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CUIDADORES FAMILIARES DE IDOSOS E CONDIÇÕES DE SAÚDE FÍSICA, PSICOLÓGICA E APOIO FAMILIAR NO CUIDADO

RESUMO

Objetivo:

analisar a existência de sobrecarga de cuidadores familiares de idosos nas dimensões de saúde física, psicológica e apoio familiar.

Método:

estudo qualitativo, realizado com 23 participantes de Dianópolis, Tocantins, Brasil. Os dados foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas em setembro de 2022. A análise dos dados foi efetuada utilizando-se a análise de conteúdo na modalidade temática de Minayo, que abrange a ordenação, a classificação e a análise final dos dados.

Resultados:

os resultados evidenciam que o exercício da função de cuidador está relacionado à representação social, a qual é potencializada: pelo contexto, valores culturais e familiares; pela naturalização da função da mulher como cuidadora; pela potencialização da sobrecarga em razão do excesso de responsabilidade e falta de apoio de outros membros da família; e pela presença, nos cuidadores, de sintomas psicológicos sobrepondo-se aos físicos.

Conclusão:

conclui-se que o apoio dos profissionais é essencial para repensar novas práticas e formas de produzir o cuidado, por meio de atividades individuais ou coletivas, com vistas a prevenir o adoecimento dos cuidadores.

DESCRITORES:
Cuidadores; Fardo do cuidador; Idoso; Estresse emocional; Esgotamento psicológico

ABSTRACT

Objective:

to analyze the existence of overload in family caregivers of older adults in the physical and psychological health and family support dimensions.

Method:

a qualitative study conducted with 23 participants from Dianópolis, Tocantins, Brazil. Data were collected through semi-structured interviews in September 2022. Data analysis was performed using content analysis in Minayo’s thematic modality, which includes ordering, classification and final analysis of data.

Results:

the results show that the exercised role of caregiver is related to social representation, which is enhanced: by the context, cultural and family values; by the naturalization of the role of women as caregivers; by increasing the burden due to excessive responsibility and lack of support from other family members; and by the presence of psychological symptoms overlapping physical symptoms in caregivers.

Conclusion:

it is concluded that the support of professionals is essential to rethink new practices and ways of producing care through individual or collective activities, with a view to preventing caregivers from becoming ill.

DESCRIPTORS:
Caregivers; Caregiver burden; Older adults; Emotional stress; Psychological exhaustion

RESUMEN

Objetivo:

analizar la existencia de sobrecarga de cuidadores familiares de ancianos en las dimensiones de salud física y psicológica y apoyo familiar.

Método:

estudio cualitativo, realizado con 23 participantes de Dianópolis, Tocantins, Brasil. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas en septiembre de 2022. El análisis de datos se realizó mediante análisis de contenido en la modalidad temática de Minayo, que incluye ordenamiento, clasificación y análisis final de datos.

Resultados:

los resultados muestran que el ejercicio del rol de cuidador está relacionado con la representación social, que se ve potenciada: por el contexto, los valores culturales y familiares; por la naturalización del rol de la mujer como cuidadora; al aumentar la carga por exceso de responsabilidad y falta de apoyo de otros miembros de la familia; y por la presencia, en los cuidadores, de síntomas psicológicos superpuestos a los físicos.

Conclusión:

se concluye que el apoyo de los profesionales es fundamental para repensar nuevas prácticas y formas de producir cuidado, a través de actividades individuales o colectivas, con miras a prevenir que los cuidadores se enfermen.

DESCRIPTORES:
Cuidadores; Carga del cuidador; Anciano; Estrés emocional; Agotamiento psicológico

INTRODUÇÃO

As últimas décadas foram marcadas pelo crescimento da expectativa de vida da população e pela queda das taxas de natalidade e de mortalidade na maior parte dos países do mundo11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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. Na atualidade, as pessoas idosas representam 12,3% da população global, mas é estimado que a população com mais de 60 anos atinja o número de 2 bilhões até 2050, o que corresponderá a 20% da população mundial22. Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde [Internet]. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2015 [cited 2022 Nov 10]. 29 p. Available from: https://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf
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. Isso ampliará também o número de pessoas dependentes de cuidados, podendo chegar a 77 milhões entre idosos e crianças11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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. O envelhecimento populacional vem acompanhado pela longevidade e, com ela, a necessidade de cuidado. Assim, os governos e sociedade necessitam rever as estratégias de resolução de problemas dessa população, envelhecida mundialmente33. Minayo MC de S. Cuidar de quem cuida de idosos dependentes: por uma política necessária e urgente. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 12];26(1):7-15. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30872020
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O processo de envelhecimento e o desenvolvimento econômico são uma realidade vivenciada, progressivamente, pelos países mais desenvolvidos, na América do Norte e Europa, acentuada após a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, essa realidade também se estende aos países em desenvolvimento, como o Brasil, porém o processo acelerado do envelhecimento populacional ocorre paralelamente ao lento desenvolvimento econômico e à melhoria da qualidade de vida da população44. Perseguino MG, Okuno MFP, Horta ALM. Vulnerability and quality of life of older persons in the community in different situations of family care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2023 Sep 22];75(4):e20210034. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0034
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. No Brasil, para 2060, a expectativa é de que o número de pessoas idosas alcançará 25,5% da população brasileira, sendo que a taxa era de 9,2% em 2018. Nos municípios do estado do Tocantins, a proporção de idosos vem aumentando gradativamente: o índice de envelhecimento também representa o acréscimo de dependência dessa população55. Rodrigues BG, da Silva Neto LS, Santos LF, Brito de TRP, Nunes DP. Processo de Envelhecimento nos Municípios do Estado do Tocantins. Rev Cereus [Internet]. 2019 [cited 2022 Aug 30];11(4):123-37. Available from: http://ojs.unirg.edu.br/index.php/1/article/view/2782
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Assim, as mudanças demográficas e sociais associadas ao envelhecimento da população têm resultado em muito debate sobre como os cuidados são prestados aos idosos e como está a qualidade de vida dos cuidadores66. Guets W, Perrier L. Wilfried G, Lionel P. Determinants of the need for respite according to the characteristics of informal carers of elderly people at home: Results from the 2015 French national survey. BMC Health Serv Res [Internet];. 2021 [cited 2023 Jan 15];21:995. Available from: https://doi.org/10.1186/s12913-021-06935-x
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. Com a longevidade, a dependência e a vulnerabilidade física passam a fazer parte da vida das pessoas idosas e de suas famílias44. Perseguino MG, Okuno MFP, Horta ALM. Vulnerability and quality of life of older persons in the community in different situations of family care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2023 Sep 22];75(4):e20210034. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0034
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. No Brasil, a família que, como já é tradição, oferece a assistência necessária aos idosos recebe uma demanda crescente sobre o cuidado77. Sousa GS de, Silva RM da, Reinaldo AM dos, Soares SM, Gutierrez DMD, Figueiredo M do LF. “A gente não é de ferro:” Vivências de cuidadores familiares sobre o cuidado com idosos dependentes no Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2023 Jan 15];26(1):27-6. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30172020
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Para o Ministério da Saúde, o cuidador é aquela pessoa, membro ou não da família, que, tendo remuneração ou não, presta cuidado ao idoso doente ou dependente de alguém para realizar suas atividades diárias11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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. Tais cuidados podem ser com a higiene pessoal, alimentação, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde, bem como ajuda com serviços do cotidiano, exceto os procedimentos ou técnicas próprios de profissões legalmente estabelecidas, em particular na área de enfermagem11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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. Na Classificação Brasileira de Ocupações, o Ministério do Trabalho define o cuidador como aquela pessoa que “cuida de idosos a partir de objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida” 11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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:88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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Pesquisas mostram que a percepção de esforço, a maior dependência do idoso, a idade do cuidador e os sintomas de sobrecarga emocional estão ligados com os sintomas de sobrecarga física e apresentam associação significativa com o desgaste emocional, o qual pode ter a ansiedade e a depressão como principais representações88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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-99. Figueiredo LC, Barbosa GC, Monteiro DQ, Martins G, Silva AFO, Ruy LFT, et al. Factors associated with symptoms of physical and emotional burden in informal caregivers of the elderly. Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Dec 16];75(4):e20210927. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0927
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. Assim, compreender as barreiras físicas, emocionais e sociais implicadas no ato de cuidar é importante para promover maior qualidade de vida e menor sobrecarga aos cuidadores e, desse modo, melhorar também os cuidados à pessoa atendida1010. Souza LR de, Hanus JS, Dela Libera LB, Silva VM, Mangilli EM, Simões PW, et al. Sobrecarga no cuidado, estresse e impacto na qualidade de vida de cuidadores domiciliares assistidos na atenção básica. Cad Saude Colet [Internet]. 2015 [cited 2022 Dec 18];23(2):140-9. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462X201500020063
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Nesse sentido, considerando as taxas de envelhecimento no Brasil e os cuidadores familiares, é preciso compreender as condições de saúde, as necessidades e as dificuldades de quem é responsável por garantir a qualidade de vida e o bem-estar da pessoa idosa.

A pesquisa teve a seguinte questão norteadora: Qual o nível de sobrecarga no âmbito de saúde e bem-estar, as condições clínicas, psicológicas e os fatores associados ao esgotamento em cuidadores familiares de idosos? Isto posto, o objetivo geral do estudo foi analisar a sobrecarga de cuidadores familiares de idosos nas dimensões de saúde física, psicológica e apoio familiar.

MÉTODO

Esta pesquisa é qualitativa e foi realizada com cuidadores de idosos da cidade de Dianópolis, localizada na região sudeste do estado do Tocantins, Brasil. Estes foram os critérios de inclusão para o cuidador: ser um familiar, ter mais de 21 anos, ser o principal cuidador há pelo menos um ano e não receber remuneração por essa atividade. Foram excluídos da pesquisa idosos institucionalizados, cuidadores remunerados e idosos com câncer. A amostra inicial era de 28 participantes, mas um idoso foi a óbito, dois não foram localizados e dois não preencheram os critérios de inclusão, logo foram 23 participantes na amostra final.

O trabalho de campo começou com uma visita às sete Unidade Básicas de Saúde (UBS) do município, para apresentação da pesquisa à enfermeira responsável pela unidade e autorização para busca randomizada de quatro prontuários por UBS, de idosos acima de 60 anos, homens ou mulheres, moradores da zona urbana e dependentes de cuidado constante. Após a seleção dos cuidadores nas UBS, por meio de randomização e considerando os critérios de inclusão, o primeiro contato com o cuidador ocorreu por intermédio do Agente Comunitário de Saúde (ACS) de cada área.

O local de realização das entrevistas foi a residência do cuidador, mediante agendamento prévio via contato telefônico. Em média, cada uma durou cerca de 30 minutos. Foi usado um aparelho celular para gravação, mediante autorização do entrevistado. Ocorreram no período de 6 a 20 de setembro de 2022.

Um roteiro de entrevista (semiestruturado) previamente elaborado pela pesquisadora foi utilizado para a coleta de dados. Para a caracterização da amostra foi aplicado um roteiro estruturado para a coleta dos dados sociodemográficos, contendo variáveis como gênero, grau de parentesco, renda, estado civil, escolaridade, contaminação por covid-19. Na entrevista semiestruturada, as questões foram compostas por perguntas que buscavam desvelar os níveis de sobrecarga no que tange aos aspectos físicos e psicológicos e recebimento de apoio para o cuidado de outros familiares. A entrevista semiestruturada obedece a um roteiro previamente elaborado pelo pesquisador, assegurando que os pressupostos estarão cobertos na conversa1111. Minayo MC de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 407 p.. Foi realizada a adequabilidade do instrumento de pesquisa (entrevista semiestruturada) por meio da aplicação de um piloto.

Foi mediante a análise de conteúdo na modalidade temática que se deu o tratamento dos dados1111. Minayo MC de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 407 p., que compreende as etapas de ordenação, classificação e análise final de dados. Na ordenação, houve a transcrição das entrevistas na íntegra, e os dados foram organizados. Para a classificação dos dados, foi realizada a leitura exaustiva, primeiramente horizontal e depois transversalmente a fim de explorar o contexto e as estruturas de relevância e identificar as áreas temáticas pertinentes. Por fim, ocorreu a análise dos dados, que compreendeu a discussão e a interpretação dos dados coletados sob o prisma de recentes evidências científicas sobre o tema, em um movimento do empírico ao teórico e vice-versa.

Quanto aos aspectos éticos, a coleta de dados se deu depois da aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Luterana do Brasil e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. Como forma de garantir o sigilo das informações colhidas, os participantes foram identificados pela letra P seguida do número da entrevista. A comunicação dos resultados desta pesquisa seguiu as orientações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

RESULTADOS

Quanto ao perfil sociodemográfico, os participantes são predominantemente filhas mulheres, entre 45 e 60 anos. Dos 23 entrevistados, 10 exercem a função de cuidador familiar há mais de cinco anos. No que se refere à renda, esta provém majoritariamente da aposentadoria do idoso ou do próprio cuidador, situando-se entre dois e três salários mínimos. Apesar de o cuidador ser o responsável por administrar os recursos, há referência de que eles são insuficientes para os cuidados, devido ao alto custo dos medicamentos.

A análise dos dados, depois de extraídas as estruturas de relevância das falas dos participantes, evidenciou três áreas temáticas quais sejam: sobrecarga dos cuidadores, condições de saúde física e mental e apoio de outros familiares.

Sobrecarga dos cuidadores

Esta área temática aborda a experiência do cuidado e os níveis de sobrecarga vivenciados pelos cuidadores de idosos. Por um lado, aponta situações de cansaço, de excesso de responsabilidade, de falta de tempo; por outro, a satisfação com o cuidado exercido. Em algumas falas, ainda vêm à tona crenças religiosas que reportam o cuidado como uma missão divina.

Antes não, mas agora estou me sentindo sobrecarregada, tem dias que estou me sentindo meio cansada. Às vezes acordo com aquele pensamento [...] seria tão bom se alguém viesse cuidar deles hoje! Não direto, mas às vezes eu sinto (P12).

[...] tem hora que eu me sinto cansada, sobrecarregada, tem hora que sinto “coitado, não teve mãe”, então eu cuido direitinho [...] eu acho que a rotina não é normal; eu precisava ter mais um descanso, é muito puxado, eu já vou fazer 85 anos (P8).

Observa-se, entre as participantes, que a sobrecarga não é um continuum: há momentos nos quais a representação da carga é maior que em outros. Já as falas a seguir demonstram maior sobrecarga, pois, além da demanda do cuidar, ainda há a dificuldade em lidar com os impulsos ou com o comportamento agressivo do depositário do cuidado, causado ou não pela sua situação de saúde e/ou quadro clínico.

[...] a gente sente, sim, cansada demais porque só o cansaço de ficar lidando com ele ali… é bruto demais, agressivo, mas tem que aguentar! (P17).

[...], mas às vezes é muito cansativo, porque meu pai é muito estressado, xinga muito, maltrata com palavras. Mas, quando ele está calmo, é bem tranquilo cuidar dele. O problema é que ele é muito agressivo, verbalmente, às vezes até fisicamente (P11).

Fica claro que o nível de agressividade do familiar afeta também os níveis de cansaço de seu cuidador, mais do que a condição de dependência.

Já foi mais difícil, já me senti muito cansada, porque aquela fase de agitação e agressividade já passou [...], ela não ficava quieta, ela me batia. [...] hoje ela depende totalmente, mas não mexe tanto com o emocional como naquele tempo (P10).

Outro aspecto relevante apresentado, que reforça a sobrecarga, é a sensação de exploração referida por duas participantes.

Fácil não é, não; e às vezes exige muito da gente, porque o idoso dá muito trabalho. A mãe mesmo está dando muito trabalho, está sendo muito difícil. Ela está muito teimosa, tem que ser tudo do jeito dela, e ela “escora” tudo em mim, [...] Eu sinto, eu sinto, sinto muito sobrecarregada (P1).

[...] ele tem condições de andar, tomar banho sozinho, mas não quer, está prostrado, e o que eu faço parece que nunca está bom, nunca agrada. (P3).

Nas falas a seguir, observam-se sentimentos de gratidão e de entrega, em que os participantes vivenciam a situação de cuidado como inerente ao humano, como oportunidade, privilégio e retribuição pelos laços de afeto e/ou vivência anterior de cuidado.

[...] Eu me sinto feliz em cuidar dela, me sinto privilegiado em poder estar com ela. Ela cuidou de mim, e agora eu posso cuidar dela (P15).

Na parte afetiva [...] me sinto realizada em cuidar dele, eu gosto de cuidar dele. Ele merece, sempre foi muito bom comigo. Me tratava igual uma princesa, e hoje estou retribuindo e não reclamo. Mesmo cansada, não troco por outra coisa (P8).

Também foi evidenciada a ambivalência de sentimentos advinda do cuidado: ora de solidariedade e de companheirismo, ora de sobrecarga e de excesso de responsabilidade.

Ao mesmo tempo que eu me sinto privilegiada de ter o tempo de cuidar dela, também é difícil porque a gente não tem tempo de fazer outra coisa e é bem corrido. É muita responsabilidade cuidar de alguém, responsabilidade demais (P2).

Sentimentos e laços afetivos entre o cuidador e a pessoa cuidada apontam para o fortalecimento da relação de cuidado e parecem ser um fator de proteção às exigências da função exercida pelo cuidador.

[...] eu me sinto bem, [emocionada] [...] eu cuido dela com muito gosto, muito prazer… eu quero chegar na idade dela (P3).

Eu me sinto bem, durante toda a vida eu cuido direto, até o dia que ele morrer. Faço com prazer, eu e a minha menina, muito cuidado. Quando ele adoece é a maior preocupação, faço todo o possível (P5).

Nas falas, está presente o entendimento do cuidado como missão ou designação divina para enfrentar situações do cotidiano.

Para mim é uma missão, e eu faço com amor. Ela sempre foi muito boa com a gente, então agora é a vez da gente fazer por ela, e minha parte eu estou fazendo e quero fazer da melhor forma (P10).

Eu sou o único responsável em cuidar dela. Tem hora que a gente fica estressado, mas eu não posso deixar de cuidar dela [...]. E meus irmãos não interessam, então eu penso “não é que sobrou para mim?” Foi Deus mesmo que preparou para eu cuidar (P13).

Os participantes referem satisfação pessoal, ao se verem capazes de retribuir o cuidado recebido para cumprir todas as tarefas diárias e ainda colaborar para o bem-estar do familiar. Também relataram que sentimentos como amor e gratificação foram despertados por essa experiência.

Eu me sinto muito bem. Graças a Deus tenho minha mãe. Não é uma tarefa fácil, às vezes é muito estressante, mas em seguida eu penso que não é porque ela quer, mas por causa do problema dela. [...] A gente procura agradar, dar um conforto [...] (P6).

Me sinto bem, graças a Deus, me sinto bem. A gente que é filho tem que cuidar. Graças a Deus o amor que eu tenho, sinto por ela é grande, ela que me botou no mundo, então não tem para onde a gente dizer que não pode cuidar (P15).

Me sinto bem, eu gosto, me sinto bem e peço a Deus que me dê saúde para cuidar dos meus pais, é o que eu mais peço a Deus. Me sinto bem saber que minha mãe cuidou de mim e agora eu posso cuidar deles dois [pai e mãe] (P12).

Condições de saúde física e psicológica dos cuidadores

Esta área temática aborda as condições de saúde física e mental dos cuidadores. As entrevistas evidenciam as queixas de dores físicas derivadas do cuidado, como lombalgias, transtornos do sono e necessidade de usar medicações. Os participantes relataram também sintomas psicológicos como ansiedade, medo, não reconhecimento do cuidado prestado e ainda falta de autocuidado em decorrência da sobrecarga.

[...] acho que mental é pior, a mente da gente fica bem mais cansada, quem tem marido, filho e trabalha em casa, trabalha na rua, igual aqui no meu serviço. Acho que o cansaço mental é maior, a sobrecarrega é mais (P16).

Mais mental, e fisicamente também, porque eu tenho problema de coluna. Às vezes meu pai não consegue colaborar, então a gente acaba forçando; isso afeta o físico, mas também o psicológico devido à agressão verbal (P11).

Os participantes procuram identificar qual aspecto de sobrecarga prevalece. Mesmo afirmando a sobrecarga física, mencionam as questões emocionais e o desgaste psicológico sofrido.

Me sinto muito cansada fisicamente. Não estou aguentando a rotina, o cansaço é maior que estar fazendo faxina. Mas minha mente está muito sobrecarregada (P3).

Na física, porque é canseira mesmo, não descansa, de domingo a domingo [...] E mental, porque tem muito tempo que não tenho tempo para mim, eu não sei o que é cuidar de mim [emoção] (P1).

Outro aspecto de destaque é a dificuldade de priorizar aspectos da vida pessoal e o autocuidado, porque a relação de cuidado absorve a maior parte do tempo, não sendo possível, no momento, dedicar o cuidado a si próprio.

[...] a minha vida está ficando de lado, estou deixando meus filhos de lado, não tenho tempo para eles. [...] O afastamento de meus filhos [choro], queria fazer mais por eles [...]. Me sinto ausente. É mãe de um lado e meus filhos de outro, faço o que eu posso (P3).

Eu não sei o que é viajar, ir para algum lugar, de domingo a domingo sou eu. Não tenho nenhum descanso. Mas penso que é por uma boa causa (P13).

Junto com a sobrecarga experienciada, também está presente o sentimento de exploração.

[...] isso me afeta demais, ela me explora, eu sinto que ela me explora. E eu não consigo sair desse ciclo. Eu não estou conseguindo sair [...] (P1).

Alguns participantes relataram crises de ansiedade, distúrbios do sono e uso de psicotrópicos.

Eu sempre converso com Deus, sinto minha cabeça meio perturbada, mas peço muita força a Deus. [...] Eu às vezes fico muito perturbada, quando ele passa mal, eu penso que ele não vai escapar, mas quando ele melhora, logo passa (P7).

Afeta, passei mal, fiquei dois meses aqui sozinha, fiquei muito ansiosa, comecei a sentir uma dor terrível, e nada passava. E o médico disse que foi desencadeado pela ansiedade; fiz um monte de exame e não achei nada (P9).

[...] tem hora que você pensa que vai surtar, a família adoece junto. Você fica tão presa a essa rotina, que eu falava: “Meu Deus, vou ter um ataque aqui!” [...] Isso me deu um desgaste físico e mental [...]. Até então, você está naquela rotina, e acha que está dando conta, mas não está (P10).

Apoio de outros membros da família

Essa área temática aborda a importância do apoio familiar, seja por meio do suporte na alternância do cuidado, seja no amparo afetivo, na divisão de tarefas e no suporte financeiro. A ausência de suporte, mencionada nas falas, potencializa o sentimento de sobrecarga e de solidão.

[...], mas tipo assim, eu sinto que você tem que subir a montanha todos os dias. Você se sente cansada… eu tenho cinco irmãos, mas ninguém ajuda (P3).

Me sinto sobrecarregada quando eu me sinto sozinha, quando minha irmã tem que viajar eu chamo meu irmão, ele não vem, então fico chateada (P9).

Mas me sinto sobrecarregada, porque tenho vários irmãos, mas só sobra para mim. Nenhuma ajuda (P14).

As falas demonstram que a não responsabilização e o não envolvimento dos demais familiares também acarretam a sobrecarga.

Sinto um pouco, um pouquinho de ajuda de uma irmã, mas só um pouco. Tem essa irmã que às vezes vem buscar eles [...], mas é pouco. O problema que eu acho é que ninguém quer tomar a responsabilidade [...]. Porque a obrigação é só minha (P12).

Somos oito irmãos, mas só quem ajuda é uma irmã. Um irmão até pegou ele, mas só ficou uma semana, devolveu e disse que não quer mais. Não pode assumir essa responsabilidade (P7).

A sobrecarga também foi associada a sentimentos como solidão e tristeza, sobretudo quando o cuidador principal não pode contar com a ajuda de outros membros da família.

Me sinto sobrecarregada quando eu me sinto sozinha, quando minha irmã tem que viajar eu chamo meu irmão, ele não vem, então fico chateada (P9).

Tem dias que você está alegre, mas ao mesmo tempo você fica triste, porque a situação dela não é fácil. Minha saúde também é frágil, mas mesmo assim eu estou lutando, me sinto sobrecarregada, porque tenho vários irmãos, mas só sobra para mim (P14).

Os entrevistados que contam com alternância de cuidado e com ajuda de outros familiares demonstraram mais liberdade e tempo de expressar afetos e emoções.

Somos todos unidos, todo mundo se ajuda. Minha irmã trabalha fora, mas à tarde, três vezes na semana, ela vem buscar a mãe, para a gente descansar. [...] a gente consegue lidar bem, é um prazer estar com ela. Aqui é um ajudando, orientando o outro (P6).

Meus irmãos sempre ajudam, nossa relação é boa, [...] quando a mãe está internada, se eu não posso ir, eles vão. E minha esposa também, ela que é meus braços, [...] ela me ajuda demais. Mãe precisa de ajuda para tudo, para banho, para tudo mesmo (P15).

Entretanto, em outras falas, o cuidador principal se sente apoiado de diversas formas, enfatizando a importância da colaboração e do apoio financeiro no cuidado.

Aqui só tem eu, meus irmãos moram longe, mas sempre ajudam, financeiramente ajudam, não deixam faltar nada, os remédios são caros, eles sempre mandam (P16).

No dia a dia, sou eu e uma irmã que revezamos o cuidado [...]. Mas a parte financeira ou depender de levar para algum lugar, eles contribuem (P23).

Meus irmãos, ninguém; antes ajudavam financeiramente, mas agora nada, ninguém ajuda. Às vezes duvidam do gasto que a gente tem, por isso eu fiz a lista de tudo (P13).

As entrevistas demonstram que cuidar de idoso é um processo causador de alterações na esfera pessoal e profissional do cuidador em razão do desgaste e estresse. Nas falas, identificou-se que algumas famílias, depois de se depararem com as dificuldades relacionadas à rotina do cuidar, conseguiram se organizar ao incluírem outros familiares na prestação do cuidado, logo referem menor queixa de sobrecarga. Também foi demonstrado que sentimentos positivos e vínculos afetivos em relação à pessoa cuidada geram redução da sobrecarga.

DISCUSSÃO

Os dados sociodemográficos encontrados na pesquisa se assemelham aos achados de outro estudo,1212. Ferreira CR, Isaac L, Ximenes VS. Cuidar de idosos: Um assunto de mulher? Est Inter Psicol [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 13];9(1):108-25. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072018000100007
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no qual se mostra que o cuidado é prestado por familiares, normalmente esposas ou filhas mulheres na faixa etária média acima de 40 anos1212. Ferreira CR, Isaac L, Ximenes VS. Cuidar de idosos: Um assunto de mulher? Est Inter Psicol [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 13];9(1):108-25. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072018000100007
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. Assim, observa-se que o grupo familiar é fortalecedor no tocante a prestar cuidados para idosos dependentes com diversas condições crônicas, porém, diante da tarefa desafiadora do cuidado, a família se vê obrigada a conciliar e reordenar as necessidades do cotidiano do cuidado com os outros encargos domésticos, sociais e profissionais da sua rotina de vida77. Sousa GS de, Silva RM da, Reinaldo AM dos, Soares SM, Gutierrez DMD, Figueiredo M do LF. “A gente não é de ferro:” Vivências de cuidadores familiares sobre o cuidado com idosos dependentes no Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2023 Jan 15];26(1):27-6. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30172020
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.

Parece resultante de uma construção histórica e social a função de assistência atribuída à mulher. Desde criança, ensinam a ela a executar tarefas de cuidado e criam nela a expectativa de que cumpra com o papel de cuidadora, sempre que necessário, ao longo de sua vida. Logo, pode-se apontar a cultura como um elemento fundamental para a escolha de quem assistirá o idoso em seu processo de envelhecimento1212. Ferreira CR, Isaac L, Ximenes VS. Cuidar de idosos: Um assunto de mulher? Est Inter Psicol [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 13];9(1):108-25. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072018000100007
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. Historicamente no Brasil, a responsabilidade por cuidar dos membros idosos e dos doentes da família foi designada à mulher88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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. Esses resultados são corroborados em outra pesquisa77. Sousa GS de, Silva RM da, Reinaldo AM dos, Soares SM, Gutierrez DMD, Figueiredo M do LF. “A gente não é de ferro:” Vivências de cuidadores familiares sobre o cuidado com idosos dependentes no Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2023 Jan 15];26(1):27-6. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30172020
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, na qual se evidenciou que as dimensões empíricas mostram o cuidado como um trabalho exclusivamente feminino e não remunerado.

Os cuidadores familiares desempenham um papel estratégico nas atividades diárias de quem recebe o cuidado. Apesar de alguns cuidadores verem a prestação de cuidados como propícia e um gerador de utilidade positiva e apoio familiar, percebe-se que, para outros, tal prestação perdeu essa qualidade, produzindo consequências negativas para eles, como alto risco de exaustão, principalmente quando exercem o cuidado sem apoio externo, acarretando uma piora da sua qualidade de vida66. Guets W, Perrier L. Wilfried G, Lionel P. Determinants of the need for respite according to the characteristics of informal carers of elderly people at home: Results from the 2015 French national survey. BMC Health Serv Res [Internet];. 2021 [cited 2023 Jan 15];21:995. Available from: https://doi.org/10.1186/s12913-021-06935-x
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. Outro estudo1313. Couto AM, Caldas CP, Castro EAB. Home care for dependent elderly patients by caregivers with overload and stress. Rev Pesq [Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 13];11(4):944-50. Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i4.944-950
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identificou que os cuidadores familiares têm dificuldade de conciliar suas atividades de cuidadoras com as de autocuidado, devido à falta de apoio familiar e de redes de suporte social e de saúde.

A função de cuidar ao longo do tempo acaba por se converter em algo extremamente estressante e cansativo; e isso afeta negativamente o autocuidado, provocando vários problemas de saúde: ansiedade, depressão, cefaleias de repetição, dores musculares, insônia88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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. Pode-se supor que há uma relação direta entre a maior dependência do idoso, tempo despendido para o cuidado direto e menor tempo para si. Esse dado mostra que é preciso dar visibilidade ao problema e à forma como se dividem e organizam as atividades do cuidado exercido pelo cuidador1414. Souza ID, Pereira JA, Silva EM. Between State, society and family: The care of female caregivers. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 19];71(6):2720-27. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0111
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.

Pesquisas99. Figueiredo LC, Barbosa GC, Monteiro DQ, Martins G, Silva AFO, Ruy LFT, et al. Factors associated with symptoms of physical and emotional burden in informal caregivers of the elderly. Rev Bras Enferm [Internet]. 2022 [cited 2022 Dec 16];75(4):e20210927. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0927
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,1515. Costa AF, Lopes MCBT, Campanharo CRV, Batista REA, Okuno MFP. Quality of life and burden of caregivers of elderly people. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 20];29:e20190043. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0043
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evidenciam que, quanto maior a dependência e o comprometimento da saúde do idoso, maiores os sintomas físicos e a sobrecarga em relação à prestação dos cuidados, trazendo, para o cuidador, uma piora da qualidade de vida. A sobrecarga pode também propiciar o desenvolvimento de sintomas físicos, emocionais, psiquiátricos, sociais e o uso de medicamentos; ainda pode ter efeito negativo sobre as finanças e prejudicar a qualidade dos cuidados prestados1616. Jesus ITM, Orlandi AA dos S, Zazzetta MS. Burden, profile and care: Caregivers of socially vulnerable elderly persons. Rev Bras Geriatr Gerontol [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 28];21(2):194-04. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-22562018021.170155
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-1717. Leite BS, Camacho ACLF, Joaquim FL, Gurgel JL, Lima TR, Queiroz RS. Vulnerability of caregivers of the elderly with dementia: a cross-sectional descriptive study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 19];70(4):682-8. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0579
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. Mesmo os cuidadores mais resilientes estão sujeitos a conviver com as dificuldades decorrentes da rotina de cuidado, com algum grau de sobrecarga física, emocional e desgaste no papel de cuidador1313. Couto AM, Caldas CP, Castro EAB. Home care for dependent elderly patients by caregivers with overload and stress. Rev Pesq [Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 13];11(4):944-50. Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i4.944-950
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.

As alterações da vida pessoal resultantes da sobreposição de tarefas referentes ao ato de cuidar - de modo que os cuidadores renunciem às necessidades próprias e abdiquem de muitos dos seus interesses, passando a apresentar restrições no tocante à própria vida pessoal - podem ser determinantes para a sensação de sobrecarga11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Guia prático do cuidador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2008 [cited Aug 14]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/guia_pratico_cuidador.pdf
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88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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. A exposição à sobrecarga física e emocional e alterações na rotina de vida dos cuidadores familiares de idosos dependentes estão diretamente relacionadas com a qualidade de vida dos membros envolvidos1919. Fernandes SC, Angelo M. Family caregivers: what do they need? An integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 26];50(4):675-82. Available from: https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000500019
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.

O ato de cuidar de um ente querido, de um lado, pode ser gratificante e considerável, por representar uma forma de retribuição ao cuidado outrora recebido; por outro lado, se a obrigação é o único motor da tarefa, o cuidado gera sobrecarga e, por conseguinte, torna desgastante o processo, especialmente quando não é possível escolher ser (ou não ser) cuidador e quando o cuidado incide sobre um familiar apenas1515. Costa AF, Lopes MCBT, Campanharo CRV, Batista REA, Okuno MFP. Quality of life and burden of caregivers of elderly people. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 20];29:e20190043. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0043
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. Nesse contexto, a fé e a religiosidade são estratégias utilizadas como apoio e forma de enfrentamento dos aspectos negativos na relação de cuidado, sendo estratégias eficazes de enfrentamento do estresse, da angústia, da depressão e da própria sobrecarga resultante do processo de cuidar1313. Couto AM, Caldas CP, Castro EAB. Home care for dependent elderly patients by caregivers with overload and stress. Rev Pesq [Internet]. 2019 [cited 2022 Dec 13];11(4):944-50. Available from: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i4.944-950
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.

Os significados dados à vivência e à experiência de cuidar podem colaborar para a reflexão dos cuidadores de idosos sobre a relação entre os comportamentos e os hábitos ligados à saúde assumidos no decorrer da vida e a influência deles no envelhecimento, de modo que se possibilita uma ressignificação desse processo1212. Ferreira CR, Isaac L, Ximenes VS. Cuidar de idosos: Um assunto de mulher? Est Inter Psicol [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 13];9(1):108-25. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072018000100007
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. Os filhos sentem, com base em suas percepções e relações, o dever e a obrigação de cuidar e de apoiar os pais ao longo do envelhecimento; sentem a gratidão por poderem cuidar, na qualidade de retribuição pelo cuidado recebido77. Sousa GS de, Silva RM da, Reinaldo AM dos, Soares SM, Gutierrez DMD, Figueiredo M do LF. “A gente não é de ferro:” Vivências de cuidadores familiares sobre o cuidado com idosos dependentes no Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2023 Jan 15];26(1):27-6. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30172020
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.

Os sentimentos como amor, caridade e gratificação foram identificados como compromisso de cuidar e trazem consigo uma retribuição de afeto2020. Velasco HJL, Sanches RCN, Radovanovic CAT, Carreira L, Salci MA. Influências da sobrecarga no cônjuge do cuidador do idoso fragilizado. J Nurs UFPE [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 30];12(3):658-64. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/25349
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. A ajuda mútua no seio do ambiente familiar produz confiança e bem-estar a todos os membros; esses aspectos positivos da convivência em família favorecem um ambiente de solidariedade e união, bem como interferem positivamente no estado de ânimo/humor dos integrantes, o que contribui consideravelmente para manter a integridade física e psicológica dos indivíduos1919. Fernandes SC, Angelo M. Family caregivers: what do they need? An integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2022 Oct 26];50(4):675-82. Available from: https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000500019
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-2020. Velasco HJL, Sanches RCN, Radovanovic CAT, Carreira L, Salci MA. Influências da sobrecarga no cônjuge do cuidador do idoso fragilizado. J Nurs UFPE [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 30];12(3):658-64. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/25349
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Uma revisão de escopo2121. Soong A, Au ST, Kyaw B, Kyaw BM, Theng YL, Car LT. Information needs and information seeking behaviour of people with dementia and their non-professional caregivers: A scoping review. BMC Geriatr [Internet]. 2020 [cited 2022 Nov 14];20:61. Available from: https://doi.org/10.1186/s12877-020-1454-y
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evidenciou que a necessidade mais frequente de cuidadores de pacientes com demência foram as informações referentes aos serviços de saúde. Outra pesquisa2222. Andrade C, Tavares M, Soares H, Coelho F, Tomás C. Positive mental health and mental health literacy of informal caregivers: A scoping review. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2022 [cited 2022 Nov 16];19(22):15276. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph192215276
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mostrou que a falta de informações e o suporte no cuidado contribuem para os determinantes de saúde mental negativa dos cuidadores. Já a qualidade de vida, a autoestima e a confiança são preditores de saúde mental positiva. A necessidade de informação e suporte para os cuidadores também foi encontrada em uma pesquisa2323. Takechi H, Hara N, Eguchi K, Inomata S, Okura Y, Shibuya M, et al. Dynamics of interaction among professionals, informal supporters, and family caregivers of people with dementia along the dementia care pathway: a nationwide survey in Japan. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2023 [cited 2022 Nov 20];20(6):5044. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph20065044
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nacional recente desenvolvida no Japão.

Nessa linha, realizou-se estudo2424. Riffin C, Wolff JL, Pillemer KA. Assessing and addressing family caregivers' needs and risks in primary care. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 18];69(2):432-40. Available from: https://doi.org/10.1111/jgs.16945
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com médicos americanos generalistas, de medicina interna e geriatras, vinculados à Atenção Primária à Saúde, com o objetivo de investigar as abordagens, as necessidades e os riscos dos cuidadores familiares. Os resultados demonstraram que poucos profissionais efetuaram uma avaliação formal do cuidador familiar mediante um instrumento padronizado. Dentre os temas abordados por meio de discussões informais, foram relatados o gerenciamento da segurança do paciente pelos cuidadores, a capacidade de prestar assistência e a necessidade de apoio. A maioria dos entrevistados realizou o encaminhamento dos cuidadores a outros serviços para que as necessidades desses usuários fossem atendidas, justificando tal conduta pela falta de tempo. Sobre os médicos da Atenção Primária à Saúde que fazem a avaliação das necessidades e dos riscos dos cuidadores, outros pesquisadores2525. Park T, Pillemer K, Loeckenhoff C, Suitor JJ, Riffin C. What motivates physicians to address caregiver needs? The role of experiential similarity. J Appl Gerontol [Internet]. 2023 [cited 2022 Nov 24];42(5):1003-12. Available from: https://doi.org/10.1177/07334648231151937
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identificaram fatores que contribuem para a responsabilidade desses profissionais, como a experiência pessoal com o cuidado, ser mulher e mais madura e o tempo de atendimento ambulatorial.

Ainda, um grupo de pesquisadores2626. Guthrie DM, Williams N, Beach C, Maxwell CJ, Mills D, Mitchell L, et al. Development and validation of Caregiver Risk Evaluation (CaRE): A new algorithm to screen for Caregiver Burden. J Appl Gerontol [Internet]. 2021 [cited 2023 Feb 18];40(7):731-41. Available from: https://doi.org/10.1177/0733464820920102
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no Canadá desenvolveu e validou um novo instrumento para avaliar o risco de sobrecarga de cuidadores, o Caregiver Risk Evaluation (CaRE) algorithm. Esse novo instrumento é um método eficiente para os profissionais descobrirem quais famílias precisam de cuidados, suporte ou serviços adicionais. O CaRE possibilita tanto a identificação rápida dos cuidadores que estão sob risco quanto a conexão com o suporte e os serviços, reduzindo a necessidade de admissões em instituições de longa permanência para os recebedores dos cuidados.

Quanto a esse ator social denominado “cuidador”, aos poucos, estudos vêm discutindo sobre sua saúde, já que esta é importante para a garantia, preservação ou recuperação da saúde da pessoa cuidada. Assim, é de grande valia que os profissionais de saúde, em seus planos assistenciais, levem em consideração esse sujeito, visando proporcionar um apoio melhor e um cuidado de maior qualidade no domicílio1414. Souza ID, Pereira JA, Silva EM. Between State, society and family: The care of female caregivers. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Dec 19];71(6):2720-27. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0111
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,2020. Velasco HJL, Sanches RCN, Radovanovic CAT, Carreira L, Salci MA. Influências da sobrecarga no cônjuge do cuidador do idoso fragilizado. J Nurs UFPE [Internet]. 2018 [cited 2022 Oct 30];12(3):658-64. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/25349
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. Porém, a existência de ações do Estado brasileiro na formulação de propostas que beneficiem os idosos dependentes e seus cuidadores ainda está em construção33. Minayo MC de S. Cuidar de quem cuida de idosos dependentes: por uma política necessária e urgente. Cienc Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2022 Aug 12];26(1):7-15. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232020261.30872020
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. Mesmo países desenvolvidos como o Japão2323. Takechi H, Hara N, Eguchi K, Inomata S, Okura Y, Shibuya M, et al. Dynamics of interaction among professionals, informal supporters, and family caregivers of people with dementia along the dementia care pathway: a nationwide survey in Japan. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2023 [cited 2022 Nov 20];20(6):5044. Available from: https://doi.org/10.3390/ijerph20065044
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e os Estados Unidos2424. Riffin C, Wolff JL, Pillemer KA. Assessing and addressing family caregivers' needs and risks in primary care. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2021 [cited 2022 Nov 18];69(2):432-40. Available from: https://doi.org/10.1111/jgs.16945
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, com programas e políticas específicas implantadas, também apresentam dificuldades relacionadas ao suporte aos cuidadores.

Ademais, as equipes de saúde precisam conhecer o perfil daqueles que são cuidadores de idosos e suas dificuldades, integrando esse cuidador na operacionalização de suas ações. Compreender a vulnerabilidade do cuidador é o primeiro movimento para a elaboração das prescrições de cuidados abarcando as necessidades desse público, com vistas a reduzir riscos e elevar a qualidade de vida do idoso, do cuidador e da família88. Felipe SGB, Oliveira CE de S, Silva CRDT, Mendes PN, Carvalho KM de, Lopes Silva-Júnior F, et al. Anxiety and depression in informal caregivers of dependent elderly people: an analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2022 Dec 15];73(1):e20190851. Available from: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0851
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,1717. Leite BS, Camacho ACLF, Joaquim FL, Gurgel JL, Lima TR, Queiroz RS. Vulnerability of caregivers of the elderly with dementia: a cross-sectional descriptive study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2022 Oct 19];70(4):682-8. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0579
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. Como observado por outro autor,2727. Lima CMF, Peixoto SV, Malta DC, Szwarcwald CL, Mambrini JVM. Informal and paid care for Brazilian older adults (National Health Survey, 2013). Rev Salud Pública [Internet]. 2017 [cited 2022 Nov 12];51(1):6s. Available from: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051000013
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a família não deve, sozinha, assumir o encargo de cuidar do ente querido dependente: esse cuidado deve ser dividido entre a família, o Estado e a sociedade civil.

A limitação do presente estudo está no fato de ter sido realizado no domicílio, onde, em algumas situações, o familiar estava presente durante a entrevista e pode ter inibido o participante na resposta a algumas questões.

O estudo, além de ampliar o conhecimento acerca da saúde e da sobrecarga, sentimentos e vivências do cuidador familiar de idosos, possibilita aos profissionais da enfermagem e da saúde repensar novas práticas e formas de produzir o cuidado. Assim, faz-se necessário compreender que o cuidador é um importante ator social e que a sua saúde está relacionada à saúde do receptor do cuidado. Nesse sentido, cabe aos profissionais de saúde realizar ações de natureza preventiva aos cuidadores de idosos, compreendendo suas limitações e fragilidades e fazendo uso de atividades de apoio e de orientação individual ou coletiva, mediante grupos de cuidadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo evidenciou que o exercício da função de cuidador não é apenas uma tarefa com atribuições definidas, mas também uma representação social do ser cuidador relacionada com o contexto e valores culturais e familiares nos quais está inserido. Os achados corroboram as evidências da literatura referentes às questões de gênero, especificamente ao fato de que a tarefa de cuidar é uma função naturalmente atribuída à mulher.

Os resultados mostraram que a sobrecarga é potencializada pelo excesso de responsabilidade, falta de apoio de outros membros da família e exigência alta devido ao grau de comprometimento e debilidade física do idoso. Ainda com relação ao aspecto cultural do cuidado, demonstrou-se a influência das crenças e das práticas religiosas, as quais fazem acreditar que o cuidado é uma designação divina. Entretanto, observou-se que cuidadores com sentimentos de gratidão dão menos ênfase à sobrecarga, entendendo a experiência do cuidado como oportunidade de retribuir o cuidado outrora recebido.

Os participantes que relataram sintomas psicológicos como ansiedade, medo e não reconhecimento do cuidado prestado tiveram maior queixa de sobrecarga do que aqueles que referiram apenas sintomas físicos derivados da rotina do cuidado - por exemplo, lombalgias. O envolvimento de outros familiares na alternância do cuidado, no amparo afetivo, na divisão de tarefas e no suporte financeiro demonstrou trazer mais satisfação na realização do cuidar, na liberdade e no tempo para expressar afetos e emoções.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a relação entre cuidador e idoso destinatário do cuidado é permeada por aspectos subjetivos. Assim, sugere-se aos gestores e profissionais, sobretudo da rede de serviços de saúde e assistência social, o desenvolvimento de estratégias de orientação e de apoio aos cuidadores com vistas ao compartilhamento de conhecimento bem como apoio emocional e psicológico ao cuidador, para que este tenha mais tempo e cuidado consigo mesmo.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Cuidadores familiares de idosos e condições de saúde física, psicológica e apoio familiar no cuidado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde, da Universidade Luterana do Brasil, em 2023.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

    Concepção do estudo: Sartori IFG, Hirdes A. Coleta de dados: Sartori IFG. Análise e interpretação dos dados: Sartori IFG, Hirdes A. Discussão dos resultados: Sartori IFG. Redação e/ou revisão crítica do conteúdo: Hirdes A, Almeida Neto H. Revisão e aprovação final da versão final: Hirdes A.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, parecer n. 5.607.510/2022, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 59760122.2.0000.5349.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: José Luís Guedes dos Santos, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2023
  • Aceito
    17 Jul 2023
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