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BARREIRAS PARA ATENDIMENTO DA DEMANDA EM SAÚDE MENTAL NOS SERVIÇOS ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE CABOVERDIANA

RESUMO

Objetivo:

este estudo tem como objetivo identificar junto aos profissionais caboverdianos, que atuam na Atenção Primária à Saúde as barreiras que, nesse contexto, dificultam o atendimento das pessoas com transtorno mental.

Método:

estudo qualitativo, cujos dados foram coletados entre fevereiro e março de 2020, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas com 43 profissionais que trabalham em cinco Centros de Saúde localizados em regiões urbanas de Cabo Verde/África, e posteriormente submetidos à análise de conteúdo temática.

Resultados:

as barreiras referidas foram: a visão dos profissionais acerca da pessoa com transtorno mental representativa de sentimento de ameaça que coloca em risco a sua integridade física; a desarticulação entre a equipe e os serviços; o desconhecimento dos protocolos de atendimento e o distanciamento em relação aos cuidados na área de saúde mental.

Conclusão:

as barreiras identificadas evidenciam a necessidade de qualificação dos profissionais da Atenção Primária e, nesse sentido, o matriciamento pode ser uma via para a formação continuada, com vista a potencializar os recursos existentes.

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Saúde mental; Equipe multiprofissional; Transtornos mentais; Barreiras ao acesso aos cuidados de saúde

ABSTRACT

Objective:

this study aimed to identify among Cape Verdean professionals working in Primary Health Care services the barriers impeding care from being provided to people with mental disorders in this context.

Method:

data in this qualitative study was collected between February and March 2020 using semi-structured interviews with 43 workers from five Health Centers in the urban areas of Cape Verde/Africa. The interviews were treated with content analysis.

Results:

the barriers included: the professionals’ perception regarding people with mental disorders concerning a feeling of being threatened by these patients, such as a fear of having their physical integrity at risk; lack of coordination between the team and the services; lack of knowledge of protocols; and distancing from care in the mental health field.

Conclusion:

the barriers identified here show a need to qualify PHC professionals. In this sense, matrix support is an alternative for continuing education to leveraging existing resources.

DESCRIPTORS:
Primary health care; Mental health; Patient care team; Mental disorders; Barriers to access of health services

RESUMEN

Objetivo:

este estudio tiene como objetivo identificar - en los profesionales de Cabo Verde que actúan en la Atención Primaria a la Salud - las barreras que en ese contexto dificultan la atención de personas con trastorno mental.

Método:

estudio cualitativo; los datos fueron recogidos entre febrero y marzo de 2020, por medio de entrevistas semiestructuradas, realizadas en 43 profesionales que trabajaban en cinco Centros de Salud, localizados en regiones urbanas de Cabo Verde, en África; posteriormente los datos fueron sometidos al análisis de contenido temático.

Resultados:

las barreras referidas fueron: la visión de los profesionales acerca de la persona con un trastorno mental que representa el sentimiento amenaza que coloca en riesgo su integridad física; la desarticulación entre el equipo y los servicios; el desconocimiento de los protocolos de atención; y, el distanciamiento en relación a los cuidados en el área de la salud mental.

Conclusión:

las barreras identificadas evidenciaron la necesidad de aumentar la calificación de los profesionales de la Atención Primaria; en ese sentido, una organización matricial puede ser un medio para la formación continuada, con el objetivo de potencializar los recursos existentes.

DESCRIPTORS:
Atención primaria a la salud; Salud mental; Equipo multiprofesional; Trastornos mentales; Barreras al acceso a los cuidados de salud

INTRODUÇÃO

A inserção da saúde mental na Atenção Primária à Saúde (APS) tem sido um dos investimentos com maior fragilidade no sistema de saúde de vários países, principalmente aqueles em desenvolvimento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) mais de 80% das pessoas com transtornos mentais graves não recebem tratamento em países de baixa renda, onde o ciclo vicioso entre a saúde e a pobreza é particularmente prevalente devido à ausência de redes de segurança social e acessibilidade a um tratamento eficaz11. World Health Organization. World mental health report: transforming mental health for all [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2022 [cited 2023 Apr 18]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338
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Adicionalmente, o período da pandemia pela Covid-19 expôs a grande lacuna pré-existente em termos de assistência à saúde mental nos países de média e baixa renda, com elevada tendência para o aumento e agravo da situação. Em consequência, emergiram novas demandas por cuidados de saúde mental que somados a sistemas de saúde frágeis, e escassez de recursos colocam inúmeros desafios para a concretização de cuidados efetivos22. Kola L, Kohrt BA, Hanlon C, Naslund JA, Sikander S, Balaji M, et al. COVID-19 mental health impact and responses in low-income and middle-income countries: reimagining global mental health. Lancet Psych [Internet]. 2021 [cited 2023 May 21];8(6):535-50. Available from: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(21)00025-0
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A literatura aponta inúmeras barreiras que dificultam a inserção da saúde mental na atenção primária, incluindo as crenças arraigadas acerca dos transtornos mentais; a convicção dos profissionais na incapacidade de os pacientes seguirem o tratamento; as implicações legais em relação a diagnósticos equivocados; a complexidade das intervenções, a falta de conhecimento e habilidades específicas de saúde mental; o treinamento insuficiente para uso de ferramentas de triagem e tratamento baseado em evidências; e o desconhecimento sobre as estruturas e os processos para a gestão da saúde mental33. Esponda GM, Hartman S, Qureshi O, Sadler E, Cohen A, Kakuma R. Barriers and facilitators of mental health programmes in primary care in low-income and middle-income countries. Lancet Psych [Internet]. 2020 [cited 2023 Jun 03];7(1):78-92. Available from: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(19)30125-7
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-44. Mendes LS, Moraes RS. Experiências com saúde mental na atenção primária: revisão integrativa da literatura. In: Conhecimentos e Desenvolvimento de Pesquisas nas Ciências da Saúde [Internet]. Editora Antena; 2020 [cited 2023 May 20]. p. 234-54. Available from: https://atenaeditora.com.br/catalogo/ebook/conhecimentos-e-desenvolvimento-de-pesquisas-nas-ciencias-da-saude-4
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Outras barreiras relacionadas à organização do trabalho incluem: falta de apoio à saúde mental tanto no nível comunitário; recursos limitados para a prestação de serviços; falta de treinamento em serviço; coordenação inadequada entre trabalhadores de saúde geral e especialistas em saúde mental; baixa priorização dos cuidados de saúde mental no nível primário de atenção55. Resende LCM, Oliveira LR de, Formiga Júnior JA, Silva MPF da, Moreira TC, Oliveira TMA, et al. The need for an approach to mental health in primary care: An integrative review. e-Acadêmica [Internet]. 2022 [cited 2023 Mar 10];3(2):e6532231. Available from: http://doi.org/10.52076/eacad-v3i2.23 1
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A presença dessas barreiras compromete a concretização de ações resolutivas de prevenção, promoção e reabilitação psicossocial dos indivíduos com transtornos mentais e, ao mesmo tempo, contraria os princípios e diretrizes definidas pelos sistemas de saúde em vários países. Em consequência, as pessoas com esse tipo de transtornos passam a ser um fardo substancial que suas famílias carregam, muitas vezes, sozinhas e sem apoio dos serviços de saúde, o que acarreta sofrimento e reduz a qualidade de vida, além de outros problemas de saúde66. Ayano G. Significance of mental health legislation for successful primary care for mental health and community mental health services: A review. Afr J Prim Health Care Fam Med [Internet]. 2018 [cited 2023 May 20];10(1):e1-e4. Available from: http://doi.org/10.4102/phcfm.v10i1.1429
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Particularmente na região de Cabo Verde/África a integração dos serviços de saúde mental na APS tem sido mais difícil quando comparada com outras regiões do globo, o que repercute negativamente no alcance da cobertura universal à população dessa região. Apesar de se constituírem em serviços de nível municipal, fundamentados nos princípios da universalidade, equidade e integralidade, com a finalidade de realizar os cuidados essenciais de promoção da saúde, prevenção, tratamento da doença e recuperação da saúde, ainda são marcantes as fragilidades nos cuidados às pessoas com transtornos mentais.

Nesse contexto, as famílias procuram com maior frequência os serviços hospitalares, conforme constatou-se em um levantamento realizado em 2019.2 2 Informações referentes às consultas de psiquiatria realizadas em 2019, disponibilizadas pelo Hospital Universitário Doutor Agostinho Neto- Extensão Trindade. Informação coletada em outubro de 2020. Neste ano, somente na capital do país, onde a população estimada era de 106.348 habitantes, o número de consultas realizadas no serviço hospitalar de psiquiatria foi 837, sendo estas de pacientes residentes em áreas de cobertura dos serviços de APS o que, sem dúvida, favorece a instalação de um ciclo de reinternações.

Assim, considerando de um lado, a demanda cada vez maior de cuidados de saúde mental na população geral, em todo o mundo, principalmente no período pós-pandemia e, por outro, a diversidade de problemas referidos como entraves para o atendimento equânime e resolutivo das pessoas na APS, estudos são necessários para explorar a perspectiva dos profissionais que atuam nesse contexto, uma vez que estes se encontram na linha de frente para operacionalizar as políticas de integração da saúde mental nesses serviços.

Este estudo tem como objetivo identificar junto aos profissionais caboverdianos, que atuam na Atenção Primária à Saúde as barreiras que, nesse contexto, dificultam o atendimento das pessoas com transtorno mental.

MÉTODO

Estudo qualitativo, do tipo exploratório, descritivo, que aborda a assistência às pessoas com transtorno mental e suas famílias desenvolvida nos serviços de Atenção Primária a Saúde na cidade de Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde/África.

O estudo está ancorado em uma estrutura conceitual, formada pelos princípios que regem o Serviço Nacional de Saúde de Cabo Verde: universalidade, equidade e integralidade. O primeiro é um princípio que define a saúde como um direito de todos e um dever do Estado; o segundo pode ser entendido como um conceito multidimensional que inclui aspectos relacionados não apenas à distribuição do cuidado sanitário, mas também à justiça atenta para que não aconteça discriminação em termos de assistência; a integralidade garante à população o direito de atendimento de forma plena de acordo com suas necessidades, pela articulação de ações curativas e preventivas nos níveis primário, secundário e terciário77. Barros FPC, Sousa MF. Equity: Concepts, meanings and implications for the Brazilian National Health System. Saúde Soc [Internet]. 2016 [cited 2023 May 20];25(1):9-18. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n1/1984-0470-sausoc-25-01-00009.pdf
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-88. Ministério de Saúde (BR). Sistema Único de Saúde: SUS Princípios e Conquistas [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2000 [cited 2023 May 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_principios.pdf
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A utilização desta estrutura justifica-se pelo fato de os direitos fundamentais das pessoas com transtornos mentais estar na base dos movimentos pela reestruturação do modelo de assistência à saúde mental, desencadeados há vários anos, ao redor do mundo99. Gaino LV, Souza J de, Cirineu CT, Tulimosky TD. The mental health concept for health professionals: A cross-sectional and qualitative study. SMAD, Rev Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog [Internet]. 2018 [cited 2023 May 11];14(2):108-16. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1806-69762018000200007&lng=pt&nrm=iso&tlng=en
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. Nas comunidades cabo-verdianas não é diferente, os serviços de saúde que integram a Rede de Atenção Primária, também precisam organizar-se para responder as necessidades das pessoas com transtorno mental. Trata-se, portanto, de uma estrutura conceitual que pode embasar a reflexão sobre as barreiras que dificultam o atendimento das pessoas com transtorno mental, pois a incorporação destes, nas práticas e na organização dos serviços é o primeiro passo para que o cuidado destas pessoas, na APS seja resolutivo.

O estudo foi desenvolvido na ilha de Santiago, cidade de Praia, capital de Cabo Verde, um país insular composto por dez ilhas, sendo nove habitadas, cuja população total estimada é de 544.081 habitantes1010. Instituto Nacional de Estatística (CV). Anuário Estatístico 2018 [Internet]. Praia: INE; 2020 [cited 2021 Dec 14]. Available from: https://ine.cv/wp-content/uploads/2020/10/aecv-2018.pdf
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. Neste país, o Serviço Nacional de Saúde está organizado em três níveis: o Municipal, que constitui o lugar para prestar ações essenciais de atenção primária; o Regional ou supramunicipal, que agrupa e reorganiza estruturas sanitárias localizadas em Santiago ou em outras ilhas e presta cuidados de atenção secundária e hospitalar; e o nível Central, ou de referência nacional, organizado para garantir a prestação de cuidados de atenção terciária, sobretudo a função hospitalar diferenciada1111. Ministério da Saúde (CV). Política Nacional de Saúde 2007-2010 [Internet]. Praia: Ministério da Saúde; 2007 [cited 2019 Mar 07]. Available from: https://www.reformadoestado.gov.cv/index.php/component/docman/doc_download/529-politica-nacional-de-saude?Itemid=555
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Os Centros de Saúde (CS), locais onde os dados desta pesquisa foram coletados, pela primeira autora, enfermeira de formação tendo em conta a facilidade de acesso aos CS, pois situam-se na área urbana, estão integrados no nível municipal e são coordenados pela Delegacia de Saúde da Praia. Esses CS contam com uma equipe constituída por enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeuta, além do pessoal administrativo e devem garantir acesso facilitado a pelo menos 70% da população de sua área de abrangência, levando em consideração os aspectos geográficos e econômicos atrelados ao acesso1212. Ministério da Saúde (CV). Atenção Primária: Centros de Saúde [Internet]. 2019 [cited 2019 Mar 07]. Available from: https://www.minsaude.gov.cv/index.php
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Um total de 43 profissionais participaram do estudo, num universo total de 91 profissionais da Delegacia de Saúde da Praia. Destes, 13 eram médicos, 19 enfermeiros, seis assistentes sociais e cinco psicólogos, os quais foram contatados pessoalmente pela primeira autora. Somente dois se recusaram a participar do estudo pois referiram nunca ter atendido uma pessoa com transtorno mental.

Foi estabelecido como critério de inclusão ter vínculo com o serviço de pelo menos seis meses, excluindo os profissionais que durante o período de coletas dos dados estavam de férias ou afastados por outros motivos.

A obtenção dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, orientada por um roteiro constituído de quatro partes elaborado pelos autores, sendo que a primeira contempla informações sociodemográficas, incluindo nível e área de formação, tempo de formação em anos, idade, sexo, estado civil, residência e tempo de vínculo com o serviço em anos. A segunda inclui questões relacionadas aos princípios universalidade, equidade, integralidade e sua aplicação na assistência prestada à pessoa com transtorno mental. A terceira parte aborda o atendimento que o profissional realiza com as pessoas com transtornos mentais e suas famílias que procuravam o CS. A quarta parte trata das barreiras que, do ponto de vista dos participantes, dificultam o atendimento das pessoas com transtorno mental no serviço onde trabalham.

Para este artigo foram utilizados os dados obtidos na quarta parte do instrumento, na qual a pergunta norteadora foi: quais as barreiras que, do ponto de vista dos profissionais, dificultam o atendimento das pessoas com transtorno mental, no CS?

As entrevistas foram realizadas individualmente, em local privativo no próprio serviço, em horário acordado previamente com os participantes. Duraram em média de 60 minutos, foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra.

Os dados foram submetidos à análise de conteúdo que é constituída pelas etapas: pré-análise; exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados - inferência e interpretação1313. Bardin L. Análise de conteúdo. Edição revista e ampliada. São Paulo: Edições 70; 2016.. Inicialmente o material gerado nas entrevistas foi organizado consoante as seções do instrumento da coleta de dados utilizado. Posteriormente, realizou-se a leitura dos dados com a finalidade de obter as primeiras impressões. A partir de sucessivas leituras foram identificadas expressões chaves tendo por base os conceitos de universalidade, equidade e integralidade, o que deu origem as categorias e os elementos que a constituem, com a interpretação dos resultados encontrados.

O estudo recebeu uma certificação ética do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa para a Saúde do Ministério da Saúde e Segurança Social de Cabo Verde (Deliberação nº 57/2020). Todos os participantes foram informados do objetivo do estudo, do direito de interromper sua participação em qualquer momento, de seus direitos e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para preservar o anonimato, os participantes foram identificados pela letra P seguido de uma numeração de acordo com a ordem de realização das entrevistas (P1...P43).

RESULTADOS

Dentre os 43 participantes, 37 eram do sexo feminino e seis do sexo masculino; 24 eram solteiros, 12 casados, cinco em união estável e dois divorciados. Quanto a faixa etária, 19 estavam na faixa entre 31 e 40 anos; 11 na faixa 41 a 50 anos; oito entre 51 e 60 anos; e cinco na faixa entre 20 e 30 anos. Em relação ao grau de escolaridade, 35 referiram graduação, três com mestrado, dois com pós-graduação lato sensu e três com formação técnica.

Quanto ao tempo de formação, 24 profissionais estavam entre cinco e 10 anos; oito entre 11 e 15 anos; seis no intervalo entre 16 e 20 anos; três entre 21 e 25 anos e dois entre 26 e 30 anos de formação. A área de formação predominante é enfermagem com 17 profissionais, seguido de 13 médicos; cinco assistentes sociais; cinco psicólogos e três técnicos de enfermagem. Em relação ao tempo de vínculo com o serviço, 42 participantes tinham de cinco a 10 anos e um estava na faixa entre 15 e 35 anos de vínculo.

As barreiras para o atendimento às pessoas com transtornos mentais na APS, referidas pelos participantes, foram agrupadas em três núcleos temáticos denominados de barreiras macro-contextual, barreiras no âmbito do serviço e barreiras profissionais.

Barreiras macro-contextuais

Com base nos elementos constituintes do discurso dos participantes identifica-se que a visão dos profissionais acerca do doente mental é representativa do sentimento de ameaça que sentem na presença da pessoa com transtorno mental e que este sentimento interfere no cuidado que dispensam e, também, na própria organização do serviço. Quando questionados sobre o atendimento que realizam evocaram o medo e a dificuldade para interagir com esses pacientes: [...] às vezes é o sentimento de medo, medo por estarem agressivos, mas atendemos a todos e logo fazemos o encaminhamento para psicóloga, mesmo ficando um pouco apreensivo de que o paciente pode fazer algo contra mim (P8).

[...] minha dificuldade é tentar saber do paciente o que ele está sentindo, pois na maioria das vezes ele não consegue dizer. Minha maior dificuldade é interagir com esses doentes (P5).

O medo é intensificado pela visão do paciente como um ser agressivo que a qualquer momento pode colocar em risco a integridade física do profissional. E como não sabem como manejar o paciente e nem mesmo os próprios sentimentos, encaminham o paciente para outros profissionais da área da saúde mental, ou para os serviços especializados. No caso de Cabo Verde, para o hospital psiquiátrico existente.

[...] a maior dificuldade está na questão da agressividade. Principalmente quando vem descompensado tentamos fazer com que ele não fique muito tempo no Centro de Saúde, pois podemos correr risco. Eu realizo um atendimento rápido, prioritário, pois, muitas vezes quando vem um paciente com doença mental ele não gosta de ser contrariado (P14).

A fala de P14 sugere que o foco prioritário não é o paciente. Por se sentirem ameaçados os profissionais realizam o acolhimento prontamente de maneira a dispensá-lo rapidamente do serviço, uma vez que consideram que o Centro de Saúde não é o lugar adequado para atender esse tipo de paciente. [...] acho que tem a ver com a organização [do serviço] porque dentro do nosso Plano [Nacional de Saúde], a doença mental não se encontra dentro dos cuidados primários de saúde (P13).

A partir das falas dos participantes deste estudo pode-se inferir que a forma como a sociedade caboverdiana e suas estruturas veem a pessoa com transtorno mental, ancorada em forte estigma social se projeta nos profissionais e no funcionamento dos serviços. Consequentemente, influência na forma como atuam, evidenciando a existência de dificuldades em relação ao atendimento às pessoas com transtornos mentais nos serviços de APS.

Barreiras no âmbito do serviço

Engloba aspetos relacionados à organização do serviço, particularmente ao trabalho em equipe na prestação de cuidados às pessoas com transtornos mentais. Prevalece entre os participantes, a ideia de que a equipe está desconectada do serviço, sem recursos adequados para realizar o atendimento dos pacientes com transtornos mentais e que a comunicação entre os serviços não acontece.

O serviço é considerado apenas como o espaço físico onde os profissionais encontram os pacientes e desempenham tarefas. Quando questionados sobre a reação, sentimentos ou comportamento dos colegas quando chega uma pessoa com transtorno mental respondem: [...] eu percebi que estava sozinha com os pacientes em estado de agressividade. E isso não estava correto, não podia ser, os outros [profissionais] quando percebiam que um doente mental poderia entrar em seu consultório fechavam a porta por causa do medo. Sobrava para mim e a psicóloga (P9).

A fala dos participantes sugere que não existe trabalho em equipe, que ocupam o mesmo espaço físico, porém trabalham desconectados um dos outros, chegam ao local de trabalho, entram no consultório, realizam o atendimento isoladamente e desconhecem o trabalho do colega, principalmente no que diz respeito ao atendimento das pessoas com transtornos mentais.

Os profissionais apontam, também, barreiras relacionadas ao espaço físico considerado inadequado para o atendimento das pessoas com transtornos mentais, além de insuficiência de recursos humanos e materiais. [...] nós tentamos fazer tudo o que está ao nosso alcance, mas o espaço físico penso que deveria ser mais adequado ao tipo de atendimento, porque é um doente que pode provocar distúrbio a qualquer hora. Portanto, deviam ter um espaço onde possam se sentir mais aconchegados e tranquilos (P23). [...] ainda não temos a sensibilização e nem condições para isso, número de profissionais para atender a esses doentes (P2).

[...] a única coisa que eu posso dizer é que o Centro de Saúde não é o lugar para dar resposta em casos de descompensação, porque não temos meios de conter as pessoas (P10).

Quando questionados sobre o que consideram como necessário para que as pessoas com transtornos mentais sejam atendidas no serviço de forma resolutiva, os profissionais referiram: [...] precisamos de recursos aqui e fora porque antes saímos para terreno e até identificamos os doentes mentais que não eram conhecidos, mas depois paramos de ir para o terreno por causa de recursos humanos e materiais. Precisamos, também, de formação para pessoas que não são da área, formação para médicos e enfermeiros para lidar com esses pacientes no terreno (P26).

De acordo com os profissionais, para que as pessoas com transtornos mentais sejam atendidas de forma resolutiva, eles precisam de um espaço físico adequado, pois o serviço não apresenta condições de segurança. Em simultâneo, deixam transparecer que o serviço não é o local ideal para prestar esse atendimento, sugerem a construção de um local com mais tranquilidade, que seria somente para atendimento desses pacientes. Outro ponto referido foi a falta de recursos humanos e de suporte do próprio sistema de saúde, uma vez que a demanda por atendimento no serviço é alta e não resta tempo para atenderem pessoas com transtornos mentais.

Os profissionais relatam a inexistência de comunicação entre os serviços que atendem as pessoas com transtorno mental. Trata-se, portanto, de uma fragilidade em termo de referência e contrarreferência de caráter bilateral.

A fala de P5 evidencia um déficit de comunicação entre o serviço que faz o encaminhamento da pessoa com transtorno mental e o serviço que o recebe. Não existe o retorno do serviço que recebe o paciente para melhor organização ou continuidade dos cuidados. A partir do momento em que o paciente é encaminhado, perde-se totalmente o contato com ele e não se sabe quais os cuidados a ele submetidos. Os depoimentos dos participantes apontam para essa fragilidade, conforme indica a fala abaixo: [...] os pacientes que passam por aqui são encaminhados para psiquiatria ou urgência e nunca mais temos informações deles a não ser que voltem a nos procurar, não existe comunicação entre os serviços (P5).

A inexistência da comunicação entre os serviços é uma barreira reconhecida pelos profissionais que precisa ser melhorada para que se possa prestar um cuidado de qualidade. Isso reforça aquilo que foi colocado anteriormente sobre o encaminhamento como uma ação de desvencilhar do paciente.

Barreira no âmbito dos profissionais

Esta categoria aborda os aspectos inerentes aos profissionais que interferem na prestação de cuidados, designadamente o desconhecimento dos documentos oficiais, o despreparado e o não assumirem a responsabilidade da pessoa com transtorno mental.

A fala dos profissionais evidenciam desconhecimento do protocolo que orienta o atendimento às pessoas com transtorno mental e o distanciamento em relação aos cuidados de saúde na área de saúde mental. Por outro lado, afirmam que a demanda desses pacientes é pouca e que os que procuraram o serviço são por outros motivos que não eram do foro psiquiátrico. [...] isso eu não sei [se há protocolos de atendimento]. Nunca perguntei (P1). [...] se tem eu não sei, nunca vi, nunca chegou em mim (P15).

A totalidade dos participantes refere que não se sentem preparados para atender as pessoas com transtornos mentais, principalmente quando se trata de pacientes agitados e agressivos. As falas de P9 e P31 remetem à necessidade de formação ou capacitação de como atuar perante essas situações e como proceder nos diversos casos que aparecem no serviço. Nesse contexto, a alternativa mais utilizada segundo a maioria dos participantes é o encaminhamento desses pacientes para os profissionais especializados, por se sentirem incapacitados transferindo a responsabilidade pelo paciente aos colegas da saúde mental ou do serviço social que, por vezes, sentem-se sozinhos sem apoio do resto da equipe.

[...] me senti um peixe fora d’água, pois foi minha primeira vez, logo no início, quando cheguei no centro saúde e não sabia como lidar com isso [...]. Talvez eu pudesse fazer mais ou diferente, mas naquele momento era isso (P31). [...] eu me sinto sozinha. Antes não tínhamos psicólogos, a quem vinha apenas duas vezes por semana. Eu já cheguei nela com um paciente esquizofrênico e ela disse que não podia atender. Médicos também não atenderam. Então o que fazer com o paciente? (P9).

As falas dos profissionais apontam a necessidade de capacitação como um mecanismo essencial para o manejo das pessoas com transtorno mental e que pode condicionar o atendimento nestas situações, limitando-se ao encaminhamento para outros serviços, eximindo de sua responsabilidade na prestação de cuidados efetivos.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo colocam em evidência a visão estigmatizante presente nos serviços de atenção primária, em relação à pessoa com transtorno mental, que os identifica como sendo pacientes agressivos que colocam em risco integridade física dos profissionais. Esta visão se reflete em um tipo de atendimento que visa dispensar rapidamente o paciente do local como forma de autoproteção. Somam-se, ainda, para comprometer a assistência, a falta de articulação entre os serviços de nível hospitalar e os Centros de Saúde e o desconhecimento dos profissionais em relação aos documentos oficiais que orientam a organização dos serviços.

Essa situação não é uma particularidade de Cabo Verde uma vez que um estudo realizado na Etiópia indicou alta prevalência de atitudes negativas em relação a pessoas com transtorno mental, tendo associação significativa com o nível de escolaridade, a formação, ou não, em saúde mental e o conhecimento dos profissionais sobre a doença mental. Estas evidências apontam para a necessidade de criação de programas de formação continuada, de caráter contínuo, com a finalidade de reduzir tais atitudes negativas1414. Sahile Y, Yitayih S, Yeshanew B, Ayelegne D, Mihiretu A. Primary health care nurses attitude towards people with severe mental disorders in Addis Ababa, Ethiopia: A cross sectional study. Int J Ment Health Syst [Internet]. 2019 [cited 2023 May 11];13:26. Available from: https://doi.org/10.1186/s13033-019-0283-x
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Entretanto, apesar dos achados deste estudo apontar para a falta de capacitação ou treinamento como uma barreira para o cuidado à pessoa com transtorno mental é importante destacar que uma pesquisa realizada na Índia mostrou que somente o conhecimento específico sobre saúde mental parece não ser suficiente para evitar atitudes negativas ou crenças discriminatórias em relação aos pacientes. Mesmo nessas situações, prevalecem atitudes estigmatizantes entre profissionais da APS1515. Gandhi S, Poreddi V, Govindan RGJ, Anjanappa S, Sahu M, Narayanasamy P, et al. Knowledge and perceptions of Indian primary care nurses towards mental illness. Invest Educ Enferm [Internet]. 2019 [cited 2023 May 14];37(1). Available from: https://doi.org/10.17533/udea.iee.v37n1e06
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Por outro lado, é preciso considerar que o estigma relacionado à doença mental permeia o setor de saúde em geral. As pessoas com transtornos mentais habitualmente são percebidas em outros setores, também como perigosas, imprevisíveis e menos competentes1616. Javed A, Lee C, Zakarias H, Buenaventura RD, Cetokovic-Bakmas M, Dualibi K, Ng B, et al. Reducing the stigma of mental health disorders with a focus on low- and middle-income countries. Asian J Psychiatr [Internet]. 2021 [cited 2023 May 16];58:102601. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ajp.2021.102601
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. Evidentemente, o estigma compromete a integralidade do cuidado prestado aos pacientes e suas famílias.

Nessa linha, uma pesquisa-intervenção realizada com equipes da APS no Brasil mostra que o processo de educação permanente precisa ocorrer a partir de uma construção conjunta, ancorada na problematização das necessidades dos profissionais, de maneira que possa avançar na transformação das práticas, a partir de um olhar reflexivo1717. Rézio LA, Fortuna CM, Borges FA. Tips for permanent education in mental health in primary care guided by the Institutional Socio-clinic. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2019 [cited 2023 Jun 01];27:e3204. Available from: http://doi.org/10.1590/1518-8345.3217.3204
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. Levando em consideração as semelhanças histórico, culturais e contextuais entre o Brasil e Cabo Verde, esse achado pode ser replicado para o cenário onde este estudo foi desenvolvido.

As ações de cuidado em nível de prevenção e promoção em saúde mental perpassam, também, a organização dos serviços da APS. Nesse aspecto, o Serviço Nacional de Saúde de Cabo Verde implementou equipes constituídas por psicólogos, assistentes sociais e introduziu, também, o deslocamento semanal do psiquiatra para os serviços da APS, visando assegurar a prestação de cuidados de saúde mental; reduzir o deslocamento dos pacientes e suas famílias ao serviço de psiquiatria para obtenção de receitas médicas e a realização de consultas. Entretanto, para que essa estratégia seja efetiva, há a necessidade de uma maior coordenação entre os profissionais que atuam nesses serviços, uma vez que a desconexão entre a equipe foi identificada pelos profissionais como uma das barreiras para um cuidado resolutivo.

Além disso, experiências exitosas que geram resultados significativos em países como, por exemplo, o Brasil podem ser aproveitadas, considerando as similaridades em relação aos desafios enfrentados na integração da saúde mental na APS. Umas dessas experiências é a implementação do modelo de cuidado colaborativo, o matriciamento, que objetiva a qualificação do cuidado e a redução de encaminhamentos desnecessários1818. Fagundes GS, Campos MR, Fortes SLCL. Matriciamento em saúde mental: análise do cuidado às pessoas em sofrimento psíquico na Atenção Básica. Cien Saude Colet [Internet]. 2021 [cited 2023 May 20];26(6):2311-22. Available from: http://doi.org/10.1590/1413-81232021266.20032019
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. No caso de Cabo Verde, o apoio matricial poderia ser uma estratégia valiosa que viria contribuir para o engajamento dos profissionais que atuam nesses serviços.

Em outro contexto, evidências sustentam a eficácia da colaboração interprofissional. Um estudo realizado na Bélgica mostrou o efeito positivo desta colaboração sobre equipes aumentando a confiança dos profissionais, na medida em que as intervenções aliviaram o estresse durante os encontros com os pacientes. Os mecanismos subjacentes que conduziram a esses resultados estão relacionados ao reconhecimento das emoções entre os membros da equipe e a clareza de seu papel1919. De Sutter M, De Sutter A, Sundahl N, Declercq T, Decat P. Inter-professional collaboration reduces the burden of caring for patients with mental illnesses in primary healthcare. A realist evaluation study. Eur J Gen Pract [Internet]. 2019 [cited 2023 Jun 01];25(4):236-42. Available from: http://doi.org/10.1080/13814788.2019.1640209
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.

Os resultados de outro estudo realizado nos Estados Unidos da América para testar a implementação de uma abordagem baseada na equipe, constatou que se trata de uma estratégia viável e altamente aceitável, o que por sua vez levou a mudanças positivas na autoeficácia dos profissionais na gestão de doenças mentais e nos cuidados baseados na equipe2020. Loeb DF, Monson SP, Lockhart S, Depue C, Ludman E, Nease Jr DE, et al. Mixed method evaluation of relational team development (RELATED) to improve team-based care for complex patients with mental illness in primary care. BMC Psychiatry [Internet]. 2019 [cited 2023 May 21];19(1):299. Available from: http://doi.org/10.1186/s12888-019-2294-1
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A inexistência de comunicação entre os serviços de referência e contrarreferência foi outra barreira mencionada pelos profissionais. Não existe retorno dos serviços sobre os pacientes encaminhados, o que compromete a continuidade dos cuidados. Isto corrobora com uma pesquisa que também demostrou que 89% dos profissionais não sabem o que ocorre com o paciente após ser encaminhado ao serviço especializado, e 100% não acompanham o caso posterior ao encaminhamento ao serviço especializado2121. Treichel CAS, Bakolis I, Campos ORT. Primary care registration of the mental health needs of patients treated at outpatient specialized services: Results from a medium-sized city in Brazil. BMC Health Serv Res [Internet]. 2021 [cited 2023 May 25];21:1095. Available from: https://doi.org/10.1186/s12913-021-07127-3
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Constatou-se, ainda, nos achados do presente estudo o desconhecimento por parte dos profissionais acerca dos documentos oficiais que orientam a prática com a pessoa com transtorno mental. Este desconhecimento repercute negativamente no atendimento da pessoa com transtorno mental e destaca a importância de os gestores e equipe responsável pela área de saúde mental conhecerem os protocolos existentes. Resultados similares foram encontrados em outra pesquisa2121. Treichel CAS, Bakolis I, Campos ORT. Primary care registration of the mental health needs of patients treated at outpatient specialized services: Results from a medium-sized city in Brazil. BMC Health Serv Res [Internet]. 2021 [cited 2023 May 25];21:1095. Available from: https://doi.org/10.1186/s12913-021-07127-3
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na qual os profissionais entrevistados não conheciam a proposta de inclusão das ações de saúde mental na Atenção Básica.

Fomentar ações que favoreçam a integração dos cuidados de saúde mental na APS significa aumentar as possibilidades de considerar os determinantes sociais e de saúde da pessoa com transtorno mental, pois os cuidados neste campo envolvem aspectos jurídicos, políticos, formativos, éticos e políticos. Assim, ao considerar estes aspectos, não é mais possível pensar o cuidado em saúde mental restrito à medicina, centrado no médico e em soluções padronizadas, mas, sim, na integralidade do sujeito e na sua singularidade psicossocial1717. Rézio LA, Fortuna CM, Borges FA. Tips for permanent education in mental health in primary care guided by the Institutional Socio-clinic. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2019 [cited 2023 Jun 01];27:e3204. Available from: http://doi.org/10.1590/1518-8345.3217.3204
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.

Da mesma forma que em outras áreas os serviços da APS implementam estratégias em articulação com as escolas, universidades, organizações não governamentais, na saúde mental essas estratégias também precisam acontecer para que se desenvolvam ações a partir de uma perspectiva ampliada de saúde. São articulações que poderiam contribuir para um melhor gerenciamento dos escassos recursos disponíveis e melhorar os cuidados prestados aos pacientes com transtorno mental e suas famílias.

Em relação aos princípios que deveriam nortear a assistência à pessoa com transtorno mental, a integralidade é uma direção para a adopção de práticas de saúde mental centradas no sujeito. A equidade encontra dificuldade para se materializar na prática, pelo que é necessário melhorar a organização dos serviços para atender as diferentes demandas, além de considerar esse usuário na sua singularidade e com direito à diferença2222. Souza ÂC, Amarante PD, Abrahão AL. Inclusion of mental health in primary health care: Care strategy in the territory. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019 [cited 2023 Jun 02];72(6):1677-82. Available from: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0806
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. Acrescidos ao engajamento da equipe, acolhimento que fortalece as relações interpessoais se constituem em potencialidades da APS que podem promover a prestação de cuidados na integralidade2323. Heidemann ITSB, Durand MK, Souza JB, Arakawa-Belaunde AM, Macedo LC, Correa SM, et al. Potencialidades e desafios para a assistência no contexto da atenção primária à saúde. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2023 [cited 2023 Jun 29];32:e20220333. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2022-0333pt
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.

Considera-se como a principal limitação desta pesquisa, o fato de ter sido desenvolvida em apenas uma região delimitada de Cabo Verde, mas, ao mesmo tempo, este estudo pode servir de ensejo para ampliar a pesquisa para outras ilhas do país, onde outras barreiras podem ser identificadas, considerando a característica insular do país. Acredita-se que com esta ampliação, outros contextos serão examinados, com possibilidade de qualificar o cuidado à saúde mental nos serviços primários.

CONCLUSÃO

O estudo evidenciou que o desconhecimento dos documentos oficiais, estigma social, falta de estrutura física, despreparo dos profissionais, inexistência da comunicação dos serviços são barreiras que afetam de forma negativa o atendimento as pessoas com transtornos mentais, em uma região urbana de Santiago, Cabo Verde.

De fato, constata-se a complexidade e as fragilidades na assistência à pessoa com transtorno mental, o que aponta para a necessidade de maior investimento em termos de inserção da saúde mental na APS, uma vez que essa realidade ainda é incipiente no país. Esses achados também suscitam inquietações relativas à assistência desses pacientes em outras regiões do país, particularmente no meio rural, em que as dificuldades de acesso aos serviços, somados às condições socioeconômicas desfavoráveis vivenciadas os colocam em situação de maior vulnerabilidade psicossocial.

Assim, identifica-se a necessidade da avaliação dos gestores locais para que haja maior investimento na capacitação dos profissionais, bem como a criação de protocolos que oriente o cuidado em saúde mental e sugere-se, ainda, a realização de estudos em outras regiões da ilha de Santiago e nas outras ilhas de Cabo Verde.

AGRADECIMENTO

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, possibilitou a bolsa Demanda Social à primeira, quarta e quinta autora.

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  • 2
    Informações referentes às consultas de psiquiatria realizadas em 2019, disponibilizadas pelo Hospital Universitário Doutor Agostinho Neto- Extensão Trindade. Informação coletada em outubro de 2020.

NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Artigo extraído da tese- Saúde mental na atenção primária: barreiras que enfrentam as pessoas caboverdianas com transtornos mentais e suas famílias, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande, em 2022.
  • FINANCIAMENTO

    Bolsa de doutorado- Demanda Social concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES- Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa para a Saúde do Ministério da Saúde e Segurança Social de Cabo Verde deliberação nº 57/2020. Foram respeitadas todas as determinações da Resolução 510/2016 vigentes no Brasil.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Melissa Orlandi Honório Locks, Ana Izabel Jatobá de Souza. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2023
  • Aceito
    31 Jul 2023
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
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