ideia de que há algo sendo feito pelo paciente, ainda que em alguns casos, pode não haver benefícios dessa ação.

A suspensão de antibióticos é uma das decisões que mais gera dúvidas na prática em CP. Um estudo2727. Crispim DH, Silva IO, Carvalho RT, Levin AS. End-of-life use of antibiotics: A survey on how doctors decide. Int J Infect Dis [Internet]. 2022 [cited 2023 Jul 18];114:219-25. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.10.026
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constatou que médicos atuantes em CP, apesar da formação na área, tendem a insistir em antibioticoterapia mesmo diante dos dias ou das horas finais, inclusive realizando substituição de medicamentos em caso de ausência de resposta. Em situações específicas, como diante de pacientes oncológicos com baixa funcionalidade e com risco de evolução ao óbito, há maior cuidado e chances de suspensão da terapêutica em questão.

Com relação aos dispositivos invasivos, como sonda vesical e cateter venoso, esses foram retirados depois de certo tempo de internação e a hipodermóclise foi citada como forma de reduzir a frequência das punções venosas. Assim, percebe-se que as tecnologias de vida77. Rose N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus; 2013. são acionadas para intervir nos processos biológicos considerados naturais, e as tecnologias de aprimoramento são possíveis de serem pensadas a curto prazo a fim de modificar a linha do tempo dos pacientes, caso seja da escolha deles ou dos próprios profissionais.

Parece haver uma contradição em relação a dois dos princípios dos CP, quais sejam: afirmar a morte como um processo natural da vida e não adiar ou atrasar a ocorrência desse evento. Ao operar com as tecnologias de vida, como medicamentos, dispositivos e cuidados, identifica-se que médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem retomam o controle e interferem, de certa maneira, nesse tempo do óbito. Fazem com que ele escape da ocorrência no período dito “natural”. Há um exercício de poder por parte dos profissionais que pode “causar a vida ou devolver a morte”1717. Foucault M. História da sexualidade: A vontade do saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2008.:130, o que remete ao biopoder. Dessa forma, os rituais tecnológicos mediados pelos profissionais esquivam a morte do acaso, considerado insuportável para a sociedade1717. Foucault M. História da sexualidade: A vontade do saber. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2008., tornando o cenário do morrer novamente disciplinado e orientado pela racionalidade técnica e científica, inclusive sob uma perspectiva filosófica que pretende trazê-la novamente ao domínio das pessoas, da existência e do social.

No que tange à abordagem espiritual, os profissionais reconheceram sua importância, porém, a maioria relatou não ter habilidade para desenvolvê-la durante o cuidado prestado no hospital. Tal achado diverge do estudo2828. Arrieira IC de O, Thofehrn MB, Porto AR, Moura PMM, Martins CL, Jacondino MB. Espiritualidade nos cuidados paliativos: experiência vivida de uma equipe interdisciplinar. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2021 Jun 23];52:e03312. Available from: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017007403312
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realizado com uma equipe de cuidados paliativos oncológicos, o qual demonstrou que os profissionais consideram a espiritualidade como facilitadora no seu trabalho, pois através dela é possível fornecer conforto não somente físico ao paciente. Além disso, refletir sobre as questões espirituais amenizaria as inquietações pessoais dos profissionais relacionados ao fim de vida e morte, além de dar significado à atuação profissional.

Por fim, no presente estudo, a família também foi abordada sob uma perspectiva dualista pelos profissionais, sejam eles médicos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem. Por um lado, ela é considerada primordial, pois cabe ao cuidador familiar contribuir na tomada de decisão em conjunto com a equipe, incorporar práticas e técnicas para viabilizar o retorno ao domicílio, tão almejado pelo discurso paliativista. Por outro, percebe-se uma lacuna no espaço hospitalar para acolhê-la, enquanto ente a ser efetivamente cuidado e não apenas agente realizador do mesmo. O diálogo, a escuta e a acolhida em momento de fragilidade, como na comunicação de notícias difíceis, acabam sendo colocadas em segundo plano ou executadas com limitações pela restrição estrutural da instituição.

Sobre esse aspecto, um estudo português2929. Lourenço TMG, Abreu-Figueiredo RMS, Sá LO. Clinical validation of the Nanda-I “Caregiver Role Strain” nursing diagnosis in the context of palliative care. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2021 [cited 2023 Jul 19];30:e20200549. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0549
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, que validou clinicamente as características definidoras do diagnóstico de enfermagem “Tensão do Papel de Cuidador da pessoa em situação paliativa”, evidenciou que mesmo sob cuidados paliativos os cuidadores, notadamente cônjuges, experienciam a tensão do papel de cuidador, evidenciada pela sensação de aprisionamento ao papel que desempenham, pela fadiga e pela apreensão em relação ao futuro do familiar adoecido.

Ainda, os cálculos sobre as vantagens e desvantagens desse movimento de retorno das pessoas em CP ao domicílio e a forma como os profissionais atuam e incorporam a família, de forma a viabilizá-lo, reportam à noção de biopolítica. A biopolítica compreende uma série de estratégias dispostas pelo Estado e pelas instituições a fim de promover a vida de uma população. Trata-se de uma forma de gerenciar a vida das pessoas, em sua pluralidade, em determinado espaço1515. Foucault M. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes; 2008..

Para operacionalizá-la, emergem os mecanismos de segurança, que envolvem um conjunto de cálculos sobre taxas de natalidade, mortalidade, probabilidade de desenvolvimento de certas doenças e acometimento por elas, custos e efetividade em relação à determinadas práticas com vistas a prever riscos e atuar de forma a minimizá-los ou eliminá-los quando possível. Dito de outra maneira, são mecanismos que analisam as possibilidades para se fazer viver e deixar morrer uma população1515. Foucault M. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes; 2008..

No contexto do deixar morrer - já que a morte é inerente à vida e dela não é possível escapar -, urge a necessidade de gerir os espaços e as circunstâncias sob as quais o final da vida corre, definindo prioridades, reorganizando e modulando condutas. Assim, serviços de atenção domiciliar, como aqueles apontados pelos participantes e existentes na instituição em que esta pesquisa foi realizada, despontam como estratégia biopolítica capaz de reduzir os gastos - econômicos, humanos e emocionais - e convencer as pessoas com determinadas doenças de que morrer bem é morrer em casa através de discursos que enfatizam os benefícios do cuidado no domicílio3030. Oliveira SG, Kruse MHL, Echevarría-Guanilo ME, Velleda KL, Santos -JuniorJRG dos, Sartor SF. Atenção domiciliar: Estratégia da biopolítica? Rev Atenção Saúde [Internet]. 2017 [cited 2023 Mar 16];15(54):108-16. Available from: https://doi.org/10.13037/ras.vol15n54.4719
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Como limitações desta pesquisa, indica-se a pandemia da Covid-19, que dificultou o acesso a mais participantes. Outrossim, os prontuários eletrônicos não dispunham de algumas informações clínicas que poderiam ter aprimorado as análises.

CONCLUSÃO

Este estudo permitiu analisar as práticas de equipes médicas e de enfermagem às pessoas em cuidados paliativos hospitalizadas. Sobre as práticas médicas, destacaram-se a importância da avaliação individual, o controle da dor por meio de fármacos e a validação de informações e expectativas sobre diagnósticos, prognóstico e luto junto aos cuidadores.

Os profissionais não recomendaram suporte avançado de vida e procedimentos invasivos, mas apontaram que, em determinadas situações, prolongar a vida através de tratamentos invasivos pode fazer sentido. Ou seja, determinadas práticas podem ser prescritas de acordo com os objetivos de cuidado definidos pela equipe médica, na tentativa de aumentar os dias de vida para promover sensação de conforto à família.

Os profissionais de enfermagem destacaram o controle da dispneia e da dor, além de práticas relacionadas à higiene, sinais vitais, cuidados com a pele e prevenção de lesões. A questão nutricional foi brevemente citada e associada às lesões de pele, e apresentou divergências quanto aos seus benefícios em CP. A espiritualidade pareceu ser pouco explorada e a família emergiu como elo entre o hospital e o domicílio. Entretanto, evidenciou-se necessidade de qualificação estrutural para o acolhimento e cuidado com elas.

Finalmente, retoma-se os pressupostos iniciais que foram, em partes, validados, visto que as práticas aos adultos em cuidados paliativos hospitalizados apresentadas parecem ser decididas e implementadas em meio ao dualismo. Em alguns momentos há o recurso às recomendações e princípios dos CP. Em outros, há predomínio do aspecto intuitivo, empírico e moral. Algumas práticas ainda parecem balizadas em uma perspectiva curativista, mesmo diante de doença que não responde ao tratamento modificador.

Apreendeu-se que a crença na tecnologia como forma possível de promover conforto e cuidado no final da vida sustenta uma economia que modula a vivência do adoecimento e do morrer com base nos discursos científicos, biológicos e tecnológicos. Tal postura repercute na resistência da aceitação da morte como evento existencial, inerente à vida, ainda mantendo-o medicalizado, mesmo quando ocorre sob perspectivas que se apresentam diferenciadas, como os cuidados paliativos.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Práticas de equipes médica e de enfermagem a adultos em cuidados paliativos hospitalizados, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Pelotas, em 2021.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

    Concepção do estudo: Cordeiro FR. Coleta de dados: Moscoso CR. Análise e interpretação dos dados: Cordeiro FR, Moscoso CR. Discussão dos resultados: Cordeiro FR; Moscoso CR, Gomes MP. Redação e/ou revisão crítica do conteúdo: Cordeiro FR, Moscoso CR, Gomes MP, Oliveira SG, Zillmer JGV. Revisão e aprovação final da versão final: Cordeiro FR, Moscoso CR, Oliveira SG, Zillmer JGV.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, parecer n. 5.041.112, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 13634719.2.0000.5316.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    10 Ago 2023
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