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Sejamos dignos das bem aventuranças de Cristo

NOTAS E INFORMAÇÕES

"Sejamos dignos das bem aventuranças de Cristo"1 1 Discurso proferido no Culto Ecumênico da 40ª Turma de Enfermeiros da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Luis Carlos Raya

Médico pediatra. Secretário Municipal da Saúde (1994-1996). Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras

Prezados formandos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, seus familiares e professores, meus amigos.

Recebi, com incontida emoção e com muita alegria, o honroso convite para participar deste Culto Ecumênico programado para impregnar de religiosidade a formatura da 40ª Turma de Enfermeiros desta prestigiosa faculdade. Poderia fazê-lo rendendo minhas homenagens ao trabalho sacrossanto dos enfermeiros, enaltecendo a excelência do curso desta Escola, à qual estou ligado profissional e afetivamente desde 1961, ou recordando as páginas mais lindas da história da enfermagem desde Florence Nightingate, a dama da lanterna, passando por Ana Nery e por Glete de Alcântara, com quem tive a ventura de conviver, para chegar aos atuais docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, liderados pela sua Diretora, Professora Doutora Isabel Amélia Costa Mendes, cuja competência, sensibilidade e cultura são motivos de orgulho para a Universidade e para as ciências de saúde. Contudo, quero deixar-lhe uma mensagem de fé e de esperança e uma exortação à vida e ao amor, e para isso lhes falarei, usando os textos de vários autores, inclusive de evangelistas sobre o SERMÃO DA MONTANHA.

Uma das mais belas e sublimes páginas do maravilhoso livro da Vida de Jesus, todo repleto de lições, ensinamentos, exortações exemplos de amor, esperança, felicidade e libertação para Humanidade: O SERMÃO DA MONTANHA!

Assim como aprendemos que o evangelho é a alma da Bíblia, devemos reconhecer que as "Beatitudes" são o coração do Evangelho. Divaldo Pereira Franco nos ensina que "cada verso do Sermão da Montanha é uma lição completa de exaltação de quem se entrega a Deus e n'Ele confia". Com efeito, o Sermão da Montanha é a exaltação mais completa das virtudes divinas que devem habitar o coração dos homens, e o mais amplo discurso de esperança jamais transmitido à Humanidade, projetando-se para o futuro como chave a abrir as portas da felicidade, pois encerra as mais sentidas aspirações humanas.

As oito "Bem aventuranças" ou "Beatitudes" que constituem o início do Sermão da Montanha, emanaram da plenitude do espírito de Jesus, e foram proferidas após uma noite inteira de comunhão com Deus, como diz o Evangelista. Foi no início de sua vida pública que o Doce Nazareno recolheu-se, em êxtase, em verdadeiro mergulho místico no cimo do monte, "em oração com Deus" num lugar chamado Samadhi. Os estudiosos descrevem essa noite como um "mergulho no oceano imenso da Divindade", ou como um "banho de luz e força, de amor e felicidade", e realmente ao voltar à esplanada, o Cristo foi cercado pelos discípulos e pelo povo que lhe correram ao encontro como que atraídos, com fome e sede de vida, a pressentir algo de extraordinário. E sentando-se numa colina, Jesus irradiou para aquela gente, mas projetando-as para o porvir, por todo o tempo que viria e que ainda virá, as palavras repletas de emoção, de sabedoria e de inspiração Divina, exclamando oito vezes Bem-Aventurados! ...Bem-Aventurados!...

Devemos concordar que as Bem-Aventuranças são o auto retrato de Jesus, que no dizer de Rohden, são experiências pessoais da vida íntima do Mestre, que se espraiaram, irresistivelmente, sobre a Humanidade de todos os tempos e países. Certamente a implosão mística de Jesus havia atingido o seu máximo naquele dia, nas colinas de Kurum-Hottin, ao sudoeste do lago da Galiléia.

Será preciso repetir, em prece, as oito Beatitudes de Cristo:

- "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus";

- "Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a Terra";

- "Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados";

- "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos";

- "Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia";

- "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus";

- "Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus";

- "Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos céus".

"Portanto, bem-aventurados sereis quando vos insultarem e perseguirem e disserem falsamente contra vós por meu respeito. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus, pois assim também perseguiram os profetas que existiram antes de vós".

E quem é pobre pelo Espírito?

Certamente não são os deficientes de espírito, os tolos e imbecis como pretendem interpretar hipocritamente os incrédulos, pois se assim fosse, nem o próprio Jesus seria bem-aventurado e não seria dele o reino dos Céus, pois o Mestre era, e é, riquíssimo em espírito, quer se entenda por espírito a faculdade intelectual, quer a faculdade espiritual. Por pobres pelo espírito, Jesus chamou os humildes, dizendo que o Reino dos Céus é destes e não dos orgulhosos. Ao dizer que o Reino dos Céus é para os simples, aprendemos no capítulo VII do Evangelho Segundo o Espiritismo, Jesus afirma "que ninguém será nele admitido sem a simplicidade de coração e a humildade de espírito; que o ignorante que possui essas qualidades será preferido ao sábio que acreditar mais em si mesmo do que em Deus".

"Por Moisés, foi dada a lei - pelo Cristo veio a verdade e veio a graça". Assim, o homem apenas virtuoso é discípulo de Moisés, e age sob o signo do dever. Mas o homem sábio, simples, pobre pelo espírito, é discípulo do Cristo, e age sob o signo da verdade e da graça..."

Ao abençoar os mansos, Jesus estabeleceu como lei a doçura, a moderação, a mansuetude, a afabilidade e a paciência. Assim como ocorre na natureza, o verdadeiro poder do homem não consiste em atos de violência física, mas na presença metafísica; o homem pode atingir o clímax de seu poder substituindo toda a antiga violência pela benevolência. " A proclamação de que os mansos são os realmente felizes é, na interpretação de Rohden, uma antecipação apocalíptica de uma futura humanidade, que estabelecerá o Reino de Deus sobre a face da terra pelo misterioso poder da benevolência e não pela fraqueza da violência. Por isso Ele diz que os mansos possuirão a terra. O homem deverá imitar a mansidão perfeita da criação observando a natureza, onde tudo acontece com poder e silêncio: "o Sol nasce e se põe em profunda quietude; o sol move gigantescos sistemas planetários, mas penetra suavemente pelos vidros de uma janela sem quebrá-la, acaricia as pétalas de uma flor sem as lesar e beija a face de uma criança dormente sem acordá-la. As estrelas e galáxias descrevem as suas órbitas com velocidade espantosa pelas vias inexploradas do cosmos, mas nunca deram sinal de sua presença pelo mais leve ruído. A luz, a vida e o espírito, os maiores poderes do Universo, atuam com a suavidade de uma aparente ausência.

Os tristes, os que choram, como podem estar felizes e serem envolvidos pela bem-aventurança prometida por Jesus? Certamente por que choram sem reclamações, sofrem sem rebeldia, e buscam consolo e paz nas recompensas espirituais e não nas benesses materiais que os fariam alegres e gargalhantes sem grandeza e sem elevação interior. Também choram por luto pela morte do seu ego humano, substituído pelo eu-divino que nasce no homem.

Os que têm fome e sede de justiça não se rebelam ante as situações ignominiosas que lhes são postas no trânsito carnal. No mundo material imagina-se que são felizes os que nunca sofreram fome e sede, nem de justiça, porque jamais se preocuparam com a situação do seu irmão desvalido ou injustiçado. No entanto, a fome e a sede de que nos fala o Mestre, fome e sede de justiça, da verdade, intensifica a felicidade.

O Evangelho nos ensina que a misericórdia é o complemento da mansuetude, pois os que não são mansos, também não são misericordiosos. Mas essa beatitude não deve ser apenas moral e filantrópica, nem se devem perdoar as ofensas humilhando o ofensor ou ostentando generosidade para ser admirado pelos homens.

Divaldo diz que os pacíficos são bem-aventurados porque atravessam os campos de batalha sem revidar os golpes da violência. Há 1993 anos as trombetas angelicais anunciaram, sobre Belém: "Paz na terra aos homens de boa vontade". Trinta e três anos depois, às vésperas do calvário, disse o Messias a seus discípulos: "Eu vos dou a minha paz, eu vos deixo a minha paz; não a dou como o mundo a dá, para que minha alegria seja em vós, seja perfeita a vossa alegria, e nunca ninguém tire de vós a vossa alegria". Depois da sua ressurreição, Jesus saúda os seus discípulos com as palavras: "A paz seja convosco".

Entretanto, a história da humanidade, mesmo sob a égide do Cristianismo, que nasceu sob o signo da paz, é uma sucessão de guerras e de tréguas, mas não de paz.

Os verdadeiros pacificados e pacificadores, diz o Mestre, são chamados "filhos de Deus". Sendo Deus a infinita e eterna paz do Universo, seus filhos só poderiam ser essa mesma paz. É a paz que Cristo tinha em si, mesmo em face da morte, e que quer ver em seus discípulos. Quando a encontrarmos em nós mesmos, saberemos dividí-la com os homens, e sendo pacificadores seremos realmente dignos de sermos filhos de Deus.

Os que sofrem perseguição por amor à justiça, e ainda mais, como complementa Jesus, os que são insultados e caluniados por sua causa, são bem-aventurados e têm o Reino dos Céus. E o têm dentro de si mesmos, quando despertam para a verdade, enfrentando o sofrimento físico e moral amparados por uma grande missão, um ideal sublime.

Às oito bem-aventuranças, que constituem verdadeiramente a plataforma do Reino de Deus e mostram a própria alma de Jesus, Ele acrescentou duas alegorias que são o fecho de ouro dessa primeira e sublime parte do Sermão da Montanha:

"Vós sois o sal da Terra" e "Vós sois a luz do mundo".

As alegorias sal e luz, sabor e vida, são as pedras angulares da filosofia do Mestre Jesus: verdade e beleza, sabedoria e doçura. O discípulo do Cristo tem de fazer, no plano espiritual, o que o sal faz no mundo material: dar sabor à vida e preservá-la da putrefação.

Em A Gênese aprendemos que inicialmente Deus criou a luz, não do sol ou das estrelas, mas a luz cósmica. E Jesus diz "Eu sou a luz do mundo", mas completa: "vós também sois a luz do mundo". E luz é vida, beleza, alegria. A luz da essência humana veio da luz da Essência Divina. O próprio Cristo afirma que também Ele veio da luz Infinita que ele chama o Pai. E diz categórico: "Ninguém vai ao Pai a não ser por mim; eu sou o caminho, a verdade e a vida; quem me segue não anda em trevas, mas tem a luz da vida".

Portanto, em sua missão na enfermagem, tenham sempre na mente e no coração, essas bem aventuranças e as lindas alegorias de Jesus.

Sejam, na pureza de seu ideal, felizes, com a proteção de Deus e a gratidão dos homens.

  • 1
    Discurso proferido no Culto Ecumênico da 40ª Turma de Enfermeiros da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jan 1997
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