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O desempenho de papéis sociais numa relação de ensino-aprendizado

Playing social roles in a teaching-learning relationship

El desempeño del papel social en una relación de enseñanza-aprendizaje

Resumos

Com base no pressuposto de que o processo ensino-aprendizado fundamenta-se nas relações interpessoais entre docentes e discentes e que estas, por sua vez, derivam da maneira como os sujeitos envolvidos nesse processo aderem-se e desempenham seu papel social, esse trabalho teve o objetivo de analisar o desempenho dos papéis discentes e docentes no curso de graduação em Enfermagem da USP, assim como da análise que esses personagens fazem de seus papéis. A investigação de caráter qualitativo baseou-se no discurso livre de quatro docentes e quatro discentes e buscou apreender a expressão da livre associação de idéias e permitir a manifestação do conteúdo intra-psíquico e peculiar de cada sujeito entrevistado. Do conteúdo apreendido foi possível concluir que, embora ambos os grupos aspirem por mudanças significativas em relação ao papel que desempenham, seus comportamentos reiteram os antigos papéis sociais baseados no modelo pedagógico tradicional.

papéis sociais; ensino de enfermagem; relações sociais


The present study aims at analyzing the students and professors performance in the nursing undergraduate course of the University of São Paulo as well as learning of their own analysis about their roles. The study is based on the idea that the teaching-learning process is grounded in the interpersonal relationship between students and professors and this relationships linked to the way these individuals play their social role. The author made a qualitative analysis of four professors and four students free discourses looking at apprehending the expression of the free association of ideas as well as allowing the manifestation of the intra-psychical content of each one of them. Therefore, the author concluded that, in spite of these groups aspirations for significant changes in their roles, their behaviors reiterate former social roles based on the traditional pedagogical model.

social role; nursing teaching; social relationship


Con base en el presupuesto de que el proceso enseñanza-aprendizaje se fundamenta en las relaciones inter personales entre docentes y discentes y que estas, a su vez, se derivan de la manera como los sujetos involucrados en ese proceso, direccionen y desempeñen su papel social. Ese trabajo tuvo el objetivo de analisar el desempeño de los papeles discentes y docentes en el curso de graduación en enfermería de la USP, así como del analisis de los papeles que esos personages hacen. La investigación de carácter cualitativo se basó en el discurso libre de cuatro docentes y cuatro discentes y buscó aprehender la expresion de la libre asociación de idéas y permitir la manifestación de contenido intra-psíquico y peculiar de cada sejeto entrevistado. Del contenido aprehendido fue posible concluir que, aunque ambos grupos aspiram a lograr cambios significativos en relación al papel que desempeñan, sus comportamentos reiteran los antiguos papeles sociales basados en el modelo pedagógico tradicional.

papeles social; enseñanza de enfermería; relaciones sociales


ARTIGO ORIGINAL

O desempenho de papéis sociais numa relação de ensino-aprendizado1 1 Artigo apresentado no "Encontro nacional perspectivas e prospectivas em enfermagem", em comemoração ao 40º aniversário da EERP-USP

Playing social roles in a teaching-learning relationship

El desempeño del papel social en una relación de enseñanza-aprendizaje

Eliane Corrêa Chaves

Prof. Dr. do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

RESUMO

Com base no pressuposto de que o processo ensino-aprendizado fundamenta-se nas relações interpessoais entre docentes e discentes e que estas, por sua vez, derivam da maneira como os sujeitos envolvidos nesse processo aderem-se e desempenham seu papel social, esse trabalho teve o objetivo de analisar o desempenho dos papéis discentes e docentes no curso de graduação em Enfermagem da USP, assim como da análise que esses personagens fazem de seus papéis. A investigação de caráter qualitativo baseou-se no discurso livre de quatro docentes e quatro discentes e buscou apreender a expressão da livre associação de idéias e permitir a manifestação do conteúdo intra-psíquico e peculiar de cada sujeito entrevistado. Do conteúdo apreendido foi possível concluir que, embora ambos os grupos aspirem por mudanças significativas em relação ao papel que desempenham, seus comportamentos reiteram os antigos papéis sociais baseados no modelo pedagógico tradicional.

Descritores: papéis sociais, ensino de enfermagem, relações sociais

ABSTRACT

The present study aims at analyzing the students and professors performance in the nursing undergraduate course of the University of São Paulo as well as learning of their own analysis about their roles. The study is based on the idea that the teaching-learning process is grounded in the interpersonal relationship between students and professors and this relationships linked to the way these individuals play their social role. The author made a qualitative analysis of four professors and four students free discourses looking at apprehending the expression of the free association of ideas as well as allowing the manifestation of the intra-psychical content of each one of them. Therefore, the author concluded that, in spite of these groups aspirations for significant changes in their roles, their behaviors reiterate former social roles based on the traditional pedagogical model.

Descriptors: social role, nursing teaching, social relationship

RESUMEN

Con base en el presupuesto de que el proceso enseñanza-aprendizaje se fundamenta en las relaciones inter personales entre docentes y discentes y que estas, a su vez, se derivan de la manera como los sujetos involucrados en ese proceso, direccionen y desempeñen su papel social. Ese trabajo tuvo el objetivo de analisar el desempeño de los papeles discentes y docentes en el curso de graduación en enfermería de la USP, así como del analisis de los papeles que esos personages hacen. La investigación de carácter cualitativo se basó en el discurso libre de cuatro docentes y cuatro discentes y buscó aprehender la expresion de la libre asociación de idéas y permitir la manifestación de contenido intra-psíquico y peculiar de cada sejeto entrevistado. Del contenido aprehendido fue posible concluir que, aunque ambos grupos aspiram a lograr cambios significativos en relación al papel que desempeñan, sus comportamentos reiteran los antiguos papeles sociales basados en el modelo pedagógico tradicional.

Descriptores: papeles social, enseñanza de enfermería, relaciones sociales

O processo de ensino-aprendizagem tem sido estudado sob óticas diversas, freqüentemente pautadas em cenários compostos pela análise da interdependência entre questões políticas e sociais e seus desdobramentos na educação e formação de recursos humanos nas diversas áreas profissionais.

De certo modo, determinadas repercussões educacionais, resultantes da influência dos modelos políticos e econômicos e de suas flutuações parecem ser mais evidentes do que outras. Exemplificando, poderíamos apontar a desqualificação progressiva do nosso ensino, nos diferentes níveis, como conseqüência do desinteresse político, da desorganização social e em menor escala, do atual momento econômico, como fatores inegavelmente percebidos por diversos segmentos da nossa sociedade. Ousamos dizer ainda, que a percepção pode ir além do fato, isto é, a própria relação de causa e efeito parece ser percebida, mesmo que não claramente interpretada, por esses segmentos sociais. Em contrapartida, outras conseqüências deste mesmo cenário sócio-político-econômico podem ser muito sutis, inclusive para as pessoas que podem alterar substancialmente o produto da relação interpessoal entre docente e discente, que por sua vez, constitui-se na base fundamental do processo ensino-aprendizagem.

Podemos dizer que a educação, enquanto produto da sociedade, traz em si as marcas dos percalços que a própria sociedade sofre e atravessa; por conta disso, na medida que a sociedade reavalia e redimensiona seus valores e suas possibilidades redefine conceitos e papeis sociais. Essas transformações, por sua vez, manifestam-se na esfera da educação modificando a característica das relações pautadas em papéis sociais (docentes e discentes), conseqüentemente alterando a qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Analisando-se, porém, a própria natureza dos papéis sociais, temos que estes surgem a partir de modelos oriundos de estruturas consuetudinárias e que, de uma certa forma, permitem aos membros de uma sociedade mecanizar algumas de suas ações a fim de facilitar a concentração do pensamento, da moral, da ética, etc., nos pontos exigidos para a realização de projetos novos e para o desenvolvimento de novas idéias1.

Não nos compete aqui discorrer sobre os aspectos polêmicos dos papéis sociais; propomo-nos apenas a explicitar o caráter ambíguo relacionado ao seu desempenho, pois, se por um lado temos que ele pode facilitar o movimento evolutivo de idéias e projetos, por outro lado, sabemos que o seu desempenho rígido e desmedido degrada o ser humano, suas relações sociais e interpessoais pois, estas deixam progressivamente de ser elementos qualitativos para serem apenas quantitativos, uma vez que o conhecimento da pessoa que assume e incorpora determinado papel social será dificultado, não apenas pelo fato de que sua interioridade estará demasiadamente encoberta pela exterioridade; mas também porque sua própria interioridade estará empobrecida. Em outras palavras, para possibilitar o movimento evolutivo e não obstante, evitar o empobrecimento pessoal, torna-se gerado pela rebelião das aspirações humanas contra o conformismo. Esse processo de recusa e crescimento, no entanto, viabiliza-se unicamente, a partir do momento em que o objeto de oposição torna-se conhecido, desvendado e questionado para ser posteriormente superado.

As reflexões acerca destas questões nos parecem procedentes para este momento, uma vez que o processo ensino-aprendizagem, conforme já mencionamos, fundamenta-se em relações interpessoais, as quais, por sua vez, podem enriquecer o processo ou empobrecê-lo, na medida em que baseiam-se em papéis sociais que podem ser aceitos e desempenhados com conformismo e passividade ou com visão reflexiva, crítica e ações inovadoras.

Com o propósito de clarear a relação que as pessoas estabelecem com seus próprios papéis, com os papéis de outras pessoas com as quais interagem e acima de tudo, reconhecer o movimento cognitivo e afetivo que produzem para superar ou reiterar papéis envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, realizamos uma investigação que aqui apresentamos com intuito principal de levantar questões e suscitar discussões posteriores.

A investigação baseou-se no depoimento de oito pessoas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem da graduação da Escola de Enfermagem da USP, sendo quatro discentes e quatro docentes. Estas pessoas foram escolhidas ao acaso e a elas foram feitas quatro perguntas que versavam especificamente sobre os papéis sociais que desempenhavam e com os quais vinham interagindo no decorrer de sua formação universitária, no caso dos discentes, ou no exercício de sua profissão, no caso dos docentes.

As quatro perguntas formuladas para os discentes foram especificamente as seguintes:

- Que aluno você é?

- Qual é o seu ideal de aluno? (entendendo ideal como aquilo que se busca)

- Que docente você tem tido na graduação?

- Qual é o seu ideal de docente?

Para os docentes foram formuladas as seguintes questões:

- Que docente você é?

- Qual é o seu ideal de docente?

- Que aluno você tem tido na graduação?

- Qual é o seu ideal de aluno?

O método de coleta de dados baseou-se no discurso livre, pressupondo a possibilidade de expressão da livre associação de idéias com o objetivo de permitir a manifestação do conteúdo intrapsíquico especifico e peculiar de cada pessoa entrevistada em relação as questões deste estudo3. Os conteúdos emitidos foram registrados, submetidos a análise que representaram o produto da relação simbólico-cognitivo-afetiva que as pessoas entrevistadas estabelecem entre si e seus papéis, assim como o movimento evolutivo que pressupõem, seja no âmbito das idéias, seja no âmbito das possibilidades de transformar essas idéias em modificações concretas dos papéis sociais que desempenham.

As tendências emergentes que consideramos mais significantes neste processo foram: uma tendência bastante acentuada de similaridade no padrão interpretativo do desempenho e da aceitação dos papéis entre os discentes e docentes. Para ambas as categorias, o papel discente ainda está baseado na passividade, naquele que deve ser, estar preparado para "absorver" conhecimentos, desconsiderando-se as peculiaridades de sua história pessoal e de seu capital processo de ensino-aprendizagem e mais do que isso, seria também, a fonte geradora de conhecimentos para o aluno. Ao docente caberia buscar cada vez mais o aprimoramento de métodos que facilitem a "passagem" de conhecimento de si para os seus alunos.

Neste aspecto, embora esse seja o conceito predominante no grupo como um todo, houve momentos de grande contradição e de manifestação de conflitos de idéias durante os discursos.

Os alunos, ao mesmo tempo que relacionaram a qualidade do docente à sua capacidade de "passar" conhecimentos, de "despertar" o aluno, além de demonstrarem certo conforto na atitude passiva de "receber" ou "absorver" conhecimentos, vislumbraram a possibilidade de conviver com docentes menos autoritários com o qual sintam-se mais a vontade para expor suas idéias, suas dúvidas e suas críticas.

Aqui, nova contradição; ao mesmo tempo que expressaram seus anseios em relação a um ensino mais participativo, no qual sua opinião tivesse peso em relação aos objetivos e métodos de ensino, demonstraram também suas necessidades e expectativas de estabelecerem, com os docentes, uma relação afetiva com certos traços infantis, na qual eles pudessem sentir-se protegidos, tanto das "ameaças" externas, quanto do próprio poder determinado pela hierarquia formal existente entre docente e discente.

A figura do docente, principalmente para os alunos que estavam no início do curso pareceu ser demasiadamente importante, quase decisiva, pois os alunos estabeleceram, em vários momentos do discurso, uma vinculação muito forte entre o papel do docente com o qual estavam interagindo e as características do próprio papel que desempenhavam, ou seja, demonstraram necessidade de afirmar seu papel por meio do papel docente, ao mesmo tempo que o modificavam de acordo com o docente, no sentido de adaptar-se, moldar-se ou mesmo de não se contrapor a este.

Demonstraram, também, nítida dificuldade em caracterizar seu próprio papel, o papel dos docentes com os quais com os quais têm convivido, assim como de ordenar suas idéias na definição do que objetivam em relação ao ser aluno e ao ser docente. Embora seja uma realidade vivida intensamente por eles, e que represente uma fonte inesgotável de sentimentos de natureza diversa, muitos dos quais produzem ansiedade, frustração, medo, etc., parece não ter sido encarada como situação que poderia ser melhor vivida se fosse desvendada e mais refletida.

Houve uma peculiaridade significativa no discurso e na postura dos alunos matriculados nos semestres mais avançados diante do processo de ensino-aprendizagem e diante dos próprios papéis, demonstrando uma tendência de movimento na relação docente-discente, no sentido de manifestarem maior responsabilidade sobre sua formação, sobre seus interesses profissionais e na definição de objetivos e de rumos que respondam especificamente aos seus anseios pessoais. Paralelamente a isso, manifestaram também, uma tendência para minimizar a importância e a responsabilidade do docente neste momento de sua formação. A própria relação interpessoal que demonstraram buscar com o docente no início do curso pareceu modificar-se na medida em que apresentaram tendência para uma relação não mais de dependência afetiva, mas de troca.

No discurso dos docentes pode-se perceber a presença de idéias que apontam para um conflito de papéis, isto é, em alguns momentos, as docentes referiam-se ao seu trabalho vinculado ao ensino, outras vezes, vinculado à assistência. Não deixaram claro qual era o objeto prioritário de sua atenção e responsabilidade (o aluno ou o docente?). Em alguns momentos diziam que sua maior preocupação era o aluno e o processo de ensino-aprendizagem, em outros momentos deixavam claro que consideravam importante que seus alunos pudessem conhecer a concepção assistencial da enfermeira, ou seja, ter um "modelo", o qual em vários momentos foram transpostos para a sua própria atividade, como sendo uma atribuição inerente e inquestionável do ser docente, mesmo havendo enfermeiras nos locais onde desenvolvem o ensino prático.

Embora presente apenas sub-liminarmente em alguns discursos, foi possível perceber que a relação que os docentes estabelecem com os alunos e com o campo de estágio constituiu-se em mais uma fonte de conflitos e frustrações, embora não percebida como tal. Isso acontece em função das docentes terem assumido para si a responsabilidade completa do processo de desenvolvimento do aluno. Sentem-se responsáveis em passar conhecimento e passar experiência. Referiram que em alguns momentos sofrem diante da decisão de possibilitar ou não a vivência de uma experiência assistencial mais complexa para o aluno pois, se por um lado sabem que este não terá competência técnico-científica suficiente para isso, colocando em risco, conseqüentemente, a qualidade da assistência e até a segurança do doente, por outro lado, entendem que a falta daquela experiência para o aluno poderá representar uma lacuna na sua formação, pois, segundo suas próprias palavras "se ele não vir comigo, provavelmente sairá da escola sem ver".

Nos seus discursos, os docentes demonstraram preocupação em minimizar o sofrimento causado por essas situações, no entanto, parecem não ter muita clareza da origem e dos motivos desse sofrimento e portanto, as possibilidades de agir sobre ele são absolutamente restritas, assim como as tentativas de controle desse conflito parecem tender ao malogro e a novas frustrações.

Uma vez que os docentes manifestaram uma caracterização de ensino voltado para a relação unidirecional de conhecimento, isto é, do docente para os discentes, suas expectativas em relação ao ideal de aluno não foram muito diferentes do seu correspondente real; esperam somente que os alunos cheguem até eles com um embasamento teórico mais consistente e com uma predisposição maior para o aprendizado, que se envolvam mais, que participem e dialoguem mais.

As idéias e pensamentos expressos por meio dos discursos dos docentes e discentes desse estudo nos pareceu infinitamente ricos e significativos. Envolveram questões importantes como a busca da identidade profissional, a reafirmação da auto-estima e auto-realização através do outro a necessidade de aceitação do indivíduo pelo grupo e nestes aspectos, cada qual a sua maneira e de acordo com seu momento de vida, docentes e discentes demonstraram possuir anseios muito semelhantes e ao mesmo tempo interdependentes.

Essa interdependência, inclusive, pode delinear-se como um obstáculo para modificações dos papéis, pois, como vimos, existe uma tendência do aluno a definir seu papel de acordo com as expectativas do próprio docente, isto é, ele procura, nos momentos iniciais da relação docente-discente, decifrar os códigos de comportamento que o docente busca e valoriza no aluno com o objetivo de não contrapor-se demasiadamente a eles. Por outro lado, o docente percebe que na vigência de padrões de comportamentos mais claros, mais conhecidos, mais esperados e portanto mais sem sobressaltos e sem momentos de grande ansiedade, tanto para si, como para o aluno. Em outras palavras, existe uma certa conveniência de ambas as partes em reiterar os papéis sociais já existentes, uma vez que superá-los pressupõe, como em qualquer outro processo de mudança, momentos de indefinições, dúvidas, possibilidades de confronto e de fracasso que aparentemente nenhuma das duas categorias estão dispostas ou até mesmo preparadas para enfrentar.

Por outro lado, a reiteração dos atuais papéis sociais relativos a discentes e docentes, com características de centralização de poder e de decisões, assim como de movimento unidirecional do conhecimento, retroalimenta certas características negativas da relação docente-discente e do processo de ensino-aprendizagem que ambas as categorias tentaram evitar por meio da reiteração dos papéis tais como, desmotivação, frustração, pouco envolvimento com o ensino, tendência a fuga de responsabilidades e desafios por parte dos discentes e conflitos, frustrações, sentimento de impotência, incompetência, desânimo em buscar o novo e esgotamento físico por parte dos docentes.

Considerando, no entanto, que o sofrimento resultante da reiteração dos papéis parece não ser percebido como tal, tendendo inclusive a ser vinculado, tanto por docentes como por discentes a fatores externos tais como: "os alunos vêm mal preparados"; "são desmotivados porque não queriam cursar enfermagem"; ou ainda "os professores são assim provavelmente porque ganham mal" e assim por diante, podemos supor que a tentativa de análise e de enfrentamento dessas questões, provavelmente não envolverá a discussão acerca dos papéis sociais e portanto a perspectiva de mudança por esse caminho será pouco provável.

Tomando-se como base essa linha de raciocínio, vale questionar:

- Podemos supor que tal situação se configura como uma espécie de moto-contínuo tendendo à cristalização de papéis?

- Como e quando será possível superá-los?

- Que fatos sociais poderiam interferir nessa suposta situação de equilíbrio de interesse, induzindo à revisão dos papeis até então constituídos?

Na resposta a essas questões cabe resgatarmos certos conceitos acerca da relação entre os indivíduos, sua cultura e sua sociedade e teremos que as últimas são frutos dos indivíduos na mesma proporção em que esses são frutos de sua cultura e de sua sociedade. Da mesma forma, as transformações sociais e culturais decorrem das individuais na mesma medida em que o inverso também e verdadeiro. Segundo BOURDIEU, apresentado por ORTIZ2, trata-se da interiorização da exterioridade e da exteriorização da interioridade, ambas sendo transformadas.

Destas transformações surgem as possibilidades de questionamentos e de modificações dos papéis sociais, as quais tendem a se manifestar inicialmente no interior de grupos sociais específicos que, por motivos diversos necessitem, com mais premência do que outros, rever seus papéis e suas relações para posteriormente ampliar-se para a sociedade mais ampla.

Tendo em vista o caráter sutil das transformações dos papéis de docentes e discentes que vêm ocorrendo no âmbito do ensino de graduação de enfermagem, atrevemo-nos aqui a inferir que provavelmente as docentes e discentes aqui envolvidos não fazem parte de grupos sociais que efetivamente necessitem rever e mudar papéis sociais; no entanto, mesmo que essas mudanças não sejam induzidas pela necessidade, elas podem ser decorrentes também da vontade conjunta dos elementos envolvidos. Assim sendo, e para finalizar, convém lembrar que, se é nossa intenção contribuir na formação de enfermeiros que possam atuar como agentes catalisadores de mudanças é imprescindível que os profissionais responsáveis pela formação de recursos humanos na enfermagem tenham por principio o questionamento de si e de sua realidade, a busca de transformações conscientes, assim como a superação de dificuldades diante de situações novas.

Devem perceber também, que os movimentos transformadores ocorrem num momento específico em que haja consonância entre os interesses individuais e coletivos e que a eles cabe aguardar esse momento, ainda que de maneira inquieta, livrando-se do autoritarismo velado e da arrogância que muitas vezes os induzem a agir como senhores absolutos da razão e da verdade, desprezando a possibilidade do outro possuir sua própria razão e suas próprias verdades.

  • 01. HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1977. p. 87-99: sobre os papéis sociais.
  • 02. ORTIZ, R. Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
  • 03. RODRIGUES, A.M. Operário, operária: estudo exploratório sobre o operariado industrial da grande São Paulo. São Paulo: Símbolo, 1978.
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    Artigo apresentado no "Encontro nacional perspectivas e prospectivas em enfermagem", em comemoração ao 40º aniversário da EERP-USP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      1993
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