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Uso de substâncias psicoativas, um novo velho desafio

EDITORIAL

Uso de substâncias psicoativas, um novo velho desafio

Isabel Amélia Costa MendesI; Margarita Antonia Villar LuisII

IPresidenta do Conselho Diretor e Editora da Revista Latino-Americana de Enfermagem, Professor Titular, Diretor, e-mail: iamendes@eerp.usp.br

II Vice-Presidenta do Conselho Diretor da Revista Latino-Americana de Enfermagem; Professor Titular, Vice-Diretor, e-mail: margarit@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

Desde os anos oitenta organizações internacionais tais como a Organização Mundial da Saúde, a Organização Panamericana da Saúde, Ministérios e Secretarias responsáveis por diretrizes locais de saúde de vários países reconhecem as conseqüências do uso de substâncias psicoativas, não só para o indivíduo que as consome, como também para a família, outras pessoas próximas e para a comunidade em geral.

Relatório com dados sobre a saúde no mundo referente ao ano de 2002 indicava que 8,9% do montante global de doenças resulta do consumo de substâncias psicoativas. Esse mesmo relatório informava que, em 2000, o tabaco estava presente em 4,1%, o álcool 4% e as drogas ilícitas em 0,8% do peso global das doenças. Parte dessa carga, relacionada ao consumo de substâncias e às dependências químicas, resulta de problemas de origem sanitária e social, incluindo-se nessa plêiade a disseminação do HIV/AIDS através do uso de drogas injetáveis(1).

Os vários problemas de saúde associados ao consumo e à dependência do tabaco, do álcool e de outras substâncias lícitas e ilícitas demandam maior atenção por parte dos profissionais de saúde e solicitam respostas e políticas públicas apropriadas que proponham a resolver ou ao menos minimizar esses problemas nas distintas sociedades. O conhecimento sobre as questões relacionadas ao uso de substâncias e às dependências químicas possui ainda muitas lacunas que devem ser preenchidas, daí a importância de se somarem esforços provenientes de representantes de todos os segmentos sociais: políticos, legisladores, pesquisadores, profissionais de saúde e outros grupos da sociedade civil.

No que tange aos profissionais de saúde o problema das dependências químicas não é uma novidade; dificilmente algum deles não cuidou de um usuário de substâncias psicoativas com patologia associada ao consumo de álcool ou tabaco, a questão que se impõe no momento é a mudança de atitude em relação a essa clientela, pois o preconceito e a discriminação estão entre os principais obstáculos ao tratamento e aos cuidados de pessoas com dependência química e problemas associados.

Estudo da Organização Mundial da Saúde realizado em 2001, para avaliar as atitudes perante 18 incapacidades em 14 países constatou que o "uso nocivo de substâncias" estava em primeiro ou entre os primeiros lugares em termos de desaprovação ou preconceito social(2).

Dentre as pessoas que emitiram sua opinião encontram-se os profissionais de saúde e, certamente, os enfermeiros não são uma exceção, inclusive porque já há estudos feitos nos Estados Unidos e Brasil que mostram o desconforto do enfermeiro em trabalhar com essa população, assim como o pouco conhecimento teórico-prático que recebem durante a formação.

Há de se entender que o consumo de substâncias psicoativas faz e continuará fazendo parte do cotidiano de trabalho do enfermeiro e de outros membros da equipe de saúde; não se pode mais ignorar a sua presença, às vezes muito mais próxima do que o desejável, mas nem por isso deve ser negada. O uso de álcool e outras drogas está ocupando um lugar na sociedade antes ocupado por outros hábitos; é inegável que as pessoas (jovens e adultos) buscam consumir tais substâncias para obter seus efeitos prazeirosos, relaxantes ou anestesiantes. A mudança de atitude frente à esse problema e às suas graves conseqüências deve provir inicialmente dos órgãos públicos, dentre eles os responsáveis pela saúde.

Cabe aos enfermeiros a busca do conhecimento sobre o tema, mudar a postura de negação do problema para o enfrentamento de questões como o uso de substâncias psicoativas, a dependência com ações pautadas em parâmetros humanitários e de respeito à cidadania.

O usuário, independentemente do nível de consumo e da substância utilizada, é um indivíduo que tem os mesmos direitos à saúde, à educação, a oportunidades de trabalho e de reintegração na sociedade como qualquer outro. Portanto é merecedor de um acolhimento cordial e respeitoso da parte do profissional cuidador.

Da mesma forma, a atuação frente aos vários grupos da comunidade deve contemplar nas ações que visem a promoção da saúde, programas de prevenção ao uso nocivo de substâncias psicoativas, elaborados em parceria com representantes das comunidades.

Este suplemento da Revista Latino Americana de Enfermagem, produto de políticas e ações institucionais, apresenta 19 artigos enfocando o uso de substâncias psicoativas escritos por enfermeiros participantes de programa desenvolvido em parceria entre a ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (EERP-USP) e a COMISSÃO INTERAMERICANA PARA O CONTROLE DO ABUSO DE DROGAS (CICAD/OEA). Foram redigidos a partir das monografias de cursos de Especialização sobre Investigação nessa temática e apoiados por esse organismo internacional. Seus conteúdos retratam experiências de investigações sobre o tema em 9 países latino-americanos. A expectativa é de que o conhecimento gerado por esses trabalhos constitua uma semente que frutifique na forma de muitos outros trabalhos futuros, sejam eles no nível de formação de recursos humanos, de geração de conhecimento e - com base nele - de implementação de ações estratégicas que contribuam para a redução do uso de drogas e ainda mais, subsidiem o estabelecimento de políticas que se somem àquelas já existentes em busca de solução desta problemática que afeta substancialmente a sociedade globalizada.

Ademais, pereniza-se neste periódico científico mais do que o produto do investimento da OEA/CICAD no capital humano da enfermagem latinoamericana no programa em prol da redução da demanda de drogas: registra-se também nosso reconhecimento e gratidão aos governos do Japão, Estados Unidos da América do Norte e Canadá pela sensibilidade e ação política apoiando o projeto da OEA/CICAD para as Escolas de Enfermagem, permitindo o alcance desses resultados. Endereçamos nossos agradecimentos à OEA por possibilitar e favorecer o desenvolvimento do projeto, o alcance das metas e por acreditar na capacidade de nossas instituições e na competência de nossos recursos humanos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. World Health Organization. The World health report 2002. Geneva (SWZ): WHO; 2002.

2. Room R. Cross cultural views on stigma, valuation, parity and societal values Toward disability. In: Ustun TB. Disability and Culture: universalism and diversity. Seattle (WA): Hogrefe & Huber; 2001. p. 247-91.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
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