Acessibilidade / Reportar erro

Contribuição à construção de projetos político-pedagógicos na enfermagem

Contribution to the development of nursing political-pedagogic projects

Contricución a la construcción de proyectos político-pedagógicos en la enfermería

Resumos

A partir da conceituação de projeto e projeto político-pedagógico, apresenta uma proposta para sua construção fundamentada em marcos. Os marcos indicados incluem: o referencial, o filosófico, o conceitual e o estrutural. O marco referencial é o ponto de partida, ou seja, o conhecimento e crítica da realidade; o marco filosófico representa as crenças e valores da comunidade envolvida no projeto; o marco conceitual é representado pela teoria ou conceitos que dão suporte à proposta; e, finalmente o marco estrutural estabelece as competências e o perfil do profissional a ser formado e a opção metodológica para organização e desenvolvimento das matérias e disciplinas. A teoria da ação comunicativa, de Habermas, é proposta como metodologia para a construção de projetos.

educação; enfermagem


Based on the concepts of project and political-pedagogic project, authors presented a proposal for the development of such a project. The framework includes: the reference, the philosophy, the concept and the structure. The reference is the starting point, meaning the knowledge and critical view of reality; the philosophy represents the faiths and the community's values involved in the project; the concept represents the theory that gives support to the proposal; and, finally the structure establishes the competences and the profile of the professional to be formed as well as the methodologic option for the organization and development of courses and disciplines. The Habermas' theory of communicative action is proposed as a methodology for the development of projects.

education; nursing


A partir de la conceptualización del Proyecto Político-pedagógico presenta una propuesta para su construcción fundamentada en marcos. Los marcos indicados incluyen: el referencial filosófico, conceptual y el estructural. El marco referencial constituye el punto de partida o sea, el conocimiento y crítica de la realidad; el marco filosófico representa las creencias e valores de la comunidad presentes en el proyecto, el marco conceptual esta representado por la teoria o conceptos que dan soporte a la propuesta y finalmente el marco estructural establece las competencias y el perfil del profesional a ser formado y la opción metodológica para la organización y el desarrollo de las materias y disciplinas. La teoría de la acción comunicativa de Habermas, constituye la propuesta como metodología para la construcción de proyectos.

educación; enfermería


Artigo Original

CONTRIBUIÇÃO À CONSTRUÇÃO DE PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS NA ENFERMAGEM

Rosita Saupe1 1 Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq. Professor da PEN/UFSC. Professor Visitante da Universidade de Passo Fundo; 2 Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília. Doutorando em Filosofia da Enfermagem na UFSC Elioenai Dornelles Alves2 1 Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq. Professor da PEN/UFSC. Professor Visitante da Universidade de Passo Fundo; 2 Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília. Doutorando em Filosofia da Enfermagem na UFSC

A partir da conceituação de projeto e projeto político-pedagógico, apresenta uma proposta para sua construção fundamentada em marcos. Os marcos indicados incluem: o referencial, o filosófico, o conceitual e o estrutural. O marco referencial é o ponto de partida, ou seja, o conhecimento e crítica da realidade; o marco filosófico representa as crenças e valores da comunidade envolvida no projeto; o marco conceitual é representado pela teoria ou conceitos que dão suporte à proposta; e, finalmente o marco estrutural estabelece as competências e o perfil do profissional a ser formado e a opção metodológica para organização e desenvolvimento das matérias e disciplinas. A teoria da ação comunicativa, de Habermas, é proposta como metodologia para a construção de projetos.

UNITERMOS: educação, enfermagem

CONTRIBUTION TO THE DEVELOPMENT OF NURSING POLITICAL-PEDAGOGIC PROJECTS

Based on the concepts of project and political-pedagogic project, authors presented a proposal for the development of such a project. The framework includes: the reference, the philosophy, the concept and the structure. The reference is the starting point, meaning the knowledge and critical view of reality; the philosophy represents the faiths and the community's values involved in the project; the concept represents the theory that gives support to the proposal; and, finally the structure establishes the competences and the profile of the professional to be formed as well as the methodologic option for the organization and development of courses and disciplines. The Habermas' theory of communicative action is proposed as a methodology for the development of projects.

KEY WORDS: education, nursing

CONTRIBUCIÓN A LA CONSTRUCCIÓN DE PROYECTOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS EN LA ENFERMERÍA

A partir de la conceptualización del Proyecto Político-pedagógico presenta una propuesta para su construcción fundamentada en marcos. Los marcos indicados incluyen: el referencial filosófico, conceptual y el estructural. El marco referencial constituye el punto de partida o sea, el conocimiento y crítica de la realidad; el marco filosófico representa las creencias e valores de la comunidad presentes en el proyecto, el marco conceptual esta representado por la teoria o conceptos que dan soporte a la propuesta y finalmente el marco estructural establece las competencias y el perfil del profesional a ser formado y la opción metodológica para la organización y el desarrollo de las materias y disciplinas. La teoría de la acción comunicativa de Habermas, constituye la propuesta como metodología para la construcción de proyectos.

TÉRMINOS CLAVES: educación, enfermería

INTRODUÇÃO

Um dos aspectos que consideramos positivo, na nova Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (no. 9394), está contido no inciso I do art. 12, que determina que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de "elaborar e executar sua proposta pedagógica". O artigo seguinte reforça esta determinação ao definir que os docentes incumbir-se-ão de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino (BRASIL, 1996).

Além disso, o art. 53 da mesma lei estabelece como componente do exercício da autonomia das universidades, a atribuição de "fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes"3 1 Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq. Professor da PEN/UFSC. Professor Visitante da Universidade de Passo Fundo; 2 Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília. Doutorando em Filosofia da Enfermagem na UFSC (BRASIL, 1996). Desobrigados de atenderem determinações de "currículo mínimo", vemos aumentada a responsabilidade dos cursos, ao proporem seus projetos político-pedagógicos, orientando a formação de profissionais preparados para atender às demandas locais e regionais, mas sem impedimento de transitarem por todo território nacional.

Os estudos recentes, que analisam a nova lei, enfatizam alguns cuidados que se devem observar, considerando as implicações legais, políticas e sociais que uma análise crítica aprofundaria. É nosso entendimento que, nos aspectos relacionados ao ensino superior, na nova lei, aparecem orientações que deveriam fazer parte dos regimentos internos das universidades, como são os casos dos incisos I, II, III e IV do Art. 53, os quais, que embora sejam importantes avanços, ainda representam aspectos centralizadores não desejados para o ensino. Vários outros autores apoiam este nosso entendimento como DEMO (1997); SOUZA (1997); SOUZA & SILVA (1997); NISKIER (1997); SAVIANI (1997, 1998).

Neste sentido, mesmo desobrigados legalmente, somos de opinião que os cursos de enfermagem não podem desconhecer a contribuição do último currículo mínimo estabelecido para a formação do enfermeiro - Portaria MEC 1721/944 1 Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq. Professor da PEN/UFSC. Professor Visitante da Universidade de Passo Fundo; 2 Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília. Doutorando em Filosofia da Enfermagem na UFSC resultado de anos de discussões, seminários, debates (BRASIL, 1994). Ele representa o consenso possível obtido através da participação de todos os segmentos da categoria e pode ser o elo unificador dos vários projetos político-pedagógicos da enfermagem brasileira.

Motivados por esta necessidade resolvemos contribuir para os cursos que graduam ou pós-graduam enfermeiros e avançar na determinação original da lei, apresentando um modelo de projeto que se propõe ser político-pedagógico, orientado por marcos que partem do conhecimento da realidade na qual o curso está inserido, refletem esta realidade e aportam na proposta curricular, sua implantação, acompanhamento e avaliação.

O QUE É PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO?

No sentido etimológico, o termo projeto vem do latim projectu, particípio passado do verbo projicere, que significa andar para diante. Tem também o sentido de plano, intento, desígnio, empresa, empreendimento (FERREIRA, 1975, p. 1144).

Ao construirmos os projetos de nossas escolas ou nossos serviços, planejamos o que temos intenção de fazer, de realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando o possível. É antever um futuro diferente do presente. Nas palavras de GADOTTI (1994, p. 579):

Todo projeto supõe "rupturas" com o presente e "promessas" para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

Nessa perspectiva, o projeto político-pedagógico vai além de um simples agrupamento de planos de capacitação, atualização, educação em serviço, etc. O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da instituição (VEIGA, 1996).

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. "A função política da educação se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica" (SAVIANI, 1993, p. 100). Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da missão da instituição, que é a formação do cidadão de direitos e deveres, participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. "Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às instituições, de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade"(VEIGA, 1996, p. 13).

"Político e pedagógico têm assim uma significação indissociável. Neste sentido é que se deve considerar o projeto político-pedagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da instituição, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade"(VEIGA, 1996, p. 13), que "não é descritiva ou constatativa, mas é constitutiva" (MARQUES, 1990, p. 23). Por outro lado, propicia a vivência democrática e solidária, necessária para a participação de todos os membros da comunidade... e o exercício da cidadania, que cumpre seus deveres e luta por seus direitos. Pode parecer complicado, mas trata-se de uma relação recíproca entre a dimensão política e a dimensão pedagógica da escola, do serviço, da instituição (VEIGA, 1996).

"O projeto político-pedagógico, ao se constituir em processo democrático de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que supere os conflitos, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia que permeia as relações no interior das instituições, diminuindo os efeitos fragmentários da visão do trabalho que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão" (VEIGA, 1996, p. 13,14).

O modelo de projeto político-pedagógico que estamos propondo, como forma de contribuição aos cursos de enfermagem, é fundamentado, ou melhor, construído a partir de marcos.

O QUE É MARCO?

O marco é uma fronteira, limite daquilo que se pretende desenvolver ou realizar no âmbito do conhecimento e da ação. No que tange a enfermagem, é necessário que, através do marco, se possa identificar os significados favoráveis às buscas da profissão e ao processo de formar enfermeiros (e demais trabalhadores de enfermagem) para o presente e o futuro (CARVALHO & CASTRO, 1985).

Os marcos mais freqüentemente utilizados em projetos político-pedagógicos e também considerados, em nosso entendimento, os mais adequados são: marco referencial, marco filosófico, marco conceitual e marco estrutural.

MARCO REFERENCIAL

O marco referencial diz respeito à descrição e à crítica da realidade, tal qual ela se apresenta, afim de que a formação do profissional não se distancie do comprometimento com a solução dos problemas da sociedade na qual atuará. Sociedade entendida como o país, a região, o estado, o bairro, a comunidade, a instituição, o grupo profissional. A construção do marco referencial pode ocorrer do macro para o micro, ou vice-versa, mas sempre demandará a consulta a muitos documentos, análises, crítica e síntese.

O marco referencial do projeto político-pedagógico de um curso de enfermagem necessita abordar a caracterização geo-política, econômica, educacional e de saúde do espaço geográfico no qual está inserido, bem como as raízes históricas e desenvolvimento da instituição promotora do projeto e da profissão, no caso enfermagem.

O conhecimento e crítica da realidade macro (do país, da região, da cidade) e micro (da instituição e da profissão no local) deve justificar a necessidade do projeto, seja em termos de criação, manutenção ou ampliação do curso em questão. Criação entendida como a proposição de abertura de um curso; manutenção, como o não fechamento ou diminuição das vagas; e ampliação, não só como incremento de vagas, mas também de novo "campus".

Após descrever e analisar a realidade que referencia o projeto político-pedagógico, é preciso justificá-lo, respondendo ao por que de sua proposição, bem como estabelecer objetivos, ou seja, definir o que se pretende alcançar através da implementação do mesmo.

A justificativa, além do apoio dos dados coletados sobre a realidade, pode utilizar de literatura pertinente. A intenção é argumentar de forma a tornar a proposta clara e necessária, convencendo seus leitores e analistas, que venham a opinar, julgar e decidir sobre o futuro da mesma. Boas idéias, projetos que representam necessidades sentidas, podem ser rejeitados caso não apresentem justificativas convincentes.

Os objetivos são estabelecidos em termos gerais e específicos. Os objetivos gerais definem a grande meta ou proposição do projeto. Os objetivos específicos representam o detalhamento do(s) geral(is). Os objetivos específicos podem ser de várias categorias: operacionais, comportamentais, afetivos. Objetivos operacionais utilizam verbos precisos e incluem todos os critérios de sua mensuração. Objetivos comportamentais são orientados para a perspectiva de mudança efetiva de atitudes e ações. Objetivos afetivos trabalham sentimentos e emoções, ou seja, buscam a aderência positiva da subjetividade dos sujeitos ao projeto, em suas várias dimensões. Ainda em relação a objetivos, é preciso registrar que as várias taxionomias que orientam a sua formulação, seja no domínio cognitivo, afetivo ou psicomotor (BLOOM et al., 1974; MAGER, 1974) têm, freqüentemente, se constituído em prescrições miúdas, que ocupam grandes espaços nos projetos e perdem significado na sua implementação (SAUPE, 1992). A perspectiva de CASTANHO (1988) avança nesta questão ao propor a formulação de objetivos comportamentais, abertos e provocativos. Os objetivos comportamentais focalizam conhecimentos, informações e habilidades. Os objetivos provocativos são formulados como questões a serem respondidas pelos envolvidos durante o desenvolvimento do projeto, e os objetivos abertos seriam propostos pelo grupo durante o processo de implementação do projeto.

MARCO FILOSÓFICO

Representa as crenças e valores da comunidade envolvida na proposição e desenvolvimento do projeto político-pedagógico, ou seja, os pressupostos ou princípios ético-filosóficos que orientarão a caminhada e re-orientarão os rumos da profissão quando necessário.

Sobre crenças e valores, é interessante conhecer o pensamento de MATALLO Jr. (1994, p. 17). Conforme este autor, valores e crenças são "o substrato do senso comum e de nossas ações e comportamentos cotidianos. Há, no entanto, uma marcante diferença lógica entre as crenças e os valores (...). As crenças se manifestam através de proposições, que podem ser submetidas a um teste de veracidade, ou seja, é possível dizer se são verdadeiras ou falsas, enquanto que com as valorações isso não ocorre. Destas nós podemos dizer que são boas ou más, desejáveis ou indesejáveis, justas ou injustas, mas não que são verdadeiras ou falsas". Daí a importância de que o marco filosófico, mais do que qualquer outro capítulo do projeto político-pedagógico dos cursos, seja construído de forma participativa e democrática. Para isso sugerimos como teoria para o processo de elaboração da proposta, a teoria da ação comunicativa de HABERMAS (1987,1989).

MARCO CONCEITUAL

O marco conceitual ou fundamentação teórica do projeto pode ser construído por seus propositores ou ser representado por uma teoria ou conjunto de conceitos estabelecido por pensadores, tanto da área da profissão como outra, desde que mantida a correlação com os demais marcos. Apesar da facilidade que pode representar a escolha de uma teoria para direcionamento do projeto, o consenso possível dificilmente é alcançado através desta opção. Nossa experiência tem mostrado a tendência dos grupos, mesmo que isso demande mais tempo e esforço, de estabelecerem seu marco com base em seus pressupostos, crenças e valores.

Para SAUPE (1992, p. 19) teorias, marcos teóricos ou conceituais "são concepções ou abstrações que procuram explicar a realidade e apesar de não darem conta de sua totalidade, contribuem para seu entendimento e subsidiam novas interpretações e transformações da realidade". Marco conceitual também é entendido como "um conjunto de definições e de conceitos interrelacionados. Há no entanto, marcos conceituais de diferentes níveis e com diferentes objetivos. Um determinado marco conceitual pode ter o objetivo de descrever uma área de conhecimento, como por exemplo a enfermagem; um outro marco conceitual pode ter sido desenvolvido com o objetivo de guiar um estudo específico de pesquisa ou de currículo" (TRENTINI, 1987, p. 138). Para NEVES & GONÇALVES (1984, p. 210) "marco conceitual é uma estrutura mental logicamente organizada, que serve para dirigir o processo de investigação".

Na perspectiva de construção coletiva, mas própria do grupo, ou seja, não utilizando uma teoria já testada ou proposta, o conceito de TRENTINI (1987) parece ser o mais apropriado. Assim, o conjunto de definições e conceitos interrelacionados, que representarão o marco conceitual do projeto político-pedagógico, freqüentemente focaliza: ser humano (enfermeiro, educador, educando, cliente/paciente/usuário); enfermagem/saúde; processo ensino-aprendizagem/processo de cuidar/assistir; educação.

MARCO ESTRUTURAL

É composto pela opção metodológica que vai orientar a organização e desenvolvimento das matérias e disciplinas, como por exemplo, o ciclo vital, os níveis de prevenção ou mesmo a teoria que tenha sido definida como marco conceitual. Inclui ainda o arrolamento das competências ou "perfil" do profissional para o qual está orientado o projeto político-pedagógico.

Para definição das competências, é importante a consulta aos documentos legais que legislam sobre o ensino e a profissão em questão, na medida em que, obrigatoriamente, terão de ser seguidos. Todavia eles não devem constituir "camisa de força" que impeça a criatividade e a ultrapassagem da realidade, buscando novas possibilidades e até mesmo arriscando utopias.

A última etapa da elaboração do projeto é aquela pela qual, comumente, os professores querem começar, ou seja, a organização da grade curricular, com seus requisitos e pré-requisitos, sua distribuição no tempo, conforme normatizações a serem obrigatoriamente seguidas, a definição das ementas, a elaboração dos programas e planos de ensino e o planejamento da implementação, acompanhamento e avaliação do projeto. O acompanhamento e avaliação deve ser flexível para possibilitar os ajustamentos necessários, mas recomendamos que grandes mudanças ou reorientação geral do projeto só devam ser efetivadas após avaliações mais consistentes, envolvendo auditoria e a opinião de avaliadores externos.

INTERRELAÇÃO DOS MARCOS

A construção do projeto político-pedagógico dos cursos, focalizada neste texto não pode estar desarticulada do projeto global da instituição da qual faz parte. É a partir dele que prec isamos iniciar, buscando a maior aderência possível.

Outro aspecto a salientar é o cuidado para manter uma relação de reciprocidade entre os vários marcos que compõem o projeto. A coerência interna entre os mesmos é objetivo alcançado após inúmeras revisões, para então poder-se apresentar uma ilustração que mostre claramente que cada marco, na sua individualidade, compõe uma totalidade que é o projeto político-pedagógico. O modelo a seguir, ilustra adequadamente a idéia de interrelação entre os marcos e os conceitos básicos que o fundamentam.

Nesta ilustração os quatro marcos estão totalmente interligados e incorporam os conceitos básicos que fundamentam o compromisso do curso e de seu projeto político-pedagógico.

METODOLOGIA: A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA

Nas oportunidades em que temos sido solicitados a prestar consultoria para análises e proposições curriculares, nas quais temos discutido com vários grupos as possibilidades deste modelo, uma das questões que freqüentemente são colocadas diz respeito à metodologia de trabalho. Temos orientado que o projeto político-pedagógico deve ser construído de forma democrática, participativa, de debate e diálogo. Mas este discurso nem sempre atende às necessidades específicas dos grupos, que necessitam de um referencial mais explicativo. Mais recentemente temos encontrado na "teoria da ação comunicativa" de Jürgen Habermas e nas leituras que Bárbara Freitag faz da mesma, uma metodologia que temos classificado de excelente para a consecução deste intento.

A "teoria da ação comunicativa" pode ser classificada como muito complexa, mas os princípios básicos de sua fundamentação podem ser entendidos e aplicados, mesmo sem um amplo domínio da ciência que a fundamenta. Caso contrário, seria uma teoria das elites e perderia sua capacidade explicativa e orientadora do diálogo no cotidiano das pessoas.

Em sua teoria da ação comunicativa, HABERMAS (1987, 1989) concebe as sociedades modernas compostas por dois mundos: o mundo sistêmico e o mundo da vida. O mundo sistêmico inclui os subsistemas econômico e político, e é considerado válido e necessário para assegurar a reprodução material e institucional. Já o mundo da vida é considerado o "habitat" natural dos espaços societários das instituições como a família, as associações de bairro, as comunidades de base, os sindicatos e das organizações culturais, artísticas e científicas (FREITAG, 1985).

O mundo sistêmico orienta-se pela ação instrumental ou estratégica, sob a forma de ação técnica que aplica, racionalmente, meios para o obtenção de fins, através do uso do poder econômico e político. O objetivo central do mundo sistêmico é o êxito, o sucesso, a dominação.

O mundo da vida tem como objetivo o entendimento e orienta-se pela ação comunicativa, que é a interação lingüisticamente mediada, que possibilita pensar e analisar as relações sociais cotidianas, espontâneas e padronizadas. Postula o agir/ação com base no entendimento mútuo, possibilitando a expressão, via linguagem, a sentimentos, expectativas, desaprovações/aprovações... procurando o entendimento e o bem estar de cada um e de todos.

Estes dois mundos interpenetram-se e dependem, em princípio, um do outro. Todavia HABERMAS (1987, 1989) denuncia, como uma das patologias da modernidade, a colonização do mundo da vida pelo mundo sistêmico. A estratégia de ação instrumental do mundo sistêmico vai invadindo os espaços do mundo vivido, desalojando e expulsando a ação comunicativa. Os valores cultuados no mundo sistêmico, como poder, dinheiro, prestígio, sucesso, vão "contaminando" o mundo da vida, da sociabilidade, da espontaneidade, da solidariedade e da cooperação, com base na ação comunicativa.

Em nosso entendimento, tanto a educação como a enfermagem, dois conceitos fundamentais do projeto político-pedagógico que estamos propondo, tem suas raízes profundamente fundadas no mundo da vida das comunidades originais e primitivas. Tanto o conhecimento que ia sendo adquirido, quanto o cuidado que se apresentava como necessidade emergente, foram sendo organizados e repassados de uma geração para a seguinte. Um mundo da vida no qual não havia separação, divisão, dicotomia, entre a ação realizada e a reflexão que a precedia ou sucedia.

É com a expansão destas comunidades originais, tanto na quantidade de seus componentes, indivíduos e grupos familiares ou sociais, quanto na complexidade do processo de ação e reflexão, necessários à reprodução e ao desenvolvimento, que vai acontecendo o parcelamento e a especialização, que passam a caracterizar o surgimento do mundo sistêmico. No momento em que aparece esta dualidade, inicia-se a luta dialética entre estes contrários que, se no início não eram antagônicos, assim vão se tornando, já que as tentativas de dominação do mundo sistêmico encontram resistência no mundo da vida.

Hoje, no mundo em que vivemos, a vida das pessoas, das famílias, dos grupos sociais, encontra-se submetida à prescrição de uma infinidade de técnicos, profissionais especializados, que ditam as normas e orientações para nossas vidas: como devemos ser gerados, nascer, crescer, morar, comer, fazer exercícios, transportar-nos, comunicar-nos... Impossível retornar à ignorância, desconforto e servidão humana, anterior à tecnologia e às especializações. O desafio está em colocar o mundo sistêmico e suas ações instrumentais a serviço da vida, sua qualidade e possibilidade (SAUPE, 1998).

Na área da profissão de enfermagem, contrariamente aos críticos sistemáticos, ousamos afirmar que a enfermagem tem, em muitas formas, incorporado as estratégias instrumentais do mundo sistêmico, sem abdicar da ação comunicativa que valoriza e preserva o mundo da vida. São inúmeras as iniciativas individuais, grupais e mesmo institucionais, que tem proposto e desenvolvido programas e projetos nos quais o valor maior está na interação, no respeito, no diálogo, na liberdade, na emancipação, na valorização das crenças e da cultura. Afirmamos que a tendência destas iniciativas é de expansão, mesmo que de maneira linear/aritmeticamente, mas com possibilidades exponenciais/geometricamente. São células, favos, alvéolos de iniciativas particulares, que poderão unir-se formando redes de expansão generalizáveis (SAUPE, 1998).

Por estas constatações, a teoria Habermasiana apresenta indicações muito positivas para orientar o processo de construção de projetos político-pedagógicos na enfermagem.

A teoria da ação comunicativa apresenta regras discursivas básicas, que não devem ser tomadas como meras convenções, mas como verdadeiras pressuposições, como teoria consensual da verdade. São elas:

1. todo e qualquer sujeito capaz de agir e falar pode participar de discursos;

2. todo e qualquer participante de um discurso pode problematizar qualquer afirmação, introduzir novas afirmações no discurso, exprimir suas necessidades, desejos e convicções;

3. nenhum interlocutor pode ser impedido, por forças internas ou externas, de fazer uso de seus direitos assegurados nas duas regras anteriores (HABERMAS, 1987, 1989).

A "operacionalização" da teoria da ação comunicativa, no mundo da vida, ocorre através de três conceitos fundamentais: entendimento ou ação comunicativa; discurso; e teoria consensual da verdade.

O primeiro conceito, entendimento ou ação comunicativa, fundamenta a situação na qual um locutor, por meio de argumentação racional, procura convencer outro da verdade de uma afirmação, da validade de uma norma, e/ou da veracidade de suas declarações. Quando o(s) interlocutor(es) confirma(m) os princípios deste conceito, está mantida a ação comunicativa (HABERMAS, 1987; FREITAG, 1985).

No caso dos interlocutores não aceitarem a argumentação, considerando que o locutor está mentindo (a afirmação não é considerada verdadeira); que as normas que regem sua fala são incorretas (não consideradas válidas); ou ilegítimas (suas afirmações são falsas, não verazes), surge o impasse que pode ser superado por duas vias:

1. partindo para a ação estratégica, através do uso do poder e da autoridade;

2. dando à ação comunicativa a forma de discurso, segundo conceito fundamental da teoria da ação comunicativa.

O discurso é um tipo de ação comunicativa que se estabelece quando o entendimento está temporariamente suspenso. O discurso pode ser:

1. teórico: quando problematiza a validade de uma afirmação sobre fatos;

2. prático: quando problematiza a justiça de uma norma ou de um sistema normativo.

O terceiro conceito fundamental da teoria da ação comunicativa, a teoria consensual da verdade, afirma que a razão orienta o processo de busca da verdade. Esta razão não está sediada no sujeito epistêmico da filosofia, e sim no grupo. A verdade é a possível, para este grupo, neste momento histórico, obtida consensualmente.

Apesar das restrições que possam ser levantadas em relação a este método, como por exemplo, a necessidade de interlocutores esclarecidos, com capacidade de argumentação e o tempo necessário para debate até a obtenção do consenso possível, consideramo-lo apropriado para o exercício da criação democrática e participativa. Para isso é preciso que todos os interlocutores conheçam o método e proponham-se ao diálogo, à procura da verdade, através do uso da razão comunicativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a proposição, implementação, acompanhamento e avaliação de projetos político-pedagógicos, na área da enfermagem, é uma exigência não só legal, mas de reorganização e reorientação da formação de enfermeiros em nosso país. O uso da autonomia atribuída pela lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não deve desaguar na desarticulação profissional de cada escola formar um tipo de enfermeiro. Acreditamos que o enfermeiro brasileiro precisa ter uma base comum que identifique e aproxime a classe, aliada a uma profunda formação geral, além da qualificação necessária para atender demandas loco-regionais. Concentrar o preparo somente na consecução de projetos regionais, poderia pulverizar o poder que temos pretendido concentrar, tão necessário quando na defesa de interesses de saúde da população como um todo. Manter uma linguagem que nos una e identifique não deve ser esquecido quando do exercício de nossa autonomia.

Assim, pensamos que os projetos político-pedagógicos na enfermagem não devem ser construídos somente intra-muros, mas devem compor um projeto maior da enfermagem para o Brasil.

Recebido em: 12.2.1999

Aprovado em: 31.8.1999

3 Op. cit. em destaque no inciso II, do art. 53, da lei 9.394

4 Trata do novo currículo mínimo de graduação em enfermagem no Brasil

  • 01. BLOOM S. et al. Taxionomia de objetivos educacionais Porto Alegre: Globo, 1974. v. 2.
  • 02. BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 e Atos Complementares. Diário Oficial da União, Brasília, Pontificia Universidade Católica do Paraná, 1996.
  • 03. BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Portaria 1721, de 15 de dezembro de 1994. Fixa os mínimos de conteúdos e duração do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de dezembro de 1994, seção 1, p. 19.31-19.302.
  • 04. CARVALHO, V.; CASTRO, I.B. Marco conceitual para o ensino e a pesquisa fundamental - um ponto de vista. Rev. Bras. Enfermagem, Brasília, v. 38, n. 1, p. 76-85, 1985.
  • 05. CASTANHO, M.E.L. e M. Os objetivos da educação. In: VEIGA, I. P. A. et al. Repensando da didática Campinas: Papirus, 1988. p. 53-64.
  • 06. DEMO, P. A nova LDB ranços e avanços São Paulo: Papirus, 1997.
  • 07. FERREIRA, A.B.de H. Novo dicionário de língua portuguesa 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
  • 08. FREITAG, B. Piaget: encontros e desencontros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. (Coleção Diagrama, 11).
  • 09. GADOTTI, M. Pressupostos do projeto pedagógico. In: MEC. CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Anais Brasília, 1994.
  • 10. HABERMAS, J. Teoria de la accion comunicatica Madrid: Taurue, 1987. v. 2.
  • 11._________. Consciência moral e agir comunicativo Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
  • 12. MAGER, R. Objetivos educacionais. In: FILOMENO, A. et al. Objetivos educacionais segundo Robert Mager Florianópolis: UFSC, 1974.
  • 13. MARQUES, M.O. Projeto pedagógico: a marca de escola. Educação e Contexto, Ijuí, n. 18, p. 23, Abr/Jun. 1990.
  • 14. MATALLO Jr., H. A problemática do conhecimento. In: CARVALHO, M. C. M.(org.). Construindo o saber: metodologia científica: fundamentos e técnicas. 4. ed. Campinas: Papirus, 1994. Cap. 1.
  • 15. NEVES, E.P.; GONÇALVES, L.H.T. As questões do marco teórico nas pesquisas de enfermagem. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISA EM ENFERMAGEM, 3 Anais Florianópolis, 1984. p. 210-229.
  • 16. NISKIER, A. LDB a nova lei da educação 7. ed. Rio de Janeiro: Consultor, 1997.
  • 17. SAVIANI, D. Escola e democracia 27. ed. Campinas: Autores Associados, 1993.
  • 18
    __________. A nova lei da educação: LDB trajetória limites e perspectivas. 3. ed. São Paulo: Editora Autores Associados, 1997.
  • 19. __________. Da nova LDB ao Novo Plano Nacional de Educacão Campinas: Autores Associados, 1998.
  • 20. SAUPE, R. Ensinado e aprendendo enfermagem: a transformação possível. São Paulo, 1992. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
  • 21
    _______. (org.) Educação em Enfermagem: da realidade construída à possibilidade em construção. Florianópolis: EDUFSC, 1998.
  • 22. SOUZA, P.N.P.de. LDB e ensino superior (estrutura e funcionamento) São Paulo: Pioneira, 1997.
  • 23. SOUZA, P.N.P.; SILVA, E.B.da. Como entender e aplicar a Nova LDB São Paulo: Pioneira, 1997.
  • 24. TRENTINI, M. Relação entre teoria, pesquisa e prática. Rev. Esc. Enfermagem USP, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 135-143, ago 1987.
  • 25. VEIGA, I.P.A. (org). Projeto político-pedagógico da escola. Uma construção possível 2. ed. Campinas: Papirus, 1996.
  • 1
    Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisador CNPq. Professor da PEN/UFSC. Professor Visitante da Universidade de Passo Fundo;
    2
    Professor Assistente, Departamento de Enfermagem, Universidade de Brasília. Doutorando em Filosofia da Enfermagem na UFSC
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Aceito
      31 Ago 1999
    • Recebido
      12 Fev 1999
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br