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ASSISTÊNCIA AO PARTO NORMAL NO DOMICÍLIO

ATENCIÓN DEL PARTO NORMAL EN CASA

CARE TO NATURAL HOME DELIVERY

Resumos

Trata da experiência vivenciada por uma enfermeira obstetra com um casal grávido de seu terceiro filho. Destaca os modelos assistenciais que valorizam a mulher e o casal no processo do nascimento e parto. Descreve a assistência prestada a um casal durante o processo da gestação e parto realizado no domicílio. Ressalta que a experiência possibilitou a participação ativa do casal e filhos no processo do nascimento e parto, propiciando, fundamentalmente, satisfação à família e ao profissional.

parto domiciliar; enfermeiras obstétricas


Este estudio trata de la experiencia vivida por una enfermera obstétrica con una pareja esperando su tercero hijo. Destaca los modelos asistenciales que valorizan la mujer y la pareja en el proceso del nacimiento y parto. Describe la atención prestada a una pareja durante el proceso de la gestación y parto realizado en la casa. Resalta que la experiencia hizo posible la participación activa de la pareja y de los hijos en el proceso del nacimiento y parto, propiciando fundamentalmente, satisfacción a familia y al profesional.

parto domiciliario; enfermeras obstétricas


This study presents the experience of an obstetric nurse and of a couple who had their third child. It focuses on care standards that value women and couples in the childbirth and delivery process. It describes the care given to a couple during the pregnancy stage and during home delivery. The experience enabled the active participation of the couple and their children in the childbirth process, which essencialy provided satisfaction to the family and to the professional.

home delivery; obstetric nurses


Artigo de Atualização

ASSISTÊNCIA AO PARTO NORMAL NO DOMICÍLIO

Rejane Marie Barbosa Davim1 1 Enfermeiro, Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e-mail: rejanemb@uol.com.br; 2 Enfermeira, Professor Adjunto. Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Rejane Maria Paiva de Menezes2 1 Enfermeiro, Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e-mail: rejanemb@uol.com.br; 2 Enfermeira, Professor Adjunto. Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Trata da experiência vivenciada por uma enfermeira obstetra com um casal grávido de seu terceiro filho. Destaca os modelos assistenciais que valorizam a mulher e o casal no processo do nascimento e parto. Descreve a assistência prestada a um casal durante o processo da gestação e parto realizado no domicílio. Ressalta que a experiência possibilitou a participação ativa do casal e filhos no processo do nascimento e parto, propiciando, fundamentalmente, satisfação à família e ao profissional.

DESCRITORES: parto domiciliar, enfermeiras obstétricas

CARE TO NATURAL HOME DELIVERY

This study presents the experience of an obstetric nurse and of a couple who had their third child. It focuses on care standards that value women and couples in the childbirth and delivery process. It describes the care given to a couple during the pregnancy stage and during home delivery. The experience enabled the active participation of the couple and their children in the childbirth process, which essencialy provided satisfaction to the family and to the professional.

KEY WORDS: home delivery, obstetric nurses

ATENCIÓN DEL PARTO NORMAL EN CASA

Este estudio trata de la experiencia vivida por una enfermera obstétrica con una pareja esperando su tercero hijo. Destaca los modelos asistenciales que valorizan la mujer y la pareja en el proceso del nacimiento y parto. Describe la atención prestada a una pareja durante el proceso de la gestación y parto realizado en la casa. Resalta que la experiencia hizo posible la participación activa de la pareja y de los hijos en el proceso del nacimiento y parto, propiciando fundamentalmente, satisfacción a familia y al profesional.

DESCRIPTORES: parto domiciliario, enfermeras obstétricas

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza medidas que a mulher, em trabalho de parto deverá ter suporte emocional e atenção à saúde com o mínimo de internações necessárias. Essas medidas têm por finalidade o impacto significativo na dor do parto, ressaltam a diminuição do uso de medicação e analgesia, um trabalho de parto mais curto e índices mais baixos de cesáreas. Entretanto, estamos longe de incorporar essas recomendações pois nosso modelo assistencial de saúde tem negligenciado os benefícios de resguardar o processo de nascimento normal, haja vista que as condições em que se realizam esses nascimentos e partos, hoje, no Brasil, são trágicas. Tudo isto é evidenciado, não apenas pela qualidade técnica dispensada à gestação, ao parto e ao puerpério, porém, por altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal, como também pela indiscriminada transformação do nascimento e parto em fenômeno patológico, totalmente medicalizado, não deixando brechas para a realização social da família e da sociedade, enquanto evento existencial e psicológico para o binômio mãe-filho.

Presenciamos, porém, em nossas maternidades, mulheres separadas de seus companheiros ou acompanhantes, confrontando-se com um ambiente estranho, não dominando a linguagem técnica recebidas freqüentemente com hostilidade por profissionais mal remunerados e que trabalham em condições de estresse. Esses fatores podem contribuir, de certa forma, para o surgimento de complicações no trabalho de parto como as distócias funcionais e feto-anexiais. Há, também, o uso indiscriminado de ocitócitos, freqüente, quando não rotineiro, em nossas maternidades, contribuindo também para aumentar a dor e o desconforto nas mulheres em trabalho de parto(1-2).

Essa visão de parto e nascimento está iluminada pelo pensamento cartesiano que se consolidou como verdade paradigmática, influenciando todas as áreas e especializações do pensamento e, entre elas, a medicina e a enfermagem. Esse pensamento foi o fio condutor do fazer científico racionalista de mundo mecanicista cartesiano, onde o homem é visto como uma máquina, vislumbrando, então, o modelo médico de assistência. Em nível assistencial, o Brasil adotou o modelo americano de assistência ao parto caracterizado pelo processo intervencionista, buscando sua institucionalização, adaptando-se cada vez mais as novas tecnologias, incorporando-as ao grande número de intervenções e apoiando-se no enfoque de risco. É necessário, portanto, a retomada da prática do parto normal humanizado, com a redescoberta do paradigma da integridade vendo a mulher de uma maneira holística e o parto como um evento fisiológico. A parturiente deve ser acompanhada por pessoal devidamente capacitado, para que as intervenções ocorram quando necessárias e não como rotinas, privilegiando o bem-estar da parturiente e do concepto, tentando não utilizar métodos invasivos. Esse modelo de assistência é mais afeito às enfermeiras, que atuam dentro de uma visão mais humana e holística(3).

Através desse modelo, a mulher pode "dar à luz" em instituições que aparentem o ambiente familiar, de preferência com a presença de um acompanhante, onde a mesma tenha o direito de escolher qual a melhor posição para o seu parto. Este é um modelo de incentivo para que enfermeiras obstetras acompanhem o processo do parto, só solicitando avaliação médica quando necessária, no caso de alguma alteração identificada. O que podemos observar, entretanto, é que na maioria dos serviços de saúde, essa assistência está direcionada exclusivamente para a mãe-filho, pouco estimulando-se a relação pai-filho, quando na verdade toda a família deveria receber uma assistência voltada para o holismo(4).

Muito importante também para a gestante ou para o casal grávido é a comunicação interpessoal na dimensão definidora da qual nos tornamos humanos. A comunicação interpessoal é um processo humanitário que envolve adaptação e ajustes contínuos entre dois ou mais seres humanos comprometidos em interações face a face(5).

Na Conferência sobre Tecnologia Apropriada para Nascimento e Parto realizada em Fortaleza/CE, a OMS recomendou que as técnicas de comunicação devem ser incluídas no treinamento dos profissionais de saúde para promover a sensível troca de informações entre esses profissionais, gestantes e familiares; que a equipe responsável pelo nascimento e parto deve ter como objetivo maximizar nascimentos saudáveis, promover a saúde perinatal, a relação custo-afetividade e o atendimento às necessidades e aos desejos da comunidade(6). Dessa forma, ser humanizado significa ser consciente das características únicas de ser humano, onde humanizar é tornar-se humano como também é dar condição humana(7). É importante afirmar que o "movimento humanista estuda a natureza humana, rejeita a visão mecanicista e reducionista (fragmentação do homem), compreendendo o homem de forma integra" (8).

Assim, este relato se justifica à medida que oferece uma reflexão quanto ao parto normal no domicílio e desperte a atenção dos enfermeiros obstetras para uma assistência mais humanizada à parturiente. Denota-se, ainda, significativa relevância no campo da enfermagem e da equipe de saúde, uma vez que representa uma possibilidade de contribuição ao trabalho com mulheres em idade fértil. Considerando que a humanização da assistência está relacionada a um modelo de assistência humanizada com vistas a uma maternidade segura na prestação de cuidados básicos, que tem como objetivo o parto normal humanizado e seguro, esperamos que este trabalho seja um componente essencial e de interesse da equipe multiprofissional, como da própria instituição. Esperamos, ainda, que subsidie a implementação de uma assistência mais humanizada ao parto fazendo com que a mulher, ao parir, consiga atingir o mais alto grau de satisfação. Para tanto, temos como objetivos descrever e divulgar um parto normal seguro e humanizado realizado no domicílio, com a participação ativa de um pai no processo do nascer de sua filha.

REVISÃO DA LITERATURA

Sendo a gravidez um processo natural envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e sociais, é uma fase de grandes transformações no corpo e na vida emocional da grávida, onde o grau de adaptação a essas mudanças vai influenciar no seu nível de ansiedade.

O parto é considerado como um processo psicossomático, onde o comportamento da gestante ou parturiente vai depender, além da própria evolução do trabalho de parto, do nível de informação da mulher, sua história pessoal, contexto sócio-econômico, personalidade, simbolismo. É vivido como uma realidade distante que encerra risco, irreversibilidade e imprevisibilidade que nunca podemos prever se vai transcorrer normalmente ou se vai surgir complicações. Estas situações podem ser vivenciadas pela mulher de forma tranqüila ou não, dependendo de sua adaptação(9-10).

O parto representa ainda, "uma transição importante na vida da mulher e da família, um momento em que necessita de apoio e compreensão para poder enfrentar o mais naturalmente possível o trabalho de parto e o parto, sabendo que pode e deve dele participar ativamente, obtendo assim, conforto físico e psíquico"(11).

O parto, para o homem, constitui um momento de intensas emoções, possibilitando a primeira aproximação direta do pai com o filho sem intermediações da mulher, condição necessária durante a gestação, onde o feto está incorporado ao esquema corporal da mãe. Sabemos, no entanto, que poucas são as instituições públicas onde o pai pode acompanhar sua companheira durante o trabalho de parto, parto e nascimento, apesar dos profissionais da área da saúde discutirem que a assistência à mulher é voltada para uma visão holística que inclui o emocional, o social e o contexto familiar(12). Na nossa cultura, pouco sabemos a respeito do pai, como também de seus sentimentos com relação ao ciclo grávido-puerperal de sua companheira(4).

A presença do pai na sala de parto não é uma questão que se resolva passando-se uma receita simplesmente, mas que essa presença possa desempenhar um papel importante na relação do conjunto mãe-filho. Essa relação também é importante com o obstetra, onde, nesse conjunto amplo, o pai é parte atuante aumentando a naturalidade e inspirando segurança para a companheira num momento de felicidade e também de medo. Normalmente, quando há por parte do companheiro um grande desejo em participar do parto e que algumas dificuldades como o ambiente, as normas hospitalares, a inibição da mãe ou outros motivos o impeçam, devemos contornar através de um preparo anterior, não devendo simplesmente ser-lhe negado esse direito(13).

Assim sendo é imprescindível que os profissionais de enfermagem reflitam sobre as vantagens e desvantagens de cada tipo de parto, sobre as condições mais humanas e seguras para o nascimento de uma criança, analisando a forma de atendimento que é oferecida à mulher nos serviços de saúde. Sabemos, também, que o parto pode acontecer em qualquer lugar, como em um táxi, na rua, em uma repartição, entre outros. Porém, na grande maioria das vezes, o parto fora da maternidade acontece no domicílio, o que poderá ocorrer por várias razões: pela falta de recursos econômicos, ausência de hospital ou a distância deste que, em algumas situações, impedem o seu acesso e realização ou mesmo por opção, pois algumas pessoas acreditam ser esta a maneira mais natural de dar à luz.

Os partos no domicílio parecem ser mais uma questão de escolha pessoal, onde esse tipo de parto com recursos e uma infra-estrutura adequada é uma boa opção do ponto de vista emocional da família. Porém, em locais que não existam condições essenciais, o nascimento de uma criança torna-se mais seguro e indicado no ambiente institucional(14).

Na Holanda, o parto no domicílio é comum, onde qualquer mulher que não apresente sinais de dificuldades durante o pré-natal pode ter seu bebê em casa. Da mesma forma, na Inglaterra, grande parte das mulheres têm seus bebês no domicílio acompanhadas por enfermeiras Midwives*. Essas mulheres fazem opção por esse modelo de assistência ao parto justamente por ficarem junto a seus familiares, como também por terem tido um pré-natal de baixo risco(15).

No Brasil, a importância desse relacionamento tem sido observada em várias instituições com programas de humanização ao parto, com resultados expressivos. A Maternidade Darcy Vargas, em Joinville/SC, conta com um serviço de humanização ao parto, à qual oferece curso pré-parto para o casal, banheira térmica e banco de leite. Outras, como a Casa de Parto Nove Luas, Lua Nova em Niterói/RJ, Maternidade Leila Diniz no Rio de Janeiro/RJ, o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher em Campinas, Sapopemba em São Paulo entre outras, estão igualmente empenhadas em projetos que visam humanizar o atendimento à gestante e estimular a realização do parto normal(16).

Um projeto que alcançou grande destaque com o parto humanizado foi o Projeto Luz em Fortaleza/CE através do Projeto JICA, no período compreendido entre 1996 e 2000, atuando em cinco áreas piloto do município. Seu objetivo era o de melhorar as condições de saúde da região Nordeste do Brasil, tendo, como ponto principal, a criação de circunstâncias onde a mulher pudesse optar pela gravidez, evitar complicações na gestação, acesso à assistência correta ou a cuidados obstétricos de emergência ¾ caso necessitasse ¾ no parto e depois dele, evitando, assim, morte ou complicações na gravidez e no nascimento da criança.

Um outro projeto que segue a linha de assistência humanizada no parto é o Projeto Midwifery que se baseia em novos conceitos e habilidades de atenção à saúde da gestante, parturiente e puérpera, tanto em nível institucional quanto das ações básicas de saúde. Está sendo desenvolvido em Natal/RN desde 1997, tendo como parceiros a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Projeto Pró-Natal, Secretaria Municipal de Saúde de Natal e a University of Bristol e University of the England, ambas em Bristol, na Inglaterra/UK, segundo convênio firmado entre a CAPES e o Conselho Britânico para o período 1998/2003.

A implantação desse projeto se faz necessária, pela tentativa de motivar enfermeiros assistenciais e docentes para a prática nessa área, visando contribuir para a redução da mortalidade materna e perinatal no Estado do Rio Grande do Norte. Essa iniciativa atende às necessidades sentidas nos locais de assistência ao parto, quanto ao envolvimento dos enfermeiros especialistas no cuidado à mulher em todas as fases do ciclo grávido-puerperal, capacitando-os para uma assistência técnico-científica e humanizada na área da obstetrícia. Esse tipo de cuidados maternos através de profissionais especialistas em enfermagem obstétrica, constitui hoje, também no Brasil, uma das metas do Ministério da Saúde, o qual reconhece ser esta uma das medidas mais eficazes para a redução dos riscos na gestação e complicações ou mortes no parto, no país. No Projeto Midwifery, desenvolvido na Maternidade Escola Januário Cicco/UFRN, as parturientes são selecionadas segundo critérios pré-estabelecidos e acordados com a equipe médica e de enfermagem para o atendimento ao parto normal sem distócias, onde a intervenção médica só é realizada quando solicitada pela enfermeira.

MÉTODOS

O caminho percorrido

Este trabalho aborda a assistência obstétrica prestada a uma colega enfermeira, grávida desde o terceiro mês de seu terceiro filho e que desejava dar à luz no seu domicílio. A necessidade primordial era a participação do companheiro na hora do nascimento. Mesmo com a perspectiva de casal grávido concebida em gestações anteriores, não foi permitida a presença do pai na sala de parto durante o nascimento de seus dois primeiros filhos. Como obstáculos foram alegados as rotinas da instituição. Apesar de confiar no saber popular, acreditar nas leituras informativas, nas orientações médicas e de enfermagem, como também por ter acompanhado sua companheira nas consultas pré-natais, não lhe foi permitida essa participação, por não possuir o saber científico na área da saúde. Outro fator que influenciou na decisão do casal para esse tipo de parto foi a confiança que ambos depositavam na competência e experiência da profissional. Essa confiança deveu-se à participação da mesma nos partos anteriores do casal, preterindo a atenção hospitalar, à naturalidade e ao calor de um parto no domicílio.

Durante a evolução da gravidez foram realizados encontros com o casal para orientar o companheiro em sua participação no processo de nascimento de sua filha no domicílio. As perspectivas desses encontros eram o enriquecimento das discussões sobre a gravidez, o trabalho de parto e o parto propriamente dito, bem como estimular o pai quanto às leituras sobre o tema, com a finalidade de facilitar seu aprendizado. Os encontros com o casal e a autora foram no próprio domicílio da gestante, considerando que o companheiro, além de apoiá-la nessa decisão, estava também vivenciando aquele momento único de sua vida e sobre o qual tinha algumas dúvidas. Participavam também da experiência, os dois filhos do casal, na época com seis e quatro anos de idade.

No acompanhamento ao trabalho de parto e ao parto foram observadas manifestações de comportamento da mãe, do companheiro e dos filhos, anotando-se as particularidades de cada situação (reações físicas e emocionais, condições do binômio mãe/filho, início do período expulsivo entre outros). Para isto, a técnica utilizada para a coleta desses dados foi a observação participante, a qual permite ao pesquisador participar do funcionamento do grupo, mantendo um elevado grau de contato e envolvimento com os sujeitos da pesquisa, penetrando no seu ambiente social e compartilhando de suas experiências(17-18). Com base nesse método, a observação participante permitiu à autora a seleção de locais para a observação de comportamentos do casal em lugares diversos, como por exemplo, o ambiente de trabalho ou o próprio domicílio dos participantes. Nesse caso, a observação ocorreu em todos os momentos da experiência vivenciada. Primeiro, durante o período da gravidez no acompanhamento do casal às consultas do pré-natal, no ambiente de trabalho com diálogos sobre a gravidez, o preparo do local para o nascimento, as orientações ao pai quanto a sua atuação no momento do parto. Nesse primeiro momento, foram identificadas as preocupações, interesses, expectativas, percepções, dificuldades, potencialidades e necessidades dos participantes no processo em relação à gestação. Em um segundo momento, durante o trabalho de parto e o parto no domicílio, nas orientações quanto aos exercícios respiratórios, relaxamento muscular, nutrição, repouso, verificação da dinâmica uterina e dos batimentos cárdio-fetais, estímulo à participação ativa do pai e dos filhos nesse processo de nascer no domicílio. Esses momentos ocorreram de maneira espontânea, através de comunicação verbal e não verbal.

Descrevendo o cenário

A família deste estudo sempre residiu em Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte e, durante esta experiência, a mesma, caracterizada como uma família nuclear era composta de pai, mãe e um casal de filhos. Atualmente, o pai com 47 anos de idade e a mãe 43, são católicos e têm instrução superior. O pai é contador e trabalha como autônomo; a mãe é enfermeira e professora universitária. A filha mais velha tem 21 anos e é universitária em informática; o segundo filho, com 19 anos, é universitário em engenharia de materiais. Sua filha mais nova, hoje com 15 anos de idade, cursa o 2º ano colegial e representa o sujeito principal deste relato. Ela é inteligente, bonita, tranqüila, segura de si e aluna destaque no colégio onde estuda.

À medida que a gestação evoluía, a família mostrava-se cada vez mais ansiosa e feliz para a chegada de mais um membro, sendo que dessa vez, todos estariam presentes e participando do momento. As crianças percebiam as mudanças que ocorriam no ambiente familiar e compreendiam o seu significado pelas explicações dadas por seus pais. Suas expectativas aumentavam e elas envolviam-se cada vez mais com a experiência, fazendo com que se sentissem crianças capazes de dar e receber amor.

Com a aproximação do nono mês de gestação propusemos preparação do local para o nascimento do bebê. Todos os componentes dessa família trabalharam nessa atividade, preparando um dos quartos no domicílio para o nascimento da criança. Nesse local foi preparado para o parto, uma pequena cama onde a mãe, ao parir, permaneceu em posição semi-sentada e apoiada por trás pelo companheiro, dando, inclusive, oportunidade para acompanhar o nascimento do bebê. Foi providenciado também um carrinho de mão para colocar o bebê após o nascimento. O material necessário para o parto foi adquirido em uma Maternidade Escola de Natal, local das atividades docente da autora. Esse material era trocado a cada cinco dias, com a finalidade do mesmo não perder sua validade de esterilização no momento do nascimento do bebê.

Vivenciando a gravidez e o parto no domicílio

Meu caminho percorrido junto ao casal grávido foi definido conforme as orientações da médica pré-natalista, onde o período gestacional foi observado sob alguns aspectos. Durante as consultas pré-natais do casal, as orientações médicas foram seguidas e a gestação ocorreu sem intercorrências, não necessitando, portanto, de medicação. No transcorrer do período gestacional, a autora estava sempre em contato com a gestante, já que ambas trabalham no mesmo local. Durante esses contatos, ocorria um grande relacionamento, onde dialogávamos sobre assuntos concretos referentes à gravidez e ao parto. Esse processo de relacionamento constituído por características cliente-profissional possibilitou a reflexão, o compartilhar de experiências, conhecimentos científicos e vivências, favorecendo aos envolvidos no processo a percepção do potencial de experiências, buscando o desenvolvimento de suas potencialidades e o enfrentamento de dificuldades encontradas. Facilitou também aos envolvidos, assumirem seu real papel de atores nesse processo de gestação, parto e nascimento.

Na manhã do dia 06 de setembro de 1985, acordei às 5 horas com um toque de telefone, onde a gestante comunicava que estava sentindo contrações indolores e havia eliminado secreção mucosa por via vaginal. Fiz orientações sobre a evolução do trabalho de parto, o número de contrações em 10 minutos, como também sobre as técnicas de respiração e relaxamento muscular. Fomos trabalhar e permanecemos juntas durante todo o período da manhã. No intervalo do almoço, retornamos até a residência do casal com o objetivo de realizar o exame obstétrico na parturiente. Ao toque vaginal, o colo estava dilatado para 3 centímetros, as membranas amnióticas íntegras, apresentação cefálica, a freqüência dos batimentos cárdio-fetais de 140 batimentos por minuto, com o ritmo regular e a dinâmica uterina de 3 contrações em 10 minutos, com duração de 30 segundos cada. A parturiente estava em trabalho de parto. Voltamos a trabalhar e, às 18 horas, já havendo retornado ao domicílio do casal, realizei um novo exame obstétrico para avaliar a sua evolução onde identifiquei um trabalho de parto bastante avançado: 4 contrações de 40 segundos em 10 minutos, bolsa íntegra, colo dilatado para 6 centímetros. A partir desse momento permaneci ao lado da parturiente, pois a hora do nascimento estava próxima.

Durante todo o período de evolução do trabalho de parto observei que a parturiente comportava-se de maneira bastante tranqüila, confiante, e acima de tudo, feliz por encontrar-se no contexto familiar ao lado do companheiro, dos filhos e da profissional, os quais depositaram total confiança em sua capacidade e competência para ajudá-los no momento do nascimento do seu bebê. De grande importância também, durante a evolução do trabalho de parto, foi a participação do companheiro, colaborando ativamente no que era necessário, principalmente durante o uso das técnicas de respiração e de relaxamento muscular no momento das contrações de sua companheira, na deambulação e no apoio, estimulando a verbalização de sentimentos através do diálogo. O casal comportava-se naturalmente no ambiente familiar. As crianças demonstravam expectativa e alegria por estar junto aos pais nesse momento incomum para ambos. Brincavam, conversavam, passavam a mão sobre a barriga da mãe, perguntando se ainda demorava para o bebê nascer. Ao completar o período de dilatação, a parturiente começou a apresentar os sinais e sintomas do período expulsivo como sensações de puxos maternos, faces congestas e dores lombares. Com os sinais e sintomas do período expulsivo, a mãe, que repousava em seu quarto junto ao companheiro, foi convidada por ele para dirigir-se ao local determinado para o nascimento. Com a sensação dos puxos maternos, a mãe assumia a posição semi-sentada ajudada pelo companheiro que, nesse momento, tornava-se um ponto de apoio para a parturiente. Ao iniciar o período expulsivo, foram necessárias somente duas contrações para a expulsão fetal. Foi realizada a episiotomia médio lateral, com o objetivo de prevenir lacerações no períneo. Foi nesse ambiente familiar, de amor, de ajuda e confiança, que A. R. nasceu aos 30 minutos do dia 7 de setembro de 1985, chorando forte, rosada, tendo sido atribuída as notas 9 e 9 no índice de APGAR, não havendo necessidade de aspiração das vias aéreas superiores, pesando 2.800 g e 49 cm de estatura. Após o nascimento, o bebê foi envolto em um campo esterilizado e entregue à mãe, que, ao recebê-lo, juntamente com o pai, observava-o, examinava-o, tocava seu tronco, sua cabeça e explorava seus membros. O comportamento materno nesse momento era carregado de emoção e acompanhado de choro. O pai olhava aquela criaturinha como se não acreditasse que estava ali participando do seu nascimento. Nesse momento, parei e fiquei observando o comportamento do casal, que denotava felicidade por ter vivenciado em conjunto o processo de nascer de sua filha. Enquanto mãe, pai e bebê se conheciam, o seio materno lhe era oferecido para sua primeira sucção. Após a dequitação, realizei a inspeção do períneo e da placenta, a episiorrafia e, cerca de mais ou menos duas horas de pós-parto, a mãe levantou-se e caminhou para seu quarto, enquanto o bebê dormia no carrinho ao lado. Os dois filhos do casal também dormiam nesse momento. O banho do bebê foi deixado para o amanhecer e quando o mesmo dormia bem aquecido no carrinho e a mãe repousava em seu leito, regressei à minha casa (em torno de 4:00 horas) com a sensação plena de realização profissional e satisfação pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos nesta experiência são subsídios para uma reflexão acerca do parto realizado no domicílio, como também para repensar as estratégias a serem utilizadas com parturientes que desejem esse modelo de assistência ao parto. Acredito que outras pessoas possam vivenciar essa experiência, levando os profissionais a reconhecerem os limites do seu saber, contribuindo assim para o encorajamento de um casal ao se preparar psicoafetivamente para o momento do parto no domicílio.

É preciso esclarecer, entretanto, a necessidade de uma assistência ao casal grávido na preparação do parto no domicílio por profissionais conscientes envolvidos nesse processo, através de programas de iniciativas públicas, particulares e até pessoais, que se propõem a atender o casal grávido. Nesses programas, as enfermeiras obstetras podem ajudar a reduzir a ansiedade das gestantes e parturientes durante o processo da gravidez e do parto, no sentido de minimizar traumas das mães, proporcionando-lhes coragem no decorrer do parto, de modo que se sintam mais confortáveis e seguras durante todo o processo. Deve ser enfatizada ainda a importância do relacionamento interpessoal, das técnicas de comunicação e dos conceitos pré-concebidos que o casal tenha a respeito desse modelo de assistência ao parto. Reforço, ainda, que esse relacionamento deveria ser desenvolvido e aplicado com todas as parturientes, independente do tipo de parto, pois, dessa forma, estamos motivando a interação interpessoal, o envolvimento e a humanização entre os profissionais de saúde e as pessoas responsáveis por esse ato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 3.12.1998

Aprovado em: 13.9.2001

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    Enfermeiro, Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e-mail:
    2
    Enfermeira, Professor Adjunto. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2002
    • Data do Fascículo
      Nov 2001

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2001
    • Recebido
      03 Dez 1998
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