MODELO TEÓRICO DE ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO: CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

RESUMO

Objetivo:

Construir, a partir dos conceitos e afirmações, um modelo teórico para enfermagem de reabilitação com base no reconhecimento intersubjetivo, focado no bem-viver da pessoa em sua diversidade.

Método:

Trata-se de um estudo metodológico calcado na fundamentação de Construção de Teoria descrito por Walker e Avant para a síntese um modelo teórico de enfermagem. A síntese busca organizar um arranjo de conceitos e afirmações que possibilitam visualizar a relação de reabilitação entre as pessoas do modelo.

Resultados:

O modelo teórico foi centrado na relação interpessoal entre Pessoa e enfermeiro, tal relação gera os relacionamentos de Reabilitação e Reconhecimento que atuam positivamente em ambos e possibilita a autorrealização, a participação autônoma e igualitária da pessoa em reabilitação, garantindo seu bem-viver social.

Conclusão:

O bem-viver da pessoa em reabilitação pode ser incentivado, ou ainda garantido, numa relação intersubjetiva de reconhecimento que acontece quando enfermeiro e pessoa cuidada se compreendem em suas diferenças, respeitando, confiando e estimando socialmente um ao outro, fortalecendo como resultado dessa reabilitação uma autonomia, liberdade social e dignidade humana.

DESCRITORES:
Reabilitação; Cuidados de Enfermagem; Esperança; Filosofia; Filosofia em Enfermagem; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

based on the concepts and assertions, to create a Rehabilitation Nursing theoretical model grounded on intersubjective recognition and focused on each person's good life and diversity.

Method:

this is a methodological study anchored in the Theory Construction grounds described by Walker and Avant for the synthesis of a theoretical Nursing model. The synthesis seeks to organize an arrangement of concepts and assertions that allow seeing the rehabilitation relationship between the people included in the model.

Results:

The theoretical model was focused on the interpersonal relationship between Person and Nurse, which generates the Rehabilitation and Recognition relationships that exert a positive influence on both and enables self-fulfillment, as well as autonomous and equal participation of the rehabilitating person, thus ensuring their social good life.

Conclusion:

the rehabilitating person's good life can be encouraged, or even ensured, in an intersubjective recognition relationship that takes place when both nurses and the people cared for understand each other in their differences, respecting, trusting and socially valuing each other, thus strengthening human autonomy, social freedom and dignity as a result of this rehabilitation.

DESCRIPTORS:
Rehabilitation; Nursing Care; Hope; Philosophy; Philosophy in Nursing; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

a partir de los conceptos y las afirmaciones, construir un modelo teórico para Enfermería de rehabilitación sobre la base del reconocimiento intersubjetivo, enfocado en la buena vida de las personas en su diversidad.

Método:

estudio metodológico basado en la fundamentación de Construcción de Teorías descrita por Walker y Avant para realizar la síntesis de un modelo teórico de Enfermería. La síntesis pretende organizar diversos conceptos y afirmaciones que permiten visualizar la relación de rehabilitación entre las personas incluidas en el modelo.

Resultados:

el modelo teórico se centró en la relación interpersonal entre Persona atendida y Enfermero; dicha relación genera las vinculaciones de Rehabilitación y Reconocimiento que ejercen influencias positivas en ambos y hace posible la autorrealización y la participación autónoma e igualitaria de la persona en rehabilitación, garantizando así su buena vida social.

Conclusión:

la buena vida de una persona en rehabilitación puede incentivarse, o incluso garantizarse, en una relación intersubjetiva de reconocimiento que tiene lugar cuando tanto el enfermero como la persona atendida se comprenden en sus diferencias, con mutuo respeto, confianza y estimación social, fortaleciendo la autonomía, libertad social y dignidad humana como resultado de esa rehabilitación.

DESCRIPTORES:
Rehabilitación; Atención de Enfermería; Esperanza; Filosofía; Filosofía en Enfermería; Enfermería

INTRODUÇÃO

A enfermagem de reabilitação existe enquanto cuidado especializado em poucos países do mundo, sendo que a atuação de enfermeiros nos cuidados às pessoas em reabilitação no Brasil é pautada no modelo biopsicossocial, e entende a enfermagem de reabilitação como a busca por maximizar as habilidades funcionais, a ótima saúde e a adaptação às alterações no estilo de vida 1^- 3.

Pensa-se uma ideia mais ampla sobre a enfermagem de reabilitação do que a colocada nas definições do Regulamento de Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Reabilitação de Portugal 4, onde é expresso que esse cuidado permite ajudar as pessoas com doenças agudas, crônicas ou com sequelas a maximizar o seu potencial funcional e independência, entendendo que a enfermeiro quando no cuidado de reabilitação cuida de todas as pessoas da diversidade humana, e não apenas as doentes, com propósito em seu bem-viver, reconstrução e autorrealização 5.

O conhecimento específico da enfermagem de reabilitação com foco na manutenção e promoção do bem-viver, maximizando as capacidades, vem se transformando de forma construtivista com base em um cuidado de enfermagem de reabilitação complexo e com olhar crítico e reflexivo sobre a sociedade e as pessoas em sua diversidade 6. É preciso que os enfermeiros reconheçam que seu conhecimento teórico e prático sobre a reabilitação é apenas parte integrante de uma organização social do mundo, ponderando sobre suas intervenções de cuidado à saúde e educação, em constante reconstrução no ambiente dialógico 7^- 8.

Inclusive, o processo formativo tem sido discutido na atualidade como uma forma de evidenciar essa mudança paradigmática do olhar da enfermagem de reabilitação para o cuidado da pessoa diversa 9. Além disso, a especialidade apresenta uma crescente prosperidade enquanto ao reconhecimento legal na profissão em muitos países, provocando até mesmo o Brasil a questionar a prática deste profissional e sua incipiência literária e regulamentadora 10. A partir disso, o exercício profissional de enfermeiros de reabilitação carrega conceitos firmes de autonomia, autoestima, autoconfiança, autorrespeito e autocuidado que potencializam os debates acerca do desenvolvimento desta prática clínica 11.

Com essa proposta de entender a enfermagem de reabilitação focada na reconstrução da pessoa diversa para seu bem-viver procurou-se um modelo teórico de enfermagem que, direcionado ao cuidado de reabilitação, acrescenta-se positivamente ao conhecimento fundador dessa prática. Os modelos conceituais de incapacidade, tanto o individual, o social e o integrado (Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF), são em muito utilizados pela enfermagem de reabilitação no mundo, auxiliados por teorias como do Autocuidado de Orem (1979), da Adaptação de Roy (1991) ou da Consecução de objetivos de King (1981) eles formam uma base teórica que fundamenta o cuidado de reabilitação. Porém, nenhum desses modelos e teorias é focado especificamente no cuidado de enfermagem de reabilitação, e apesar de utilizarem definições da autonomia, autocuidado e bem-estar, nenhum deles foca especificamente no bem-viver da pessoa como foco do cuidado de enfermagem 5^- 6.

A necessidade de alcançar conhecimentos teóricos próprios aos cuidados de enfermagem de reabilitação fez suscitar a ideia de construir um modelo teórico de enfermagem de reabilitação, tal apontamento inicial se deu na construção do trabalho de Pós-doutorado de uma das autoras, quando essa estudava a Teoria de Reconhecimento de Axel Honneth 12, para embasar uma pesquisa em enfermagem de reabilitação com foco no reconhecimento intersubjetivo.

A ideia de buscar suporte em uma teoria social, como a teoria do reconhecimento de Honneth, se faz para auxiliar a compreensão da autorrealização saudável das pessoas em sociedade a partir do reconhecimento de sua identidade social que é complexa e diversa. E retoma o processo de reabilitação da pessoa cuidada como agente de desenvolvimento de sua independência no autocuidado, e com esse enfoque temos que diversos componentes podem contribuir ou agir como barreiras nessa reconstrução da pessoa para o bem-viver, sejam esses aspectos sociais, culturais ou sistêmicos 12.

Desta ideia inicial, surgem inquietações sobre a relação intersubjetiva do enfermeiro com a pessoa em reabilitação, tais questionamentos promovem a busca por interações com estudiosos de áreas de estudo da enfermagem de reabilitação e da teoria crítica, a qual Honneth com sua ideia de reconhecimento faz parte, embasando assim um cuidado de enfermagem de reabilitação com objetivo no bem-viver das pessoas em sua diversidade. Os estudiosos que participaram desses grupos de estudos realizados pela professora orientadora com as suas orientandas de doutorado, foram dois professores doutores uma formada em Enfermagem e Doutora em enfermagem com especialização em Enfermagem de Reabilitação, e o outro Sociólogo com Doutorado em Ciências Políticas com foco nos estudos de Axel Honneth. Esses encontros focaram no estudo da enfermagem de reabilitação e sua relação com a teoria do reconhecimento, suscitando a construção de uma teoria de enfermagem própria a enfermagem de reabilitação e com enfoque na relação intersubjetiva de reconhecimento entre enfermeiro e pessoa cuidada. Disso, duas pesquisas consequentes, de construção do modelo teórico de reabilitação e de construção da teoria de enfermagem de reabilitação, como resultado de duas teses de doutorado foram implementadas. Então, como o objetivo para a concepção deste trabalho tem-se: Construir, a partir dos conceitos e afirmações, um modelo teórico para enfermagem de reabilitação com base no reconhecimento intersubjetivo, focado no bem-viver da pessoa em sua diversidade.

MÉTODO

Inicialmente buscou-se um método clássico e ortodoxo para construção de modelos teóricos e teorias em enfermagem, e dessa busca encontrou-se o trabalho de Walker e Avant 13 denominado “ Strategies for theory construction in nursing”, tal trabalho é um guia metodológico para construção de teorias em enfermagem e está disponível apenas na língua inglesa. Para dar suporte a essa construção metodológica de um modelo teórico, sendo esse o primeiro estudo realizado, foram utilizados outros suportes literários, de estudiosas em teorias de enfermagem, sendo que o trabalho de Fitzpatrick e Whall 14 intitulado “ Conceptual models of nursing: analysis and application” também foi utilizado como suporte para iniciar a construção teórica do modelo de enfermagem de reabilitação, e, o trabalho de Fawcett e Downs 15 intitulado “ The relationship of theory and research” embasou as necessidades de estratégias para a construção teórica proposta por Walker e Avant. Além disso, utilizou-se da teoria do reconhecimento de Honneth 9 como suporte filosófico para a construção do modelo proposto.

Foram seguidas algumas estratégias propostas por Walker e Avant que possibilitam que o Modelo Teórico proposto viabilize a compreensão e atuação da enfermagem de reabilitação embasada cientificamente 13, estas estratégias estão sequenciadas e contextualizadas a seguir:

1) Análise de conceitos - Estratégia que permite o exame das características do conceito, propondo a distinção dos atributos definitivos do conceito e dos atributos irrelevantes, tratando de uma análise útil de redefinição de conceitos ambíguos da teoria, para o esclarecimento de conceitos vagos, o que na prática de enfermagem é importante para o emprego de conceitos aliados à prática. Nesse processo de análise, seleciona-se um conceito a fim de identificar todos os usos a serem descobertos, sendo usualmente realizada no exame das informações e na preparação para a pesquisa;

2) Síntese de conceitos - Estratégia que desenvolve conceitos baseados na observação e em dados empíricos, com o propósito de gerar novas ideias examinando as informações para a construção de conceitos úteis nas áreas onde existe pouco desenvolvimento acadêmico ou em áreas onde os conceitos desenvolvidos têm pouco impacto na teoria e na prática. Para realização dessa estratégia é utilizado uma abordagem a literatura, que envolve um exame rigoroso da literatura existente com propósito de adquirir novos insights sobre o fenômeno de interesse;

3) Análise de afirmações - Esse é o processo que examina as afirmações para determinar em que forma essas estão apresentadas e suas interrelações entre os conceitos dessas afirmações, avaliando-as de forma ordenada com propósito de determinar se as afirmações são úteis, informativas e corretas logicamente, sendo que quaisquer deficiências na afirmação podem ser corrigidas;

4) Síntese de afirmações - Essa estratégia visa especificar relacionamentos entre dois ou mais conceitos com base em evidências advindas de diversas fontes, como observações clínicas diretas de indivíduos, informações estatísticas coletadas de um grande número de pessoas ou, no caso dessa construção de um modelo teórico, materiais literários que relatam pesquisas concluídas. Durante a realização da síntese de afirmações, por diversas vezes, as afirmações necessitam ser reescritas para que tenham mais clareza de significado, estruturadas como equações que simplificam as relações entre todas as afirmações;

5) Síntese de teoria - Focada na construção da teoria e de um sistema de interrelação de ideias, a partir de evidências empíricas. O propósito geral de síntese de teorias é representar um fenômeno através de um grupo de interrelações de conceitos e afirmações, sendo que mais alguns intuitos dessa síntese de teorias incluem representar os fatores que precedem ou influenciam um evento em particular, bem como os efeitos que ocorrem após um evento, descrevendo as informações científicas de maneira mais organizada teoricamente.

Possibilitando a realização de todas as estratégias metodológicas propostas pelas autoras citadas, sendo passível de avaliação criteriosa os passos da construção do modelo teórico, utilizou-se de um guideline elaborado por Fitzpatrick e Whall, como guia organizacional, sendo que os conceitos básicos à construção de teorias foram estabelecidos por tal instrumento. Estes conceitos básicos são: pessoa; ambiente; saúde; e enfermagem 14.

RESULTADOS

Os conceitos básicos para a construção de um modelo teórico nortearam a escolha dos conceitos geradores para o Modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação, possibilitando a criação de categorias conceituais iniciais, sendo essas: Enfermagem; Ambiente; Pessoa; Saúde; e Tempo.

Esses conceitos-chave foram, exaustivamente, estudados e a partir dos achados foi constituído um “mapa cerebral” com centralidade na relação da Pessoa em Reabilitação com o Enfermeiro que atua em seu cuidado. Essa relação foi pautada em dois conceitos relacionando tanto a Enfermagem quanto na Intersubjetividade da relação, pautadas nos conceitos Enfermagem de Reabilitação e Reconhecimento. Para tal, foi necessário suporte nas ciências sociais e o referencial teórico da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, sendo compreendido que uma pessoa na busca por reconhecimento, tem um grau de reconhecimento da própria intersubjetividade, podendo validar a subjetividade alheia, o que parece apropriado para dar início a uma relação entre duas pessoas de forma que ambas sintam acréscimo em sua Autoconfiança, Autorrespeito e Autoestima, assim, a relação de cuidado entre enfermeiro e pessoa em reabilitação pode incentivar a intersubjetividade dos sujeitos envolvidos e assim o reconhecimento pelo amor, direito e solidariedade 15.

Com o aprofundamento teórico sobre os conceitos necessários para a construção do modelo, o mapa cerebral, apresentado na Figura 1, mostra-se com conceitos organizados de forma que a relação Pessoa e enfermeiro seja central. Dessa relação o Reconhecimento orienta a definição dos conceitos ambientais e intersubjetivos, enquanto a Reabilitação orienta o processo temporal, e a Enfermagem consiga atuar como parte integrante do processo temporal, pautada no ambiente sociocultural, definindo a saúde que se espera.

Figura 1 -
Mapa cerebral com conceitos iniciais para construção do Modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação para o Bem-viver

Temos ainda, como fim prático e teórico, a ideia do Bem-Viver da pessoa em reabilitação. Esse Bem-Viver é colocado em termos de autonomia, qualidade de vida, bem-estar ou emancipação. O mapa cerebral tem como papel possibilitar uma visão ampla e geral, dos conceitos iniciais, que através da análise e síntese conceitual, iniciam o processo de construção de um modelo teórico de enfermagem, sendo esse baseado nos conceitos estruturadores: Enfermagem; Saúde; Pessoa; Ambiente; e Tempo.

Da análise e síntese conceitual o conceito Saúde permanece como central sem necessidade de outros conceitos auxiliares ao seu entendimento, já o conceito de Enfermagem faz suscitar outros dois conceitos definidores para o modelo, Cuidado de Enfermagem e Enfermagem de Reabilitação. Também o conceito de Pessoa é desenvolvido com fundamento em diversos conceitos que permitem sua elaboração complexa e aprofundada, sendo necessário o desenvolvimento de três níveis de conceitos guiados pelas definições de Individuação, Intersubjetividade e Participação Autônoma e Igualitária, que podem ser organizados a partir dos conceitos: Identidade; Biológico; Consciência; Espírito; Vontade; Diversidade; Respeito Social; Amor; Direito; Solidariedade; Autorrealização; Auto estima; Auto respeito; Auto confiança. Tais conceitos permitem a visão de um campo amplo no fenômeno da Pessoa cuidada, assim como, da Pessoa que cuida.

O conceito de Ambiente, que expressa o local em que a Pessoa vive pensando não apenas no físico, mas em aspectos sociais, culturais, psicológicos, identitários, biológicos, espirituais. Alguns dos conceitos, que em seu desenvolvimento por análise e síntese, auxiliam na construção do conceito final de Ambiente, os principais dele são Diversidade, Vidas Intersubjetivas e Reconhecimento, sendo que esses são definidos com base em outros conceitos, que são: Obstáculos; Intuição recíproca; Realidade Social; Desigualdade; Liberdade; Intersubjetividade; Universalização; Conflito Social; Tensão Moral; Reificação; Impulso Moral; Justiça; Ética; Mutualidade; Reciprocidade; Dignidade; Bem-viver. E por fim, o conceito de Tempo, surge de uma síntese analítica do conceito de Devir, Luta Social e Contemporaneidade.

Iniciando-se a análise precisa-se formatar as afirmações que serão analisadas e sintetizadas. Essas afirmações são baseadas na relação Pessoa Cuidada e enfermeiro enquanto pessoa que atua na reabilitação afirmando-se a princípio que, a Pessoa, tanto a pessoa cuidada quanto o enfermeiro, parte de afirmações formuladas na subjetividade individual. Porém, quando há a relação intersubjetiva entre enfermeiro e pessoa cuidada há o entrelaçamento de afirmações que relacionam os conceitos principais de Saúde, Pessoa, Ambiente e Tempo.

O primeiro passo para a análise das afirmações, a seleção das afirmações, mostrou um levantamento de 172 afirmações iniciais, e em um segundo momento buscou-se reduzir o número de afirmações, bem como, colocá-las em termos mais complexos e abstratos, priorizando as afirmações relacionais que estruturam o modelo teórico de enfermagem de reabilitação. Tais afirmações relacionais permitem a análise criteriosa dos conceitos utilizados para a construção de afirmações.

As afirmações que são passíveis de aplicação por serem logicamente testáveis, e que dizem respeito a construção teórico-prática do modelo para enfermagem de reabilitação, são expressas em sua contextualização lógica, baseada em literatura científica da enfermagem, filosofia e sociologia, e essas afirmações selecionadas são em um total de 43, onde todas foram testadas durante a realização de síntese de afirmações.

A síntese de afirmações visa a construção de afirmações teóricas a partir da inter-relação de dois ou mais conceitos, sendo que tal método pode ocorrer de diversas maneiras, e a apropriada para a construção do modelo teórico de enfermagem de reabilitação é a busca por conhecimentos específicos da área de pesquisa através da literatura existente, juntando as afirmações, e às expondo de forma organizada por relevância na relação do Cuidado de Enfermagem, entre Pessoa cuidada e enfermeiro, sendo a Reabilitação e o Reconhecimento as relações centrais, e que sofrem influência das outras afirmações e conceitos do modelo.

Após a síntese das afirmações inicia-se os passos procedimentais da síntese de teorias, e podemos colocar que, os níveis intersubjetivos da Pessoa, a intersubjetividade, a diversidade, a esperança, a reconstrução, a autonomia e a saúde biopsicossocial ou biológica, influenciam em sua relação interpessoal colocada no modelo, enquanto o Ambiente influi diretamente nas pessoas da relação através de conceitos de reconstrução, liberdade social, justiça social, obstáculos, desigualdade, impulso moral, conflitos sociais e lutas sociais.

A relação interpessoal de Reabilitação é uma relação positiva e assim, influencia positivamente na Pessoa em sua subjetivação e reconhecimento. A reabilitação partindo do Enfermeiro para a Pessoa é incentivadora da saúde biopsicossocial da pessoa, mas além disso, promove o aumento de sua diversidade, intersubjetividade, esperança, reconstrução, liberdade social, consciência e reconhecimento. Além disso, a reabilitação diminui na pessoa, a desigualdade e a injustiça social.

Quanto à relação de Reconhecimento, pode-se afirmar que influencia em ambas as pessoas da relação positivamente, na subjetivação da pessoa, aumentando a autorrealização, autoconfiança, autorrespeito, autoestima, dignidade humana, liberdade social, participação autônoma e igualitária. Na Pessoa em reabilitação a relação intersubjetiva de Reconhecimento diminui os conflitos sociais, os obstáculos, o impulso moral, a desigualdade social e a injustiça social. Pode-se afirmar então, que a pessoa tem aumentada ou garantida sua Autorrealização, Participação Autônoma e Participação Igualitária, permitindo sintetizar o objetivo final do modelo teórico de enfermagem de reabilitação, que é propor o aumento ou a garantia do Bem-Viver.

Por fim, fez-se um diagrama proposto como modelo teórico de Enfermagem de Reabilitação ( Figura 2), que exprime de forma visual a relação intersubjetiva entre enfermeiro e pessoa cuidad

Figura 2 -
Modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação para o Bem-viver

DISCUSSÃO

Utilizando-se da síntese de teorias proposta por Walker e Avant 13 foi possível sistematizar e organizar os conceitos e afirmações propostas a um Modelo Teórico pautado na relação interpessoal entre Enfermeira e Pessoa no contexto da enfermagem de reabilitação. Tal síntese foi desenvolvida nos princípios básicos necessários a uma teoria de enfermagem formal, que são os conceitos de Pessoa, Ambiente, Saúde e Enfermagem, e seguiu uma extensa pesquisa literária que buscou em artigos científicos e literaturas clássicas tanto da enfermagem quanto da sociologia e filosofia. A abordagem da síntese de teorias possibilita aos pesquisadores uma análise profunda dos componentes internos e externos da relação colocada como foco central do modelo, que é a relação Pessoa e Enfermeira, norteando questões necessárias de esclarecimento para a construção final do modelo. Além disso, a partir do Diagrama do Modelo Teórico é possível a futura validação de uma Teoria de Enfermagem de Reabilitação.

Para além da utilização de um método fidedigno e clássico para a construção do Modelo Teórico é necessário discutir aqui a importância das relações colocadas como centrais no modelo, na Reabilitação e no Reconhecimento. Diversas teóricas de enfermagem foram visitadas para oportunizar contributos interessantes aos conhecimentos de enfermagem de reabilitação, sem esmorecer o valor da inovação científica e crítica aos modelos atuais em vigência 16.

A Reabilitação, proposta como um processo de trabalho do enfermeiro de reabilitação com o objetivo de aumentar o Bem-viver da pessoa em sua diversidade sociocultural, deve ser compreendida aqui como uma relação positiva que parte do enfermeiro para a pessoa em busca de garantir sua dignidade humana e incentivar sua liberdade social e autonomia 17. Esse ponto de vista inédito sobre o cuidado de enfermagem de reabilitação desvela a crescente estima pela pesquisa da especialidade por tratar-se de uma investigação contemporânea que debate a própria realidade. Isto é, busca no impacto social justificar a pesquisa de enfermagem de reabilitação para além do realizado na prática clínica 18.

Essa reabilitação parece abstrata à primeira vista, mas ela parte das ferramentas do enfermeiro no cuidado à pessoa em reabilitação, sendo que tal cuidado deve ser pautado no processo de vida da pessoa, internalizando na relação a esperança e intersubjetividade que a pessoa traz de sua interação histórica e social, ainda esse cuidado deve visar uma formação mais bem-sucedida da subjetividade da pessoa, possibilitando através da relação intersubjetiva uma satisfação de questões biopsicossociais, e intersubjetivas 19.

Apesar de unilateral, a relação de Reabilitação também influencia na intersubjetividade da Enfermeira, pois ao ver a Pessoa atingir suas expectativas de Bem-viver, a Enfermeira reconhece com positividade o seu cuidado de enfermagem, valorizando seu trabalho e atingindo algum grau de autorrealização 20.

O Reconhecimento colocado a partir da relação interpessoal da pessoa cuidada com o enfermeiro de reabilitação e oriundo da teoria do reconhecimento de Axel Honneth 12, cujo foco são as relações intersubjetivas entre as pessoas, o que cabe perfeitamente para um modelo teórico de enfermagem pautado na relação das pessoas quando no cuidado de enfermagem, serviu de base para o entendimento das relações interpessoais com foco na intersubjetividade humana e na possibilidade da autorrealização dessas pessoas garantindo seu bem-viver social. De um lado o enfermeiro de reabilitação se autorrealizando pelo alcance da finalidade do seu trabalho que é o bem viver da pessoa cuidada e, de outro, a (re)construção da pessoa em reabilitação 19.

O reconhecimento, de acordo com a teoria de Honneth 12, é um processo intersubjetivo que tem três dimensões, o amor, o direito e a solidariedade, sendo que tal processo relacional é centrado em um ambiente e tempo pré-determinados pelo contexto histórico, social, cultural e econômico em que as pessoas relacionadas se encontram. Essa relação de reconhecimento é concretizada nas diferenças entre as pessoas, sendo construída conjuntamente durante o processo de relação intersubjetiva, que considera sempre os contextos da pessoa e do enfermeiro, bem como suas ambiências relacionadas a sua socialização e cultura em que está inscrita 17^- 18.

A compreensão da relação intersubjetiva que permeia o cuidado de enfermagem requer reconhecimento mútuo entre enfermeiro e paciente e família. Por isso, é preciso refletir sobre a construção do ser humano consolidado no amor, no direito e na solidariedade. A gramática social deste fenômeno se desdobra em processos de cuidado como uma construção histórica pelo reconhecimento mútuo e intersubjetivo, buscando estabelecer o respeito à dignidade humana e à autonomia. O desrespeito a tais relações resulta na desumanização e desmoralização do sujeito 21.

Pensando nas diferenças, que podem gerar conflitos surge uma tentativa de reconhecimento recíproco entre as pessoas da relação. Assim, o cuidado de enfermagem de reabilitação torna-se um processo pautado na vontade da pessoa cuidada e na confiança, respeito e estima oferecido e recebido pelo enfermeiro na relação intersubjetiva com a pessoa, em busca desse reconhecimento que garante uma autorrealização de ambas para fomentar o bem-viver 19.

O cuidado de enfermagem de reabilitação quando considera esse reconhecimento intersubjetivo como seu foco central, expõe a necessidade de buscar uma relação entre enfermeiro de reabilitação e pessoa cuidada que considere o reconhecimento de direitos sociais, ligações efetivas e estima social, na tentativa de emancipação do sujeito cuidado para além do cuidado prático, mas sendo mais pragmático, atuando positivamente na confiança, estima e respeito da pessoa, de forma otimista, esperançosa e concreta. A relação estabelecida inicia a reabilitação de forma a possibilitar a pessoa em reabilitação capacitar-se para reconstruir sua realidade, descobrindo possibilidades para o bem-viver em sociedade 19^- 20.

Portanto, pensar os marcos da visibilidade de teorias de enfermagem para o desenvolvimento da especialidade de reabilitação é fundamental para a modificação da realidade e práxis 22. É necessário nesse ponto de construção de uma teoria formal validar o modelo teórico de Enfermagem de Reabilitação para aplicação prática, o que será realizado pelo trabalho de outra autora deste estudo, através de bases metodológicas formais da enfermagem e embasado na teoria do reconhecimento de Axel Honneth 12.

A trajetória da enfermagem de reabilitação para o futuro é, dessa forma, marcada pela luta por um preenchimento da lacuna no âmbito da saúde coletiva e da enfermagem de reabilitação, nacional e internacional, colocando a pauta da reflexão sobre o cuidado que é prestado na atualidade e criticando as normativas que enrijecem o processo de cuidar de pessoas em suas diversidades 23^- 24.

Cabe a reflexão sobre o modelo teórico em construção, levando em conta a validade interna e externa, bem como a prática da enfermagem de reabilitação no contexto brasileiro, mais propriamente no Sistema Único de Saúde. É necessário o desenvolvimento de uma teoria próxima da realidade, sem esquecer as nuances do ciclo de viver humano, desde o nascimento até a morte, envolvendo os diferentes níveis de atenção à saúde e contextos regionalizantes 25^- 26.

Tal validação é extremamente necessária para firmar conceitualmente o conhecimento gerado pelo trabalho de construção do Modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação, e possibilitando o incentivo a formação de enfermeiros com conhecimento teórico e prático na reabilitação de pessoas em qualquer momento de seu ciclo vital, e em qualquer contexto sociocultural. É latente a urgência para o reconhecimento da especialidade no contexto brasileiro, mas também se evidencia na literatura atual a necessidade de um arcabouço teórico que alicerce esse conhecimento 22. Espera-se assim, com este trabalho auxiliar na criação de uma formação complementar de especialização da enfermagem de reabilitação no contexto nacional.

CONCLUSÕES

A construção do modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação possibilitou visualizar a relação entre enfermeiro e pessoa cuidada para além da prática dos cuidados de enfermagem pautado no bem-estar biopsicossocial da pessoa com alguma deficiência, e ultrapassou o entendimento de reabilitação para uma relação que possibilita o cuidado a qualquer pessoa independente de sua subjetividade e diversidade, propondo o reconhecimento intersubjetivo das diferenças do outro como aliado na geração de autoconfiança, auto respeito e auto estima, o que acarreta num aumento da autonomia e liberdade social.

É interessante colocar o reconhecimento como aliado do processo de enfermagem de reabilitação, esse entendimento de que vários fatores ambientais, pessoais e temporais podem alterar a relação interpessoal do enfermeiro com a pessoas, e assim os conflitos sociais propiciam uma busca pelo reconhecimento, o que propicia uma luta para participação autônoma e igualitária que só advém da autorrealização gerada por esse reconhecimento na relação. Logo, a pessoa em reabilitação consegue compreender, aprender, resolver, e refletir melhor o cuidado de reabilitação quando é garantida sua participação paritária em sociedade, mostrando a importância do reconhecimento para que o bem-viver seja alcançado como final desse processo.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da Tese - Modelo Teórico de Enfermagem de Reabilitação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina, em 2022.

Editado por

EDITORES

Editores Associados Leticia de Lima Trindade, Maria Lígia Bellaguarda. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  27 Abr 2023
• Aceito
  29 Jun 2023