A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO NA PERSPECTIVA DE TRABALHADORES DE ENFERMAGEM

RESUMO

Objetivo:

compreender os fatores que intensificam o trabalho na perspectiva de profissionais de enfermagem atuantes em unidades de clínica médica e cirúrgica.

Método:

estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado com 18 profissionais de enfermagem atuantes em um hospital universitário do sul do Brasil. A produção dos dados ocorreu entre abril e junho de 2021, por meio de entrevista semiestruturada. O processamento dos dados ocorreu pela análise textual, com auxílio do software IRaMuTeQ, sendo os resultados submetidos à análise de conteúdo. O projeto seguiu as recomendações da pesquisa envolvendo seres humanos, sendo aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados:

a partir da análise de similitude e da Classificação Hierárquica Descendente, os dados foram organizados em sete classes: I - Fragilidades na estrutura física e falta de materiais e/ou equipamentos; II - Complexidade da condição clínica do paciente; III - Fragilidades na formação, qualificação e quantitativo de profissional; IV - Ritmos e exigências do trabalho; V - A organização do processo de trabalho; VI - Fragilidades no gerenciamento; e VII - Falta da colaboração interprofissinal.

Conclusão:

a intensificação do trabalho se mostra presente no cotidiano dos participantes do estudo, sendo relacionada à falta de materiais e equipamentos, à gravidade da condição clínica do paciente, às fragilidades na formação e qualificação profissional, ao ritmo intensificado e aumento das exigências laborais, às fragilidades no gerenciamento, e à falta de colaboração interprofissional.

DESCRITORES:
Enfermagem; Prática Profissional; Condições de Trabalho; Carga de Trabalho; Saúde do Trabalhador

ABSTRACT

Objective:

to understand the factors that intensify work from the perspective of nursing professionals working in medical and surgical clinical units.

Method:

this is a descriptive, exploratory study, with a qualitative approach, carried out with 18 nursing professionals working at a university hospital in southern Brazil. Data production took place between April and June 2021 through semi-structured interviews. Data processing occurred through textual analysis, with the aid of IRaMuTeQ software, with the results being subjected to content analysis. The project followed the recommendations for research involving human beings, approved by the Research Ethics Committee.

Results:

based on similarity analysis and Descending Hierarchical Classification, data were organized into seven classes: I - Weaknesses in physical structure and lack of materials and/or equipment; II - Complexity of patients’ clinical condition; III - Weaknesses in training, qualification and number of professionals; IV - Work rhythms and demands; V - Work process organization; VI - Weaknesses in management; and VII - Lack of interprofessional collaboration.

Conclusion:

work intensification is present in study participants’ daily lives, being related to the lack of materials and equipment, severity of patients’ clinical condition, weaknesses in professional training and qualification, intensified pace and increase in work demands, weaknesses in management, and lack of interprofessional collaboration.

DESCRIPTORS:
Nursing; Professional practice; Working conditions; Workload; Occupational health

RESUMEN

Objetivo:

comprender los factores que intensifican el trabajo desde la perspectiva de los profesionales de enfermería que actúan en unidades clínicas médico-quirúrgicas.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio, con enfoque cualitativo, realizado con 18 profesionales de enfermería que actúan en un hospital universitario del sur de Brasil. La producción de datos se realizó entre abril y junio de 2021, a través de entrevistas semiestructuradas. El procesamiento de los datos ocurrió a través del análisis textual, con la ayuda del software IRaMuTeQ, siendo los resultados sometidos al análisis de contenido. El proyecto siguió las recomendaciones para la investigación con seres humanos, siendo aprobado por el Comité de Ética en Investigación.

Resultados:

con base en análisis de similitud y Clasificación Jerárquica Descendente, los datos fueron organizados en siete clases: I - Debilidades en la estructura física y falta de materiales y/o equipos; II - Complejidad del cuadro clínico del paciente; III - Debilidades en la formación, calificación y número de profesionales; IV - Ritmos y exigencias de trabajo; V - La organización del proceso de trabajo; VI - Debilidades en la gestión; y VII - Falta de colaboración interprofesional.

Conclusión:

la intensificación del trabajo está presente en la vida cotidiana de los participantes del estudio, estando relacionada con la falta de materiales y equipos, la gravedad del cuadro clínico del paciente, las debilidades en la formación y calificación profesional, el ritmo intensificado y aumento de las exigencias laborales, las debilidades en gestión y la falta de colaboración interprofesional.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Práctica profesional; Condiciones de trabajo; Carga de trabajo; Salud laboral

INTRODUÇÃO

As transformações no mundo do trabalho, ocorridas nos últimos 50 anos, têm origem a partir da crise estrutural do capital e do processo de reestruturação produtiva, iniciado na década de 1970. Essa reestruturação tem como característica a proliferação das políticas gerenciais, que visam à flexibilização e precarização das condições de contratação dos trabalhadores, além da intensificação das jornadas de trabalho.

Essas transformações no mundo do trabalho se configuram um processo de intensificação do trabalho que se fundamenta no modelo neoliberalista. Trata-se de um construto multifacetado, caracterizado pelo aumento da quantidade de tarefas e/ou da complexidade da tarefa1 e/ou realização de várias tarefas de modo simultâneo2 (com o mesmo padrão tecnológico)3 sem as devidas compensações.

Além disso, entende-se que a aceleração do ritmo de trabalho, a precarização do trabalho, a falta de recursos humanos, o subdimensionamento de pessoal, o aumento da carga e/ou sobrecarga de trabalho, as fragilidades nas condições e relações de trabalho e a extensão e/ou duplicidade na jornada de trabalho também são fatores que estão relacionados ao construto.

Do ponto de vista das relações contratuais, o mercado de trabalho passa a exigir, cada vez mais, um trabalhador qualificado, polivalente, que possa atuar em várias linhas de frente e de acordo com as necessidades do empregador, fato esse que anula a subjetividade do trabalhador4. Essa intensificação também exige um maior dispêndio das capacidades física, cognitiva e emotiva por parte do trabalhador5, promovendo uma pluralidade de agravos à sua saúde e resultando na diminuição da satisfação no trabalho, no aumento do absenteísmo e baixo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Na área da saúde, pode ter repercussões importantes, inclusive na diminuição da qualidade da assistência prestada ao paciente/usuário.

Na área da enfermagem, é notória a existência de muitos fatores relacionados à intensificação do trabalho, tais como a precarização das condições de trabalho, o aumento das atividades a serem realizadas no turno de trabalho, além de questões relacionadas às relações de trabalho entre equipes, muitas vezes fragilizadas. O ambiente hospitalar é complexo, marcado pela necessidade de aprimoramento de competências profissionais para além das intervenções técnicas, que visam à prevenção de danos e ao tratamento dos agravos.

No cotidiano laboral dos profissionais de enfermagem, encontram-se ambientes desfavoráveis, más condições de trabalho, sobrecarga, ritmo intenso de trabalho, jornadas extensas, desgaste físico e psíquico, estresse ocupacional, conflitos interpessoais, baixa remuneração e desvalorização profissional6.

Estudo recente destaca que os problemas mais comuns na prática dos gerentes de enfermagem estão relacionados à alocação de recursos, à prestação e ao desenvolvimento de cuidados de alta qualidade7, além da rotatividade de profissionais na assistência direta ao paciente. Nesse contexto, estudo realizado na Jordânia revela que enfermeiros que realizaram rodízio de unidades e turnos de trabalho apresentaram maior nível de satisfação e menores níveis de confito8, o que, por sua vez, também podem estar relacionados à intensificação do trabalho.

Estudo Finlandês revela que os profissionais de saúde de um complexo hospitalar vivenciavam, continuamente, as demandas intensificadas de trabalho (IJDs - intensified job demands, em inglês), estando essas mais relacionadas à pressão no trabalho, ao aumento do ritmo de trabalho e a multitarefas, o que acarretou maior exaustão por parte do trabalhador e menor satisfação por parte do paciente em relação à assistência a ele oferecida. Evidenciou-se, ainda, que enfermeiros que assistiam pacientes criticamente enfermos vivenciavam mais essas IJDs, quando comparados a outros profissionais de saúde9.

Isso se justifica pela alta intensidade de trabalho, pausas infrequentes, pacientes altamente exigentes do ponto de vista clínico, além do aumento crescente dessas demandas e em ritmo acelerado. Em outro estudo, a intensificação do trabalho e a preocupação pessoal com a mudança organizacional foram associadas ao estresse de consciência mais severo entre os enfermeiros10.

Diante disso, elaborou-se a questão de pesquisa: quais os fatores que intensificam o trabalho na perspectiva de profissionais de enfermagem atuantes em unidades de clínica médica e cirúrgica? O objetivo deste estudo foi compreender os fatores que intensificam o trabalho na perspectiva de profissionais de enfermagem de unidades de clínica médica e cirúrgica.

MÉTODO

Estudo descritivo, exploratório e de abordagem qualitativa, realizado com trabalhadores da equipe enfermagem de duas unidades de clínica médica e uma unidade cirúrgica de um hospital universitário do sul do Brasil. A instituição é 100% credenciada pelo Sistema Único de Saúde, e conta com 403 leitos, sendo referência em saúde para 43 municípios. As unidades de clínica médica I e II atendem pacientes de diversas especialidades, como hemato-oncologia, cardiologia, doenças infectocontagiosas, gastrologia, pneumologia, possuindo um total de 58 leitos e 76 profissionais de enfermagem. Já a unidade de clínica cirúrgica atende diversas especialidades cirúrgicas, como cirurgia geral, urologia, traumatologia, cabeça e pescoço, digestiva, torácica, vascular e proctologia, diferindo-se das anteriormente citadas, por prestar assistência no período pré-operatório e pós-operatório. Conta com 52 leitos e 62 trabalhadores de enfermagem.

Participaram do estudo 10 enfermeiros e oito técnicos de enfermagem. Elencou-se como critérios de inclusão ser enfermeiro ou técnico de enfermagem, atuar em uma das unidades de clínica médica e/ou cirúrgica há, pelo menos, um ano. Foram excluídos os trabalhadores ausentes do trabalho no período estabelecido para a produção dos dados.

O número de entrevistados foi definido a partir da adesão dos participantes à pesquisa, obedecendo-se ao critério de saturação dos dados. A seleção dos participantes foi realizada por sorteio, entre enfermeiros e técnicos de enfermagem, turnos de trabalho (diurno e noturno) e unidades (clínica médica e cirúrgica).

A produção dos dados ocorreu nos meses de abril a junho de 2021, por meio de entrevista semiestruturada, com base em roteiro elaborado pelos próprios autores. Dentre os questionamentos realizados aos participantes, destacam-se: 1) Como é seu cotidiano de trabalho?; 2) O que seu trabalho exige de você?; 3) O que você tem a dizer sobre a sua demanda de trabalho nesta unidade/instituição?; 4) Como você se sente em relação a essa demanda?; 5) Seu trabalho tem alguma repercussão nas demais atividades que realiza no restante do dia? Quais?; 6) O que você pode me dizer sobre as condições de trabalho na sua unidade de trabalho?; 7) Como você percebe a relação do seu trabalho com sua saúde?; 8) Como você sente em relação ao seu trabalho na sua unidade/instituição?; 9) Você poderia me falar sobre as atividades realizadas simultaneamente?; 10) Você foi convidado a permanecer atuando mesmo após o seu plantão de trabalho? Quais as atividades que realizou?; 11) Como você percebe a relação das metas (planejamento) na sua saúde?; 12) Como você percebe a repercussão da produtividade do seu trabalho na sua saúde? e 13) Após essa conversa, você teria mais alguma consideração a respeito do tema?

Os participantes foram esclarecidos, por meio de linguagem acessível, sobre a justificativa, os objetivos e os procedimentos utilizados na pesquisa, além do destino das informações. Somente após a concordância e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), iniciaram-se as entrevistas.

Tendo em vista que o período de produção dos dados aconteceu durante a pandemia de COVID-19, as entrevistas foram realizadas via plataforma Google Meeting, com vistas a respeitar as normas de distanciamento pessoal. Destaca-se que as unidades não atendiam pacientes com COVID-19 no período da coleta de dados. Os dados foram coletados pelo pesquisador principal, fora do horário de trabalho dos participantes, e tiveram duração média de 50 minutos cada uma. Os depoimentos dos participantes foram transcritos na íntegra, e o corpus textual decorrente dos diálogos foi submetido à análise lexicográfica, com auxílio do software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ)11. Trata-se de um software gratuito, utilizado para o processamento de dados qualitativos, que proporciona diferentes tipos de análise de dados textuais, organizando a disposição do vocabulário de forma compreensível e visualmente clara11.

As categorias de palavras incluídas para análise foram adjetivos, substantivos, verbos e formas não reconhecidos, uma vez que essas incluíam termos frequentes no corpus, como siglas e termos unificados, de modo que 91,3% dos segmentos de texto (ST) fossem aproveitados para análise. Para este estudo, foram realizadas a análise de similitude e a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). As ocorrências apresentadas em cada uma das classes na CHD foram ordenadas, em forma decrescente, de acordo com o valor obtido no Teste Qui-Quadrado (X2), e todas apresentaram valores estatisticamente significantes (p<0,0001).

No processamento dos depoimentos dos participantes, o IRaMuTeQ reconheceu 74 textos, 181 ST, 1.200 formas, 5.839 registros de ocorrências de palavras, sendo 861 distintas e 430 com uma única ocorrência (hápax). A partir da análise de similitude e da CHD, realizou-se a organização dos resultados em sete classes.

Os participantes foram identificados pelas letras “E” (enfermeiro) e “TE” (técnico de enfermagem), seguidas do número arábico correspondente em sequência aleatória à realização das entrevistas (E1, TE2 e assim sucessivamente). Para a interpretação e análise, utilizou-se a técnica da análise de conteúdo12. O projeto seguiu as recomendações da pesquisa envolvendo seres humanos, sendo aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Participaram do estudo 10 enfermeiros e oito técnicos de enfermagem das unidades de clínica médica e cirúrgica. A maioria (15) é mulher com idade de 27 a 52 anos e média de 39 anos. O tempo de formação variou de cinco a 28 anos com média de 13 anos, e o tempo de atuação na instituição foi de dois a 19 anos, com média de 12 anos. Em relação à escolaridade, duas trabalhadoras são doutoras em enfermagem, e duas estão cursando doutorado e, duas, mestrado. Ainda, 11 são graduados em enfermagem, e sete têm ensino médio (técnico de enfermagem). Ressalta-se que, embora possuam graduação, no momento, atuavam como técnico de enfermagem. Em relação ao turno, 10 trabalham em turnos da manhã e tarde, e oito, no noturno. Quanto ao regime de trabalho, oito eram contratados pelo Regime Jurídico Único (RJU), e 10, pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

Para melhor explorar os dados coletados, realizou-se a análise de similitude. Assim, por meio da apreciação baseada na teoria dos grafos, foi possivel identificar as ocorrências textuais entre as palavras, o que auxiliou na identificação da estrutura do conteúdo e do corpus textual.

Destaca-se que a palavra “paciente” apresentou o maior número de conectividades, constituindo-se o principal núcleo de sentido no discurso dos participantes. Do elemento central “paciente”, emergiram outros termos que levaram a reflexões sobre rotinas de cuidados, nível de gravidade dos pacientes, estrutura física das unidades e tecnologias de cuidado. Também se destacaram nos discursos os termos “enfermagem” e “falta”, o que originou novas teias e desdobramentos. Delas, ramificaram-se outras palavras sugestivas de significados mais detalhados, as quais podem ser visualizados na Figura 1 a seguir.

Figura 1 -
Análise de similitude. Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Conforme observado no diagrama acima, a palavra “enfermagem” dá origem a outros termos, relacionados à estruturação da equipe de enfermagem, aos processos formativos, e às tecnologias necessárias para realização do cuidado ao paciente. Por outra vertente, evidencia-se que a palavra “falta” possui forte relação com elementos importantes para assistência/cuidado de enfermagem. Entre eles, pode-se destacar a falta de materiais, equipamentos, pessoal, comunicação e gerenciamento.

Neste estudo, também utilizou-se a análise da CHD, que apresentou 172 segmentos com 95,03% de aproveitamento, resultando em sete classes semânticas. A interpretação das classes foi realizada pelos pesquisadores a partir das ocorrências/vocábulos que apresentaram valores estatisticamente significantes (p<0,05) e dos ST atribuídos pelo software em cada classe.

A partir da análise do dendrograma, foi possível identificar o conteúdo lexical das classes e os vocábulos mais frequentes em cada uma delas. Os depoimentos dos participantes foram, inicialmente, organizados em dois subgrupos. No subgrupo “A”, encontram-se as classes I e II, que se relacionam entre si. Já no subgrupo “B”, identificam-se as classes III e IV, e do agrupamento gerado por essas classes, surge o subgrupo “C”, o qual é composto pelas classes V, VI e VII. A Figura 2 a seguir apresenta o dendrograma com as classes semânticas e suas relações.

Figura 2 -
Dendrograma apresentando as classes semânticas e suas relações. RS, Brasil, 2023.

No Quadro 1, apresentam-se os ST referentes a cada uma das classes.

Quadro 1 -
Aspectos estruturais da unidade e a dimensão clínica do cuidado. Santa Maria, RS, Brasil, 2023.

Classe I - Fragilidades na estrutura física e falta de materiais e/ou equipamentos
Também vejo como uma precarização [referindo-se aos quartos/enfermarias]; não temos telas nas janelas. Falta aparelhos de HGT, cadeiras de banho, aparelho de eletrocardiograma, suporte de soro, biombos, e a própria estrutura da unidade, que é muito longa (E6). Os quartos são apertados. Não se consegue chegar para atender o paciente, para avaliar, fazer uma punção, aspirar. São as mochilas do acompanhante, a poltrona, o acompanhante, as bombas de infusão, é o monitor que não funciona, a janela emperrada (E5). O paciente não tem as coisas à beira. Os leitos são muito próximos. Os banheiros não têm água quente. Só temos duas cadeiras de banho. Monitores, também temos poucos no andar! Então, bem difícil assim. Essa falta intensifica o nosso trabalho (TE7). As enfermarias têm cinco pacientes e mais cinco acompanhantes, e aí tu vais dar um banho numa idosa, que se protegeu a vida toda e não tem biombo. Não temos ar condicionado e nem ventiladores nos quartos, e isso impacta também (TE13). O espaço físico é precário! A cabeceira do leito que é pequena, a gaveta está caindo! (TE2). Às vezes, precisamos de bombas de infusão, e, ter que pedir emprestado, isso toma tempo. De noite, não temos acesso a ventiladores mecânicos, aí, quando o paciente piora, é difícil (E05). Nas enfermarias de dois leitos, só tem uma cabeceira com uma rede de oxigênio e uma saída de ar comprimido, aí tem que trocar o paciente de quarto. O paciente não tem as coisas à beira leito, você tem que estar correndo de um lado para outro (E10). As campainhas não funcionam, ou o sensor apita, mas não mostra qual quarto, aí tu precisas sair procurando [...] nesse quesito, aumenta nossa carga de trabalho (E1). Você vai buscar o paciente, não tem cadeira de rodas, aí precisa ir lá no térreo buscar a cadeira para aí levar o paciente para o exame. Atrasa muito, é tempo perdido! (TE15).
Classe II - Complexidade da condição clínica do paciente
Não é incomum a gente ter no andar pacientes em ventilação mecânica. Então, nossos pacientes acabam ficando [internados na unidade] (TE2). A gente recebe pacientes vindos da UTI, da sala de recuperação, do pronto-socorro, da unidade de cardiologia, então são pacientes que demandam muitos cuidados (E9). Os pacientes são cada vez mais instáveis. A gente atende menos pacientes, mas com níveis de complexidade muito diferentes. Então, fica puxado para a equipe de enfermagem. Então, esse fator da gravidade do paciente é um fator imutável (E10). Temos muitos pacientes semicríticos ou alguns crônicos que vêm da UTI, traqueostomizados, com lesão de pele, fazendo uso de sonda, cateter venoso central, sonda vesical (E4). Os pacientes são cada vez mais graves, cada vez mais instáveis, principalmente os pacientes cirúrgicos que a gente tem. A unidade, apesar de ser aberta, tem muitos pacientes graves, até de pacientes que seriam de unidades intensivas. Hoje, eu estava com dois pacientes na ventilação mecânica, dois com traqueostomia (E10).
Classe III - Fragilidades na formação, qualificação e quantitativo de profissional
Agora, nessa época de pandemia, a falta de pessoal e o absenteísmo são bem visíveis, e isso interfere, e muito, no nosso cotidiano (E16). Na pandemia, quem cobria os atestados éramos nós, que estamos trabalhando, e aí, os dias que a gente teria de folga, a gente acaba tendo que trabalhar (TE2). Em geral, a gente trabalha em quatro colegas (técnicos de enfermagem) e um ou dois enfermeiros; tem dias que a gente assume até 10 ou 11 pacientes. Ainda temos auxiliares de enfermagem, e sobrecarrega bastante, porque eles não têm respaldo para fazer algumas atividades. Então, o enfermeiro deve estar atento para organizar a escala (TE3). Um dos fatores que influencia no trabalho do enfermeiro é a própria equipe. A gente conhece os nossos colegas, e a gente sabe, hoje vai ser pesado! (E14). As equipes de técnicos de enfermagem não são fixas, e se tu ‘pegar’ uma equipe fraca, tu já sabes que terá que ficar “de olho” o tempo todo, então, é bem difícil! (E17). A formação está frágil, não só a do técnico de enfermagem, mas dos demais profissionais da equipe. Se o médico ou o fisioterapeuta tem mais domínio daquela situação, as condutas são mais acertadas e tu não tem que estar se preocupando com outras coisas (E18). É visível que as escolas, que o ensino, está frágil. Tem muita gente que foi contratada e que não entende do processo, de algumas coisas que são consideradas básicas (E13). A falta de qualificação é gritante e, com a pandemia, ficou muito mais evidente (E17).
Classe IV - Ritmos e exigências do trabalho
Tem que ter atenção e visão. São muitos detalhes, são muitas chances de cometer erros, muitas chances! Então, tem que ler, reler, interpretar uma prescrição médica (TE3). O horário que o paciente recebe mais medicações é à noite. Então, são várias bandejas durante toda a noite, então acaba que de noite o uso da medicação se intensifica mais (TE3). Eu acho que o trabalho está sendo maçante. Tem coisas que não competem ao técnico [de enfermagem], por exemplo, a aspiração e aqui ainda a gente faz isso (TE7). Exige organização, compreensão das prioridades, conhecimento para avaliar os pacientes. Exige habilidade, competência, liderança, conhecimento sobre clínica mesmo (E1). Essa diversificação da clínica dos pacientes, tu estás o tempo inteiro estudando, acaba intensificando, porque, além do teu turno de trabalho, quando tu chegas em casa, queira ou não, tem que estudar para conseguir dar conta do teu trabalho no outro dia (E11). Acontece diariamente essas situações, que tem que improvisar, que tem que saí atrás. Então, tudo isso acaba cansando e, até, às vezes, te desmotivando muito (E6). Tem épocas que falta mais material, você acaba gastando mais tempo procurando o material ou indo nos outros setores pedir emprestado. Há pouco tempo, por exemplo, faltou seringas de 20 (ml) e aí a gente acaba usando duas de 10 ml, tem que improvisar (TE12). A gente tem que ser criativo e buscar outros recursos. Isso acaba também influenciando na intensificação do trabalho ali no dia a dia (TE9).
Classe V - A organização do processo de trabalho
A informatização facilita, mas ela também gera mais trabalho; requer que você escreva mais, que você fale mais detalhado, que você avalie melhor o paciente, e isso toma tempo, principalmente porque, às vezes, o sistema está bem lento (TE2). A gente faz um esforço para deixar o mínimo de pendências possível, mas, por vezes, fica alguma coisa, mas isso não está ao teu alcance (E4). O que interfere também são as duplas jornadas. Você tem funcionário que está cansado, estressado, devido à quantidade de horas trabalhadas, e aqui, no hospital, muitos colegas têm dupla ou tripla jornada, e isso influencia para que aconteçam alguns erros (E17). A falta de rotina, de conversa, de padronização gera uma sobrecarga. Não há uma implementação de uma rotina que vise a melhora do fluxo para as equipes (E14). Além do nosso serviço, a gente tem que acabar conferindo tudo que os técnicos fazem. Então, tem algumas equipes que a gente consegue confiar e tem outras equipes que isso já é mais complicado, que a gente precisa ir atrás, que a gente precisa conferir tudo (E7).
Classe VI - Fragilidades no gerenciamento
Seguidamente, a gente precisa dar “parecer” sobre alguns materiais, mas, mesmo assim, dali um tempo, a gente nota que, mesmo assim, o material foi comprado (E18). Outro aspecto que poderia ser visto, é a questão da falta de gerenciamento, das rotinas, de pequenas coisas que podem ser realizadas diariamente, tanto por quem faz a gestão (TE3). A falta de material influencia bastante, às vezes precisa consertar equipamentos e demora para retornar, daí tem que estar pedindo emprestado em outras unidades (E9). A falta de equipamentos com certeza é um entrave, porque, muitas vezes, a gente tem que estar arrumando daqui, dali para pode fazer uma assistência melhor (E6). Então, desde prover materiais mínimos necessários para o plantão, a questão de treinar a secretária, isso demanda tempo e um certo cuidado (E6).
Classe VII - Falta da colaboração interprofissinal
Depende da equipe que tu estás; se a equipe é boa, o trabalho flui. Claro que cada um tem suas particularidades, mas eu vejo a falta de trabalho em equipe intensifica isso! (TE12). Se todas as equipes centrassem no paciente, convergindo os pensamentos, melhoraria muito a qualidade da assistência, diminuiria o estresse e o retrabalho (E18). Às vezes, a gente nem sabe que o paciente tem um exame. Isso já poderia ter sido visto. E, olha, acontece muito [mudou a intensidade na voz], é bem complicado! (E14). Às vezes, um setor quer que você leve o paciente ‘correndo’, mas eles não sabem das condições; precisa do maqueiro, elevador; tem a questão do quadro do paciente. Essa falta de comunicação atrapalha muito, e tem também a falta de empatia entre os colegas (E06). Eu vejo que a falta de trabalho em equipe intensifica isso! Quando você trabalha em equipe, a intensificação do trabalho fica menor. Tem dias que eu saio do trabalho esgotada que eu não aguento de dor nas pernas de tanto caminhar (E5).

DISCUSSÃO

Conforme apresentado na sessão anterior, o conteúdo lexical e os vocábulos mais frequentes nas falas dos participantes são apresentados em sete classes. Os achados provenientes da classe 1, que versa sobre as fragilidades na estrutura física e falta de materiais e/ou equipamentos, são corroborados por outro estudo que investigou as condições de trabalho da equipe de enfermagem de 15 hospitais públicos do sul da Bahia, Brasil. Os autores destacaram que a falta de insumos, o local inadequado para descanso, a impossibilidade de gozar as folgas advindas das horas extras laboradas e os baixos salários são fatores que permitem classificar como precárias as condições de trabalho13.

Entende-se que a ausência de condições adequadas de trabalho nas instituições de saúde se constitui um fator de intensificação do trabalho. No cenário investigado, isso se caracteriza, especialmente, pela falta de materiais, equipamentos e fragilidades na estrutura das unidades. Essas questões estão relacionadas aos achados da classe II, quando os participantes apontaram como um ponto importante a complexidade da condição clínica dos pacientes atendidos nas unidades de clínica médica e cirúrgica, o que repercute em intensificação das atividades laborais.

Pesquisa realizada em unidades de internação adulto de hospital público de uma instituição de ensino revelou que as principais razões atribuídas à omissão do cuidado foram o dimensionamento inadequado dos profissionais, as situações de urgência com os pacientes durante o turno de trabalho e a não disponibilidade de medicamentos, materiais ou equipamentos quando necessário14.

Em relação aos achados da classe III, evidenciou-se que o déficit de recursos humanos, aliado às fragilidades nos processos formativos, influenciou, substancialmente, na qualidade da assistência prestada e, por consequência, na intensificação do trabalho. Essa intensificação advém do reduzido quantitativo de pessoal de enfermagem, do absenteísmo decorrente do contexto pandêmico, da alternância das escalas de trabalho e da falta de qualificação dos trabalhadores. Embora alguns participantes do presente estudo tenham qualificação em nível de pós-graduação, depreende-se que os relatos de fragilidade no processo formativo estejam relacionados à formação básica dos profissionais, além da necessidade de educação permanente em serviço, especialmente em face do acelerado avanço técnico-científico da área, que requer constante atualização.

Nesse contexto, o dimensionamento de pessoal (DP) é uma estratégia importante para alocar o quantitativo (número) e o qualitativo (categoria) de profissionais necessários para a assistência de enfermagem nas instituições de saúde. Para o cálculo do DP, devem ser consideradas as características do serviço de saúde, de enfermagem e dos pacientes, incluindo, como referencial mínimo, o Sistema de Classificação dos Pacientes (SCP), conforme o grau de dependência dos pacientes, as horas de assistência de enfermagem e a proporção profissional/paciente15.

Estudo recente, realizado em um hospital universitário do sul do Brasil, revelou que a maioria dos pacientes internados em unidade cirúrgica foi classificada em cuidados mínimos (16,81%), seguida de intermediários (6,81%), recomendando de 8,38% a 10,06% de enfermeiros e 17,01% a 20,43% de técnicos ou auxiliares de enfermagem. O estudo apontou como evidência a relação direta do DP para a gestão, o ensino e a assistência, mostrando que um adequado DP contribui para a qualidade do serviço e da segurança do paciente16.

Pesquisa internacional realizada em seis países (Bélgica, Inglaterra, Finlândia, Irlanda, Espanha e Suíça) revelou que o aumento da quantidade de profissionais de enfermagem está associado a menor mortalidade, menor chance de classificações inadequadas dos pacientes, menor chance de relatos de baixa qualidade e maior segurança do paciente. Cada redução de 10 pontos percentuais na proporção de profissionais enfermeiros está associada a um aumento de 11% nas chances de morte17.

Estudo realizado na Arábia Saudita revelou que, em um futuro próximo (década de 2030), muitos países provavelmente sofrerão escassez de recursos humanos em saúde, situação que exige dos gestores um esforço no sentido de recrutar, treinar e reter esses profissionais. Os autores ainda destacaram a necessidade de políticas públicas para possibilitar melhores condições de trabalho, capacitação profissional e remuneração de enfermeiros, para que não haja colapso nos serviços de saúde18.

Em relação à classe IV, percebeu-se que o aumento no ritmo e as exigências no contexto do trabalho também estão relacionados à classe III, uma vez que, quando se tem um quantitativo menor de trabalhadores, também há um acréscimo na quantidade e na complexidade da(s) tarefa(s). Pelos relatos dos participantes, as exigências relacionadas ao labor também se caracterizam como fontes de intensificação, ao passo que o trabalhador precisa possuir uma maior atenção, concentração, organização, compreensão das prioridades e conhecimento. O trabalho também exige habilidade, competência, liderança, interpretação e senso crítico, uma vez que, em muitos momentos, é preciso saber improvisar para dar conta de algumas demandas dos pacientes.

No âmbito da enfermagem brasileira, historicamente, evidencia-se uma desvalorização salarial e, devido a isso, é comum que seus trabalhadores tenham dois ou mais vínculos de trabalho (alguns, inclusive sem registro oficial), geralmente, na expectativa de um melhor retorno financeiro pelo trabalho desempenhado19. Estudo recente, que analisou a relação enfermeiro-população em 58 países, revelou que há uma desigualdade subnacional na distribuição do pessoal de enfermagem. Essa disparidade está correlacionada com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mortalidade materna e menor expectativa de vida20.

Estudo brasileiro, realizado no sudoeste da Bahia, revelou que a organização do trabalho se fundamenta predominantemente em uma lógica neoliberal, que intensifica os ritmos de trabalho, tornando o trabalhador polivalente e multifuncional. Além disso, pressiona fortemente o trabalhador para produzir mais e melhor; portanto, torna as relações interpessoais tensas, por conta das cobranças da gerência21.

Um dos aspectos citados pelos participantes está relacionado às fragilidades nos processos formativos, tanto a nível de ensino médio quanto a nível de ensino superior. Para as escolas de enfermagem, o grande desafio é aproximar o processo de formação das inovações decorrentes das diretrizes curriculares e profissionais, de modo a qualificar o enfermeiro para uma atuação de competência no atual contexto político-econômico, cultural e de saúde do país. Isso precisa funcionar como ponto de partida de um projeto maior, que traz à tona este debate, pois a educação é uma área dinâmica do conhecimento que dá margem a múltiplos olhares e distintas compreensões e interpretações.

A formação de enfermeiros líderes, além de estar respaldada no projeto pedagógico do curso de graduação em enfermagem, precisa articular o ensino teórico, sua aplicação na prática e a promoção de transformações na realidade social do estudante de enfermagem. Entende-se que os docentes de enfermagem são exemplos de liderança para os discentes. Sendo assim, é salutar o conhecimento sobre os modelos de liderança e as estratégias para sua implementação, com vistas a promover mudanças no cenário da formação em enfermagem e da saúde22.

Quanto ao processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessário o reconhecimento da liderança como competência gerencial pelos discentes, pois, ao exercê-la durante a formação acadêmica, aos poucos, o estudante irá compreender a dimensão da complexidade dos serviços de saúde, a escassez de funcionários, os riscos com a segurança do paciente, entre outros agravos vivenciados23.

Assim sendo, as instituições de saúde precisarão readequar seu quadro de trabalhadores. Estudo realizado com 25 enfermeiros de cinco hospitais públicos revelou que a diminuição da proporção enfermeiro-paciente e o aumento dos cuidados focados no paciente afetavam, negativamente, a prática baseada em evidências. Os autores também destacaram que a lacuna entre teoria e prática na prestação de cuidados de qualidade está aumentando devido às barreiras de comunicação existentes entre os profissionais de saúde e um ambiente de trabalho inadequado24.

Evidencia-se que os trabalhadores percebem a informatização como um fator que intensifica o trabalho. No entanto, pesquisa recente revelou que o uso de produtos de tecnologia da informação pode influenciar significativamente no gerenciamento de materiais utilizados no cotidiano da assistência de enfermagem, tendo implicações benéficas na prática clínica, na redução da carga de trabalho, no estresse laboral, no nível de preocupação e na melhora da satisfação dos enfermeiros25.

Essa situação é evidenciada nos relatos contidos na classe V, quando apontam que, em função da informatização, o trabalho se torna mais intensificado, uma vez que exige mais do trabalhador. Para além disso, a intesificação do trabalho também está relacionada à falta de rotina e às duplas jornadas de trabalho.

Em relação à classe VI, que versa sobre as fragilidades no gerenciamento, percebe-se, pelo relato dos participantes, uma questão bem demarcada que é a falta de recursos e, em especial, os materiais e equipamentos. Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de uma melhor organização institucional acerca da gestão de equipamentos, uma vez que a falta desses implica uma diminuição na qualidade da assistência que, por consequência, intensifica o trabalho, pois o trabalhador precisa reorganizar sua prática.

A gestão de equipamentos hospitalares desempenha um papel vital para a melhoria das condições de assistência aos pacientes, especialmente nos ambientes de alta densidade tecnológica, sendo que repercutem em considerável demanda de trabalho para a equipe de enfermagem. Dito isso, e frente ao relato dos participantes deste estudo, pesquisa realizada no Sri Lanka destacou que a ausência de manutenção e reparos de equipamentos hospitalares, plano de aquisição impróprio, calibração imprópria e validação deficiente dos equipamentos é problema comum na gestão de equipamentos hospitalares26.

Outro aspecto que está presente nos depoimentos dos participantes diz respeito às demandas de trabalho no cotidiano das unidades de clínica médica e cirúrgica, e à falta de comunicação e colaboração entre os diferentes profissionais/equipes. Assim, a classe VII está intitulada como falta da colaboração interprofissinal.

A interprofissionalidade exige dos profissionais uma comunicação eficaz e respeitosa. A comunicação efetiva e a compreensão das responsabilidades profissionais são competências centrais da prática colaborativa centrada no paciente. Assim sendo, é necessário que os profissionais de saúde compreendam as singularidades do processo e a clareza em relação às tarefas nas quais atuam27.

A comunicação fluida é reconhecida como elemento essencial para uma assistência segura e de alta qualidade que garanta abordagens mais integradas e clareza das necessidades e condutas em saúde. Essa lógica assegura maior capacidade no enfrentamento de problemas complexos, adotando intervenções que visam ao processo e aos aspectos relacionais do cuidado integral em saúde28.

Estudo brasileiro revela que instituições que se reorganizaram na perspectiva interprofissional conseguiram atuar com maior agilidade e capacidade de resposta clínica, desenvolvendo uma assistência mais qualificada e ofertando treinamentos aos profissionais de saúde que atuavam na linha de frente da COVID-19, garantindo uma assistência livre de danos e segura para o outro e para si29.

Estudo realizado na Espanha com enfermeiros, cirurgiões e anestesiologias atuantes em unidade de centro cirúrgico revela que diferentes perspectivas das equipes podem facilitar a reflexão genuína, a discussão e a implementação de intervenções para melhorar a colaboração interprofissional na sala de cirurgia e superar barreiras e suas consequências30. Os autores ainda destacaram que uma prática interprofissional envolve aprender a dialogar, de forma mais efetiva e assertiva, com os colegas, o que contribui para melhoria do cuidado prestado.

A partir dos resultados deste estudo, aponta-se uma importante reflexão acerca do processo de intensificação do trabalho de enfermagem, fenômeno contemporâneo e que vem sendo cada vez mais presente no cotidiano laboral, com implicações para a saúde do trabalhador e qualidade assistencial. O desenvolvimento de investigações sobre esse construto se constitui em possibilidade de subsidiar estratégias e políticas direcionadas à saúde do trabalhador, à gestão dos recursos (humanos, materiais, equipamentos), especialmente nas instituições hospitalares, além de melhoria da qualidade dos cuidados oferecidos aos pacientes/usuários.

Entre as estratégias, pode-se destacar as direcionadas ao DP, especialmente em setores que atendem pacientes com maior nível de complexidade e que requerem maior densidade tecnológica para o processo assistencial. Reitera-se, também, a necessidade de um processo de educação permanente direcionado às demandas de constante atualização, por parte dos profissionais, bem como de um processo gerencial atento às demandas de melhores condições laborais e de construção de uma perspectiva de trabalho interprofissional entre trabalhadores de saúde.

Outro importante desdobramento deste estudo refere-se ao avanço no escopo de publicações produzidas sobre a temática tanto a nível nacional quanto a nível internacional. Desse modo, o presente estudo apresenta potencial avanço na construção de novos debates sobre o tema, tanto a nível teórico quanto a nível empírico e metodológico, possibilitando a visualização de novos horizontes sobre a temática para melhoria das condições de trabalho de enfermagem. Além disso, os resultados deste estudo podem subsidiar a construção de um instrumento de medida que se destine a mensurar o construto intensificação do trabalho em enfermagem.

Quanto às limitações do estudo, considera-se que a modalidade remota de entrevista pode ter dificultado a possibilidade de um diálogo mais ampliado com os participantes. Além disso, acredita-se que a associação de outras técnicas de coleta de dados poderia ter oferecido maior robustez ao estudo. Por se tratar de pesquisa qualitativa, os resultados não podem ser generalizados, com limitações do método, pois os participantes podem não representar a opinião de todos os profissionais de enfermagem que atuam em unidade de clínica médica e cirúrgica.

Destaca-se, também, a interferência da pandemia na percepção dos trabalhadores sobre a intensificação do trabalho. Ainda que não fosse um objetivo do estudo, as implicações da pandemia no processo de trabalho podem ter interferido na percepção do trabalhador sobre a intensificação do trabalho de enfermagem.

CONCLUSÃO

A partir da realização deste estudo, conclui-se que a intensificação do trabalho está presente no cenário investigado, estando relacionada à progressiva demanda exigida pelos pacientes e a aspectos organizacionais. Destacam-se como fatores relacionados à intensificação do trabalho de enfermagem: falta de materiais e equipamentos; gravidade da condição clínica do paciente; fragilidades na formação e qualificação profissional; ritmo intensificado; aumento das exigências de trabalho; fragilidades no gerenciamento; e falta de colaboração interprofissional.

Tendo em vista que se trata de uma temática recentemente abordada na literatura científica, uma vez que está relacionada a fenômenos contemporâneos, sugere-se o desenvolvimento de novos estudos sobre o tema como forma de se obter subsídios teóricos plausíveis que possibilitem a formulação de estratégias e políticas direcionadas a melhoria das condições de trabalho de enfermagem e da qualidade assistencial.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Artigo extraído da tese - Elaboração e validação de conteúdo do instrumento para mensurar a intensificação do trabalho da enfermagem: estudo metodológico, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Maria, em 2022.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, parecer nº 4.104.436, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 30816020.5.0000.5346.

Editado por

EDITORES

Associated Editors: Bruno Miguel Borges de Sousa Magalhães, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda. Editor-in-chief: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Dez 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  10 Jul 2023
• Aceito
  18 Set 2023