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O ensino do controle de infecção: um ensaio teórico-prático

La enseñanza del control de infección: un ensayo teórico-pratico

Teaching infection control: a theoretical and pratical essay

Resumos

O artigo traz reflexões sobre questões relacionadas às medidas de prevenção e controle de infecção, iniciando pela não adesão dos profissionais da área da saúde às medidas de prevenção. Aponta aspectos preocupantes relacionados ao meio ambiente, decorrentes do uso de materiais descartáveis apesar dos benefícios que representam para a segurança, redução dos custos operacionais, dentre outros. Todas essas questões são apresentadas como desafio para o ensino do controle de infecção na formação dos profissionais da área da saúde e apresentam alguns pressupostos norteadores.

infecção hospitalar; controle de infecções


El artículo trae reflexiones sobre aspectos relacionados a las medidas de prevención y control de infección, empezando con la no adhesión de los profesionales del área de salud a las medidas de prevención. Anota aspectos preocupantes relacionados con el medio ambiente debido al uso de materiales desechables a pesar de los beneficios que representan para la seguridad, reducción de costos operacionales, etc. Todas estas cuestiones son presentadas como desafío para la enseñanza del control de infección en la formación de profesionales del área de salud y presenta algunos presupuestos orientadores.

infección hospitalaria; control de infecciones


This article contains reflections concerning infection prevention and control measures starting from the adherence of health professionals to prevention measures. It points out worrisome environment-related aspects stemming from the use of disposable materials in spite of the benefits that they represent in terms of safety and reduction of operational costs, among others. All these issues are presented as a challenge to infection control teaching in the education of health professionals. Some guiding presuppositions are also presented.

cross infection; infection control


ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

O ensino do controle de infecção: um ensaio teórico-prático

Teaching infection control: a theoretical and pratical essay

La enseñanza del control de infección: un ensayo teórico-pratico

Anaclara Ferreira Veiga TippleI; Milca Severino PereiraII; Miyeko HayashidaIII; Tokico Murakawa MoriyaIV; Adenícia Custódia Silva e SouzaV

IProfessor Doutor Adjunto II, e-mail: aftipple@ih.com.br

IIProfessor Titular. Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás

IIIEnfermeiro, Doutor em Enfermagem Fundamental

IVProfessor Titular. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

VProfessor Doutor Adjunto I da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás

RESUMO

O artigo traz reflexões sobre questões relacionadas às medidas de prevenção e controle de infecção, iniciando pela não adesão dos profissionais da área da saúde às medidas de prevenção. Aponta aspectos preocupantes relacionados ao meio ambiente, decorrentes do uso de materiais descartáveis apesar dos benefícios que representam para a segurança, redução dos custos operacionais, dentre outros. Todas essas questões são apresentadas como desafio para o ensino do controle de infecção na formação dos profissionais da área da saúde e apresentam alguns pressupostos norteadores.

Descritores: infecção hospitalar, controle de infecções

ABSTRACT

This article contains reflections concerning infection prevention and control measures starting from the adherence of health professionals to prevention measures. It points out worrisome environment-related aspects stemming from the use of disposable materials in spite of the benefits that they represent in terms of safety and reduction of operational costs, among others. All these issues are presented as a challenge to infection control teaching in the education of health professionals. Some guiding presuppositions are also presented.

Descriptors: cross infection, infection control

RESUMEN

El artículo trae reflexiones sobre aspectos relacionados a las medidas de prevención y control de infección, empezando con la no adhesión de los profesionales del área de salud a las medidas de prevención. Anota aspectos preocupantes relacionados con el medio ambiente debido al uso de materiales desechables a pesar de los beneficios que representan para la seguridad, reducción de costos operacionales, etc. Todas estas cuestiones son presentadas como desafío para la enseñanza del control de infección en la formación de profesionales del área de salud y presenta algunos presupuestos orientadores.

Descriptores: infección hospitalaria, control de infecciones

INTRODUÇÃO

No exercício da docência e tendo como objeto de estudo a prevenção e o controle de infecção e suas interfaces, inclusive a questão da seguridade ocupacional, vivenciamos vários questionamentos, e dentre os mais instigantes, destacam-se:

- por que os profissionais não adotam as informações, orientações fundamentadas no conhecimento científico, comprovadamente eficazes, sobre prevenção e controle de infecção, sobre seguridade ocupacional, na sua prática profissional?

- como definir melhor a maneira para se ensinar o controle de infecção, tanto na definição do conteúdo, quanto à sua localização no currículo formal, nos cursos de graduação da área da saúde?

Alguns defendem a idéia de que o ensino deve ser ministrado em uma disciplina específica, com carga horária determinada e conteúdos bem abrangentes. Outros indicam que esse conteúdo deve ser abordado durante todo o curso, permeando cada disciplina ou especialidade.

Há quem defende que, dada a complexidade do conteúdo, deve fazer parte de uma especialidade a ser ministrada como curso de especialização, cabendo à graduação apenas uma abordagem mais genérica sobre o tema.

São várias as visões e razões que sustentam, com certa coerência, todos esses posicionamentos. Entretanto, esse fenômeno não pode ser analisado dentro de uma abordagem ortodoxa e mecanicista, numa relação de causa x efeito, mas, sim, dentro de uma visão ampliada, considerando-se a multicausalidade, os significados objetivos e subjetivos para os atores envolvidos, bem como as questões culturais, conjunturais e o sentido lato de educação no processo de formação profissional.

Acreditamos que, independentemente da forma e da estrutura curricular adotada, a prevenção e o controle de infecção deve fazer parte da filosofia da formação dos profissionais da área da saúde. Ainda mais, deve fazer parte do processo de educação continuada durante o exercício profissional, viabilizando a necessária atualização permanente dos profissionais.

Nos dias atuais, não é aceitável, dentro dos padrões éticos estabelecidos, dos paradigmas da qualidade da assistência e da qualidade de vida, qualquer profissional da saúde receber sua credencial profissional, seu diploma, sem ter uma base em prevenção e controle de infecção, sem ter um preparo técnico específico.

À guisa de contribuir com o debate estabelecido, sem a pretensão de esgotar os argumentos e abordagens sobre o tema, destacamos alguns pontos para a nossa reflexão, com o objetivo de aprofundar as discussões e enfocar alguns aspectos que consideramos relevantes.

PRÁTICAS PREVENTIVS À LUZ DA PREVENÇÃO E DO CONTROLE DE INFECÇÃO

"A partir de hoje, todo estudante ou médico, proveniente da sala de Anatomia, é obrigado, antes de entrar nas salas de Clínica Obstétrica, a lavar as mãos com uma solução de ácido clórico, na bacia colocada na entrada. Essa disposição vigora para todos, sem exceção"(1). Com base em fundamentos epidemiológicos, talvez tenha sido esta a primeira medida profilática estabelecida em forma de rotina escrita em uma instituição de ensino na área da saúde.

Durante um período de mais de 150 anos, desde que Ignaz Semmelweis fixou esse aviso na porta da Clínica Obstétrica no Hospital Geral de Viena, em 1846, até os nossos dias, inúmeras descobertas possibilitaram o conhecimento da causa, epidemiologia e profilaxia de infecções.

Apesar dos avanços científicos e tecnológicos alcançados no século XX, eles não nos colocam em situação muito diferente da época de Semmelweis, no que se refere à adesão a medidas simples de controle de infecção, como a lavagem das mãos por ele proposta.

Sua doutrina sobre a febre puerperal foi duramente criticada, inclusive por seus colegas, apesar das provas da eficácia das medidas profiláticas. Hoje, com todo o conhecimento disponível, incluindo várias medidas profiláticas comprovadamente eficazes, permanece o desafio de torná-las práticas rotineiras nas instituições de saúde.

Há novos desafios relacionados ao controle de infecção como os agentes infecciosos emergentes, a resistência microbiana, o incremento de métodos invasivos na diagnose e terapêutica, as conseqüências das transições demográfica e epidemiológica, dentre outros.

Por outro lado, não resolvemos o problema básico vivenciado por Semmelweis que envolve as condições dos recursos humanos nas instituições de saúde, seu preparo e sua conscientização. Freqüentemente, estudos vêm demonstrando a baixa adesão dos profissionais da área de saúde às medidas preventivas.

Sabemos, por exemplo, que quanto maior a manipulação de objetos perfurocortantes e de sangue ou de outros fluidos orgânicos, maior a exposição e maior o risco para doenças como a AIDS e as hepatites B e C. Entretanto, a prática profissional demonstra uma baixa percepção desse risco, revelada pela não adesão às medidas profiláticas básicas.

Dentre os acidentes ocupacionais, os causados por materiais perfurocortantes têm merecido destaque e preocupação em investigações que identificaram índices de 43,3%(2), 30,7%(3), 41%(4) e 31,4%(5) de acidentes com perfurocortantes. Além dos danos intangíveis aos quais estão expostos os acidentados, há que se destacar o econômico, a exemplo de estudos realizados por autores nacionais(6) que identificaram um custo médio para a instituição de U$ 1,413.10 por acidente com objetos perfurocortantes.

Na análise de recipientes contendo objetos perfurocortantes descartados, constatou-se que mais de 50% das agulhas utilizadas para injeções intramuscular e subcutânea estavam reencapadas(2). Um percentual ainda maior (63,9%) de agulhas reencapadas foi encontrado em um outro estudo mais recente(7). Apesar da possibilidade do reencape com uma das mãos prevista pelos Centers for Diseases Control And Prevention - CDC (8), considera-se que essa medida deve ser adotada visando minimizar os riscos individual e coletivo, quando não existem dispositivos adequados ao descarte de perfurocortantes ou quando há necessidade técnica de desconectar a agulha da seringa, como no caso da coleta de sangue para exame e do uso da seringa carpule. Ademais, esse procedimento só deve ser adotado se não houver disponível uma pinça para auxiliar o reencape.

Num estudo mais amplo(9), envolvendo 300 instituições em um projeto de vigilância nacional nos Estados Unidos da América, com 2860 profissionais da área de saúde, verificou-se que destes, 19 profissionais da equipe odontológica sofreram uma exposição percutânea a sangue contaminado com o vírus da imunodeficiência humana. A análise das circunstâncias das exposições indicou que oito ocorreram durante o uso de instrumentos, e onze, após, sendo que destes, quatro ocorreram pela manipulação de instrumentos pontiagudos durante o procedimento de limpeza, nos quais os profissionais não usavam luvas grossas recomendadas. Vale destacar que as luvas grossas são imprescindíveis a essa prática(10), apesar de não impedir o acidente com o perfurocortante, reduz a possibilidade de lesões superficiais, comuns durante o processo de limpeza manual de artigos, o volume de contaminates biológicos e, conseqüentemente, o risco de contaminação.

Estudo realizado entre enfermeiros e auxiliares de enfermagem em um hospital escola no Brasil(11) observou que a circunstância que mais levou à exposição com material biológico foi a de manuseio de perfurocortantes após o seu uso. Os acidentes ocorreram durante o transporte de perfurocortantes para o recipiente de descarte ou para o local do reprocessamento, durante a lavagem dos artigos, pelo reencape de agulhas e por estas terem sido descartadas em local inapropriado.

A exposição percutânea de equipes de sala cirúrgica, durante os procedimentos, também tem merecido destaque em alguns estudos. Num deles, há o relato de que, em 1382 cirurgias, ocorreram 99 acidentes perfurocortantes, sendo que 62% dos profissionais envolvidos trocaram as luvas imediatamente após o acidente, 11%, no intervalo de 5 a 15 minutos, 15% não trocaram as luvas, um profissional sobrepôs novas luvas, e um, quando se acidentou, já não usava luvas(12), provavelmente ao final da cirurgia, após a retirada das luvas.

Situação semelhante tem sido observada dentro dos centros formadores na área da saúde onde chamam a atenção as múltiplas opções de condutas que, de certa forma, resultam da inexistência de rotinas e supervisão pertinentes.

Um aspecto importante a considerar no confronto com essas práticas discutíveis, tanto acadêmicas quanto profissionais, é a possibilidade do envolvimento dos riscos coletivo e ambiental e não apenas dos individuais.

O cliente, em algumas práticas, é o mais susceptível quando ocorre negligência dos processos de descontaminação adequados ao uso dos artigos. Sua condição de sujeito nos procedimentos invasivos já o coloca isoladamente nessa situação, além de inúmeros outros fatores predisponentes que podem estar presentes.

Quando o cirurgião permanece com uma luva perfurada, além do risco individual, expõe o cliente aos microrganismos da sua microbiota transitória e permanente.

A luva de procedimentos, utilizada como barreira para o profissional, pode transferir secreções orgânicas para as superfícies tocadas fora do atendimento propriamente dito, como, por exemplo, ao manipular prontuários ou aparelhos telefônicos, caracterizando uso inadequado de Equipamentos de Proteção Individual.

Máscaras usadas por períodos prolongados e que são tocadas sucessivamente, bem como a permanência em volta do pescoço, além de não conferir a proteção contra gotículas e aerossóis, pode transformar-se em um reservatório de microrganismos.

Assim, um Equipamento de Proteção Individual pode transformar-se em um Equipamento de Disseminação Coletiva, quando o seu uso não considera os riscos coletivo e ambiental. O risco ambiental apresenta-se como um fator preocupante, que exige esforços dos profissionais, a fim de incluí-lo em nossas condutas de prevenção e controle.

Imitando a cultura norte-americana, rapidamente, incorporamos o uso indiscriminado dos descartáveis e pouco questionamos o que representa para o meio ambiente o volume de resíduos sólidos urbanos, artigos e ou produtos não degradáveis, por longos anos.

Por outro lado, é preciso considerar que são muitos os benefícios que os descartáveis representam nas instituições de saúde quanto ao aumento da segurança, à redução dos custos operacionais, à diminuição do uso de insumos necessários ao processamento dos artigos, dentre outros. Dessa forma, considerar o risco ambiental não é uma questão fácil, o que não pode estimular o seu abandono.

Algumas medidas podem ser adotadas no que se refere, por exemplo, aos descartáveis. Aprofundar a análise custo x benefício acerca da sua reutilização e aprimorar o gerenciamento dos resíduos das instituições de saúde representam condutas relevantes.

Dentre outras questões relacionadas ao meio ambiente, apresentam-se, como desafio imediato, os agentes desinfetantes disponíveis, hoje, no Brasil. Vários deles geram efluentes não degradáveis. O hipoclorito de sódio é um exemplo, largamente utilizado em função do custo acessível, entretanto é proibido em alguns países da Europa, onde as questões ambientais são priorizadas.

Como ainda não existe uma conscientização dos efeitos nocivos ao meio ambiente e, conseqüentemente, uma pressão social significativa, faltam opções aos consumidores. Também na área da saúde é preciso considerar o desenvolvimento tecnológico com a sustentabilidade necessária à preservação ambiental.

Uma visão de risco apenas no limite do indivíduo, ou seja, uma visão reducionista em nível individual é incompatível com as necessidades atuais de sustentabilidade necessária à preservação ambiental. Talvez esta compreensão seja um caminho inicial para o ensino, na medida em que, na direção inversa, considerando inicialmente o risco ambiental, contemplaremos com facilidade o coletivo e o individual.

Nos últimos anos, mais especificamente após o surgimento da AIDS, a literatura especializada em controle de infecção vem abordando, incansavelmente, a necessidade de conscientização dos profissionais da área da saúde, o que resultaria em mudança de comportamento para uma prática efetiva de medidas preventivas.

Essa mudança no comportamento coletivo não tem correspondido às expectativas, apesar da intensa conclamação e do conhecimento disponível. E não faltam razões, que vão da inexistência de recursos materiais à não percepção do risco.

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SUA INFLUÊNCIA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Por que profissionais da área da saúde não aderem às práticas preventivas comprovadamente efetivas?

No conjunto, vários fatos indicam a necessidade de um investimento anterior à prática profissional, a formação profissional, que tem se mostrado insuficiente quanto ao ensino e à prática do controle de infecção. Outro ponto preponderante diz respeito à nossa cultura, crenças e valores. A mudança de comportamento é processo, e, certamente, vários fatores interferem diretamente na aceitação de normas técnicas preventivas e de seguridade, bem como na preservação do meio ambiente.

Investimos incansavelmente no graduando, para que, durante a sua formação, adquira competência para executar um procedimento esperado em seu exercício profissional, mas a ênfase à prática do controle de infecção fica a desejar. Estamos falando da realização do procedimento a partir da adoção de medidas preventivas, promovendo uma mudança no ensino: do paradigma da ação, que determina adotar esta ou aquela medida preventiva, de acordo com o procedimento ou diagnóstico em questão, para o paradigma de "filosofia das práticas em saúde", que pressupõe a realização de qualquer procedimento a partir da adoção de medidas preventivas.

O Controle de Infecção, como fundamento para a prática, acreditamos, só será possível se compuser a formação do profissional com a compreensão de que se constituem em uma só prática, pois realizar um procedimento significaria adotar as medidas preventivas pertinentes.

Esse pressuposto está implícito no paradigma sobre o qual estão fundamentadas as medidas preventivas, a universalidade do risco, claramente apresentado na última versão do Guideline for Isolation Precaution in Hospitals no qual se reformulou o conceito de Precauções Universais para Precauções Padrão(8).

As Precauções Padrão, também chamadas básicas, em algumas publicações no Brasil, constituem uma tentativa de reduzir os riscos de transmissão de microrganismos de fontes conhecidas e não conhecidas, sendo designadas para o atendimento de todos os pacientes, independente do diagnóstico ou da condição infecciosa presumida(8).

Mas não deveria ser dessa forma? Na verdade, esse princípio acaba ficando em plano muito subjetivo e não é efetivamente ensinado.

Para o aluno recém ingresso num curso superior, na área da saúde, não se preconiza nenhum conhecimento específico das competências profissionais que compõem o perfil esperado desse profissional. A graduação é o momento da formação, propício, portanto, ao ensino do controle de infecção para os alunos da área da saúde.

Conceitualmente, formação significa o ato, efeito ou modo de formar; maneira pela qual se constitui uma mentalidade, um caráter ou um conhecimento profissional.

Nesse sentido, as práticas atuais de controle de infecção são o reflexo também da formação dos respectivos profissionais. E esse não parece ser um problema apenas no Brasil.

Há de se considerar, no entanto, que o assunto ainda representa uma inovação. Existem, é claro, diferenças qualitativas, com iniciativas isoladas em algumas instituições. Mas, de maneira geral, esse é o quadro que se apresenta na formação dos profissionais da área da saúde.

Se retomarmos o conceito de formação e a necessária indissociabilidade entre o controle de infecção e as práticas em saúde, inevitavelmente, concluiremos que a indissociabilidade pretendida precisa ser construída.

Assim, as primeiras atividades práticas desenvolvidas pelo graduando deverão ter, como base, medidas preventivas pertinentes. Esse entendimento traz alguns desdobramentos. Primeiramente, significa que uma única disciplina numa estrutura curricular não dará suporte suficiente a essa intenção. Outra questão estreitamente relacionada a esta, é que todos os docentes deverão estar envolvidos com os conteúdos do controle de infecção, na profundidade que a temática em questão exigir.

Isso não inviabiliza a existência de disciplinas que poderão abordar as especificidades de cada área. Mas, quotidianamente, o exercício das práticas em saúde dar-se-á a partir da adoção de medidas preventivas, conduzindo-nos ao entendimento da necessidade de desmitificar o controle de infecção, tornando-o acessível a todos, e, nessa teia, os princípios e pressupostos da seguridade ocupacional relacionados ao risco biológico.

Historicamente, sempre existiram grupos específicos trabalhando com o controle de infecção, sendo, sob muitos aspectos, imprescindíveis, como os Serviços ou as Comissões de Controle de Infecção Hospitalar, cuja atuação também se reflete no ensino na medida que implementam rotinas e promovem a educação continuada nessa área.

Atribui-se ao corpo docente dos órgãos formadores um peso importante na formação profissional. Significa que o corpo docente deverá ser um exemplo na prática, a fim de servir de modelo, uma vez que o ensino também se dá pela oportunidade de vivenciar condutas.

Na medida em que o controle de infecção compuser suas competências da área da saúde, necessariamente, o corpo docente terá que ceder a essa realidade, seja por imposição legal ou social.

A formação profissional precisa responder a essa indiscutível necessidade social e que começa a se configurar em exigência legal. Nesse sentido, concordamos com alguns autores quando afirmam que realizar controle de infecção é uma responsabilidade moral e legal, que torna a razão do trabalho verdadeira, a lei, desnecessária, e valoriza o profissional de saúde e a profissão(13).

AVANÇO EM NOVAS PERSPECTIVAS

A formação dos profissionais com uma percepção de prevenção e uma visão mais ampliada de mundo, talvez seja, na realidade, um dos desafios que o ensino na área de saúde enfrenta e para o qual apresentamos alguns pressupostos:

- o controle de infecção, ao integrar a estrutura curricular, deve configurar como princípio para as práticas em saúde, ou seja, uma filosofia de trabalho;

- o controle de infecção deverá ser ensinado e supervisionado de acordo com a necessidade e no momento acadêmico em que vive o aluno;

- o corpo docente deve aplicar os princípios que fundamentam a prevenção e o controle de infecção em todas as suas atividades práticas;

- o ensino deve oportunizar atividades práticas pertinentes à prevenção e ao controle de infecção que atendam às necessidades do respectivo exercício profissional;

- a estrutura física, administrativa, e de funcionamento tem relação com o trabalho nela desenvolvido (estrutura dinâmica) e deve favorecer a prática de condutas corretas, tanto para a prevenção, quanto para o controle de infecção.

Não obstante o interesse e divergências que envolvem este tema, é com justiça que destacamos os avanços incontestes já obtidos, tanto no ensino quanto na prática, porém estamos muito distantes da aplicação do que se sabe ao que se faz. Para reflexão, deixamos a mensagem de um provérbio árabe: "Quem quer fazer alguma coisa encontra um meio. Quem não quer fazer nada encontra uma desculpa".

Recebido em: 26.6.2001

Aprovado em: 21.11.2002

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2003

Histórico

  • Aceito
    21 Nov 2002
  • Recebido
    26 Jun 2001
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