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O processo de comunicação na administração de medicações injetáveis em crianças sob a perspectiva da interação entre mãe-criança e auxiliares de enfermagem<a name=volta></a>

The communication process in the administration of injection medication to children under the perspective of interaction between mother/children and nursing auxiliaries

El proceso de comunicación en la administración de medicamentos inyectables en niños, bajo la perspectiva de la interacción entre madre-niño y auxiliares de enfermería

Resumos

Neste estudo, de caráter qualitativo, foi analisada a comunicação estabelecida entre mãe-criança-auxiliares de enfermagem durante as situações de aplicações de medicamentos injetáveis em crianças. Foi utilizada a técnica de observação não participante com anotações de campo em doze situações. Os dados foram categorizados segundo o Modelo Teórico de Forrest. Constatou-se o predomínio das categorias bloqueadoras Desaprovação, Depreciação, Tranqüilizando a Mãe com "Clichês" ou Comentários Estereotipados. As categorias facilitadoras apresentaram as subcategorias Reconhecendo os sentimentos e presença da criança e esclarecendo e orientando a mãe ou responsável. Concluiu-se que houve o predomínio no uso das categorias bloqueadoras, quando não foram utilizados recursos de comunicação verbal para interagir com a mãe e criança, não estabelecendo um relacionamento de amizade e confiança e tornando o relacionamento ineficiente.

administração de medicamentos injetáveis; comunicação


In this qualitative study, we have analysed the communication established between mother-child and the nursing auxiliary personal in situations of injection medication in children. Data were classified according to the FORREST Theoretical Model. The non participative observation method was used with field note in twelve situations. The prevalence of blocking categories was confirmed as Disapproval, Depreciation and Tranquilizing the mother with stereotyped comments. The facilitating categories show subcategories such as recognizing feelings and presence of child clarifying and orientating mother or the responsible person. Authors concluded that there was prevalence of blocking categories when verbal communication resources were not used to interact with mother and child, without establishing a relationship of friendship and confidence and making the relation ineffective.

administration of parenteral drugs; communication


En este estudio de carácter calitativo, fue analizada la comunicación establecida entre madre, niño y auxiliares de enfermeria durante las situaciones de aplicaciones de medicamentos inyectables en niños. Fue utilizada la técnica de observación no participante con anotaciones de campo en doce situaciones. Los datos fueron categorizados según el método teórico de Forrest. Se ha constatado el predominio de las categorías bloqueadoras: desaprobación, deprecio, tranquilizando a la madre con "clichês" o comentarios estereotipados, las categorías facilitadoras presentaron las subcategorías, reconociendo los sentimientos y al niño, esclareciendo y orientando a la madre o responsable. Se concluyó que hubo predominio de uso de las categorías bloquedoras, cuando no fueron utilizados recursos de comunicación verbal para interectuar con la madre y el niño, no estableciendo un relacionamiento de amistad y confianza y tornando el relacionamiento ineficiente.

administración de medicamientos inyectables; comunicación


ARTIGOS ORIGINAIS

O processo de comunicação na administração de medicações injetáveis em crianças sob a perspectiva da interação entre mãe-criança e auxiliares de enfermagem1 1 Trabalho apresentado no 5º Simpósio de Comunicação em Enfermagem no período de 8 a 10 de Maio de 1996

The communication process in the administration of injection medication to children under the perspective of interaction between mother/children and nursing auxiliaries

El proceso de comunicación en la administración de medicamentos inyectables en niños, bajo la perspectiva de la interacción entre madre-niño y auxiliares de enfermería

Viviane Tosta de OliveiraI; Silvia Helena de Bortoli CassianiII

IBolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(FAPESP). Aluna do 7º semestre de graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP

IIProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP

RESUMO

Neste estudo, de caráter qualitativo, foi analisada a comunicação estabelecida entre mãe-criança-auxiliares de enfermagem durante as situações de aplicações de medicamentos injetáveis em crianças. Foi utilizada a técnica de observação não participante com anotações de campo em doze situações. Os dados foram categorizados segundo o Modelo Teórico de Forrest. Constatou-se o predomínio das categorias bloqueadoras Desaprovação, Depreciação, Tranqüilizando a Mãe com "Clichês" ou Comentários Estereotipados. As categorias facilitadoras apresentaram as subcategorias Reconhecendo os sentimentos e presença da criança e esclarecendo e orientando a mãe ou responsável. Concluiu-se que houve o predomínio no uso das categorias bloqueadoras, quando não foram utilizados recursos de comunicação verbal para interagir com a mãe e criança, não estabelecendo um relacionamento de amizade e confiança e tornando o relacionamento ineficiente.

Unitermos: administração de medicamentos injetáveis, comunicação

ABSTRACT

In this qualitative study, we have analysed the communication established between mother-child and the nursing auxiliary personal in situations of injection medication in children. Data were classified according to the FORREST Theoretical Model. The non participative observation method was used with field note in twelve situations. The prevalence of blocking categories was confirmed as Disapproval, Depreciation and Tranquilizing the mother with stereotyped comments. The facilitating categories show subcategories such as recognizing feelings and presence of child clarifying and orientating mother or the responsible person. Authors concluded that there was prevalence of blocking categories when verbal communication resources were not used to interact with mother and child, without establishing a relationship of friendship and confidence and making the relation ineffective.

Key words: administration of parenteral drugs, communication

RESUMEN

En este estudio de carácter calitativo, fue analizada la comunicación establecida entre madre, niño y auxiliares de enfermeria durante las situaciones de aplicaciones de medicamentos inyectables en niños. Fue utilizada la técnica de observación no participante con anotaciones de campo en doce situaciones. Los datos fueron categorizados según el método teórico de Forrest. Se ha constatado el predominio de las categorías bloqueadoras: desaprobación, deprecio, tranquilizando a la madre con "clichês" o comentarios estereotipados, las categorías facilitadoras presentaron las subcategorías, reconociendo los sentimientos y al niño, esclareciendo y orientando a la madre o responsable. Se concluyó que hubo predominio de uso de las categorías bloquedoras, cuando no fueron utilizados recursos de comunicación verbal para interectuar con la madre y el niño, no estableciendo un relacionamiento de amistad y confianza y tornando el relacionamiento ineficiente.

Términos claves: administración de medicamientos inyectables, comunicación

INTRODUÇÃO E OBJETIVO

A comunicação é considerada uma necessidade humana básica, uma vez que expressa o pensamento do indivíduo e portanto a sua existência. Através da comunicação, o ser humano transmite e recebe idéias, impressões e imagens de toda ordem (PENTEADO, 1986).

Recentemente o desenvolvimento do conhecimento científico e o estudo dos métodos de comunicação na enfermagem propiciaram oportunidades ao enfermeiro de contribuir significativamente para a solução dos problemas dos pacientes, podendo desta forma e com uma base substancial de conhecimentos teóricos e habilidades, ser capaz de intervir de modo construtivo, melhorando a assistência de enfermagem prestada.

Desta forma, a comunicação se constitui pois, no denominador comum de todas as ações de enfermagem, influindo decisivamente na qualidade de assistência prestada àquele que necessita de cuidados profissionais (STEFANELLI,1988). É o processo que a enfermeira utiliza para desenvolver o relacionamento pessoa-pessoa e, atingir os propósitos da enfermagem, ou seja, ajudar os indivíduos e famílias a prevenirem e enfrentarem a experiência de doença e sofrimento e, se necessário, ajudá-los a encontrar um significado nesta experiência(TRAVELBEE,1969).

Mediante a comunicação estabelecida com o paciente podemos compreendê-lo em seu todo, isto é , seu modo de pensar, sentir e agir; só assim poderemos identificar os problemas por ele sentidos com base no significado que ele atribui aos fatos que lhe ocorrem e tentar ajudá-lo a encontrar meios para lutar pela sua saúde e a sair da situação da doença mais amadurecido e fortalecido pela experiência vivida. Especificamente no cliente infantil. objeto deste estudo, a enfermeira pode utilizar a comunicação nas orientações e conselhos aos pais na supervisão da saúde de seus filhos bem como na interação com a criança.

A criança doente sente-se com medo, apavorada, com temor do estranhos: enfermeira ou pessoal da enfermagem cujos procedimentos lhe provocam dor na maioria das vezes, sendo que esta imagem do profissional é por vezes transmitida pelos próprios pais que ameaçam seus filhos dizendo que se não se comportarem direito ou obedecerem às suas ordens, a "enfermeira vai lhe dar uma injeção". Para a criança, que teme um medicamento injetável, o sorriso da enfermeira pode ser considerado um ato sádico e não um fator de tranqüilização e conforto.

É importante ressaltar, na formação do enfermeiro, o aprendizado de como diminuir os receios, os medos, e o alívio ao desconforto físico e emocional da criança e assim estabelecer uma relação de amizade e confiança. Vale destacar que a confiança é importante e só se acredita em determinado fato, quando se crê que a outra pessoa é fonte segura de informação. A fim de tornar a comunicação e a relação eficiente, a enfermeira pode criar uma atmosfera onde o paciente se sinta seguro, bem recebido e participante nas orientações e informações da enfermagem(DUGAS, 1978).

Frente a tal problemática e à observação assistemática de situações vivenciadas por crianças recebendo medicação injetável, decidimos realizar esta investigação com a finalidade de descrever situações e analisar as falas de auxiliares de enfermagem, crianças e mães durante as situações de aplicações de medicamentos injetáveis. Pretendemos assim contribuir com aquelas enfermeiras e pessoal de enfermagem que têm, no seu cotidiano, de lidar e comunicar-se com crianças e pais em situações de dor e stress durante a administração de medicamentos injetáveis.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para desenvolvermos esta investigação qualitativa, seguimos as etapas preconizadas por LUDKE & ANDRÉ (1986) denominadas: exploração, decisão e descoberta. A fase de exploração consistiu em selecionar e definir o problema, a escolha do local onde seria feito o estudo e o estabelecimento de contatos para a entrada no campo. A segunda etapa consistiu em coletar os dados para compreender e interpretar o fenômeno estudado e a terceira etapa consistiu na tentativa de analisar o fenômeno estudado e situar as descobertas num contexto mais amplo.

POPULAÇÃO E AMOSTRA

A população investigada constituiu-se de crianças na faixa etária de 1 a 7 anos que receberam injeções de penicilina por via intramuscular, seus acompanhantes e auxiliares de enfermagem responsáveis pela ministração deste medicamento.

A amostra foi composta por doze crianças na faixa etária de 1 a 7 anos que receberam injeções de penicilina por via intramuscular em duas Unidades Básicas Distritais de Saúde(UBDS) do município de Ribeirão Preto, doze responsáveis pelas crianças e quatro auxiliares de enfermagem das UBDS. As situações vivenciadas por esta amostra destacadas caso a caso, foram objeto de análise deste estudo.

TÉCNICA DE COLETA DE DADOS

Utilizou-se a técnica da observação não participante. Para tanto, a observadora permanecia na sala de medicação, anotando aspectos relativos à situação e ao discurso ocorrido entre criança, responsáveis e auxiliares de enfermagem. Para as anotações de campo, seguiu-se os passos sugeridos por SELLTIZ et al. (1987), que aplicados à esta investigação, assim ficou constituído:

1. Escolher uma situação e local de observação adequados. A situação escolhida foi a da aplicação de medicações injetáveis em crianças e as UBDS. Foram escolhidas pela facilidade de acesso e pela grande demanda de injeções em crianças.

2. Decidir a maneira de registrar as informações. As informações foram redigidas usando lápis e papel e no momento em que ocorriam. Optou-se por estes materiais ao invés do gravador, uma vez que este poderia inibir as pessoas envolvidas.

3. Determinar a estratégia de amostragem: Optou-se por observar durante o período de dois meses, dezembro e janeiro, de 2ª a 6ª feira, das 8 às 12 horas, todas as crianças que compareciam às unidades para receberem medicações injetáveis.

4.Treinamento da observadora: A observadora foi treinada por quatro horas, através da observação de várias situações. Para tanto essa observadora e a instrutora observavam as mesmas situações, faziam os registros e a seguir comparavam as descrições. A partir do momento em que várias situações tinham registros correspondentes, a observadora foi considerada apta para a coleta definitiva dos dados.

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Para a coleta de dados utilizou-se um roteiro de observação o qual passou por modificações durante as sessões de treinamento da observadora e que também serviu como um momento de avaliação do instrumento. O roteiro contou com os seguintes ítens: descrição da situação no preparo do medicamento, na aplicação do medicamento e após a retirada da agulha e saída da mãe e criança. Durante a coleta de dados foram priorizadas as falas das crianças, mães e auxiliares de enfermagem.

As observações foram analisadas e as falas foram recortadas do texto, a fim de facilitar a organização e a análise dos dados.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Para a análise e discussão dos dados, procedeu-se uma busca por referenciais coerentes com o problema investigado e a metodologia adotada. O referencial que nos pareceu mais apropriado foi o Modelo Teórico de Forrest para codificação da Comunicação já empregados por BACHION(1991); e CAVICHIOLLO & CARVALHO(1992). Este modelo destaca dois grupos de categorias do processo de comunicação. O primeiro grupo ou categorias facilitadoras seriam aquelas falas que, estimulam a verbalização do paciente e que promovem um clima favorável para o estabelecimento do processo comunicativo. O segundo grupo, as categorias bloqueadoras, funcionam como um reforço negativo para o comportamento comunicativo.

As categorias facilitadoras segundo CAVICHIOLLO & CARVALHO( 1992) são as verbalizações com os seguintes aspectos: declarações amplas que permitam o direcionamento da conversação pelo paciente; encorajamento para o paciente continuar mostrando interesse e compreensão; refletindo: as declarações do paciente são repetidas ou reformuladas para prosseguir a conversação; dividindo as observações; reconhecendo os sentimentos do paciente; reconhecendo a presença do paciente; dando informações; estabelecendo a verdade; esclarecendo ou classificando e verbalizando pensamentos subentendidos e sentimentos.

As categorias que bloqueiam o comportamento verbal são as que se seguem: tranquilizando com "clichê" ou comentários estereotipados; aconselhamento; aprovando ou concordando; pedindo explicação; desaprovando; depreciando; defendendo: protegendo ou apresentando desculpas; mudando o assunto; fechando o questionamento.

Com base neste referencial e os dados coletados, passamos a analisá-los seguindo as três fases envolvidas na administração dos medicamentos injetáveis e por nós denominadas de : Fase 1: Preparando o medicamento e a descrição da situação, Fase 2 : Aplicando o medicamento, Fase 3: Retirando a agulha e preparando-se para sair.

Estas fases tem congruência com aquelas que CARVALHO(1979) denominou em seu estudo: Fase de Aquecimento, Explicação da Técnica, Administração, Observação dos Resultados e Desfecho. As fases de aquecimento e explicação da técnica foram reconhecidas como

"Preparando o medicamento".

Cada uma destas fases foi descrita com base nas observações realizadas e o referencial teórico de Forrest, enfocando o processo de comunicação entre mãe-criança e auxiliares de enfermagem na situação de administração de medicações injetáveis.

FASE 1: PREPARANDO O MEDICAMENTO

A DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO

A criança geralmente se encontrava numa fila no corredor que antecedia a sala de medicação, aguardando sua vez para receber o medicamento. As que já conheciam a sala, sabiam que receberiam um medicamento injetável e demonstravam uma face apreensiva com receio e medo. Raramente na ante sala ou na fila, havia uma comunicação entre mãe e criança, explicando-lhe o que poderia acontecer ou então acalmando-a. A auxiliar de enfermagem chamava o cliente pelo seu nome, entravam a mãe e a criança e entregavam a prescrição médica para a auxiliar de enfermagem que se voltava de costas para ambos - mãe e filho, para preparar o medicamento, demostrando não haver um reconhecimento da presença do paciente neste momento. A mãe permanecia quieta, em posição passiva, aguardando a preparação do medicamento, sem questionar a auxiliar. A criança estava na maioria das vezes, agitada, se já sabia que receberia o medicamento ou quieta, sem choro, se não sabia.

Caso a criança já estivesse chorando algumas falas revelaram que a mãe desaprovava o comportamento da criança e até sugeria uma punição se a criança não se comportasse bem, revelando a categoria bloqueadora DESAPROVANDO.

Não vai chorar, vai (mãe para criança). Fica quietinho, você vai tomar injeção, se você não ficar quietinho e bonzinho... (caso 3)

Ou também depreciando e ameaçando a criança.

Tá chorando menina, tem que tomar injeção. (caso 5)

A mãe utilizava como ameaça ao choro a figura do "guarda", ou então responsabilizava a doença ao fato de a criança não comer.

Se quiser chorar, pode chorar. Não fica assim não que você começa a suar... Doeu para tirar sangue de manhã?, É a mesma coisa não dói, Não pode ficar olhando para a agulha senão dá medo (mãe para a criança). A criança fala para a mãe: Eu quero no braço. A mãe fala: A Drª falou para você que essa injeção não dói, Você está mocinha. A criança quer sair da sala e a mãe fala: Vou chamar o guarda para te segurar, Dói só um pouquinho, Eu não falo que você não come. (caso 7)

Às vezes, se haviam dois auxiliares de enfermagem na sala, estes continuavam conversando e ignoravam a presença da criança e da mãe. Outras vezes, a funcionária comunicava-se com a criança de forma espontânea, nem sempre apropriada e que caracteriza bem a categoria bloqueadora: DEPRECIANDO

A mãe está lendo um papel e a criança está quieta ao seu lado. A auxiliar fala para a criança: Você vai ter a tia só para você, só para te judiar. A mãe não conversa nada com o filho e nem com a auxiliar. A auxiliar volta-se para a criança e fala: Tudo certinho ? Sem grilos na cuca? Não está sentindo nada?. A criança responde: Só medo. A auxiliar pergunta: Tomou café hoje? Bastante? A mãe fala: Mais ou menos. A auxiliar fala para a criança: Sabe pra que serve o bumbum? e responde: Para dar injeção. (caso 11)

Após preparar o medicamento e antes de aplicá-lo, a auxiliar solicitava à mãe que posicionasse a criança. A posição era sempre ventral sobre o colo da mãe. Ao mesmo tempo a criança é despida, expondo a região glútea.

FASE 2: APLICANDO O MEDICAMENTO

Posicionando a criança com firmeza

Após preparado o medicamento , a auxiliar se dirigia à mãe para solicitar que posicionasse a criança. Posicionar bem a criança, restringir seus movimentos e expor a área onde a injeção será aplicada são os objetivos da auxiliar, que neste momento, conta com o auxílio da mãe. Se a auxiliar e a mãe não conseguiam restringir os movimentos da criança era solicitado o auxílio do pai, de outra pessoa qualquer ou de outro auxiliar. As pessoas chegavam e seguravam a criança firmemente, sem lhe dirigir qualquer comentário. A criança se apavorava ainda mais com a aproximação destas pessoas, chorava e gritava antes mesmo de receber o medicamento. Geralmente, a mãe estava sentada numa cadeira e a criança era colocada sobre suas coxas e as nádegas eram expostas. A auxiliar dirigia-se à mãe mandando que posicionasse a criança com firmeza e sempre em voz alta, caso a criança estivesse chorando muito.

Segura mãe.. Mãe segura nos braços que eu seguro nas pernas!(caso 4)

Segura ele firme para ele não se debater! (caso 2)

A situação era desesperadora para a criança que sabia que não podia controlá-la. Observamos um caso onde a criança fugiu correndo da situação e a mãe e auxiliar tiveram que correr atrás dela, pegá-la e trazer-la até a sala utilizando força e firmeza de movimentos.

A criança ficou parada na porta da sala de medicação, receosa, com medo. A mãe falou: Vem cá Ednae l . A criança saiu correndo pelo corredor e a auxiliar falou: Meu amor vai atrás dele lá. A mãe sai atrás do filho e a funcionária deixa a seringa em cima da mesa e vai atrás da criança também. A criança volta de mãos dadas com a mãe, chorando e gritando. A auxiliar falou: Eta mãe esse dá trabalho. (caso 2)

Se a mãe conseguia segurar a criança e se não havia problemas na injeção, a auxiliar agradecia.

Aí mãe, oi bem!. (caso 5)

Foram poucas as situações em que se notou alguma comunicação entre o auxiliar e criança. Realmente, não havia reconhecimento da presença da criança nesse momento, com exceção daquela que tinha comportamentos extremos como fugir ou gritar. Neste momento, a comunicação era no sentido auxiliar- mãe. Ao posicionar , a criança que estava quieta começava a chorar e a situação ficava estressante para ela que sentia medo, para a mãe que sentia dificuldades em posicionar uma criança agitada e ficava penalizada pela dor e para a auxiliar que administraria uma solução que poderia obstruir a agulha, se não fosse feito com rapidez. Caso obstruisse seria necessário uma nova punção.

A criança continua chorando e a auxiliar falou: Nenê deita senão vai entupir e chama novamente outra auxiliar para ajudar a segurar. A mãe deixa a criança sozinha e sai para buscar ajuda do pai. Neste momento chega o pai sem a mãe e posiciona a criança em decúbito ventral segurando braços e costas e a outra funcionária segura as pernas. A criança chora forte e chega a perder o fôlego por uma vez e grita. (caso 1)

As crianças manifestavam não quererem a injeção e até solicitavam a ajuda de Deus para livrarem-se daquela situação, já que percebiam que ela era inevitável.

A criança chorando falou para a mãe: Não quero injeção. Ai. Isso dói, Jesus. Meu Deus, me ajuda!. (caso 9)

As mães, com freqüência, não questionavam a técnica e consideravam que a injeção na região glútea era a mais apropriada. Esta foi a região majoritária de aplicação de injetáveis nas crianças observadas, mesmo que a musculatura não se encontrasse em condições para receber mais uma injeção e sabendo-se que não era o local mais indicado.

Mãe falou: Aí será no mesmo lugar? No braço não pode dar né?. Auxiliar respondeu: Pode não, dói mais em criança. Só vacina que é destinada no braço. (caso 5)

Após posicionar a criança, expor as nádegas e assegurar a firmeza do posicionamento, a auxiliar introduzia a agulha e aplicava o medicamento.

Reconhecendo a presença e os sentimentos da criança e da mãe

Ao se preparar para aplicar o medicamento, a auxiliar comunicava-se com a criança, manifestava sentimentos de pena e dó pela dor que a injeção provocaria na criança. A mãe também tentava se comunicar com a criança e todos sentiam-se penalizados pela situação que era estressante e que desejavam terminar o mais rápido possível.

A auxiliar falou para a criança: Vai deita, pode tomar aqui mesmo. Ô Z. A, se você quiser chorar pode chorar, homem pode chorar tá. Vale gritar e chorar. A criança chorou forte e gritou. A mãe falou: Mais dói... nossa ! . (caso11)

Havia também comentários sobre a técnica com a mãe, caso a injeção tivesse algum problema. A mãe reconhecia os sentimentos da criança e manifestava dó e pena pela situação.

Segura, senão a agulha dá problema (caso 2).

Rafa, pode fazer tudo, só não pode pular. A criança chora forte e grita. A mãe falou para a criança: você sofre agora filha, senão você vai para o hospital. (caso 1)

Entretanto, foi observado em algumas mães argumentos com as crianças, como responsabilizando-as pela necessidade da injeção devido a algum comportamento, como por exemplo não comer. Assim como comportamentos em que tentava "comprar" o bom comportamento da criança.

Se comesse direitinho não precisava tomar injeção, se comesse direitinho... .(caso 1)

Segura aqui na perna da mãe...se você chorar a mamãe não compra aquele negócio.... (caso 7)

Ao final, se a criança ficasse quietinha e a injeção se processasse sem problemas, percebia-se uma situação de alívio para a mãe e auxiliar. Só, não era para criança.

FASE 3: RETIRANDO A AGULHA E PREPARANDO-SE PARA SAIR

A última fase, retirando a agulha e preparando-se para sair, ocorria após a aplicação do medicamento e percebia-se uma fase mais calma para a auxiliar e para a mãe. A auxiliar conversava então com a criança perguntando sobre a dor no procedimentos.

A auxiliar perguntou para a criança: Tudo certinho aí? e a criança balança a cabeça respondendo: Sim. A mãe falou para a criança: Tá doendo muito?. A criança respondeu: Sim balançando a cabeça (caso 10).

Tranquilizando a criança com "clichês"

Após a retirada da agulha percebia-se um alívio, principalmente, para a auxiliar e a mãe pelo procedimento ter ocorrido sem intercorrências. Como a situação era bastante estressante, com gritos, choro e agitação da criança, acreditava-se que quanto mais depressa terminá-la, melhor para criança-mãe e auxiliar que procurava tranqüilizar a criança, afirmando que o procedimento já havia terminado.

A auxiliar falou: Pronto, pronto. A mãe falou: quietinho... pronto já acabou (caso 5).

Neste momento a auxiliar se dirigia à criança, como se despedindo-se dela e procedia orientações à mãe. Utilizava uma linguagem lúdica para a criança, na maioria das vezes inapropriada:

Mas que formigona passou aí... Fica deitadinho aí que já parou de doer, tá melhorando, heim ?...a criança quieta, sem choro, não respondeu nada. A funcionária falou: Fez injeção e perdeu a língua? Meu Deus, a injeção afetou a língua? "Pronto acabou. Não é um bicho de sete cabeça (caso. 8)

Em outras situações percebia-se orientações com relação ao cuidado com o sitio da injeção para o responsável.

Esclarecendo e orientando a mãe ou responsável

Mesmo que não fosse questionada, por ser um ritual, a auxiliar esclarecia a mãe sobre como proceder no local da injeção se a criança continuasse a se queixar de dor. Foram raras as situações em que a mãe sabia qual havia sido o medicamento prescrito à criança.

A auxiliar falou: a injeção da I o doutor prescreveu cinco frascos. Ela tem que tomar dois hoje e amanhã tem que vir de novo. Faz compressa de água morna e vick. O lado que doeu mais, o lado direito, amanhã você faz compressa de água morna, se doer muito, deixa ela pular que isso ajuda . (caso 1)

A auxiliar falou para a mãe: não esquece da próxima vez mudar de lado para dar injeção .(caso 7)

A criança à despeito da conversa entre mãe e auxiliar, continuava sentindo dor e algumas chegavam a manifestar esta dor.

A criança ficava gritando, chorando forte, deitada de bruços no divã e falou: Ai minha perna. A mãe desceu a criança do divã que ainda estava chorando, face entristecida e falou novamente: Ai minha perna. A auxiliar falou para a mãe: faz compressa de água morna e vick. A criança sai da sala chorando com lágrimas escorridas na face .A mãe não falou nada com a criança nem com a auxiliar. (caso 2)

Após as orientações, o procedimento era finalizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos neste estudo um predomínio das categorias bloqueadoras sobre as facilitadoras na interação entre funcionários, mãe e criança durante o procedimento de administração de medicamentos injetáveis. Dentre as subcategorias bloqueadoras houve o predomínio de Desaprovando o comportamento da criança, Depreciando, Tranqüilizando a mãe com "clichês" ou comentários estereotipados. As categorias facilitadoras aparecem com os subgrupos: Reconhecendo os sentimentos do paciente e sua presença e esclarecendo e orientando a mãe ou responsável.

Como relatado por TRAVELBEE(1969), é através da comunicação que se pode desenvolver o relacionamento pessoa -pessoa e por meio deste, atingir os propósitos da enfermagem, ajudar os indivíduos, famílias a prevenirem ou enfrentarem a experiência de doença e sofrimento. A interação verbal da enfermeira com o paciente deve fugir de um conteúdo que se limita ao cumprimento do seu papel instrumental, dentro de um processo que viabiliza unicamente o desempenho deste papel. Entretanto, nem sempre pode-se afirmar a existência de interação verbal entre cliente-enfermeiras, como constatamos neste estudo, onde houve o predomínio das categorias bloqueadoras de comunicação com auxiliares de enfermagem não utilizando os recursos de comunicação verbal para interagir com a mãe e criança, não estabelecendo um relacionamento de amizade e confiança e tornando o relacionamento ineficiente. Vale ressaltar que é de extrema importância a utilização da categorias facilitadoras para estimular a verbalização da mãe e criança, promover um clima de abertura para que a criança sinta-se à vontade para verbalizar seus sentimentos, fornecendo a mãe e criança elementos que permitam uma compreensão da situação.

A assistência de enfermagem à criança doente merece destaque uma vez que impõe a compreensão da criança como uma pessoa em desenvolvimento, com modos peculiares de sentir e pensar e com métodos individuais de lutar com o ambiente. A doença e todos os seus incômodos criam problemas para a criança e seus pais, como por exemplo o estresse, assim sendo, a enfermeira deve oferecer apoio emocional dentro do contexto de um relacionamento construtivo. A criança tem receios de que irão cortá-la, ferí-la e a manifestação de seu medo e da dor é representado através do choro. Para aliviar o medo e o receio da criança é útil a enfermeira deixar a criança ver a seringa e agulha, até tocá-la e segurá-la, permitindo assim uma familiaridade que fará o temor gradualmente desaparecer. O esclarecimento, a informação e a discussão com a criança sobre o seu tratamento, a natureza dos procedimentos que serão utilizados, o que irá acontecer com ela e o conhecimento que em alguns procedimentos a dor é inevitável, embora necessários para a cura, são pontos a serem abordados pelas enfermeiras preocupadas com sua clientela infantil.

As crianças devem ser esclarecidas quanto ao futuro sofrimento, porque a dor é sempre mais difícil de suportar quando chega abruptamente. Deve-se dizer com precisão o que a espera, falando a verdade e se não estiver preparada ou se for enganada, a conseqüência poderá trazer anos de lutas e resistências contra futuros relacionamentos com a enfermeira e auxiliares de enfermagem e com a aceitação de determinados procedimentos como por exemplo, as injeções.

A fim de aplicar as teorias da comunicação na prática, é mister ter os conhecimentos teóricos acerca de comunicação como os conceitos e suas inter-relações a fim de identificar e aplicar em cada momento estressante, um relacionamento afetivo e de confiança para a mãe e criança , oferecendo-lhes apoio e segurança.

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  • 1
    Trabalho apresentado no 5º Simpósio de Comunicação em Enfermagem no período de 8 a 10 de Maio de 1996
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Out 1997
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