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Os postulados de Nightingale e Semmelweis: poder/vital e prevenção/contágio como estratégias para a evitabilidade das infecções

Nightingale's and Semmelweis' postulates: vital power and contagion prevention as strategies to avoid infections

Los postulados de Nightingale y Semmelweis: energía vital/vida y prevención/contágio como estrategias para evitar las infecciones

Resumos

Trata-se de pesquisa qualitativa, que utilizou a observação como técnica para coleta de dados, tendo como guia um instrumento elaborado a partir de postulados de Florence Nightingale e Ignaz Phillip Semmelweis: poder vital/vida e prevenção/contágio. Registra breve histórico sobre o controle de infecções, destacando o enfoque prevenção/contágio. Discorre sobre o postulado poder vital/vida, apresentando e discutindo os componentes da assistência de Enfermagem dele decorrentes para o desenvolvimento da assistência. Recomenda que se considere articuladamente as vertentes - Poder Vital/Vida e Prevenção/Contágio - como estratégias para a evitabilidade das infecções.

controle de infecções; enfermagem; assistência; prevenção & controle


This qualitative research used observation as a data collection technique, guided by an instrument elaborated on the basis of Nightingale and Semmelweis' postulates: vital power/life and prevention/contagion. A brief history of infection control is offered from the focus of prevention/contagion. The postulate vital power/life is discussed, presenting the nursing care components deriving from it with a view to care development. This study recommends that both postulates - vital power/life and prevention/contagion - be considered in an articulated way as strategies to avoid infections.

infection control; nursing; care; prevention & control


Esta investigación cualitativa utilizó la observación como técnica de recolección de datos, guiándose por un instrumento basado en los postulados de Florence Nightingale e Ignaz Phillip Semmelweis: energía vital/vida y prevención/contagio. Presenta un breve histórico acerca del control de infección, destacando el enfoque prevención/contagio. Habla sobre el postulado energía vital/vida, presentando y discutiendo los componentes de la asistencia de enfermería que se desprenden de él para el desarrollo de la asistencia. Concluye recomendando que se considere articuladamente las vertientes energía vital/vida y prevención/contagio como estrategia para evitar las infecciones.

control de infecciones; enfermería; asistencia; prevención y control


ARTIGO ORIGINAL

Os postulados de Nightingale e Semmelweis: poder/vital e prevenção/contágio como estratégias para a evitabilidade das infecções1 1 Artigo extraído da tese: Carraro TE. Mortes maternas por infecções puerperais: os componentes da assistência de enfermagem no processo de prevenção à luz de Nightingale e Semmelweis. [Tese]. Florianópolis (SC): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFSC; 1998

Nightingale's and Semmelweis' postulates: vital power and contagion prevention as strategies to avoid infections

Los postulados de Nightingale y Semmelweis: energía vital/vida y prevención/contágio como estrategias para evitar las infecciones

Telma Elisa Carraro

Enfermeira, Mestre, Doutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisador e Membro do Programa Integrado de Pesquisa Cuidando e Confortando, Pós-Doutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e-mail: telmacarraro@nfr.ufsc.br

RESUMO

Trata-se de pesquisa qualitativa, que utilizou a observação como técnica para coleta de dados, tendo como guia um instrumento elaborado a partir de postulados de Florence Nightingale e Ignaz Phillip Semmelweis: poder vital/vida e prevenção/contágio. Registra breve histórico sobre o controle de infecções, destacando o enfoque prevenção/contágio. Discorre sobre o postulado poder vital/vida, apresentando e discutindo os componentes da assistência de Enfermagem dele decorrentes para o desenvolvimento da assistência. Recomenda que se considere articuladamente as vertentes - Poder Vital/Vida e Prevenção/Contágio - como estratégias para a evitabilidade das infecções.

Descritores: controle de infecções; enfermagem; assistência; prevenção & controle

ABSTRACT

This qualitative research used observation as a data collection technique, guided by an instrument elaborated on the basis of Nightingale and Semmelweis' postulates: vital power/life and prevention/contagion. A brief history of infection control is offered from the focus of prevention/contagion. The postulate vital power/life is discussed, presenting the nursing care components deriving from it with a view to care development. This study recommends that both postulates - vital power/life and prevention/contagion - be considered in an articulated way as strategies to avoid infections.

Descriptors: infection control; nursing; care; prevention & control

RESUMEN

Esta investigación cualitativa utilizó la observación como técnica de recolección de datos, guiándose por un instrumento basado en los postulados de Florence Nightingale e Ignaz Phillip Semmelweis: energía vital/vida y prevención/contagio. Presenta un breve histórico acerca del control de infección, destacando el enfoque prevención/contagio. Habla sobre el postulado energía vital/vida, presentando y discutiendo los componentes de la asistencia de enfermería que se desprenden de él para el desarrollo de la asistencia. Concluye recomendando que se considere articuladamente las vertientes energía vital/vida y prevención/contagio como estrategia para evitar las infecciones.

Descriptores: control de infecciones; enfermería; asistencia; prevención y control

Os estudos e pesquisas sobre infecções hospitalares tiveram início no século XVIII. Apesar de essas terem surgido no período medieval, época em que foram criadas instituições para alojar pessoas - doentes ou não, peregrinos, pobres e inválidos - as primeiras práticas de controle dessas infecções só surgiram no momento em que o hospital se transformou de um local de assistência aos pobres num local de cura e medicalização. Eram práticas de controle do meio, coerentes com o modelo interpretativo de doença que predominava na Medicina da época. Nesse contexto destaca-se a atuação de Florence Nightingale ao desenvolver prática com suporte epidemiológico para a prevenção e controle de doenças infecciosas e infecções hospitalares, numa época pré-bacteriológica, a qual repercute ainda em nossos dias(1). Semmelweis, contemporaneamente a Nightingale, atuou também de forma a prevenir e controlar as infecções, particularmente as puerperais, de modo empírico, porém sempre procurando identificar fatores que estivessem ocasionando as mesmas. Suas descobertas foram fundamentais para essa temática, a tal ponto de atualmente ser considerado o "pai do controle de infecções"(2).

Com o avanço do conhecimento sobre o homem, particularmente sobre seus aspectos biológicos e conseqüentes intervenções invasivas, principalmente as cirurgias, o controle do meio já não se mostrava eficiente para evitar novas infecções que surgiam. Concomitantemente, deu-se o desenvolvimento da bacteriologia e suas conseqüentes aplicações: assepsia, anti-sepsia, desinfecção, esterilização e antibioticoterapia. Todavia, a incorporação dos conhecimentos da bacteriologia à prática da medicina não ocorreu simultaneamente, retardando resultados concretos de evitabilidade das infecções. Surgiram então as infecções decorrentes das intervenções cada vez mais invasivas(1).

A partir do final do século XIX, as práticas de controle de infecções hospitalares tiveram forte respaldo da bacteriologia, levando à criação de um "mundo asséptico", onde multiplicaram-se os procedimentos de controle sobre o meio. Isso não foi, no entanto, suficiente; seria necessário "esterilizar o homem" também, através da anti-sepsia, degermação e dos antibióticos terapêuticos e profiláticos. Foram desenvolvidas várias técnicas de assepsia, anti-sepsia, desinfecção e esterilização que constituem uma série de procedimentos rituais, muitos deles ainda sem comprovação científica. Todavia, a lavagem das mãos, instituída por Semmelweis antes da era bacteriológica, cuja importância foi epidemiologicamente comprovada, ainda continua sendo negligenciada, não sendo desenvolvida criteriosa e sistematicamente(1).

Não obstante toda essa evolução dos estudos bacteriológicos, as infecções continuaram a acontecer. No momento em que o homem imaginou tê-las sob controle, elas incidiram novamente e com mais força, sob a forma de germes multirresistentes. Esse fato, em meados do século XX, desencadeou mundialmente vários movimentos de estudos em torno de formas de combate a esses germes.

Essas considerações, além de apontar o desenvolvimento da vertente prevenção e contágio, mostram também a luta empreendida contra os microorganismos. Em algumas batalhas o homem venceu e, em outras, perdeu, tendo os germes avançado, criado resistência e se fortalecido, até porque as verdades, mesmo em Microbiologia, são relativas e superadas à medida que o conhecimento avança. As autoras(1) salientam ainda as dificuldades de se combater adversários tão poderosos e imprevisíveis quanto os microorganismos, alertando para a necessidade de cada vez mais estarmos vigilantes e preparados para novos ataques, novas mudanças nas regras da guerra, para a qual nem sempre possuímos as armas adequadas.

A prevenção tende a modificar as condições definidoras de agravos, por isso é considerada eticamente como ação específica do ser humano, sendo sua tendência favorecer o cumprimento do ciclo vital desse ser, assegurando-lhe a potencialização de suas capacidades e poder, permitindo-lhe ser ele mesmo agente da moral(3).

Classicamente o controle de infecções é visto como um emaranhado de técnicas e normas que visam prevenir e controlar as infecções hospitalares. Muitos avanços nesse campo têm sido evidenciados ao longo do tempo. Alguns autores afirmam que o principal objetivo da equipe de controle de infecção é reduzir o número de infecções passíveis de prevenção. As exigências de evidências de que as técnicas de controle sejam custo-efetivas aumentam dia-a-dia(4).

A literatura existente demonstra que o controle de infecções enfatiza a vertente prevenção e contágio. Essa vertente deposita nos profissionais da assistência responsabilidade intangível no sentido de cuidados objetivos e reais, voltados para prevenção e o controle das infecções.

Assim, esses profissionais necessitam cada vez mais buscar novos conhecimentos, habilidades e atitudes na área, fazendo com que, cada vez mais, seu trabalho seja valorizado e, ao mesmo tempo, indispensável dentro das instituições prestadoras de assistência à saúde(5).

No entanto, a prevenção voltada para si mesma, ou seja, a técnica pela técnica, não atinge seus objetivos. É fundamental que o ser humano, o "alvo" da prevenção, seja considerado em sua singularidade e participe, na medida de suas possibilidades, desse processo. Torna-se, assim, necessário que, concomitantemente, a atenção à vertente Prevenção/Contágio, a assistência volte-se também para o componente Poder Vital* * O poder vital é inato ao ser humano, é uma força que tende para a vida e projeta-o para a vida /Vida.

Este texto foi embasado em uma pesquisa subsidiada pelo referencial de Nightingale e Semmelweis, cujos resultados recomendam a inter-relação entre os componentes que emergiram nos postulados poder vital/vida e prevenção/contágio.

Considerando que o postulado prevenção/contágio é alvo de inúmeros estudos e sustenta a prática dos profissionais de controle de infecção, o propósito desse texto é apresentar e discutir resultados da pesquisa referentes ao postulado poder vital/vida.

PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa foi desenvolvida junto a equipes de Enfermagem em maternidades de Curitiba-PR, que apresentaram registros de partos que evoluíram para mortes maternas por infecções puerperais no período de 1989 a 1996, apontadas por uma caracterização descritiva realizada junto aos comitês de Mortes Maternas. Das seis maternidades apontadas pela caracterização descritiva, três participaram da pesquisa, demonstrando interesse pelo assunto e solicitando retorno que pudesse ajudá-las na melhoria da assistência. A maternidade A situa-se em um Hospital-escola e possui Alojamento Conjunto, Centro Obstétrico e UTI neonatal e sua Equipe de Enfermagem é composta por 4 enfermeiras, 8 técnicas de enfermagem, 38 auxiliares de enfermagem e 12 auxiliares de serviços gerais. A instituição B é uma maternidade-escola, composta por um Setor de Admissão, Unidades de Internação, Centro Cirúrgico, Central de Esterilização e Berçário, além das dependências administrativas e de suporte, sua Equipe de Enfermagem conta com 7 enfermeiras e 35 auxiliares de enfermagem, além de receber estagiários de Graduação em Enfermagem e do Curso de Auxiliar de Enfermagem. A maternidade C está inserida em um Hospital Geral e Maternidade e possui Centro Cirúrgico, Central de Esterilização, Berçário e duas Unidades de Internação geral, sua Equipe de Enfermagem é formada por 2 enfermeiras, 4 auxiliares de enfermagem e 22 atendentes de enfermagem.

A observação foi a técnica de coleta de dados, utilizada para levantar em cada instituição do estudo os componentes assistenciais que favoreciam e/ou evitavam as mortes maternas associadas às infecções puerperais, tendo como guia um instrumento de observação elaborado a partir de postulados de Florence Nightingale e Ignaz Phillip Semmelweis: poder vital/vida e prevenção/contágio. O instrumento foi testado e retroalimentado pela pesquisadora antes do início da pesquisa. Em conjunto com as Chefias de Enfermagem foram elaborados cronogramas para a coleta de dados, no período compreendido entre agosto e outubro de 1997, sendo realizadas sessões de observação até que ocorresse a reincidência de informações, apontando para a saturação dos dados. Os períodos de observação tiveram em média de três horas cada um, em horários variados nos turnos da manhã e tarde e, na maternidade A, foram realizados sete períodos; na maternidade B, seis e na C, seis. A observação foi realizada conforme o cronograma estabelecido, independentemente de quais integrantes das equipes de Enfermagem estivessem de plantão.

Os dados obtidos foram registrados fora do ambiente hospitalar, imediatamente após as observações. A análise dos dados foi operacionalizada em três passos: ordenação dos dados obtidos, classificação dos dados e análise dos dados. O processo de análise dos dados foi norteado pelo referencial teórico do estudo, num processo de comparação entre o esperado - postulados de Nightingale e Semmelweis - e o encontrado - os dados da observação.

Em respeito aos preceitos éticos da pesquisa com seres humanos cabe registrar que antes de iniciar a coleta de dados foi solicitado que os participantes assinassem o Consentimento Livre e Esclarecido, sendo que os mesmos poderiam deixar de participar da pesquisa quando assim o desejassem. Concomitantemente, a pesquisadora firmou o termo de Compromisso Ético de Sigilo e Anonimato.

APRESENTANDO OS POSTULADOS DE NIGHTINGALE E SEMMELWEIS

Ao tratar da evitabilidade das infecções hospitalares, a autora optou pelos estudos de Florence Nightingale e Ignaz Philipp Semmelweis, para sustentar teoricamente este estudo. Percebeu-se entre eles algumas semelhanças, seja nos seus pensamentos, perspicácia e persistência, seja na valentia e determinação em prol daqueles que estavam expostos a agravos na vivência do processo saúde-doença. Pioneiros na aplicação da Epidemiologia e da Estatística, ambos conseguiram associar a teoria e a prática, com habilidade. Com medidas simples, óbvias e viáveis, cada um projetou-se em sua atuação, conseguindo controlar, em seus tempos, as infecções e, conseqüentemente, diminuir a mortalidade a elas associada.

Nightingale e Semmelweis, destaques da história, não se deixaram dominar pelos momentos adversos que viveram; acreditaram em seus trabalhos e os organizaram como nova perspectiva para o futuro. Hoje são modelos e suporte no ideal de evitar que pessoas morram por infecções que há mais de um século já foram apontadas como passíveis de controle, com medidas simples, como lavar as mãos e organizar o ambiente de internação para preservar a dignidade dos pacientes. No século XXI, eles ainda são exemplos para que se possa contribuir na evitabilidade das infecções hospitalares, e assim diminuir o sofrimento intangível daqueles que as contraem(2).

Seus escritos manifestam o postulado prevenção/contágio como uma vertente de atuação. Esse postulado aponta para a necessidade de os profissionais da assistência adotarem postura tecnocientífica perante a problemática das infecções hospitalares, assumindo seu papel preventivo, desenvolvendo suas atividades de acordo com os preceitos de prevenção e controle.

Por outro lado, pode-se depreender de suas vivências a vertente relacionada ao postulado poder vital/vida, a qual sugere ao profissional atuar em conjunto com o ser humano, visando potencializar o seu poder vital e despertar ou fortalecer nele a força necessária para enfrentar a adversária, ou seja a infecção hospitalar. Nightingale afirmava que o ser humano possui um poder vital e conduzia a assistência de modo a potencializá-lo. Semmelweis, reconhecendo o direito à vida, observava as questões emocionais das mulheres que assistia. Ambos atuavam de forma a prevenir as infecções e a morte.

APRESENTANDO OS DADOS

Ao realizar a observação nas maternidades, tendo por guia o postulado poder vital/vida foi dada atenção às situações de assistência, buscando identificar aquelas que se referiam aos componentes: observação e atenção ao estado emocional do ser humano; relações interpessoais; conforto e bem-estar e condições oferecidas pelo ambiente na potencialização do poder vital. Na Tabela 1, a seguir, estão registrados, de forma condensada, os achados da pesquisa a respeito do postulado poder vital/vida.

DISCUTINDO OS COMPONENTES DA ASSISTÊNCIA EMBASADOS NO POSTULADO PODER VITAL/VIDA

A reflexão aqui proposta partiu da realidade observada, procurando extrair da mesma os componentes da assistência evidenciados e discuti-los, tendo o suporte da literatura e relacionando a prática à teoria.

Observação e atenção ao estado emocional do ser humano:

Componentes evidenciados:

- Medo;

- Anestesia;

- Morte;

- Dor;

- Procedimento;

- Descaso ao pudor;

- Falta de individualidade;

- Falta de espaço para verbalização de sentimentos;

- Falta de atenção aos seus sentimentos;

- Falta de atenção às suas dificuldades;

- Algumas atitudes de respeito aos sentimentos. Os dados mostram que se deve estar atento às reações do ser humano quanto a: medos, pudor e individualidade, emoções e sentimentos.

O medo está presente constantemente no processo saúde-doença, contudo, nem sempre o percebe-se ou, então, quando é percebido, há os próprios medos dos profissionais, ou, ainda, não se sabe o que fazer em razão da formação recebida. Algumas vezes ignora-se, outras ironiza-se, sugerindo, com essa maneira de relacionar, a não inclusão dos sentimentos do outro como componente das necessidades assistenciais, mesmo que reduzidos ao "campo emocional".

A questão do pudor e a individualidade também surgem e a reação do profissional geralmente é manter/seguir naturalmente, expondo o corpo do outro, sem prestar atenção a esse componente e ao que significa para o outro.

Existem os sentimentos positivos e os negativos. Os sentimentos positivos aumentam a força e bem-estar do ser humano, gerando sensação de integridade, vida, plenitude, esperança e prazer, renovação. Em contrapartida, os sentimentos negativos interferem no prazer, consomem energia e esgotam, dando sensação de vazio, solidão e mutilação. Possuem ainda o impacto de perda, como a percepção de "pequenas mortes"(6).

A atuação junto ao ser humano é, ainda, insuficiente em termos de observação e atenção às suas necessidades emocionais. Num momento de vários significados e temores, ele fica sob a responsabilidade da equipe de saúde, longe de seus familiares, e é tratado como se não tivesse individualidade e identidade próprias, nem especificidades que fazem dele um ser singular, integral, indivisível e insubstituível. Ou seja, fica à mercê da falta de um princípio básico na Enfermagem, "Enfermeiro é gente que cuida de gente"(7).

A precursora da Enfermagem Moderna recomendava "...não expor uma grande superfície do corpo de uma só vez..."(8). Ela se preocupava não apenas com o pudor da pessoa, no sentido emocional de se expor o corpo, mas também com o desconforto e as conseqüências que a variação da temperatura poderia gerar. Semmelweis levantava a hipótese de que a mulher pudesse sentir-se invadida em seu pudor ao ser examinada por homens e que esse fato desencadeasse algum tipo de reação física(9).

Pesquisas realizadas descobriram que os mensageiros químicos que operam mais intensamente, tanto no cérebro quanto no sistema imunológico, são mais densos nas áreas neurais que regulam as emoções. As emoções possuem impacto sobre o sistema nervoso autônomo, o qual regula todas as funções do organismo, desde quanta insulina é secretada pelo pâncreas até os níveis da pressão sangüínea. O sistema nervoso autônomo fala diretamente com os macrófagos e linfócitos, células do sistema imunológico(10).

Assim, a maneira como o ser humano é assistido na vivência do seu processo saúde-doença pode desencadear estresse, depressão e dor, interferindo diretamente em seu estado emocional, influenciando seu sistema imunológico.

Relações interpessoais:

Componentes evidenciados:

- Família;

- Facilitadas;

- Favorecidas;

- Dificultadas;

- Equipe;

- Favorecidas;

- Falta de diálogo;

- Falta de privacidade;

- Pacientes;

- Cooperativismo.

Os dados revelaram que as relações interpessoais mostram-se prejudicadas de maneira geral nas instituições de saúde, seja entre a equipe de assistência e o ser assistido, entre o ser humano e seus familiares e amigos, ou mesmo entre os companheiros de hospitalização. Evidencia-se o preparo insuficiente da equipe assistencial para o desenvolvimento de um bom relacionamento. Poucas são as vezes em que transparece uma relação terapêutica entre paciente e profissional, e essas experiências positivas perdem a expressão frente à "força" dos eventos negativos.

O ser humano hospitalizado necessita não apenas de normas e leis que direcionem a assistência, mas, também, mais do que isso, tem o direito de buscar respostas satisfatórias para as suas necessidades. Ao buscar assistência à saúde, na maioria das vezes fica à mercê de instituições e profissionais, perdendo sua condição de cidadão, sendo considerado sujeito passivo, dependente e submetido a condutas pré-estabelecidas(5).

Contrapondo-se a essa conduta, existe a tendência na área de saúde que enfatiza a necessidade de se respeitar o ser humano como sujeito ativo em seu processo saúde-doença, estabelecendo relacionamento terapêutico e respeitoso. O ser humano precisa sentir que estamos com ele, junto dele! Estar com ele pode ser expresso de formas simples, tais como: segurar sua mão, sorrir, secar seu suor... Também pelo olhar e pelo ouvir. Muitas vezes ele necessita, mais do que ouvir, sentir a presença do outro.

A reflexão a seguir enfatiza a importância da relação interpessoal: "A relação clínico-paciente afeta o resultado do tratamento, porque se o paciente tem um relacionamento caloroso, de suporte com o clínico, se tem uma expectativa positiva, vendo o clínico como um companheiro com conhecimento de causa, na maioria das vezes o resultado é positivo. Se você acreditar que tanto o profissional - ou a droga - vão lhe ajudar, então vão ajudar. Todos nós precisamos encontrar cuidadores que respeitemos, acreditando que eles podem aumentar o nosso processo sarador"(11).

Esse pensamento é reforçado pela afirmação que "...há o valor terapêutico do médico ou enfermeiro empático, sintonizado com os pacientes, capaz de ouvir e se fazer ouvido. Isso significa promover uma 'assistência centrada no relacionamento', reconhecer que o relacionamento entre médico e paciente é em si um fator importante"(10).

"Interagir é um ato inerente ao processo de cuidar e confortar e implica a troca de energia, informações, sentimentos, conhecimentos, ações e reações entre seres humanos. Acreditamos que embora outras pessoas possam confortar, a enfermeira tem uma oportunidade única de preencher este papel quando dada pessoa mais necessita"(12).

Reconhecendo a importância das relações interpessoais e o fundamental papel da família na vida das pessoas hospitalizadas, o familiar visitante deve ser visto como potencializador do poder vital do ser humano, contribuinte na recuperação do ser humano quando hospitalizado. Por outro lado, existe a preocupação sobre as possibilidades de contaminação, tanto de pacientes quanto de visitantes. Essa preocupação é um alerta para que usemos de bom senso ao avaliar os prós e contras da visita ao paciente, de modo a potencializar o poder vital e aceitar riscos adicionais.

Conforto e bem-estar:

Componentes evidenciados:

- Não priorizado;

- Fisicamente;

- Emocionalmente;

- Falta de atenção às necessidades fisiológicas e de higiene.

O conforto e bem-estar dos seres assistidos nem sempre são priorizados pela equipe de assistência, desconsiderando que Nightingale primava pelo conforto e bem-estar dos pacientes, orientava a atenção às suas necessidades, sejam físicas ou emocionais. Salientava que a doença nem sempre era a causa dos sofrimentos que a acompanham, mas que os sintomas e/ou sofrimentos, muitas vezes, decorrem da falta de aquecimento, limpeza e pontualidade na assistência às necessidades do paciente, a quem a Enfermagem deve assistir de forma que haja um mínimo de dispêndio do seu poder vital(8).

Cuidar é inerente à natureza da Enfermagem, central ao papel do enfermeiro. Cuidar envolve compromisso com a livre escolha, para apoiar e desenvolver essa força vital que existe dentro de cada ser humano.

Em discussão sobre questões da mente e da medicina encontra-se a afirmação: "...qualquer encontro com uma enfermeira ou médico pode ser uma oportunidade de uma informação tranqüilizadora, conforto e alívio - ou, se tratado com infelicidade, um convite ao desespero"(10). O autor prossegue salientando que, "Embora seja um passo para a assistência mais humana quando um médico ou enfermeiro oferece conforto e consolo a um paciente angustiado, é possível fazer mais. Mas a assistência emocional é uma oportunidade demasiadas vezes perdida na maneira como se pratica a medicina hoje; um ponto cego para a medicina"(10).

Condições oferecidas pelo ambiente que influenciam na potencialização do poder vital:

Componentes evidenciados:

- Aparência;

- Favorável;

- Desfavorável;

- Possibilidade de receber visitas;

- Positiva;

- Negativa;

- Relacionamento entre pacientes;

- Favorável;

- Desfavorável.

As questões do ambiente surgiram, mostrando sua influência direta sobre o poder vital dos seres humanos, quer sejam referentes ao meio ambiente externo ou interno a eles. Os integrantes das equipes de assistência não atentam que suas atitudes influenciam diretamente o ambiente e a situação vivenciada pelos mesmos, pois "o meio ambiente propicia meios de prevenção e contribui para a saúde ou para a doença"(8).

Nas instituições hospitalares, a equipe multiprofissional desenvolve suas atividades em um contexto em que o paciente é fragmentado, visto como um ser humano divisível em especialidades e até em ações(5). A equipe de assistência, na maioria das vezes, só fala com os pacientes quando precisa que eles realizem algum procedimento, geralmente para "ordenar" alguma ação. Os profissionais das equipes de saúde ainda não estão conscientes de que: "A idéia, que não é nova na medicina, mas que neste século desempenhou um papel menor - é a de que, se houver um ambiente positivo - social, emocional, nutricional, espiritual -, a capacidade de autocura do corpo pode fazer muita coisa"(13). Nightingale - 1859 e Semmelweis - 1861 defendiam essas questões. Ela, ao afirmar a importância da mobilização do meio ambiente no sentido de oferecer as melhores condições para que o poder vital do ser humano seja potencializado. Ele, ao acreditar na vida e desencadear as pesquisas para a evitabilidade das mortes maternas associadas às infecções puerperais, inclusive considerando as influências ambientais, seja ao questionar porquê as mulheres que tinham seus filhos na rua não contraíam febre puerperal, ou seja, ao evitar que as mulheres internadas ouvissem os rituais religiosos daquelas que estavam morrendo por febre puerperal.

O postulado poder vital/vida mostra-se justificado, também, pelos pressupostos da psiconeuroimunologia (PNI), a qual, constitui atualmente uma ciência de ponta, cujo "...próprio nome reconhece as ligações: psico, de "mente"; neuro, do sistema neuroendócrino (que inclui o sistema nervoso e o de hormônios); e imunologia, do sistema imunológico"(10).

Atribui-se valor ao sistema de relações interpessoais no enfrentamento de doenças pelo reforço do sistema imunológico e outras defesas pessoais(3). Relacionando esse assunto com a citação hipocrática "Oponha-se ao mal o doente juntamente com o médico", o autor faz referência à psiconeuroimunologia. Enfatiza que o principal meio preventivo está no comportamento responsável, além do peso da contribuição emocional e das relações interpessoais, destacando que, de fato, muitas vidas têm sido preservadas com o auxílio da psiconeuroimunologia(3).

Atualmente estudos enfatizam que o sistema imunológico está tão intimamente ligado ao sistema nervoso que não mais é possível referir-se apenas a um ou a outro. Diz respeito ao sistema imunológico, na expressão plástica da palavra, tudo que toca, penetra ou interage com nosso corpo. Do oxigênio que produz radicais livres às substâncias alimentares, ao feto que é gerado no útero materno; do toque da pessoa amada na pele ao vírus que penetra na célula, tudo aciona o sistema imunológico e, com ele, o sistema nervoso. Semelhantemente, tudo que ativa o sistema nervoso - e aquilo que não o ativa - estimula inexoravelmente o sistema imunológico(14).

Essas descobertas científicas vão ao encontro das ações e dos registros deixados por Nightingale e Semmelweis. Na concepção de Nightingale, o ser humano possui um poder interior usado para vivenciar o processo saúde-doença, para o qual ela buscava estratégias de fortalecimento, respeitando cada ser humano como único e singular, dando-lhe a atenção e o cuidado necessários. Na preocupação de Semmelweis em descobrir a causa da febre puerperal, levantando hipóteses, que à época pareciam insanas, tais como o medo da morte e o pudor ao serem atendidas por homens.

CONCLUINDO: NA INTER-RELAÇÃO DOS POSTULADOS PODER VITAL/VIDA E PREVENÇÃO/CONTÁGIO AS POSSIBILIDADES DE PREVENÇÃO

Os resultados da pesquisa como um todo recomendam a inter-relação entre os componentes que emergiram dos postulados poder vital/vida e prevenção/contágio. Esses foram apontados enquanto duas vertentes para a prevenção e controle das infecções puerperais, as quais deverão ser trabalhadas concomitantemente. Conclui-se que essas vertentes são válidas para a prevenção e controle das infecções em geral.

Da vertente poder vital/vida emergiram os componentes: observação e atenção ao estado emocional do ser humano; relações interpessoais; conforto e bem-estar e condições oferecidas pelo ambiente na potencialização do poder vital.

No que se refere à prevenção/contágio, os componentes foram: assistência direta ao ser humano; limpeza, desinfecção, esterilização e anti-sepsia; observação de princípios básicos de prevenção de infecções; SCIH atuante; educação à saúde e educação continuada.

Nightingale e Semmelweis há mais de um século atuavam, ensinavam e sugeriam que a assistência fosse desenvolvida de forma a inter-relacionar as vertentes poder vital/vida e prevenção/contágio. No entanto, no transcorrer da história, a vertente poder vital/vida foi deixada à margem da assistência, tendo sido mais enfatizadas as questões referentes à prevenção/contágio. Não obstante, essa maior ênfase na prevenção/contágio, grande parte dos profissionais atuam desconsiderando seus princípios, o que contribui para a alta incidência das infecções hospitalares, ainda nos dias atuais.

A reflexão aqui proposta buscou a associação entre a objetividade do postulado prevenção/contágio com a subjetividade do postulado poder vital/vida, num exercício simultâneo de abstração e concretude, relacionando a prática à teoria. Resultou do exame das atividades observadas e resgatou princípios que fundamentam a prevenção de infecções, à luz dos postulados de Nightingale e Semmelweis. Trouxe à tona a necessidade da volta aos princípios básicos e elementares da assistência ao ser humano e da prevenção e controle de infecções, aqueles já preconizados por eles no século passado, dentre os quais destacam-se a assistência singularizada e humanizada.

Este texto oferece subsídios para a assistência envolvendo o ser humano, lembrando-se da existência de seu poder vital e potencializando-o com vistas ao reforço de seu sistema imunológico. Sugere a atuação da equipe de assistência, imbuída de compromisso moral, ético, filosófico e legal, agindo conscientemente na busca de soluções para os problemas percebidos frente à prevenção e controle das infecções. Indica o desenvolvimento da assistência considerando-se articuladamente estas duas vertentes - poder vital/vida e prevenção/contágio, como estratégia de evitabilidade das infecções, ressaltando medidas simples e seculares como o é a lavagem das mãos, a limpeza do ambiente e o "estar com" o ser humano, preservando a identidade daqueles que se encontram "temporal" e "espacialmente" como pacientes e profissionais de saúde.

Recebido em: 4.6.2003

Aprovado em: 14.4.2004

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  • 1
    Artigo extraído da tese: Carraro TE. Mortes maternas por infecções puerperais: os componentes da assistência de enfermagem no processo de prevenção à luz de Nightingale e Semmelweis. [Tese]. Florianópolis (SC): Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFSC; 1998
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    O poder vital é inato ao ser humano, é uma força que tende para a vida e projeta-o para a vida
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Recebido
      04 Jun 2003
    • Aceito
      14 Abr 2004
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