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Análise da mortalidade materna do município de Ribeirão Preto-SP - no período de 1991 a 1995

Análisis de la mortalidad materna del municipio de Ribeirão Preto-SP - en el período de 1991 a 1995

Analysis of maternal mortality in the municipality of Ribeirão Preto-SP from 1991 to 1995

Resumos

O objetivo deste estudo foi conhecer e identificar as causas de morte materna. Os dados foram obtidos junto ao Comitê de Estudos e Prevenção de Morte Materna de Ribeirão Preto e atestados de óbitos. É um estudo exploratório, onde foram analisados 72 óbitos maternos, ocorridos em Ribeirão Preto, durante o período de 1991 a 1995. Em 1995 o coeficiente de mortalidade materna foi de 60,3 por 100.000 nascidos vivos, com predomínio de causas evitáveis, como a hemorragia (33,3%), outras causas (26,4%), hipertensão (15,3%), aborto (11,1%), infecção (8,3%) e puerpério (5,6%). A mortalidade materna é um problema de saúde pública, que deve ser enfrentado pelas autoridades governamentais.

mortalidade; mortalidade materna; saúde da mulher


El objetivo de este estudio es conocer e identificar las causas de muerte materna, los datos fueron obtenidos en el Comité de Estudio y Prevención de Muerte Materna de Ribeirão Preto y certificados de defunciones. Es un estudio exploratorio, en el que fueron analizados 72 defunciones maternas ocurridas en Ribeirão Preto, durante el período de 1991 a 1995. En 1995 el coeficiente de mortalidad materna es de 60,3 en cada 100.000 nacidos vivos en 1995, con predominio de causas evitables, como la hemorragia (33,3%), otras causas (26,4%), hipertensión (15,3%), aborto (11,1%), infección (8,3%) y puerperio (5,6%). La mortalidad materna es un problema de salud pública que debe ser enfrentado por las autoridades gubernamentales.

mortalidad; mortalidad materna; salud de la mujer


This study aims at learning about and identifying the causes leading to maternal death. Data were obtained from the Ribeirão Preto Committee for Studies and Prevention of Maternal Death and from obituaries. It is an exploratory study in which 72 maternal deaths occurring in Ribeirão Preto were analyzed from 1991 to 1995. In 1995, the maternal death rate was 60.3 in 100,000 births, with the predominance of avoidable causes, such as hemorrhage (33.3%), other causes (26.4%), hypertension (15.3%), abortion (11.1%), infection (8.3%) and puerperium (5.6%). Maternal death is a public health problem which must be faced by government authorities.

mortality; maternal mortality; women's health


Artigo Original

ANÁLISE DA MORTALIDADE MATERNA DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO-SP - NO PERÍODO DE 1991 A 19951 1 Pesquisa apresentada no VI Colóquio Pan-Americano de Investigação em Enfermagem, organizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 19 a 22/5/1998 2 Doutor em Enfermagem, Enfermeira da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. E-mail: mariadasdores@uol.com.br 3 Professor Doutor em Enfermagem e orientadora do Programa de Doutoramento em Enfermagem do Programa Interunidades da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem

Maria das Dores do Vale Oba2 1 Pesquisa apresentada no VI Colóquio Pan-Americano de Investigação em Enfermagem, organizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 19 a 22/5/1998 2 Doutor em Enfermagem, Enfermeira da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. E-mail: mariadasdores@uol.com.br 3 Professor Doutor em Enfermagem e orientadora do Programa de Doutoramento em Enfermagem do Programa Interunidades da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem

Maria Solange Guarino Tavares3 1 Pesquisa apresentada no VI Colóquio Pan-Americano de Investigação em Enfermagem, organizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 19 a 22/5/1998 2 Doutor em Enfermagem, Enfermeira da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. E-mail: mariadasdores@uol.com.br 3 Professor Doutor em Enfermagem e orientadora do Programa de Doutoramento em Enfermagem do Programa Interunidades da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem

O objetivo deste estudo foi conhecer e identificar as causas de morte materna. Os dados foram obtidos junto ao Comitê de Estudos e Prevenção de Morte Materna de Ribeirão Preto e atestados de óbitos. É um estudo exploratório, onde foram analisados 72 óbitos maternos, ocorridos em Ribeirão Preto, durante o período de 1991 a 1995. Em 1995 o coeficiente de mortalidade materna foi de 60,3 por 100.000 nascidos vivos, com predomínio de causas evitáveis, como a hemorragia (33,3%), outras causas (26,4%), hipertensão (15,3%), aborto (11,1%), infecção (8,3%) e puerpério (5,6%). A mortalidade materna é um problema de saúde pública, que deve ser enfrentado pelas autoridades governamentais.

UNITERMOS: mortalidade, mortalidade materna, saúde da mulher

ANALYSIS OF MATERNAL MORTALITY IN THE MUNICIPALITY OF RIBEIRÃO PRETO-SP FROM 1991 TO 1995

This study aims at learning about and identifying the causes leading to maternal death. Data were obtained from the Ribeirão Preto Committee for Studies and Prevention of Maternal Death and from obituaries. It is an exploratory study in which 72 maternal deaths occurring in Ribeirão Preto were analyzed from 1991 to 1995. In 1995, the maternal death rate was 60.3 in 100,000 births, with the predominance of avoidable causes, such as hemorrhage (33.3%), other causes (26.4%), hypertension (15.3%), abortion (11.1%), infection (8.3%) and puerperium (5.6%). Maternal death is a public health problem which must be faced by government authorities.

KEY WORDS: mortality, maternal mortality, women's health

ANÁLISIS DE LA MORTALIDAD MATERNA DEL MUNICIPIO DE RIBEIRÃO PRETO-SP - EN EL PERÍODO DE 1991 A 1995

El objetivo de este estudio es conocer e identificar las causas de muerte materna, los datos fueron obtenidos en el Comité de Estudio y Prevención de Muerte Materna de Ribeirão Preto y certificados de defunciones. Es un estudio exploratorio, en el que fueron analizados 72 defunciones maternas ocurridas en Ribeirão Preto, durante el período de 1991 a 1995. En 1995 el coeficiente de mortalidad materna es de 60,3 en cada 100.000 nacidos vivos en 1995, con predominio de causas evitables, como la hemorragia (33,3%), otras causas (26,4%), hipertensión (15,3%), aborto (11,1%), infección (8,3%) y puerperio (5,6%). La mortalidad materna es un problema de salud pública que debe ser enfrentado por las autoridades gubernamentales.

TÉRMINOS CLAVES: mortalidad, mortalidad materna, salud de la mujer

INTRODUÇÃO

A mortalidade materna é um dos mais fiéis e importantes indicadores de saúde de um povo. Estima-se que a cada ano ocorram no mundo meio milhões de mortes maternas, sendo que mais de 99% delas ocorrem nos países do terceiro mundo. Na América Latina morrem anualmente em torno de 30 000 mulheres por complicações da gravidez, parto e puerpério(1).

A morte de mulheres durante a gestação e/ou puerpério por causas direta ou indiretamente ligadas á gravidez (morte materna) representa enorme parcela de óbitos em adultos em todo mundo, especialmente nos países subdesenvolvidos da África, América Latina e, neste principalmente o Brasil(2).

O sistema de saúde implantado no Brasil tem mostrado um quadro extremamente desanimador, caracterizado pela ineficácia e/ou ineficiência de atendimento, inadequado às necessidades da população e com insuficiência de recursos materiais, humanos e financeiros. A assistência está concentrada nos hospitais em detrimento do serviço preventivo de saúde(3).

Pode-se dizer que a assistência pré-natal é um fator importante na redução da mortalidade materna e perinatal, visto que, muitas patologias no período gravídico-puerperal podem ser tratadas e/ou controladas, evitando efeitos danosos. É preciso lembrar também que um pré-natal bem feito, certamente, orientará no sentido de se evitar problemas específicos do parto ou mesmo cuidados imediatos do recém-nascido, além daqueles do período puerperal.

Observa-se que a reorganização da assistência à saúde da mulher após a municipalização em Ribeirão Preto sofreu modificações em decorrência da dinâmica da política de saúde vigente no município, ou seja, centralizadora, um modelo assistencial que é de pronto atendimento e que tem ação central à consulta médica, com reconhecimento individual dos problemas e a solução dada pela prática médica, essencialmente curativa(4).

O motivo da procura das gestantes a estas Unidades Básicas Distritais de Saúde refletiu a necessidade de manutenção de sua saúde e do concepto, assim como, a possibilidade de utilizar toda a tecnologia disponível, para este tipo de assistência pré-natal (ultra-sonografia, cardiotocografia, laboratório de análise clínica etc.). As Mulheres buscam assistência na rede pública de saúde responsável em prestar assistência de qualidade e integral, não só no que diz respeito ao ciclo reprodutivo, mas a todo ciclo vital(5).

Entretanto estas mulheres deparam-se com um atendimento, que consolida a assistência médica como prática hegemônica, onde as consultas são ligadas basicamente às queixas e condutas, na realização dos exames físicos e tocoginecológicos e à solicitação de exames complementares, não havendo tempo nem espaço para fala e/ou questionamento destas mulheres. O atendimento é mais ritualístico do que preventivo ou resolutivo(6).

Pesquisas envolvendo a morte materna devem ser estimuladas principalmente em países como o Brasil que apresenta índices de mortalidade absurdamente altos, mesmo quando comparado com países menos desenvolvidos economicamente. Certamente o primeiro passo para que se possa desenvolver uma política adequada de combate à mortalidade materna é o conhecimento correto de suas causas e de sua magnitude(7).

O coeficiente de mortalidade materna(CMM) é internacionalmente reconhecido como parâmetro confiável, entre outros índices de avaliação da saúde pública, porém inexplicavelmente é quase desconhecido entre nós.

As elevadas cifras de óbitos maternos são decorrentes das causas obstétricas diretas em nosso meio, o que torna imprescindível o estudo das características destes óbitos, a fim de que sejam adotadas medidas que possam reduzir a sua incidência(8).

O OBJETIVO deste estudo é conhecer e identificar as causas que levaram a morte materna, tendo como base a investigação dos óbitos maternos ocorridos em Ribeirão Preto, através dos dados obtidos junto ao Comitê de Estudo e Prevenção de Morte Materna e Declarações de Óbitos.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO

Este trabalho é um estudo exploratório, onde foram analisados 72 declarações de óbitos maternos ocorridos em Ribeirão Preto, no período de 1991 a 1995.

A população geral do município de Ribeirão Preto, com base nos dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) de 1995, é de 450.995 habitantes, sendo que 99% residem na zona urbana. O sexo feminino é representado por 232 576 habitantes (52%).

Verifica-se que, no ano de 1995, ocorrem 11 431 nascimentos, com um coeficiente de natalidade geral de 18,62%. O maior número de nascimentos ocorreu no setor norte do município 3 758, seguido pela região oeste com 2 681 nascimentos, conforme dados obtidos na Divisão de Informática da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. De acordo com o censo do IBGE de 1991, o setor norte da cidade é o que concentra maior população 179 849, seguida da região oeste com 135 509 habitantes.

De acordo com os dados obtidos na Divisão de Informática da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, a cidade está dividida em cinco Distritos de Saúde; a rede municipal é composta por cinco Unidades Básicas Distritais de Saúde (UBDS) e vinte duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), três núcleos de assistência à saúde mental e um ambulatório regional de especialidades (NGA-59).

No ano de 1995 foram realizadas 96 106 consultas na especialidade de ginecologia e obstetrícia. Não foi possível identificar quantas consultas eram de pré-natal. Foram realizados 11.431 partos, sendo 54% cirúrgicos (cesária),43% normais e 2% fórceps e 1% ignorado, segundo dados obtidos junto a Divisão de Informática da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto.

RESULTADOS

Os resultados da análise dos 72 óbitos maternos, ocorridos em Ribeirão Preto no período de 1991 a 1995, estão apresentados nos gráficos e tabelas abaixo descritos.

Os números anuais de óbitos oscilam entre nove a dezoito, sendo que as mulheres, residentes na cidade de Ribeirão Preto, representaram 27% a 47% dos óbitos maternos no período de 1991 a 1995, conforme observa-se na Tabela 1.

Observa-se preenchimento inadequado das declarações dos óbitos maternos, mesmo nos campos das declarações, em que o profissional médico só tenha necessidade de assinalar. Em conseqüência deste fato, não foi possível obter dados referentes ao número de filhos, duração da gestação, etc.

Constata-se que o grau de instrução predominante é o fundamental, ou seja, 44,4%. Observa-se também que, em 55,6% das declarações, não consta esta informação. A ocupação predominante destas mulheres é do lar em 73,6%; apenas 26,4% destas trabalham fora de casa, sendo 50% trabalham como domésticas. Com relação ao estado civil das mulheres que foram à óbito observa-se predomínio de casadas (54%), solteiras (32%), viúvas (3%), desquitadas (1%), ignorados (4%) e não consta (6%).

As dificuldades com relação aos dados de mortalidade materna começam na interpretação dos atestados de óbitos. Percebe-se uma tendência ao descuido no preenchimento destes certificados, que muitas vezes são tratados como mera ocorrência formal. A negligência dos que os assinam falseia os resultados oficiais(9).

Uma dificuldade apontada para desenvolvimento do trabalho do Comitê de Morte Materna foi a piora na qualidade do preenchimento das declarações. Cita ainda que não se pode descartar a possibilidade de uma piora gradativa na qualidade dos profissionais envolvidos no preenchimento da declaração de óbito(10).

As mortes maternas representam a 8ª causa de óbitos em mulheres de 10 a 49 anos, conforme o artigo "A absurda mortalidade materna", publicado em Medicina Conselho Federal(11). Os óbitos maternos ocorridos em Ribeirão Preto, observa-se que estes ocorreu na faixa de 13 a 45 anos, com predomínio na faixa etária de 20 a 34 anos (67%). O dado obtido na pesquisa é semelhante ao obtido na investigação da mortalidade materna no município de São Paulo(12), que relata concentração de óbitos maternos na faixa etária entre 20 e 34anos (67,5%). No estudo realizado na Maternidade Dona Evangelina Rosa(8) foi de 20 a 30 anos (57,14%), conforme Figura 1.


A mortalidade materna, conjuntamente com a mortalidade perinatal, traduz a eficácia dos serviços de saúde, avaliando o acesso ao sistema, a freqüência ao pré-natal e a assistência ao parto e puerpério. Esperar-se-ia que, quanto melhor equipado e estruturado o serviço de saúde de um determinado local, menor seriam seus índices de mortalidade materna(13).

Ao invés disso, o Brasil possui uma situação paradoxal, isto é, hospitais de nível terciário, a exemplo do Hospital São Paulo (Universidade Federal de São Paulo), apresentam elevados coeficientes de mortalidade materna, em razão de serem centros de referência em um sistema de péssima qualidade, destroçado pela crônica falta de recursos e de planejamento, onde não existe adequada distribuição no atendimento primário e secundário(13).

Além disso, observa-se a falta de um sistema hierarquizado de saúde, fazendo com que os centros de atendimentos primários não tenham outra alternativa, a não ser encaminhar os casos mais graves para hospitais que teoricamente teriam melhor capacidade de resolução(13).

Na investigação da mortalidade materna no município de São Paulo verifica-se que a maioria dos óbitos maternas ocorrem dentro do ambiente hospitalar. Salienta-se que o maior número de partos, na capital paulista ocorrem na rede privada/conveniada(12).

Nos hospitais universitários onde teoricamente havia melhor capacidade de resolução, observa-se um retardamento adicional e a utilização de esquemas terapêuticos, muitas vezes absurdos, além da subestimação de sinais e sintomas clínicos, claramente relacionados com situações de emergência, contribuindo desta forma para ocorrência de morte materna(13).

Em Ribeirão Preto, o Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresenta a maior concentração de mortes maternas, conforme Figura 2.


Observou-se que 44,6% das declarações de óbitos analisadas não dispõem de dados referentes ao momento em que ocorreu a morte materna. Entretanto, nas declarações em que há o preenchimento destes dados, observa-se que 52% dos óbitos maternos/residentes em Ribeirão Preto ocorrem no momento do parto, conforme Figura 3.


Com relação ao tipo de parto, a investigação realizada na Maternidade Dona Evangelina Rosa(8), aponta que a operação cesariana foi realizada em 60% das pacientes e constituiu-se na forma predominante de resolução da gravidez. Dados da literatura têm demonstrado que a operação cesariana constitui-se em importante fator de risco para óbitos maternos.

Das declarações analisadas do município Ribeirão Preto, observa-se que em 65% delas não constam informação referentes ao tipo de parto. Entretanto, nas declarações completas, constata-se que 34% dos partos foram cesariana, conforme Figura 4.


Em pesquisa realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre observa-se que, dos óbitos maternos registrados, 54,4% foram em pacientes submetidas à cesariana. Tiveram como causa diretamente relacionada ao ato operatório/anestésico (48%), infecção pós-cesariana (35%), acidente anestésico (10%), hemorragia (7%). Verifica-se um risco relativo de morte associado ao procedimento cirúrgico é 28 vezes maior, em pacientes submetidas à cesariana(1).

Em Ribeirão Preto, devido à baixa qualidade no preenchimento da declaração do óbito materno, não foi possível se constar a duração da gestação, pois em apenas quatro (5,6%) das setenta e duas declarações analisadas constavam informação sobre a duração da gestação; estas, apresentaram uma variação de 28 a 37 semanas.

A investigação realizada na Maternidade Dona Evangelina Rosa(8) mostra que a grande maioria dos óbitos maternos ocorreram na segunda metade da gestação (96,43%), sendo que quase 40% do total, nesta pesquisa, ocorreu em mulheres com idade gestacional superior a 37 semanas.

Alguns avanços podem ser apontados em relação à assistência pré-natal em Ribeirão Preto: a proximidade da Unidade Básica Distrital de Saúde, ampliação da estrutura física e de recursos humanos, aquisição de aparelho de ultra-sonografia e cardiotocografia, a implantação da carteira de gestantes e da central de vagas para a área da obstetrícia(14).

Estes avanços, foram possíveis, sem dúvida, graças ao processo de descentralização desencadeado nos últimos dez anos, "em várias áreas da administração pública brasileira e na saúde, principalmente a partir do Plano CONASP (Conselho de Saúde Previdenciária) e da estratégia das Ações Integradas de Saúde-AIS, elevando o município, ao principal papel de coordenador do processo de integração interinstitucional e posteriormente de responsável pela gestão de serviços públicos que atendessem às necessidades de saúde de seus munícipes. De certa forma, este processo traz à tona uma problemática fundamental que diz respeito à forma como os serviços de saúde do município são organizados e ofertados à população"(7).

Além das questões assinaladas acima, "é neste processo de (trans)formação que uma nova organização tecnológica do processo de trabalho em saúde se conforma e onde se fazem presentes: a necessidade de maior autonomia e poder decisório nas unidades prestadoras de assistência à saúde; a organização e administração de recursos humanos não mais vistos como meros insumos, mas como agentes sociais necessários a mudar o tom do fazer saúde; a presença de profissionais de saúde em maior número e com maior diversidade em sua origem profissional; maior complexidade tecnológica; a busca da integralidade da assistência; a presença da população nas decisões da saúde, com a constituição das Comissões Locais de Saúde"(7).

Apesar destes avanços, não foi possível nestes anos estabelecer uma referência hospitalar e/ou a contra-referência nos diversos níveis deste sistema de saúde. Observa-se a falta de integração entre o período pré-natal, parto e puerpério(15).

Na investigação realizada no serviço de saúde municipal de Ribeirão Preto(16), constata-se um perfil de mulheres que utilizam estas Unidades Básicas Distritais de Saúde de baixa escolaridade (71% com primário incompleto), renda familiar de dois a quatro vezes o salário mínimo em 64% e nenhum tipo de convênio médico. Portanto, elas dependem única e exclusivamente do Sistema Único de Saúde para o acompanhamento pré-natal, resolução do seu parto e seguimento no puerpério.

Dessa forma, essas mulheres estarão mais propensas à morbi-mortalidade materna, uma vez que esta é um reflexo e sofre influência de fatores sócio-econômicos como a escolaridade e a renda familiar, somados à falta de referência hospitalar para resolução do parto.

Nos países desenvolvidos, onde a população apresenta padrão sócio-econômico satisfatório, com melhor estruturação dos sistemas de saúde e, conseqüentemente, de melhor assistência pré-natal às gestantes, os índices de mortalidade materna mostram-se sensivelmente inferiores aos verificados em países subdesenvolvidos(8).

Apesar dos avanços do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, observa no Brasil um coeficiente de mortalidade materna de 141 por 100 000 nascidos vivos em 1990, que poderiam ser evitadas. As causas de óbito foram: toxemias (33%), hemorragias (21%), infecções (17%), outras causas (17,3%) e aborto (9,7%)(17).

No Canadá este coeficiente é de 4 por 100 000 nascidos vivos(17). De acordo com o artigo "A absurda mortalidade materna", publicado em Medicina Conselho Federal(11) o coeficiente de mortalidade materna na Argentina é de 50 por 100 000 nascidos vivos, nos EUA 10 por 100 000 nascidos vivos, na Holanda 6 por 100.000 nascidos vivos, em Cuba 7 por 100.000 nascidos vivos; no Brasil o índice está em 150 por 100.000 nascidos vivos, enquanto que no Canadá, o coeficiente é de 3 por 100 000 nascidos vivos.

No Estado de São Paulo o coeficiente de mortalidade materna é de 53,7 por 100 000 nascidos vivos, em 1990 e em 1995 é de 46,3, segundo a Fundação Sistema de Análise de Dados do Estado de São Paulo(SEADE).

Nas regiões mais pobres do Estado de São Paulo, como Botucatu, o índice de mortalidade materna está em torno de 180 por 100 000 nascidos vivos(2).

Em Ribeirão Preto, este coeficiente de mortalidade materna foi de 60,3 por 100 000 nascidos vivos, em 1995, segundo dados do Comitê de Estudo e Prevenção de Morte Materna, conforme Tabela 2.

A morte materna, nos países em desenvolvimento, é como uma epidemia silenciosa. É um problema de Saúde Pública não só pela sua magnitude, mas porque 90% das causas de mortes, durante o ciclo gravídico-puerperal, são evitáveis(2). Em Ribeirão Preto também podemos observar este quadro, onde 68% destas mortes maternas são decorrentes de causas evitáveis, sendo as principais: hemorragias (33,3%), outras causas (26,4%), hipertensão (15,3%), aborto (11,1%), infeções (8,3%) e puerpério (5,6%), conforme Figura 5.


Os dados encontrados são compatíveis com os obtidos na análise da mortalidade materna realizada no Centro Médico Universitário de Botucatu(2) e do artigo "A absurda mortalidade materna" publicado em Medicina Conselho Federal(11), ou seja, as principais causas de morte materna são as hemorragias, as infecções, a hipertensão, aborto, etc.

Na pesquisa realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre consta que as principais causas de morte materna foram a hipertensão arterial (24%), a infecção pós-cesárea (19%), o aborto séptico (9%), a AIDS (3,5%) e outras causas (53,5%)(1).

Dados da Fundação Sistema de Análise de Dados do Estado de São Paulo (SEADE) em 1995, demonstram que 66,7% dos óbitos maternos são de causas diretas, 22,2% causas indiretas e 11,1% abortos. Os principais grupos foram: hipertensão (20,6%), parto normal e complicações que ocorrem durante o trabalho de parto e o parto (18,7%), aborto (11,1%), outras afecções existentes na mãe (17,8%), outras categorias (15,9%) e hemorragia (6,0%) e complicações do puerpério (9,8%).

O predomínio das causas diretas reflete o padrão inadequado da assistência dispensada às gestantes e a necessidade da adoção de medidas urgentes que visem a melhoria na assistência e, por conseguinte, a prevenção da mortalidade materna(8).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre aponta para a necessidade de empreender-se um grande esforço na disseminação e melhoria da assistência pré-natal, principalmente dando-se ênfase na identificação precoce dos casos de doença hipertensiva específica da gestação e no estabelecimento de um sistema eficiente de referência e contra-referência entre os diversos níveis de complexidade do atual sistema de saúde(1).

Com o trabalho desenvolvido por cada comitê regional, os índices coletados foram altíssimos, representando em algumas regiões mais de vinte vezes os valores observados em países desenvolvidos(8).

Apesar dos dados obtidos terem sido comunicados aos órgãos competentes, como previamente propostos, assim como as causas no estabelecimento deste quadro e, em pelo menos um caso, terem sido sugeridas modificações pertinentes, não se tem notado significativos avanços que modifiquem os números relatados(2).

É fundamental compreender que uma mulher não deve morrer por complicações devidas ou pioradas pela gravidez ou parto. A mortalidade materna é um problema de saúde pública que deve ser enfrentado, principalmente nos países subdesenvolvidos, com medidas de caráter geral, como a organização de pré-natal efetivo, o estabelecimento de sistema de referência hospitalar e amplas discussões sobre planejamento familiar(18).

Compete as autoridades governamentais da área da saúde viabilizarem reestruturações dos serviços do Sistema Único de Saúde, com o objetivo de dar resolutividade a este desafio, demonstrando uma resposta efetiva aos problemas de saúde mais freqüentes na gestação, ou seja, proporcionando melhor qualidade na assistência à gravidez, ao parto e puerpério.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Recebido em: 8.6.1998

Aprovado em: 10.4.2001

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  • 1
    Pesquisa apresentada no VI Colóquio Pan-Americano de Investigação em Enfermagem, organizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 19 a 22/5/1998
    2
    Doutor em Enfermagem, Enfermeira da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. E-mail:
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    Professor Doutor em Enfermagem e orientadora do Programa de Doutoramento em Enfermagem do Programa Interunidades da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Maio 2001

    Histórico

    • Aceito
      10 Abr 2001
    • Recebido
      08 Jun 1998
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