Acessibilidade / Reportar erro

O ser docente de enfermagem frente a informática

El ser docente en enfermería frente al mundo de la informática

Being a nursing teacher in an informatized world

Resumos

A pesquisa objetiva desvelar, segundo a percepção dos enfermeiros docentes, o significado da inserção da informática no ensino de enfermagem. A abordagem da fenomenologia social possibilitou compreender que os projetos de informática estão baseados na situação biográfica e nas experiências educacionais de cada docente, e a sua adoção ocorre, livremente, num processo de reflexão sobre as alternativas favoráveis e desfavoráveis do contexto social. Assim, vislumbra-se a construção de competências tecnológicas e pedagógicas dos docente e de políticas institucionais pró-ativas aderentes à sociedade contemporânea, visando integrar as novas tecnologias às necessidades da profissão e à dimensão humana da enfermagem.

educação em enfermagem; informática médica; tecnologia educacional


La investigación tiene como objetivo desvelar, según la percepción de los enfermeros docentes, el significado de la inserción de la informática en la enseñanza de enfermería. El abordaje de la fenomenología social izo posible comprender que los proyectos de informática están basados en la situación biográfica y en las experiencias educacionales de cada docente y la adopción ocurre libremente, en un proceso de reflexión sobre las alternativas favorables y desfavorables del contexto social. Así, se vislumbra la construcción de competencias tecnológicas y pedagógicas de los docentes y de políticas institucionales pro-activas adherentes a la sociedad contemporánea, buscando integrar las nuevas tecnologías a las necesidades de la profesión y a la dimensión de enfermería.

educación en enfermería; informática médica; tecnología educacional


The social phenomenology approach allowed us to understand that informatics projects are based on the biographic situation and the educational experiences of each teacher and their adoption happens voluntarily, in a reflection process on the favorable and unfavorable alternatives implied in the social context. Thus, we conjecture about the construction of teachers' technological and pedagogical competences and pro-active institutional policies that adhere to the contemporary society, seeking to integrate the new technologies with the needs of the profession and the human dimension of nursing.

nursing education; medical informatics; educational technology


ARTIGO ORIGINAL

O ser docente de enfermagem frente a informática

Being a nursing teacher in an informatized world

El ser docente en enfermería frente al mundo de la informática

Heloisa Helena Ciqueto PeresI; Paulina KurcgantII

IProfessor Doutor, e-mail: hhcperes@usp.br

IIProfessor Titular. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

RESUMO

A pesquisa objetiva desvelar, segundo a percepção dos enfermeiros docentes, o significado da inserção da informática no ensino de enfermagem. A abordagem da fenomenologia social possibilitou compreender que os projetos de informática estão baseados na situação biográfica e nas experiências educacionais de cada docente, e a sua adoção ocorre, livremente, num processo de reflexão sobre as alternativas favoráveis e desfavoráveis do contexto social. Assim, vislumbra-se a construção de competências tecnológicas e pedagógicas dos docente e de políticas institucionais pró-ativas aderentes à sociedade contemporânea, visando integrar as novas tecnologias às necessidades da profissão e à dimensão humana da enfermagem.

Descritores: educação em enfermagem; informática médica; tecnologia educacional

ABSTRACT

The social phenomenology approach allowed us to understand that informatics projects are based on the biographic situation and the educational experiences of each teacher and their adoption happens voluntarily, in a reflection process on the favorable and unfavorable alternatives implied in the social context. Thus, we conjecture about the construction of teachers' technological and pedagogical competences and pro-active institutional policies that adhere to the contemporary society, seeking to integrate the new technologies with the needs of the profession and the human dimension of nursing.

Descriptors: nursing education; medical informatics; educational technology

RESUMEN

La investigación tiene como objetivo desvelar, según la percepción de los enfermeros docentes, el significado de la inserción de la informática en la enseñanza de enfermería. El abordaje de la fenomenología social izo posible comprender que los proyectos de informática están basados en la situación biográfica y en las experiencias educacionales de cada docente y la adopción ocurre libremente, en un proceso de reflexión sobre las alternativas favorables y desfavorables del contexto social. Así, se vislumbra la construcción de competencias tecnológicas y pedagógicas de los docentes y de políticas institucionales pro-activas adherentes a la sociedad contemporánea, buscando integrar las nuevas tecnologías a las necesidades de la profesión y a la dimensión de enfermería.

Descriptores: educación en enfermería; informática médica; tecnología educacional

INTRODUÇÃO

Atualmente, o mundo vem enfrentando a transição de uma economia industrial para uma economia de informação, a qual transforma a natureza da riqueza. O capital intelectual está se tornando, relativamente, mais importante do que o capital físico, sendo que a nova riqueza é a informação, o conhecimento aplicado ao trabalho para criar valor, sendo que o sucesso é determinado pelo saber, e não pelos bens materiais que se possui. Essas novas concepções trouxeram várias implicações nos sistemas econômicos, políticos, educacionais, tecnológicos e sociais(1-3).

Dessa forma, o saber não pode mais ser considerado como algo a ser memorizado, incorporado, herdado ou transmitido, mas como algo que deve ser, conjuntamente, construído. O conhecimento é inexaurível e provisório, sendo sempre possível gerar mais, pois quanto mais pessoas o têm, mais ele é gerado. O conhecimento tornou-se extremamente valioso, transcendendo fronteiras, sendo verdadeiramente global e não sendo propriedade de nenhuma nação.

Nessa nova sociedade que produz conhecimento, continuamente, a escola que foi constituída quando o saber era um estoque, fundamentada na transmissão do saber e na memorização, deve ser transformada. Assim, pode-se afirmar que a escola está deixando de ser o "locus" privilegiado da educação na nossa sociedade, que está sendo ocupado pelos meios de comunicação de massa, pelas empresas, pelas tecnologias da informação(4).

A Declaração Mundial sobre a Educação Superior, estabelecida em 1998, enfoca o potencial e os desafios das novas tecnologias da informação e comunicação no ensino superior, por proporcionarem recursos capazes de gerar modificações nas formas de elaboração, aquisição e transmissão de conhecimentos, possibilitando renovar os conteúdos e os métodos pedagógicos, ampliar o acesso à educação e transformar o papel do professor no processo de aprendizagem, passando a ser fundamental a relação professor-aluno, baseada no diálogo permanente, na busca da transformação da informação em conhecimento, favorecendo o progresso social e econômico(5).

Nessa perspectiva no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)(6) está em consonância com os princípios da Declaração Mundial sobre a Educação Superior, proporcionando maior autonomia e liberdade acadêmica e desafiando os educadores a utilizarem novas tecnologias, adotarem novas propostas pedagógicas e flexibilizarem os currículos para atender às diferentes demandas, visando à formação de cidadãos responsáveis, críticos e capacitados para atuarem em transformações sociais.

As possibilidades que as novas tecnologias oferecem para o ensino, aliadas à criatividade e ao interesse do professor, são inesgotáveis. Qualquer especialidade de uma escola pode ser compartilhada com outras escolas interligadas via rede, em todos os continentes do planeta. Pro meio do acesso a colegas em outras partes do mundo e às pessoas que estejam fora da sala de aula, é possível encerrar o isolamento e proporcionar uma experiência educacional mais rica, abrangendo todos os participantes envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

Entretanto, os procedimentos de utilização dessas novas tecnologias no ensino estão sendo avaliados, e os relatos de experiências educacionais apontam para a necessidade de superação das dificuldades tanto técnicas de interconexões quanto pedagógicas.

A evolução das teorias pedagógicas tem sido permeada pelas influências sociopolíticas e culturais, e sua aplicação no campo da informática educacional apresenta divergências entre as correntes educacionais humanista, tecnicista e construtivista, no referente à aplicação da informática no ensino. Entram em choque as correntes voltadas para a formação especializada, profissionalizante e os defensores de um currículo humanista e interdisciplinar. Depreende-se, ainda, a influência dos fundamentos lógicos e cartesianos do ensino tradicional, enquanto se vislumbra a perspectiva de uma formação plurivalente, com processos diferenciados de construção e aquisição de conhecimentos.

Na perspectiva das teorias pedagógicas que têm influenciado a adoção de novas tecnologias educacionais, destacam-se as escolas comportamentalista e a construtivista. A comportamentalista ou behavioristas, calcada nos pressupostos de Skinner, de estímulo e resposta, de retroalimentação ou feedback, com mecanismos de controle do processo de aprendizagem, tem estimulado a utilização dos computadores com programas do tipo CAI (Computer Assisted Instruction - Instrução Auxiliada pelo Computador).

As principais críticas a esse tipo de utilização do computador na aprendizagem centram-se na pedagogia utilizada para a qual o aluno é um agente passivo, e o processo de ensino-aprendizado baseia-se na absorção e assimilação de informações(7).

Na corrente construtivista, a aprendizagem é um processo ativo, construtivo, no qual o aluno gerencia, estrategicamente, os recursos disponíveis para criar novos conhecimentos, pela extração da informação do ambiente, integrando a outras informações guardadas na memória. Há uma distinção entre informação e conhecimento. Na informação, os dados estão organizados dentro de uma estrutura lógica. Conhecer é integrar a informação no referencial do sujeito, tornando-a significativa para ele. O conhecimento não se passa, ele se cria, se constrói, ele se dá sempre como uma assimilação ativa do sujeito que vai incorporando o objeto nos seus esquemas sensório-motores(8).

Nessa corrente pedagógica, destacam-se os tipos de programas CAL (Computer Assisted Learning) onde o computador não instrui, mas possibilita ao aluno estabelecer uma função ativa no processo de ensino-aprendizagem, estimulado-o a tomar decisões, fazer observações, perceber relações e trabalhar com hipóteses(9).

Embora muitos autores referiram-se ao CAL de forma genérica, independentemente do cunho pedagógico, deve-se considerar que, embora não seja sinônimo de instrução programada, a sua gênese deu-se por meio dos pressupostos behavioristas, quando foram desenvolvidos vários CD-ROMS educacionais que objetivavam apresentar grande quantidade de informações ao usuário, por meio da máquina, de forma fechada. A interação aluno-computador traduz-se em uma seqüência de operações onde a máquina apresenta algumas informações, o aluno responde e, com base nessa resposta, o computador fornece mais informações que variam de acordo com o desempenho do aluno.

As modalidades de CAL mais representativas podem ser, genericamente, classificadas nas seguintes categorias: exercício e prática tutoriais, simulação e jogos e solução de problemas(10-11).

Na perspectiva do CAL, podem-se classificar os softwares abertos, que estimulam a participação e a interação do aluno no processo de aprendizagem, como os de linguagem LOGO, os pacotes aplicativos genéricos de processadores de texto, os gerenciadores de banco de dados e as planilhas eletrônicas.

As novas tecnologias aplicadas ao ensino, caracterizadas pelos recursos da Internet e de outras ferramentas sofisticadas que ainda estão em desenvolvimento como robótica e realidade virtual, possibilitam maior flexibilidade, criatividade, dinamicidade, interação e comunicação no processo ensino-aprendizagem, estimulando a participação ativa do aluno numa perspectiva construtivista.

Como tipologia para a utilização de novas tecnologias no ensino, pode-se mencionar o CMC (Computer Mediated Comunication) que inclui as aplicações via Internet, facilitando a comunicação; o CMI (Computer Managed Instruction), que utiliza o computador para armazenar, recuperar dados e organizar a instrução, bem como acompanhar o progresso e os trabalhos dos alunos, e o CBM (Computer Based Multimídia), baseado em recursos sofisticados e robustos que integram várias tecnologias, que são uma geração, ainda em desenvolvimento, de flexíveis ferramentas que podem ser utilizadas no ensino(12).

No CMC, as ferramentas de aprendizagem que mais se destacam são o correio eletrônico (e-mail), as conversações (chats), os grupos ou fóruns de discussão (listservers), as informações hipermídia (WWW), as bibliotecas virtuais, os jornais eletrônicos e as bases de dados. Na classificação CMI, podem-se incluir os novos softwares de administração de ensino via Internet e as novas tecnologias da videoconferência, teleconferência e audioconferência que permitem integrar várias mídias. Acredita-se que o uso do computador na consecução de objetivos educacionais, tanto na esfera cognitiva, psicomotora quanto atitudinal, trará benefícios pedagógicos, quando houver a adequação no uso do computador aos objetivos propostos. Nesse sentido, as novas tecnologias devem ser incorporadas ao processo educacional, como ferramentas para o alcance de objetivos concretos, de forma compartilhada. Caso contrário, corre-se o risco de ser apenas mais uma maneira de transmissão de conhecimento e mais um modismo a ser aplicado à prática docente(13).

Entretanto, as mudanças educacionais não ocorrem automaticamente e dissociadas do mundo-vida. É necessário que o professor valorize o diálogo, a troca, a relação interpessoal e acredite que se pode aprender dialogando, discutindo, trocando idéias. Se esses pressupostos não tiverem significância, o potencial da tecnologia não será reconhecido, perpetuando-se o modelo de ensino conservador e tradicional, descolado da realidade.

Enfocando, especificamente a apropriação das tecnologias no ensino de enfermagem, depreende-se que sua disseminação tem sido intensamente lenta e sem grande representatividade, principalmente no que se refere ao uso das redes eletrônicas com serviços on-line, as teleconferências, videoconferência, os e-mails e os chats, bem como a utilização de CD-ROM.

Na enfermagem, a informática vem sendo alvo de muitas indagações e pesquisas nacionais e internacionais que visam identificar e descrever as habilidades relacionadas ao uso do computador pelo enfermeiro, definir qual o conteúdo programático a ser desenvolvido, bem como avaliar as disciplinas de informática em enfermagem. O propósito fundamental desta área refere-se ao uso das tecnologias de informação relacionadas a quaisquer atividades desenvolvidas pelos enfermeiros, no desempenho de suas funções(14-18).

Entretanto, observam-se muitas resistências quanto ao uso da informática no ensino de enfermagem, principalmente por parte dos docentes. Diante do exposto, depreende-se a relevância da incorporação de avanços tecnológicos no ensino de enfermagem e o caráter incipiente da informática na enfermagem. Assim, considera-se importante a compreensão dos aspectos intervenientes da inserção da informática no ensino de enfermagem, para subsidiar a integração de novas tecnologias da comunicação e da informação ao conteúdo programático e ao projeto pedagógico, adequando-as ao nível de conhecimento e às necessidades dos enfermeiros, bem como ao momento curricular específico da enfermagem.

Dessa forma, essa pesquisa objetiva desvelar, segundo a percepção dos enfermeiros docentes, o significado da inserção da informática no ensino de enfermagem.

METODOLOGIA

Pela natureza da presente pesquisa, adotou-se a perspectiva da abordagem fenomenológica, por possibilitar ir ao encontro do fenômeno inserção da informática no ensino de enfermagem, a partir do significado atribuído pelos docentes que vivenciam essa ação no processo ensino-aprendizagem. O referencial da fenomenologia social de Alfred Schütz foi adotado por oferecer pressupostos filosóficos para a apreensão da realidade social, a partir de concepções de homem e de mundo advindas da fenomenologia, situando, assim, as pessoas na atitude natural, portanto, em seu mundo-vida.

O número de sujeitos não foi definido a priori, sendo entrevistadas professoras vinculadas ao ensino de enfermagem nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, em uma Escola de Enfermagem vinculada a uma Universidade Pública do Estado de São Paulo. Conforme preconizado por autores(19), a análise das descrições foi realizada até o momento em que ocorreu o desocultamento da essencialidade do fenômeno investigado, obtendo-se 9 depoimentos que foram considerados suficientes para o seu desvelamento.

Após aprovação do projeto no Comitê de Ética da Escola, em estudo, foi explicado aos prováveis sujeitos a finalidade da pesquisa e verificado o interesse em participar. As entrevistas foram realizadas em data, local e horário, de acordo com a preferência de cada participante. Antes das entrevistas, foi esclarecido novamente o objetivo da pesquisa, com o intuito de dirimir as dúvidas, sendo solicitada aos sujeitos a aprovação para a gravação do discurso e a anuência ao Consentimento Livre e Esclarecido do Entrevistado, tendo sido garantido o sigilo e o anonimato.

Dessa maneira, nesse espaço intersubjetivo, foi solicitado que as docentes falassem, livremente, sobre o tema, sendo limitadas às interferências, para a manutenção da entrevista. Os depoimentos foram norteados pela seguinte interrogação: Como você percebe a informática no ensino de enfermagem?

Como método para a análise, adotaram-se, na pesquisa, as etapas caracterizadas pelo sentido do todo, a descrição das unidades de significado, as transformações das expressões do sujeito em linguagem do pesquisador e a síntese das unidades de significado correspondentes à ação estudada, resgatando os motivos para dos docentes, frente ao fenômeno pesquisado(19). Desse modo, a análise compreensiva pôde ser construída à luz dos pressupostos filosóficos da sociologia de Alfred Schütz.

ANÁLISE COMPREENSIVA

A análise dos relatos dos docentes permitiu perceber que a escolha dos projetos de inserção da informática no ensino está fundamentada em um processo de reflexão sobre os aspectos favoráveis e desfavoráveis intervenientes nos projetos. Assim, são levantadas probabilidades, possibilidades e tendências de adoção da informática.

Essa situação de dúvida é denominada por Schütz de "possibilidades problemáticas", que são motivadas pela situação e pelo contexto do mundo vida de cada ator e contestam uma a outra, tendo cada alternativa um peso.

Para Schütz, "a situação de dúvida, gerada por uma seleção do ator, em uma situação biográfica determinada, de elementos do mundo visto como pressuposto, é a única coisa que possibilita a deliberação e a escolha". Todo projeto de ação traz consigo alternativas problemáticas, possibilidades de não realização da ação(20).

Segundo Schütz, a escolha de projetos ocorre numa situação de conflito onde são desenhadas todas as possibilidades e dificuldades de realização da ação desejada. Essas situações de escolha são resolvidas pelos atores, diante da sua vontade e da sua situação biográfica. Toda escolha, entre projetos, gera um conflito, e o que possibilita a deliberação e a escolha é a situação biográfica determinada do ator. A deliberação acontece tanto no pensamento como na ação livre. Os objetos vivenciados no decorrer de um curso de ação atraem, satisfazem, impulsionam e retardam a ação. Assim, dizer que, afinal, ela cessa, é dizer que a escolha, a decisão, aconteceu(21).

Diante desses pressupostos de Schütz, evidencia-se que a gestão institucional apresenta fatores dificultadores que afastam, retardam ou impedem a implementação da informática no ensino de enfermagem. Os fatores dificultadores descritos pelos docentes são a falta de valorização do ensino, em detrimento das áreas de pesquisa e de produção científicas, a falta de estímulo à utilização da informática no ensino, a falta de priorização orçamentária na área de informática, bem como a falta de infra-estrutura e de assessoria técnica especializada, tornando difícil o investimento dos docentes no desenvolvimento de propostas de implementação da informática no ensino.

As possibilidades de aplicação da informática no ensino, que são referidas pelos sujeitos, são a adoção de uma política de valorização do ensino; implementação de recursos tecnológicos e financeiros nessa área e investimento na capacitação tecnológica docente e no quantitativo e qualitativo do pessoal técnico da Seção de Informática para assessorar os docentes.

Nesse sentido, percebe-se que as concepções socioculturais, políticas e econômicas do mundo vida são compreendidas e interpretadas pelo sujeito em função da sua situação biográfica. Assim, ressalta-se a importância do livre arbítrio de cada um na definição de seu próprio lugar, de seu papel na sociedade e, especialmente, dentro do grupo interno de docentes de enfermagem, para que ocorram transformações pró-ativas no ensino e na profissão.

Essa realidade social e educacional é construída na interação intencional entre docentes e alunos, em busca de determinados objetivos comuns. Considera-se que somente o processo reflexivo, a compreensão e interpretação dessa realidade social, descobrindo os significados internos do comportamento humano, podem levar às transformações sociais.

Nessa perspectiva, os docentes, sujeitos da pesquisa, relatam que a informática faz parte do contexto da sociedade contemporânea, impulsionando as pessoas a se adaptarem e a utilizarem as novas tecnologias na vida pessoal e profissional. Assim, as novas tecnologias que fazem parte da sociedade contemporânea precisam ser assimiladas e implementadas no ensino de enfermagem.

Schütz traz o conceito de relevância imposta, considerando que alguns fatores de uma situação impõem-se aos atores. Para tanto, faz uma diferenciação entre a escolha entre objetos e projetos: os objetos são dados externos e, nesse sentido, pertencem à esfera das relevâncias impostas. Os projetos fazem parte do potencial de ação dos atores, podendo ser idealizados e controlados pela relevância volativa(20).

Dessa forma, pode-se perceber que os docentes consideram que a informática é um objeto imposto pela sociedade e, como tal, fazem esforços e idealizam projetos para a adoção da informática no ensino de enfermagem, independentemente das suas vontades.

Depreende-se, nos relatos dos docentes, que a cibernética está modificando o trabalho na saúde, bem como transformando o processo de trabalho do enfermeiro e do docente. Consideram que a rápida evolução tecnológica faz com que as novas tecnologias sejam assimiladas pelos docentes, sem que haja uma reflexão sobre os valores e a intencionalidade da inserção da informática na enfermagem, tornando os docentes vulneráveis a aceitarem e a acreditarem que as novas tecnologias possam resolver os problemas da enfermagem.

É evidente, também, a preocupação dos docentes em assimilar as novas tecnologias na enfermagem, de maneira reflexiva, compreendendo as funções da informática que podem ser utilizadas no ensino, na pesquisa, na assistência e no gerenciamento de enfermagem, construindo uma nova concepção da informática, compatível com a dimensão humana da prática profissional da enfermagem.

Os docentes relatam, ainda, que desconhecem a tecnologia e consideram a falta de um esquema de referências tecnológicas do mundo vida, que poderia constituir o estoque de conhecimentos necessários. Referem, ainda, que são de uma geração que não cresceu com a tecnologia, e que, em contrapartida, a informática faz parte do mundo vida dos alunos, constituindo referenciais que estão sendo passados a eles, que, conseqüentemente, apresentam maior facilidade e habilidade na utilização da informática.

Depreende-se dos discursos que o desconhecimento tecnológico do docente gera medo, insegurança e preconceito em relação à informática. Para os sujeitos, as novas tecnologias não têm um padrão, um sistema comprovado de receitas que podem ser aplicadas ao novo contexto. Os padrões culturais herdados dos seus predecessores não apresentam elementos tecnológicos suficientes para que possam ser transferidos à nova situação vivenciada pelos docentes.

O novo padrão tecnológico cultural que se apresenta é um campo desconhecido para o docente, que, ao invés de ser um abrigo, um ponto pacífico que o auxilie a desemaranhar situações problemáticas, é uma situação problemática em si, que precisa ser interpretada, questionada e investigada, objetivando a reconstrução de novos padrões e a ampliação dos conhecimentos da cibernética, para que possam, futuramente, ser transmitidos e mais bem trabalhados na área do ensino e aprendizagem.

Essa situação gera muito medo e desconforto, pois o docente não tem um referencial de ação que possa ser acionado para solucionar os problemas convergentes da adoção e aplicação da informática no ensino. É uma situação ameaçadora que o limita a "pensar como sempre pensou", que o induz a questionar seus pressupostos e suas concepções relativamente naturais do mundo e que estão enraizadas, gerando medo de perder o seu status, as suas regras de orientação e até mesmo a sua história e o seu estilo de vida normal que lhe parecem garantidos, controláveis e confiáveis. É um momento de transição, e o docente tem um sentimento de estar excluído, à margem do mundo tecnológico, o qual apresenta uma sensação nítida de incoerência e inconsistência dessa nova concepção cultural.

Todos esses conflitos e esse sentir-se impróprio para vivenciar o seu próprio mundo levam os docentes a experienciarem sentimentos de angústia, insegurança, medo de se expor, medo de errar, medo de se sentir menosprezado, medo de fracassar, medo de não ser reconhecido o seu saber, que limitam e impedem o docente de viver plenamente.

Para Schütz, o significado de "pertença a novos grupos" gera um confronto de valores culturais, exigindo uma análise profunda da situação, para que possam ser testados e reconstruídos novos valores, num processo contínuo de evolução e de inter-relação social, onde as concepções fortemente constituídas são reconstruídas, levando às transformações que geram novos comportamentos(22).

O grupo docente sente-se excluído do mundo vida tecnológico, não conseguindo perceber que os próprios alunos também estão vivenciando novos conhecimentos, novas concepções e que existem pessoas que estão na mesma condição. Somente a reflexão e o distanciamento do momento vivido possibilitam a percepção dessas interfaces, gerando transformações.

VISLUMBRANDO CAMINHOS

A trajetória percorrida no estudo, fundamentada na vertente da fenomenologia social de Alfred Schütz, possibilitou captar características típicas da ação - a inserção da informática no ensino de enfermagem, ancoradas no mundo vida de docentes que vivenciam esse ensino, compreendendo o significado dessa ação, enquanto fenômeno social produzido por uma dada sociedade, em uma determinada época e realidade.

Ficou evidente que a ação- inserção da informática no ensino de enfermagem é complexa e está interrelacionada a outros projetos maiores do contexto educacional brasileiro e mundial, bem como aos próprios projetos, enquanto docentes que desempenham um determinado papel social, dentro de um grupo específico de ensino, apresentando diferentes graus de relevância tecnológica.

Assim, considera-se que o momento histórico educacional brasileiro, com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB)(6), que desafia os docentes a repensarem os projetos pedagógicos, é propício para inovações e desenvolvimento de novas estratégias pedagógicas e propostas curriculares experimentais que sejam aderentes à realidade e ao contexto social.

Depreende-se que a inserção de novas tecnologias no ensino de enfermagem exige dos docentes o empreendimento de esforços para alcançar uma definição de seu papel frente à informática na enfermagem, evidenciando a importância da reflexão sobre as questões educacionais que, nesse momento, estão postas diante dos avanços tecnológicos presentes no contexto social, visando à formação tecnológica dos enfermeiros, nas próximas décadas, para atuarem no contexto tecnológico do mundo da saúde, exercendo a enfermagem mediada pela tecnologia, que ampliará e diversificará as formas de interagir, compartilhar e cuidar, em tempos e espaços nunca anteriormente imaginados.

Evidencia-se que a gestão institucional interfere na decisão da escolha dos docentes em relação aos seus projetos de inserção da informática, no ensino de enfermagem, afastando, retardando ou impedindo a sua implementação. Assim, ficou evidente, na análise dos discursos, a importância de as instituições de ensino adotarem uma política de valorização do ensino e de estímulo ao desenvolvimento da utilização da informática no ensino, bem como de propostas orçamentárias que contemplem investimentos para a implementação de recursos tecnológicos, da capacitação tecnológica docente e de assessoria técnica especializada.

Nessa perspectiva, a construção de competências docente para a efetivação da inserção da informática no ensino de enfermagem, deve contemplar políticas institucionais pró-ativas de valorização do ensino e de desenvolvimento tecnológico dos docentes aderentes à sociedade contemporânea, fundamentada na reflexão ético-política, em contraposição aos modismos tecnológicos e aos interesses econômicos, visando integrar as novas tecnologias às necessidades da profissão e a dimensão humana da enfermagem.

No estudo, ficou evidente a necessidade de uma opção consciente e reflexiva dos docentes em relação à inserção das novas tecnologias no processo ensino-aprendizagem em enfermagem, construindo uma concepção de informática compatível com a dimensão humana da prática profissional da enfermagem, baseada no diálogo, na relação face a face, onde o professor assume uma postura de facilitador desse processo, compreendendo as funções da informática nas dimensões do ensino, pesquisa, assistência e gerenciamento de enfermagem.

Dessa maneira, depreende-se a necessidade de inserir as diversas tecnologias da informação e da comunicação na formação de enfermeiros, preparando-os para os desafios tecnológicos na assistência à saúde, na gestão e na definição de referências éticas e científicas, priorizando a interação humana que acontece, especialmente, no trabalho da enfermagem. Assim, considerar o sentido da relação humana no processo educacional coletivo será o desafio mais importante do professor de enfermagem que precisará aprender a fazê-lo em ambientes reais e virtuais.

Acredita-se que não se pode mais adotar abordagens que vão na contramão do desenvolvimento tecnológico da sociedade contemporânea, ficando os professores presos às formas tradicionais de ensino em sala de aula, completamente isoladas do mundo vida, numa relação unilateral, onde o docente é o detentor do saber. Há necessidade de superar esse papel histórico e cultural de docente, e reconstruir novos valores e uma nova relação professor-aluno, fundamentada no diálogo, na identificação das características individuais, das experiências de vida e da situação biográfica, bem como baseada na atitude do professor, facilitando a construção da aprendizagem do aluno, e no diagnóstico das necessidades do contexto educacional.

Recebido em: 7.3.2003

Aprovado em: 3.10.2003

  • 1. Reinaldo C, Ribeiro M. A empresa holística. 2ª ed. Porto Alegre (RS): Vozes; 1990.
  • 2. Mcgee J, Prusak L. Gerenciamento estratégico da informação: aumente a competitividade e a eficiência de sua empresa utilizando a informação como uma ferramenta estratégica. Rio de Janeiro (RJ): Campus; 1994.
  • 3. Wriston WB. O crepúsculo da soberania: como a revolução da informação está transformando o nosso mundo. São Paulo (SP): Makron Books; 1994.
  • 4. Moraes VRP, organizador. Melhorias do ensino e capacitação docente. Porto Alegre (RS): Ed. UFRGS; 1996.
  • 5
    United Nations Educational, Scientific And Cultural Organization (UNESCO). Declaracion mundial sobre la educacion superior en el siglo xxi: vision y accion y marco de accion prioritaria para el cambio y el desarrollo de la educacion superior. In: Conferencia Mundial Sobre La Educacion Superior. Paris, 1998. [online] [citado em 10 de fev 1999] Disponível em URL: <http://www.unesco.org/education/educprog/wehe/declaration_spa.htm>
  • 6
    Lei n. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB. [on line] [citado em 25 fev 2000] Disponível em URL: <http://prolei.cibec.inesp.gov.br/>
  • 7. Mercado LPL. Metodologia do ensino da informática: uma proposta para o ensino superior. [Dissertação]. Santa Maria (RS): Faculdade de Educação/Universidade Federal de Santa Maria; 1993.
  • 8. Severino AJ. Produções de conhecimento, ensino/aprendizagem e educação. Rev Interface 1998; (3):11-20.
  • 9. Killner GI. Micro computadores no ensino de física. [Dissertação]. São Paulo (SP): Instituto de Física/USP;1993.
  • 10. Marin HF. Informática em enfermagem. São Paulo (SP): EPU; 1995.
  • 11. Sabbatini RME. Aplicação das simulações no ensino da enfermagem. In: 2º Encontro Interamericano de Informática em Enfermagem; 1991; São Paulo; São Paulo; 1991. p.48-59.
  • 12. Rodrigues RS. Modelo de avaliação para cursos no ensino a distância: estrutura, aplicação e avaliação. [Dissertação]. Santa Catarina: Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina;1998. [online] [citado em 09 junho 1999] Disponível em URL: <http://www.eps.ufsc.br/disserta98/roser/cap3.htm>
  • 13. Leite MMJ. [Editorial]. Bol Inf EEUSP 1997; 8(5):1.
  • 14. Cassiani SHB. Um salto para o futuro no ensino da administração de medicamentos: desenvolvimento de um programa instrucional auxiliado pelo computador. [Tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1998.
  • 15. Évora YDM. O paradigma da informática em enfermagem. [Tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1998.
  • 16. Marin HF. Nursing informatics in Brasil: a Brazilian experience. Comput Nurs 1998; 16(6):327-32.
  • 17. Nagelkerk J, Ritola PM, Vandort PJ. Nursing informatics: the trend of the future. J Contin Educ Nurs 1998; 29(1):17-21.
  • 18. Saranto K, Leino-Kilpi H. Computer literacy in nursing: developing the information technology syllabus in nursing education. J Adv Nurs 1997; 25(2):377-85.
  • 19. Martins J, Bicudo MA. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo (SP): Moraes; 1989.
  • 20. Schütz A. Fenomenologia del mundo social. Buenos Aires: Paidos; 1972.
  • 21. Schütz A. El problema de la realidad social. Buenos Aires: Amorrortu; 1974.
  • 22. Schütz A. Estudíos sobre teoría social. Buenos Aires (AR): Amorrortu; 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Fev 2004

Histórico

  • Aceito
    03 Out 2003
  • Recebido
    07 Mar 2003
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br