GRUPOS BALINT COM O USO DO APLICATIVO M-HEALTH COLETIVOS EM SAÚDE MENTAL NA COVID-19

RESUMO

Objetivo:

avaliar o potencial de eficácia dos grupos Balint com profissionais da saúde com dispositivo m-Health Coletivos em Saúde Mental, na Sars-COV-2.

Método:

estudo piloto quase-experimental, desenvolvido em três fases: avaliação inicial, acompanhamento longitudinal e reavaliação. Participaram do estudo oito profissionais da saúde, média de 35,5 anos, de diferentes sexos e escolaridade. Os instrumentos utilizados foram: Questionário demográfico; Avaliação da saúde mental; Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse; Escala de medo do Covid-19; Posttraumatic Stress Disorder. As intervenções Balint totalizaram 24 sessões, com o uso de dispositivo m-Health, entre dezembro de 2021 a fevereiro de 2022.

Resultados:

A avaliação indicou sofrimento mental, pré 75%; pós 50% (média, 1,70±0,05 vs 1,54±0,05; DP=0,378; 0,377; p=0,387); depressão, pré 62,5%; pós 12,5% (média, 1,91±0,05 vs 1,50±0,05; DP=0,688; 0,497; p=0,242); ansiedade, pré 50%; pós 37,5% (média, 1,71±0,05 vs 1,98±0,05; DP=0,703; 0,624; p=0,208); estresse, pré 75%; pós 37,5% (média, 2,36±0,05 vs 1,98±0,05; DP=0,697; 0,547; p=0,260); medo da Covid-19, pré= 14 a 31; pós=10 a 26 (média, 3,57±0,05 vs 2,82±0,05; DP=1,043; 1,038; p=0,005), com redução do medo em 100%; transtorno de estresse pós-traumático, reexperiência do trauma, pré 37,5%; pós 12,5%; evitação, pré 25%; pós 25%; hiperestimulação, pré 25%; pós 12,5% (média, 2,11±0,05 vs 1,66±0,05; DP=0,734; 0,615; p=0,133).

Conclusão:

Os achados deste estudo demonstram o potencial dos grupos Balint para fomentar a saúde mental dos profissionais da saúde. Esses resultados não podem ser generalizados e outras pesquisas são necessárias para avaliar a eficácia dos grupos Balint.

DESCRITORES:
Saúde digital; Saúde Mental; Intervenção na crise; Inovação; Saúde pública

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the potential effectiveness of Balint groups with health professionals using an m-Health device called “Coletivos em Saúde Mental”, during the SARS-COV-2.

Method:

a quasi-experimental pilot study, developed in three phases: initial assessment; longitudinal monitoring and reassessment. Eight health professionals participated in the study, mean age of 35.5 years old, of different genders and with various schooling levels. The instruments used were the following: Demographic questionnaire; Mental health; Depression, Anxiety and Stress Scale; COVID-19 Fear Scale; Post-Traumatic Stress Disorder. The Balint interventions totaled 24 sessions using an m-Health device between December 2021 to February 2022.

Results:

the health assessment indicated mental distress: before, 75%; after, 50% (mean, 1.70±0.05 vs 1.54±0.05; SD=0.378; 0.377; p=0.387); depression: before, 62.5%; after, 12.5% (mean, 1.91±0.05 vs 1.50±0.05; SD=0.688; 0.497; p=0.242); anxiety: before, 50%; after, 37.5% (mean, 1.71±0.05 vs 1.98±0.05; SD=0.703; 0.624; p=0.208); stress: before, 75%; after, 37.5% (mean, 2.36±0.05 vs 1.98±0.05; SD=0.697; 0.547; p=0.260); COVID-19 fear: before, from 14 to 31; after, from 10 to 26 (mean, 3.57±0.05 vs 2.82±0.05; SD=1.043; 1.038; p=0.005), with a 100% reduction; post-traumatic stress disorder, re-experiencing the trauma: before, 37.5%; after, 12.5%; avoidance: before, 25%; after, 25%; hyperstimulation: before, 25%; after, 12.5% (mean, 2.11±0.05 vs 1.66±0.05; SD=0.734; 0.615; p=0.133).

Conclusion:

the findings of this study show the potential of Balint groups to promote health professionals' mental health. These results cannot be generalized and further research is required to evaluate the effectiveness of Balint groups.

DESCRIPTORS:
Digital health; Mental Health; Crisis intervention; Innovation; Public health

RESUMEN

Objetivo:

evaluar el potencial de eficacia de los grupos Balint con profesionales de salud utilizando un dispositivo de m-Health llamado “Coletivos em Saúde Mental” durante la SARS-CoV-2.

Métodos:

estudio piloto cuasiexperimental, desarrollado en tres fases: evaluación inicial; seguimiento longitudinal; y segunda evaluación después de la intervención. Los participantes del estudio fueron ocho profesionales de salud, 35,5 años. Se utilizaron: un Cuestionario demográfico; Salud mental; Escala de Depresión, Ansiedad y Estrés; Escala de miedo al COVID-19; y Post-Traumatic Stress Disorder. Las intervenciones Balint totalizaron 24 sesiones, utilizando el dispositivo m-Health, entre diciembre de 2021 y febrero de 2022.

Resultados:

la evaluación indicó padecimiento mental: antes, 75%; después, 50% (media, 1,70±0,05 vs 1,54±0,05; DE=0,378; 0,377; p=0,387); depresión: antes, 62,5%; después, 12,5% (media, 1,91±0,05 vs 1,50±0,05; DE=0,688; 0,497; p=0,242); ansiedad: antes, 50%; después, 37,5% (media, 1,71±0,05 vs 1,98±0,05; DP=0,703; 0,624; p=0,208); y estrés: antes, 75%; después, 37,5% (media, 2,36±0,05 vs 1,98±0,05; DE=0,697; 0,547; p=0,260); miedo al COVID-19: antes, de 14 a 31; después, de 10 a 26 (media, 3,57±0,05 vs 2,82±0,05; De=1,043; 1,038; p=0,005), con 100% de reducción; Trastorno por Estrés Post-Traumático, “reexperiencia del trauma”: antes, 37,5%; después, 12,5%; “evitación”: antes, 25%; después, 25%; “hiperestimulación”: antes, 25%; después, 12,5% (media, 2,11±0,05 vs 1,66±0,05; DP=0,734; 0,615; p=0,133).

Conclusión:

los hallazgos de este estudio demuestran el potencial de los grupos Balint. Estos resultados no pueden generalizarse y se requieren más trabajos de investigación para evaluar la eficacia de los grupos.

DESCRIPTORES:
Salud digital; Salud Mental; Intervención en situaciones de crisis; Innovación; Salud pública

INTRODUÇÃO

A pandemia de Sars-COV-2 afeta negativamente a saúde mental dos profissionais de saúde. Notadamente, médicos, técnicos de enfermagem e enfermeiros, os que trabalham na linha de frente assistencial, pois lidam diariamente com o medo de se infectar e de contaminar outras pessoas, frente à carência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a sobrecarga de trabalho diária1.

A relevância dos aspectos emocionais durante eventos pandêmicos tem levado autores a identificar a Sars-COV-2 como uma pandemia do medo ou coronafobia2, o que pode provocar ou intensificar sintomas de ansiedade, estresse e medo3. Além disso, o acometimento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), também deve ser considerado4^-5^-6.

As evidências sugerem que os profissionais da saúde, principalmente de enfermagem, sofrem com alto nível de ansiedade e de depressão7. Assim, torna-se necessário a oferta de intervenções que propiciem suporte emocional, técnicas de enfrentamento positivo, um ambiente de trabalho acolhedor, além de implementação de políticas públicas que assegurem medidas protetivas contra a contaminação do vírus8. Nessa perspectiva, as modalidades de atendimento, com o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) foram intensificadas, como alternativas para garantir o distanciamento social e a assistência em saúde geral e mental à população9.

Soluções inovadoras, como cuidados em saúde mental por meio de videoconferências, podem aumentar o número de pessoas assistidas10. As tecnologias m-Health referem-se às ferramentas e práticas realizadas por meio de dispositivos móveis, como celulares e tablets, podem ser definidas como a utilização de TICs para oferta e melhoria de serviços de saúde. O atendimento profissional na área de saúde móvel possibilita condições para a avaliação contínua de parâmetros de saúde, configura um novo cenário de incentivo à comportamentos saudáveis e auxilia na autogestão de condições crônicas11.

As tecnologias m-Health podem possibilitar maior acesso da população aos serviços de saúde mental, além de facilitar o desenvolvimento de intervenções de emergências públicas12. Antes mesmo da pandemia de Sars-COV-2, muitos países já utilizavam as tecnologias móveis em saúde para a realização de atendimentos e tratamentos on-line. Com a necessidade de distanciamento social, a telessaúde tornou-se um serviço essencial, e isso resultou em uma expansão global13.

Alguns estudos mostram a importância da oferta de intervenções remotas para apoiar os profissionais de saúde em situações de crise generalizada. No cenário internacional, desde 28 de março de 2020, o departamento de psiquiatria do Hospital Universitário de Brooklyn, no Estado de Nova Iorque, desenvolveu sessões de grupo de apoio com 187 profissionais de saúde (médicos, residentes, enfermeiros), para fornecer apoio emocional uns aos outros, além de auxiliar a lidar com o estresse e emoções relacionadas ao trabalho diante da pandemia de Sars-COV-29. Os atendimentos psicológicos ocorreram de forma virtual em grupo e individual, por meio de ligações e chamadas de vídeo. Os grupos foram atendidos por 6 psiquiatras assistentes e 10 residentes de psiquiatria, as sessões individuais foram conduzidas por psicólogos, psicanalistas e/ou assistentes sociais. Os resultados indicaram a grande carga de ansiedade vivenciada pelos profissionais de saúde, aliada ao estresse do distanciamento social, juntamente com o medo de contrair ou espalhar o vírus para os seus familiares. O estudo sugere que oferecer grupos de apoio psicológico em telessaúde e aconselhamento individual, em situações de crise, é potencialmente positivo9, o que corrobora estudos que afirmam que a telepsicoterapia é vital para essa população, especialmente diante de surto pandêmico14.

Na Índia, as intervenções psicológicas on-line tiveram boa aceitação dos profissionais de saúde (n=153), do sexo masculino (69,3%), com evidências positivas quanto à acessibilidade, satisfação dos usuários, com custo efetivo menor, o que facilitou o acesso ao especialista. A telessaúde mental trouxe incremento ao acesso aos pacientes, entretanto, preocupações quanto à segurança e as barreiras tecnológicas foram destacadas15.

No Brasil, a oferta de serviços de acolhimento psicológico na modalidade remota e síncrona ganhou espaço no cenário da pandemia de Sars-COV-2. Um exemplo é o projeto Coletivos On-line em Saúde Mental: Ação Transdisciplinar para grupos vulneráveis à Covid-19, dirigido aos profissionais de saúde. Por meio de uso de m-Health Coletivos em Saúde Mental e amparados no método de Balint, os atendimentos ocorrem semanalmente, em dia e horários estabelecidos, com duração de aproximadamente 60 minutos. O grupo Balint é um dispositivo que reúne profissionais de uma mesma categoria, com um coordenador que conduz a reflexão do grupo. Cada participante apresenta um relato sobre um momento de sua prática conflitante, ao qual o grupo vai reagir, seguindo o propósito metodológico da associação livre16. O grupo permite o acolhimento das angústias dos profissionais envolvidos, por meio do uso da técnica com dispositivo m-Health, na modalidade on-line síncrona. A técnica inspirou a criação de diferentes grupos de análise, nos mais diversos contextos, com professores, psicólogos, conselheiros tutelares, cuidadores de pessoas com deficiência e enfermeiros17^-18^-19.

Existem diferentes abordagens teóricas para os atendimentos psicológicos on-line. Um dos modelos é o proposto por Michael Balint, um médico e psicanalista húngaro que viveu grande parte da sua vida na Inglaterra, devido a perseguições na Segunda Guerra Mundial. Essa modalidade grupal foi criada durante um período em que surgiu na Inglaterra um intenso interesse nas práticas grupais e na possibilidade de ampliar o potencial terapêutico psicanalítico, com a transposição dos fundamentos da psicanálise além da clínica tradicional20.

O objetivo do grupos Balint é possibilitar uma escuta empática, contribuindo na humanização do cuidado para além das questões biológicas das doenças. Relações humanizadas podem ajudar a enfrentar melhor o adoecimento e, também, melhorar a relação com o paciente16. O grupo Balint é um dispositivo que reúne profissionais de uma mesma categoria com um coordenador que conduz a reflexão do grupo (6 a 12 participantes). Cada participante apresenta um relato sobre um momento de sua prática conflitante, ao qual o grupo vai reagir. As dificuldades emocionais que emergem, instigam narrativas e sentimentos, afetos passados e presentes. Assim, cada membro do grupo se reconhece de modo diferente, a partir do inconsciente, o “espelho” do grupo19.

Um estudo realizado na Suécia avaliou a experiência de nove médicos (clínicos gerais) em grupos Balint. Os resultados indicaram que a técnica foi benéfica e essencial para a vida profissional dos participantes, com melhora em vários aspectos, como competência, resistência, satisfação e segurança. Os grupos Balint podem, portanto, ajudar os profissionais da saúde a lidar com uma vida de trabalho exigente e prevenir o esgotamento emocional. Embora o grupo Balint não seja adequado para todos os profissionais da saúde, pode reduzir o estresse e aumentar a satisfação no trabalho21.

Outro estudo verificou a eficácia dos grupos Balint na prevenção de burnout entre 36 residentes em programas de treinamento na China. No total, foram 10 sessões durante 6 meses. Os resultados indicaram a evidência de burnout entre os participantes, pré e pós-intervenção. Os escores médios da subescala de burnout para exaustão emocional (EE) e alta despersonalização (DP) diminuíram, e os escores para satisfação no trabalho aumentaram, após a participação no grupo Balint. Os participantes relataram a importância da técnica, uma vez que a satisfação geral com o programa foi superior a 80%22.

O estudo realizado em Birmingham, Reino Unido, demonstrou as experiências de grupos Balint em ambientes virtuais durante a crise pandêmica de Sars-COV-2. Os questionários respondidos por 6 grupos sobre a experiência dos participantes e facilitadores (médicos/psiquiatras) indicaram que foi positivo; a taxa de resposta foi de 89% para os participantes (n=51) e 100% para os facilitadores (n=5). Os participantes acharam ambos os formatos favoráveis (presencial e on-line), tornando-se fonte de apoio e conectividade, sendo que alguns preferem virtualmente. Em conclusão, o estudo indicou a flexibilidade e acessibilidade promovido por espaços virtuais, sendo que grupos Balint virtuais são positivos na promoção de bem-estar emocional, apoio aos pares e desenvolvimento de competências psicoterapêuticas, com potencial para continuar além da pandemia de Sars-COV-223.

Outro estudo realizado no Irã, revelou a experiência com grupo Balint on-line e presencial durante a pandemia de Sars-COV-2. Conforme os resultados indicaram, os 9 profissionais da saúde conseguiram expressar verbalmente suas experiências, sentimentos e emoções, sendo uma oportunidade de interação, reflexão e compreensão das experiências vividas. Além disso, o questionário semiestruturado indicou que o grupo Balint foi uma oportunidade de desenvolvimento e aprendizado; alívio do estresse do trabalho; possibilidade de descarga emocional; além de ser um espaço empático para conversar sobre as preocupações e medos. O estudo concluiu que o grupo Balint promoveu bem-estar e qualidade de vida aos profissionais da saúde24.

No Brasil, os estudos com o método Balint são escassos e permeiam o contexto escolar. Um estudo realizado em uma escola pública de Educação Infantil, no Distrito Federal, buscou proporcionar um espaço de escuta e reflexão sobre a inclusão escolar de oito professoras, com idades entre 33 e 52 anos, em cinco encontros. Os sentimentos de desamparo, solidão e insegurança nas queixas das professoras impulsionam a necessidade de oferta de espaços de apoio e acolhimento, para que possam se sentir ativas do processo educativo, diminuindo suas angústias25. Outro estudo, realizado na rede pública de ensino do Distrito Federal, verificou a relevância de grupos de escuta, com foco nas angústias e análise das práticas profissionais de sete psicólogos. O grupo ocorreu de forma virtual, em 12 encontros, com duração de 90 minutos cada. Houve diminuição das angústias, incertezas e medos relacionadas à profissão e aos lutos vivenciados na Sars-COV-219.

Esses dados apoiam a necessidade de intervenções de proteção à saúde mental dirigida a profissionais de saúde, frente os fatores de risco no trabalho diante da crise generalizada imposta pelo vírus11^-26, e o desenvolvimento de pesquisas no Brasil com essa parcela da população com dispositivos dos grupos Balint. A rápida implementação dos atendimentos on-line em saúde mental, demonstra que podem ser uma forma de assistência segura e efetiva para a continuidade do tratamento, além de aumentar o acesso aos cuidados em saúde mental. Contudo, a falta de dispositivos de internet e de domínio no uso das tecnologias digitais, podem influenciar diretamente no acesso e restringir essa modalidade de assistência27^-28^-29^-30^-31.

Diante do contexto pandêmico adverso e de seus efeitos, os grupos Balint podem ser uma ferramenta útil na promoção da saúde dos profissionais da saúde, auxiliando e desenvolvendo habilidades para lidar com diversas situações do cotidiano da profissão. Levando-se em conta as considerações apresentadas, enquanto uma medida de suporte em saúde mental aos indivíduos atingidos pela pandemia, este estudo teve como objetivo avaliar o potencial de eficácia dos grupos Balint com profissionais da saúde com dispositivo m-Health Coletivos em Saúde Mental, na pandemia de Sars-COV-2.

MÉTODO

Trata-se de um estudo piloto quase-experimental, do tipo antes e depois, desenvolvido em três fases: avaliação inicial, acompanhamento longitudinal (intervenção), reavaliação após a intervenção.

O estudo obteve Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC) nº RBR-4vy54v; foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em uma Universidade localizada no norte do Estado do Rio Grande do Sul. Contempla a Resolução do Conselho Federal de Psicologia 010/05, que aprova o código de ética do Psicólogo e a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, sobre a participação de seres humanos em pesquisas, a qual considera o indivíduo e as coletividades.

A amostra contou com 8 profissionais de saúde com idade entre 20 e 59 anos, com formação em diferentes áreas da saúde (multiprofissional), atuantes em instituições públicas e/ou privadas, nos três níveis de atenção em saúde (primário, secundário e terciário), residentes no Estado do Rio Grande do Sul - RS.

Procedimentos e coleta de dados

Foi realizado o contato inicial via WhatsApp com as instituições de atenção básica à saúde da região norte do Estado do Rio Grande do Sul (Unidades Básicas de Saúde; Estratégia de Saúde da Família; Centros de Atenção Integral à Saúde; e hospitais). Após divulgar a pesquisa para os possíveis interessados em participar do estudo, foi agendado um encontro on-line com cada um, com o objetivo de realizar a triagem da queixa principal e verificar os critérios de inclusão ao estudo: profissionais de saúde com idade entre 20 e 59 anos; com formação em diferentes áreas da saúde; que atuem na área de formação há pelo menos 6 meses; em instituições públicas e/ou privadas; dos três níveis de atenção em saúde (primário, secundário e terciário); que residam no estado do Rio Grande do Sul; com disponibilidade de tempo para participar dos atendimentos remotos síncronos. Foram excluídos profissionais de saúde com presença de patologias neurológicas e/ou de sintomas depressivos importantes, avaliados por meio da Escala de Depressão (DASS-21), e do Questionário para avaliação da saúde mental - Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20).

Os profissionais que preencheram os critérios de inclusão foram informados acerca do estudo, com a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi enviado para os participantes voluntários da pesquisa para a assinatura via WhatsApp. O cadastro dos participantes do estudo foi realizado por meio de um aplicativo m-Health Coletivos em Saúde Mental, uma tecnologia de Saúde Digital Progressive Web App32 (https://coletivosaudemental.com.br/pesquisa/).

Os participantes, voluntários, responderam aos instrumentos de avaliação no aplicativo m-Health Coletivos em Saúde Mental, em duas sessões on-line, com assistência do pesquisador responsável por este estudo, com tempo estimado de 60 minutos cada sessão. Após responderem aos testes padronizados de avaliação psicológica individualmente, os participantes foram agrupados em dois grupos (quatro participantes em cada grupo), conforme a disponibilidade de horário, para a realização da intervenção pautada no método de Balint, na plataforma google meet. Os encontros do grupo Balint ocorreram semanalmente, com duração de aproximadamente 60 minutos cada sessão, entre os meses de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022.

Totalizaram 24 sessões, sendo 12 sessões com cada grupo de participantes, assim distribuídas: avaliação inicial (dois encontros); grupos Balint (oito encontros); avaliação final - reavaliação (dois encontros), para comparar seu estado geral de saúde e funcionamento psíquico em relação a primeira avaliação psicológica conduzida. Os dois grupos foram conduzidos pelo mesmo psicólogo, organizados de forma multidisciplinar, de acordo com os horários disponíveis dos participantes.

No que diz respeito às determinações para o uso do grupo Balint, cada sessão de intervenção seguiu o seguinte roteiro: 1ª rodada - “Apresentação dos membros do grupo”; 2ª rodada - “O que preocupa você no trabalho?”; “Qual a angústia desse momento?”; 3ª rodada - “Eleição da temática de angústia para aprofundamento descritivo e analítico”; 4ª rodada - “Detalhamento da angústia selecionada pelo membro que a propôs”; 5ª rodada - “Aprofundamento analítico do tema pelos participantes”; “Quem gostaria de falar?”.

Foi realizado o registro, semanalmente, de cada sessão do processo de aplicação dos princípios do Grupo Balint (acompanhamento das instruções e sua eficiência), em protocolo específico para esta finalidade. Inicialmente, a estimativa de participação no estudo era de 10 a 15 participantes, com estimativa de aceite de 50%, entretanto alguns profissionais não conseguiram seguir no estudo e participar da etapa interventiva. Com isso, o número amostral ficou reduzido ao mínimo esperado. Todas as etapas desse estudo foram executadas pelo pesquisador/coordenador dos grupos, de forma on-line, tendo em vista o distanciamento social imposto pela pandemia de Sars-COV-2.

A apresentação dos resultados ocorreu pela estatística descritiva por meio das distribuições em frequências absolutas e relativas (n - %), bem como média (M), desvio padrão (DP) e valor de p. Para análise de comparação entre os escores, baseando-se nas medidas dos participantes nos dois momentos de avaliação (pré e pós intervenção) e frequências de categorias, foram utilizados o teste Binomial e o software Jamovi (Version 1.2 Computer Software)33. Foram conduzidas análises descritivas e comparativas dos resultados nas diferentes etapas do estudo (pré e pós). Os materiais e instrumentos utilizados foram:

1. a) Aplicativo Coletivos em Saúde mental34 - trata-se de uma solução Progressive Web App (PWA) desenvolvida para o acesso e a participação nos serviços remotos. A solução de saúde digital PWA é composta por recursos intuitivos que consideram os princípios de usabilidade. A plataforma oferece o endereço de sites governamentais oficiais para obtenção de informações sobre a pandemia; orientações para preservação da saúde mental; cartilha sobre saúde mental35; guia de acesso ao interior da plataforma e informações gerais sobre o serviço prestado e a equipe responsável. A solução abriga todos os instrumentos e materiais de coleta de dados e as informações quanto ao link de acesso a sala dos encontros on-line. O aplicativo foi certificado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial como registro de programa de computador número BR512021000923-1, em 15/09/2020, disponível no site https://coletivosaudemental.com.br/pesquisa/.

2. b) Questionário Sociodemográfico: com o objetivo de coletar informações sociodemográficas relevantes sobre o grupo de profissionais como: profissão, idade, sexo, etnia, nível de escolaridade, renda, estado conjugal, carga horária semanal; condições familiares (família, filhos, moradia, etc). O questionário possui um total de 25 perguntas, com respostas de múltipla escolha, oito relacionadas ao Sars-COV-2.

3. c) Questionário para avaliação da saúde mental - Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) 36: para estudos comunitários e em atenção básica à saúde, visa o rastreamento de saúde mental. Composto de 20 questões que abordam aspectos psicoemocionais, proposta para triagem dos Transtornos Mentais Comuns (TMC): sintomas não psicóticos, caracterizados por insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. As respostas são dicotômicas (sim ou não). Cada resposta afirmativa pontua com o valor 1 para compor o escore final, por meio do somatório destes valores. Os escores obtidos estão relacionados com a probabilidade de presença de transtorno não psicótico, variando de 0 (nenhuma probabilidade) a 20 (extrema probabilidade). O ponto de corte para diagnóstico de transtorno mental é a ocorrência de sete respostas positivas.

4. d) Escala de depressão, ansiedade e estresse (DASS-21)37: avalia a severidade dos sintomas centrais da depressão, ansiedade e estresse. Os níveis de depressão, ansiedade e estresse são aferidos a partir de comportamentos e sensações experimentados nos últimos sete dias, por meio de 21 perguntas, respondidas em aproximadamente 15 minutos. Cada pergunta é classificada em uma escala Likert de 4 pontos de frequência ou gravidade das experiências dos participantes durante a última semana, com a intenção de enfatizar os estados emocionais sobre os traços.

5. e) Escala de Medo da Covid-19 (EMC-19)38: visa investigar o medo da Covid-19. A EMC-19 consiste numa medida unidimensional, contendo 7 itens (por exemplo, “Eu tenho medo de morrer por causa da Covid-19.” - Item 4), respondidos em uma escala tipo Likert com possibilidades de resposta de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). O escore total é obtido a partir da soma dos itens, variando de 7 a 35 pontos, quanto mais alto o escore, maior o sentimento de medo diante da doença.

6. f) Posttraumatic Stress Disorder Checklist-Civilian Version (PCL-C)39: avalia sintomas pós-traumáticos e indicadores de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEAP). É uma escala de autorrelato que possui 17 itens, baseados em critérios estabelecidos pelo Manual diagnóstico e estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) para diagnóstico de TEPT, utilizando uma escala de um (nada) a cinco (muito). A avaliação total do instrumento pode ser realizada por agrupamento ou escore global.

RESULTADOS

Os resultados estão dispostos na seguinte sequência: apresentação dos dados sociodemográficos, SRQ-20, DASS-21, EMC-19 e PCL-C. A seguir, a Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas da amostra deste estudo.

Tabela 1 -
Características Sociodemográficas dos profissionais da saúde. Passo Fundo, RS, Brasil, 2022. (n=8)

Variável		n (%)
Sexo	Feminino	7 (87,5)
	Masculino	1 (12,5)
Faixa etária	25 a 30 anos	1 (12,5)
	31 a 35 anos	3 (37,5)
	36 a 40 anos	3 (37,5)
	51 a 55 anos	1 (12,5)
Média	35,5 anos
Desvio padrão	1,48
Estado civil	Solteiro	4 (50)
	Casado	4 (50)
Escolaridade	Técnico	2 (25)
	Pós-graduação	6 (75)
Profissão	Farmacêutica	1 (12,5)
	Nutricionista	1 (12,5)
	Enfermeiro	1 (12,5)
	Médica	1 (12,5)
	Fisioterapeuta	1 (12,5)
	Téc. enfermagem	1 (12,5)
	Assistente social	2(25)
Local de trabalho	Atenção primária	3 (37,5)
	Hospital	4 (50)
	Clínica particular	1 (12,5)
Tempo de trabalho	1-5 anos	2 (25)
	6-10 anos	1 (12,5)
	11-15 anos	1 (12,5)
	16-20 anos	3 (37,5)
	21-25 anos	1 (12,5)
Tem diagnóstico?	Depressão	1 (12,5)
	Ansiedade	2 (25)
	Nenhum	5 (62,5)
Já fez tratamento psiquiátrico?	S %	N %
	4 (50)	4 (50)
Já fez tratamento psicológico?	5 (62,5)	3 (37,5)
Já pensou em autoextermínio?	3 (37,5)	5 (62,5)
Teve Covid?	4 (50)	4 (50)
Sentiu solidão?	7 (87,5)	1 (12,5)
Uso de medicação	2 (25)	6 (75)
Tentativa de autoextermínio?	2 (25)	6 (75)
Sentiu medo do vírus?	7 (87,5)	1 (12,5)

Os dados sociodemográficos demonstraram que os profissionais da saúde participantes do estudo tinham idades variando de 25 a 55 anos, sendo a média estimada em 35,5 anos (DP=1,48); 87,5% do sexo feminino (n=7), 87,5% brancos (n=7); 87,5% pós-graduados (n=7); 50% solteiros (n=4); 50% casados (n=4). Os participantes foram distribuídos em dois grupos, sendo que um dos grupos foi composto por enfermeiro; farmacêutico; assistente social; e técnico de enfermagem; e o outro grupo contou com profissionais que atuavam como nutricionista; técnica de enfermagem; médica geriatra; e fisioterapeuta.

Os profissionais da saúde trabalhavam em instituições públicas e/ou privadas, nos três níveis de atenção em saúde (primário, secundário e terciário), 50% em hospitais e em clínicas privadas (n=4), secretária de saúde, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Estratégia de Saúde da Família - ESFs (n=4); 62,5% já fizeram tratamento psicológico (n=5); 50% tratamento psiquiátrico (n=4); 25% faz uso de medicação (n=2); 37,5% tem diagnóstico de ansiedade (n=2) e/ou de depressão (n=1); 37,5% teve pensamentos de autoextermínio (n=3); 25% tentativa de autoextermínio (n=2); 87,5% foram infectados pela Sars-COV-2; apresentaram sequelas principalmente respiratórias, desde o ano anterior; perdeu algum parente próximo ou amigo na pandemia (n=7); 25% há cerca de dois meses (n=2), 25% entre três e seis meses (n=2); 87,5% apresentam medo de contágio do vírus e solidão (n=7). A Tabela 2 apresenta os resultados do SRQ-20 na pré e pós-intervenção.

Tabela 2 -
Resultado do SRQ-20 pré e pós intervenção dos profissionais da saúde. Passo Fundo, RS, Brasil, 2022. (n=8).

Variável	Pré Sim n	%	Pré Não n	%	Pós Sim n	%	Pós Não n	%
1- Você tem dores de cabeça frequente?	6	(75)	2	(25)	4	(50)	4	(50)
2- Tem falta de apetite?	1	(12,5)	7	(87,5)	1	(12,5)	7	(87,5)
3- Dorme mal?	6	(75)	2	(25)	4	(50)	4	(50)
4- Assusta-se com facilidade?	1	(12,5)	7	(87,5)	1	(12,5)	7	(87,5)
5- Tem tremores nas mãos?	0	(0)	8	(100)	-	-	8	(100)
6- Sente-se nervoso (a), tenso (a) ou preocupado (a)?	8	(100)	-	-	4	(50)	4	(50)
7- Tem má digestão?	4	(50)	4	(50)	2	(25)	6	(75)
8- Tem dificuldades para pensar com clareza?	3	(37,5)	5	(62,5)	2	(25)	6	(75)
9- Tem se sentido triste ultimamente?	5	(62,5)	3	(37,5)	2	(25)	6	(75)
10-Tem chorado mais do que o costume?	3	(37,5)	5	(62,5)	2	(25)	6	(75)
11-Encontra dificuldades para realizar com satisfação suas atividades diárias?	6	(75)	2	(25)	4	(50)	4	(50)
12-Tem dificuldades para tomar decisões?	3	(37,5)	5	(62,5)	2	(25)	6	(75)
13-Tem dificuldades no serviço (seu trabalho é penoso, lhe causa sofrimento?)	6	(75)	2	(25)	4	(50)	4	(50)
14-É incapaz de desempenhar um papel útil em sua vida?	-	-	-	-	-	-	-	-
15-Tem perdido o interesse pelas coisas?	2	(25)	6	(75)	-	-	8	(100)
16-Você se sente uma pessoa inútil, sem préstimo?	2	(25)	6	(75)	-	-	-	-
17-Tem tido ideia de acabar com a vida?	-	-	-	-	-	-	-	-
18-Sente-se cansado (a) o tempo todo?	6	(75)	2	(25)	3	(37,5)	5	(62,5)
19-Você se cansa com facilidade?	6	(75)	2	(25)	4	(50)	4	(50)
20-Tem sensações desagradáveis no estômago?	4	(50)	4	(50)	2	(25)	6	(75)

Os resultados do questionário de avaliação da saúde mental SRQ-20 (pré), sobre as dores e problemas existentes nos últimos 30 dias, indicaram que 75 % dos profissionais da saúde apresentaram sofrimento mental (escores igual ou superior a 7 (n=6). Após a intervenção, 50% com escores igual ou maior que 7 (n=4), indicando redução no SRQ-20 (n=2). A seguir, a Tabela 3 apresenta os resultados de acordo com os níveis dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse na DASS-21, obtidos na pré e pós-intervenção.

Tabela 3 -
Descrição dos níveis de sintomas de depressão, ansiedade, estresse na DASS-21 pré e pós intervenção dos profissionais da saúde. Passo Fundo RS, Brasil, 2022. (n=8).

Sintomas	Pontuação	Pré	(%)	Pós	(%)
		n		n
Depressão
Normal	0-9	3	(37,5)	7	(87,5)
Leve	10-13	2	(25)	0	(0)
Moderada	14-20	2	(25)	1	(12,5)
Severa	21-27	0	(0)	0	(0)
Extremamente severa	>28	1	(12,5)	0	(0)
Ansiedade
Normal	0-7	4	(50)	4	(50)
Leve	8-9	0	(0)	1	(12,5)
Moderada	10-14	3	(37,5)	2	(25)
Severa	15-19	0	(0)	0	(0)
Extremamente severa	> 20	1	(12,5)	1	(12,5)
Estresse
Normal	0-14	2	(25)	5	(62,5)
Leve	15-18	2	(25)	2	(25)
Moderada	19-25	3	(37,5)	1	(12,5)
Severa	26-33	1	(12,5)	0	(0)
Extremamente severa	>34	0	(0)	0	(0)

Na subescala de depressão, após a intervenção houve redução de 50% dos escores normal (n=4), 25% leve (n=2), 12,5% moderada (n=1) e 12,5% extremamente severa (n=1). Na subescala de ansiedade, houve o aumento de 12,5% no escore leve (n=1) e redução no escore moderado de 12,5% (n=1), sendo que não houve redução no escore extremamente severo. Na subescala estresse, houve redução de 12,5% nos escores moderado (n=1) e 12,5% no severo (n=1), com aumento significativo no escore normal em 37,5% (n=3) após a intervenção.

Os dados da Escala de Medo revelaram, na pré-intervenção, um índice de medo elevado da Covid-19 (EMC-19; pré=14 a 31 pontos). Após a intervenção, houve redução na intensidade do medo (EMC-19; pós=10 a 26 pontos).

A Figura 1 apresenta os escores da EMC-19 pré e pós-intervenção.

Figura 1 -
Descrição dos escores da escala do medo (EMC-19; pré; pós) dos profissionais da saúde. Passo Fundo, RS, Brasil, 2022. (n=8).

No PCL-C (pré), na dimensão reexperiência do trauma, 37,5% teve pelo menos um sintoma significativo do critério B (n=3), que inclui sinais e sintomas como revivescências, alterações do sono, pesadelos, sofrimento psicológico e reatividade fisiológica decorrente das lembranças do evento, com redução de 12,5% após a intervenção (n=1). Na dimensão evitação, 25% dos participantes apresentaram três sintomas do critério C (n=2), que inclui esforço para evitar pensamentos negativos, lugares e atividades que evoquem o evento, lapsos de memória, desmotivação e sentimento de futuro abreviado, sem redução após intervenção. Na dimensão hiperestimulação, 25% da amostra apresentou dois sintomas do critério D, como insônia, hipervigilância, sobressaltos e irritabilidade intensa (n=2), o que indica prevalência de TEPT. Após a intervenção, houve redução nessa dimensão de 12,5% (n=1). A seguir, a Tabela 4 apresenta as médias, desvios padrão e valor de p nos instrumentos aplicados nos profissionais da saúde na avaliação pré e pós-intervenção.

Tabela 4 -
Médias, desvios padrão e valor de p nos instrumentos aplicados nos profissionais da saúde pré e pós-intervenção. Passo Fundo, RS, Brasil, 2022. (n=8).

	Média	Desvio padrão	Valor de p
SRQ-20			0,387
pré	1,70	0,378
pós	1,54	0,377
DASS-21
Depressão			0,242
pré	1,91	0,688
pós	1,50	0,497
Ansiedade			0,208
pré	1,71	0,703
pós	1,52	0,624
Estresse			0,260
pré	2,36	0,697
pós	1,98	0,547
PCL-C			0,133
pré	2,11	0,734
pós	1,66	0,615
EMC-19			0,005
pré	3,57	1,043
pós	2,82	1,038

• Teste Binomial. Frequências de categorias (pré e pós).

De acordo com os resultados apresentados na tabela 4, foi identificada, por meio do teste binomial, diferença estatisticamente significativa no EMC-19 (p=0,005), sendo que a média pré foi 3,57 (DP=1,043), com redução pós-intervenção, obtendo-se média 2,82 (DP=1,038). Não foram observados resultados igualmente significativos no SRQ-20 (p=0,387); na DASS-21, nas dimensões depressão (p=0,242), ansiedade (p=0,208), estresse (p=0,260); e no PCL-C (p=0,133).

A avaliação das médias no SRQ-20 indicou 1,70 (DP=0,378), com redução após intervenção, obtendo-se 1,54 (DP=0,377). Foi realizada uma avaliação das médias de depressão, ansiedade e estresse antes da intervenção, obtendo-se 1,91 (DP=0,688) para depressão, 1,71 (DP=0,703) para ansiedade e 2,36 (DP=0,697) para estresse. Após a intervenção foi possível observar uma alteração nas médias, obtendo-se 1,50 (DP=0,497) para depressão, 1,52 (DP=0,624) para ansiedade e 1,98 (DP=0,547) para estresse. No PCL-C, nas dimensões reexperiência do trauma, evitação e hiperestimulação foi obtida a média de 2,11 (DP=0,734). Após a intervenção, obteve-se a média geral de 1,66, indicando redução (DP=0,615).

DISCUSSÃO

Este estudo avaliou o potencial de eficácia dos grupos Balint com profissionais da saúde com dispositivo m-Health Coletivos em Saúde Mental, na pandemia de Sars-COV-2. A amostra predominante do sexo feminino em 87,5% (n=7), reflete a força de trabalho da população brasileira durante a pandemia, sendo 77,6% composta por mulheres40. O número reduzido amostral pode estar relacionado ao contexto imposto pela Sars-COV-2, uma vez que a sobrecarga de trabalho, a exaustão e a falta de tempo foram queixas constantes relatada nos grupos pelos participantes, o que pode ter dificultado a adesão e participação dos profissionais da saúde no estudo. A avaliação da saúde mental (SRQ-20) dos profissionais da saúde trouxe evidências de sofrimento mental em pelo menos 75%, como ansiedade, estresse, sintomas depressivos e medo (escores ≥7), com redução dos indicadores em 25% após a intervenção, pré n=6; pós n=2; (média, 1,70±0,05 vs 1,54±0,05; DP=0,378; 0,377; p=0,387).

Esses resultados corroboram estudos que mostram que os profissionais da saúde enfrentam altos níveis de carga de trabalho em situações psicologicamente difíceis, situações que intensificam a necessidade de intervenção3^-8^-9^-30, e os atendimentos on-line diante da Sars-COV-2 podem contribuir tanto na manutenção e promoção da saúde mental, quanto na prática de trabalho e na vida dos profissionais da saúde2^-26^-27^-28^-29^-30^-31.

Os dados da DASS-21 indicaram redução nos sintomas de afetividade negativa após a intervenção, nas dimensões depressão (média, 1,91±0,05 vs 1,50±0,05; DP=0,688; 0,497; p=0,242). Entretanto, o aumento dos sintomas de ansiedade nos escores leve e a não redução no escore extremamente severo (média, 1,71±0,05 vs 1,98±0,05; DP=0,703; 0,624; p=0,208), corroboram dados que indicam sintomas de ansiedade nos profissionais de saúde frente às situações de grande abalo e sofrimento emocional, como medo, luto e morte8^-12^-27. Conforme a literatura mostra, muitos profissionais da saúde, principalmente de enfermagem, vivenciaram altos níveis de ansiedade durante a Sars-COV-2, e, portanto, torna-se necessário o estabelecimento de protocolos de intervenções para redução da ansiedade, propiciando suporte emocional, técnicas de enfrentamento positivo, além de implementação de políticas que assegurem medidas protetivas8. Nota-se que, mesmo após a intervenção, 75% revelou sentir a boca seca em algum momento (n=6), o que pode ter relação com as sequelas desse vírus, conforme apontado por 25% dos participantes durante a avaliação inicial (n=2).

Observa-se que, após a intervenção, 62,5% dos participantes apresentaram estresse normal (n=5), com redução em 25% no escore moderado (n=2), o que foi positivo (média, 2,36±0,05 vs 1,98±0,05; DP=0,697; 0,547; p=0,260). Durante a aplicação do instrumento (pré), 87,5% relatou ter perdido familiares próximos por conta da Covid-19 (n=7), o que pode ter relação com o resultado obtido.

Tais resultados são compatíveis com estudos que mostram que os grupos Balint podem ser benéficos para os profissionais da saúde, principalmente na redução do estresse22^-24^-25. Esses dados demonstram a grande carga de ansiedade e estresse intensificados pelo distanciamento social, e motiva a oferta de atendimento individual e grupos de apoio em telessaúde em contextos de crise2^-8^-11^-22^-23^-27^-28^-29^-30^-31^-35.

Os resultados na EMC-19 destacam o medo elevado do vírus entre os profissionais da saúde, mesmo que tenham apresentado redução dos níveis de medo após a intervenção (média, 3,57±0,05 vs 2,82±0,05; DP=1,043; 1,038; p=0,005). A pandemia do medo também conhecida como coronafobia2, pode ter relação com o medo de se infectar, com a sobrecarga de trabalho diante da carência de EPI e, ainda, a vivência diária da morte1. Algumas narrativas dos participantes dos grupos Balint podem exemplificar melhor esses achados: “(...) a exposição no trabalho é muito grande, é o foco da contaminação, e com a superlotação as coisas só pioram; “(...) o preço é muito alto, pois se contrair o vírus pode custar a sua vida”; “(...) tudo isso gera muita insegurança e medo na gente, porque nada é certo, tudo muda”. Tais resultados impulsionam a necessidade de oferta de espaços de apoio e acolhimento23^-24^-25^-27^-28^-29^-30^-31^-35.

Eventos estressores de grandes dimensões podem causar transtornos psíquicos. Os dados relevantes do questionário sociodemográfico podem ter relação com TEPT. A maior parte dos participantes deste estudo foi infectada pela Sars-COV-2, com sequelas respiratórias desde 2021; 75% informou ter perdido algum parente próximo ou amigo na pandemia (n=7), 50% há menos de seis meses (n=4). Em quadros clínicos mais graves e óbitos, existe maior risco de desenvolver TEPT3-5-42. A pandemia foi um evento estressor que intensificou sentimentos de desamparo, solidão e insegurança, o que aponta a necessidade de oferta de espaços de apoio e acolhimento para redução das angústias1^-25^-26^-30^-31.

Enfatiza-se que 75% dos participantes apresentou diferentes sintomas na avaliação inicial (n=6), possivelmente há mais de seis meses, o que foi evidenciado também no PCL-C, nas dimensões reexperiência do trauma, evitação e hiperestimulação (média, 2,11±0,05 vs 1,66±0,05; DP=0,734; 0,615; p=0,133), já que a pandemia de Sars-COV-2 teve início no final do ano de 2019; uma vez que sentimentos de solidão e medo de contágio do vírus foram intensificados por 87,5% nos últimos meses (n=7). Nesse contexto traumático, os grupos Balint foram úteis para reduzir os sintomas, e isso reforça a importância de grupos de escuta com foco nos sentimentos advindos da pandemia, com redução das angústias, incertezas e medos relacionadas à profissão e aos lutos vivenciados na Sars-COV-28^-13^-15^-26^-27^-28^-29^-30^-31^-32.

De acordo com a literatura, é necessário que o evento estressor tenha ocorrido há pelo menos um mês, e que o paciente seja acometido de sofrimento ou prejuízo em áreas importantes de sua vida, como é o caso da Sars-COV-2. Conforme os dados trazidos aqui, uma parte da amostra pode apresentar quadro agudo de TEPT, com sintomas que podem durar menos de três meses. Historicamente, aspectos traumáticos foram reconhecidos entre profissionais da saúde, como o aumento de burnout, fadiga, menor satisfação no trabalho, sofrimento e elevados níveis de estresse, o que pode levar a distúrbios psiquiátricos de curto e longo prazo, após vivenciarem eventos estressantes41.

Um estudo revelou que os pacientes com fatores de risco ou que possuem parentes/amigos infectados, são os que estão mais expostos a grande estresse, com duplo risco: o de contaminação e o de comprometimento de sua saúde mental2. Esse estudo evidencia uma carga elevada de experiências e emoções negativas em profissionais de saúde durante a Sars-COV-2, como também demostrado em estudos prévios1^-5^-6^-8^-9^-13^-14^-27^-28^-29^-30^-42.

Enquanto um evento traumático coletivo, essa crise epidemiológica e psicológica, tanto no presente quanto no futuro previsível, afeta a saúde mental das populações. Ademais, situações de desastres e catástrofes levam a possibilidades de experiências reais de traumatismos, visto seu impacto intenso no psiquismo e na coletividade30^-31^-35, o que corrobora achados desse estudo.

A implementação dos atendimentos on-line em saúde mental diante da Sars-COV-2, demonstra que esta modalidade de assistência pode ser efetiva para a continuidade do tratamento, além de aumentar o acesso aos cuidados em saúde mental2^-3^-7^-8^-9^-13^-26^-28^-29^-30^-31^-32^-35^-42.

As tecnologias móveis, assim como outros recursos da telessaúde, apresentam potencial de expansão e representam uma oportunidade para que as práticas tradicionais de saúde sejam revisadas, a partir da incorporação dessas tecnologias aos sistemas de saúde13. Nesse sentido, outro estudo revelou a satisfação entre a maioria dos usuários em atendimentos online22, o que também foi constatado, pois ao final da intervenção, os profissionais da saúde destacaram a importância dessa modalidade de atendimento na vida deles.

Os dados desse estudo reforçam a importância de apoiar os profissionais de saúde por meio de intervenções de proteção à saúde mental frente os fatores de risco no trabalho, diante da crise generalizada imposta pela pandemia. Tal resultado, corrobora dados que indicam que atendimento on-line na pandemia da Covid-19 pode ser, em curto prazo, positivo na redução de sintomas psicológicos em profissionais da saúde26^-28^-30^-31^-35, assim como grupos Balint, com dispositivo m-Health, na modalidade on-line síncrona23^-24.

CONCLUSÃO

Este estudo atendeu ao objetivo proposto ao avaliar o potencial de eficácia dos grupos Balint com profissionais da saúde com dispositivo m-Health Coletivos em Saúde Mental, na Sars-COV-2. Os achados da intervenção indicaram o potencial de eficácia dos grupos Balint na modalidade online com dispositivo m-Health. A redução das angústias por meio da diminuição dos escores no SRQ-20, DASS-21, EMC-19 e PCL-C indicou que os grupos de Balint, na modalidade online com aplicativo m-Health, foram efetivos para beneficiar as condições de saúde mental dos participantes desse estudo, no contexto pandêmico. Adicionalmente, este estudo inova ao propor atendimento em grupo por meio de recursos de saúde digital, contribui com informações importantes para uma base de evidências ainda não suficientemente desenvolvida sobre a eficácia dos serviços digitais amparados nos dispositivos dos grupos Balint para profissionais da saúde, na redução do sofrimento psicológico.

Embora esse estudo tenha trazido contribuições dos serviços em saúde mental na modalidade grupal Balint com m-Health dirigidos aos profissionais de saúde, é importante observar suas limitações. A alta demanda de trabalho dos profissionais de saúde e a falta de tempo, podem ter contribuído para a falta de adesão à intervenção e, consequentemente, a redução do número amostral. Ainda que tenha cumprido os requisitos para análise, este estudo não permite generalização dos resultados. Além disso, os usuários envolvidos na intervenção de saúde digital eram predominantemente do sexo feminino, é necessário verificar se os serviços na modalidade ofertada neste estudo configuram-se em um caminho equitativo para apoiar os homens e indivíduos de gêneros diversos. Sugere-se, ainda, por fim, o seguimento de estudos experimentais com o uso de m-Health para avaliar o potencial de eficácia de serviços em saúde mental dirigidos a profissionais de saúde, amparados na proposta de Balint, contemplando grupos clínicos, assim como investigações sobre os recursos que podem potencializar a adesão às avaliações e às intervenções por meio de saúde digital.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Eficácia de serviços em saúde mental com o uso de m-health na Covid-19”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano, da Universidade de Passo Fundo, em 2022. Este estudo integra um projeto de pesquisa multicêntrico intitulado “Coletivos On-line em Saúde Mental: Ação Transdisciplinar para grupos vulneráveis à Covid-19”.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código do financiamento 001, contemplado no Edital Emergencial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS 06/2020 - Ciência e Tecnologia no Combate à Covid-19.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, parecer n. 4.837.894, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE 48064121.2.0000.5342.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Bruno Miguel Borges de Sousa Magalhães, Maria Lígia Bellaguarda. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jan 2024
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  21 Out 2022
• Aceito
  22 Set 2023