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Utilização da versão adaptada da escala de qualidade de vida de Flanagan em pacientes cardíacos

Utilización de la versión adaptada de la escala de calidad de vida de Flanagan en pacientes cardíacos quirúrgicos

Use of the adapted version of the Flanagan quality of life scale with post-surgical cardiac patients

Resumos

Este estudo descritivo e observacional teve como objetivo medir a qualidade de vida de pacientes revascularizados, utilizando a Escala de Qualidade de Flanagan, em sua versão adaptada por Burckhardt e colaboradores. Foram entrevistados 124 pacientes, média de idade de 62 anos, a maioria do sexo masculino (62,1%) e tempo médio, após a cirurgia, de 2,49 anos. Obtivemos valores entre 44 e 112 (média=84,79 e s=13,54) (variação possível de 16 a 112, com valores maiores indicando maior satisfação com a qualidade de vida). No que se refere à qualidade de vida, os resultados refletiram alta satisfação com os aspectos abordados pelo instrumento, estando os pacientes cardíacos entre satisfeitos e bastante satisfeitos com a qualidade de suas vidas. Os itens levantados como fontes de maior satisfação foram: ter e criar filhos e relacionamento com os amigos, e os de menor satisfação participar de atividades recreacionais e esportivas e saúde.

qualidade de vida; cirurgia torácica


La finalidad de este estudio descriptivo y observacional fue medir la calidad de vida de pacientes revascularizados, utilizando la Escala de Calidad de Vida de Flanagan, en su versión adaptada por Burckhardt y colaboradores. Fueron entrevistados 124 pacientes con promedio de edad de 62 años, la mayoría del sexo masculino (62,1%) y el tiempo medio después de la cirugía fue de 2,49 años. Obtuvimos valores entre 44 y 112 (promedio=84,79 y s=13,54) (variación posible entre 16 y 112), con valores mayores indicando mayor satisfacción con la calidad de vida. Respecto a la calidad de vida, los resultados revelaron alta satisfacción con los aspectos evaluados por el instrumento. Los pacientes cardíacos estuvieron entre satisfechos y bastante satisfechos con su calidad de vida. Los ítems considerados como fuentes de mayor satisfacción fueron: tener y crear hijos y su relación con los amigos, y los de menor satisfacción participar de actividades recreativas y deportivas y salud.

calidad de vida; cirugía torácica


This descriptive and observational study aimed to measure the quality of life of patients after coronary artery bypass graft surgery. Quality of life (QOL) was measured using the 15-item Flanagan Quality of Life Scale, modified by adding a 16th item on independence, as recommended by Burckhardt and her collaborators. 124 patients were interviewed, average age was 62 years, most patients were male (62.1%) and average time after surgery was 2.49 years. Scores ranged from 44 to 112 (sample mean=84.79 and s=13.54) (possible range from 16 to 112), in which higher values indicate greater satisfaction with quality of life. The results on quality of life reflected high satisfaction levels as to the aspects approached by the instrument, with cardiac patients ranging from satisfied to quite satisfied with their quality of life. The following items came up as greatest sources of satisfaction: having and raising children and relationships with friends, while patients were least satisfied about participating in recreation activities and sports and health.

quality of life; thoracic surgery


ARTIGO ORIGINAL

Utilização da versão adaptada da escala de qualidade de vida de Flanagan em pacientes cardíacos

Use of the adapted version of the Flanagan quality of life scale with post-surgical cardiac patients

Utilización de la versión adaptada de la escala de calidad de vida de Flanagan en pacientes cardíacos quirúrgicos

Rosana Aparecida Spadoti DantasI; Cristiane Franca Lisboa GóisII; Lia Mara da SilvaIII

IProfessor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: rsdantas@eerp.usp.br

IIEnfermeira do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

IIIAluna do Curso de Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Bolsista de Iniciação Científica do CNPq

RESUMO

Este estudo descritivo e observacional teve como objetivo medir a qualidade de vida de pacientes revascularizados, utilizando a Escala de Qualidade de Flanagan, em sua versão adaptada por Burckhardt e colaboradores. Foram entrevistados 124 pacientes, média de idade de 62 anos, a maioria do sexo masculino (62,1%) e tempo médio, após a cirurgia, de 2,49 anos. Obtivemos valores entre 44 e 112 (média=84,79 e s=13,54) (variação possível de 16 a 112, com valores maiores indicando maior satisfação com a qualidade de vida). No que se refere à qualidade de vida, os resultados refletiram alta satisfação com os aspectos abordados pelo instrumento, estando os pacientes cardíacos entre satisfeitos e bastante satisfeitos com a qualidade de suas vidas. Os itens levantados como fontes de maior satisfação foram: ter e criar filhos e relacionamento com os amigos, e os de menor satisfação participar de atividades recreacionais e esportivas e saúde.

Descritores: qualidade de vida; cirurgia torácica

ABSTRACT

This descriptive and observational study aimed to measure the quality of life of patients after coronary artery bypass graft surgery. Quality of life (QOL) was measured using the 15-item Flanagan Quality of Life Scale, modified by adding a 16th item on independence, as recommended by Burckhardt and her collaborators. 124 patients were interviewed, average age was 62 years, most patients were male (62.1%) and average time after surgery was 2.49 years. Scores ranged from 44 to 112 (sample mean =84.79 and s=13.54) (possible range from 16 to 112), in which higher values indicate greater satisfaction with quality of life. The results on quality of life reflected high satisfaction levels as to the aspects approached by the instrument, with cardiac patients ranging from satisfied to quite satisfied with their quality of life. The following items came up as greatest sources of satisfaction: having and raising children and relationships with friends, while patients were least satisfied about participating in recreation activities and sports and health.

Descriptors: quality of life; thoracic surgery

RESUMEN

La finalidad de este estudio descriptivo y observacional fue medir la calidad de vida de pacientes revascularizados, utilizando la Escala de Calidad de Vida de Flanagan, en su versión adaptada por Burckhardt y colaboradores. Fueron entrevistados 124 pacientes con promedio de edad de 62 años, la mayoría del sexo masculino (62,1%) y el tiempo medio después de la cirugía fue de 2,49 años. Obtuvimos valores entre 44 y 112 (promedio=84,79 y s=13,54) (variación posible entre 16 y 112), con valores mayores indicando mayor satisfacción con la calidad de vida. Respecto a la calidad de vida, los resultados revelaron alta satisfacción con los aspectos evaluados por el instrumento. Los pacientes cardíacos estuvieron entre satisfechos y bastante satisfechos con su calidad de vida. Los ítems considerados como fuentes de mayor satisfacción fueron: tener y crear hijos y su relación con los amigos, y los de menor satisfacción participar de actividades recreativas y deportivas y salud.

Descriptores: calidad de vida; cirugía torácica

INTRODUÇÃO

Avaliar a qualidade de vida (QV) de pessoas com doenças crônicas tem sido uma maneira de determinar o impacto do cuidado de saúde quando a cura não é possível(1). Ela tem sido objeto de investigação na área da saúde, por ser considerada importante aspecto na avaliação dos resultados de diferentes procedimentos terapêuticos usados nessa população. Não apenas os aspectos relacionados à redução dos sintomas e prolongamento da vida estão sendo investigados, mas, também, a sobrevida do doente e como a qualidade de vida se apresenta para ele próprio e para a sociedade.

Profissionais da saúde precisam ter claro qual o conceito de QV que está sendo abordado nos estudos consultados ou desenvolvidos por eles próprios. Muitas vezes o conceito de QV tem sido confundido com estado funcional, sintomas, evolução da doença ou efeitos colaterais dos tratamentos(1).

QV tem sido definida de diferentes formas na literatura. Na ausência de uma única definição aceita universalmente, alguns pesquisadores argumentam que a maioria das pessoas, pelo menos nos países ocidentais, estão familiarizadas com a expressão "qualidade de vida" e têm uma compreensão intuitiva do que ela compreende. É sabido que QV incorpora significados diferentes para as pessoas e apresentam diferentes significados de acordo com as áreas de aplicação. Na área da saúde, no contexto dos estudos clínicos, os pesquisadores têm interesse nos aspectos da QV que são afetados pelas doenças e/ou tratamento, muito mais do que no sentido mais geral de QV. Assim, a terminologia qualidade de vida relacionada à saúde (Health-related quality of life) tem sido muito usada(2).

Enquanto alguns pesquisadores acreditam que o uso de instrumentos que investigam qualidade de vida relacionada à saúde seja apropriado, outros defendem o uso de instrumentos que sejam norteados por uma visão holística de QV(3-6).

Qualidade de vida é um conceito de interesse em estudos de pessoas com doença arterial coronariana que têm sido submetidas a diferentes tipos de tratamento, entre eles a cirurgia de revascularização do miocárdio (RVM). Por acreditarmos que a doença coronariana, como toda doença crônica, é multidimensional, e afeta potencialmente todos os aspectos da vida pessoal e familiar, a escolha de um instrumento holístico é importante(7-8). Assim, a escolha de um instrumento genérico para avaliar a QV faz-se necessário.

A Escala de Qualidade de Vida de Flanagan

Entre os instrumentos genéricos de avaliação de qualidade de vida, disponíveis atualmente, temos aquele desenvolvido pelo psicólogo americano John Flanagan, na metade da década de 70. Usando a técnica do incidente crítico, o estudo abordou aproximadamente 3000 indivíduos norte-americanos, de ambos os sexos e diferentes faixas etárias. Os participantes eram indagados sobre quais as coisas importantes que haviam acontecido com eles e quão satisfeitos estavam com elas. Dos resultados obtidos, determinou-se 15 componentes, agrupados em cinco dimensões: bem-estar físico e mental, relações com outras pessoas, envolvimento em atividades sociais, comunitárias e cívicas, desenvolvimento e enriquecimento pessoal e recreação(5).

O instrumento originado por esses 15 componentes foi aplicado em 3000 indivíduos, nas faixas etárias dos 30, 50 e 70 anos, usando uma escala de 5 pontos. O resultado dessa pesquisa resultou na confirmação de que todos aqueles itens eram importantes(1,5).

Para este instrumento foi proposto o uso de uma escala do tipo Likert de sete pontos, para avaliar o grau de satisfação dos indivíduos com diferentes aspectos da vida, variando de sete (7) (completely satisfied) a um (1) (completely insatisfied)(9).

A escala original de Flanagan foi traduzida para mais de 16 línguas, inclusive o português(1). No Brasil, os autores que a traduziram(10) não fizeram referência quanto à fidedignidade da versão em português. Nessa versão, todos os itens foram respondidos através de uma escala do tipo Likert de 7-pontos (1 = muito insatisfeito, 2 = insatisfeito; 3 = pouco insatisfeito; 4 = indiferente; 5 = pouco satisfeito; 6 = satisfeito; 7 = muito satisfeito). Assim como na escala original, o range potencial variou de 15 a 105 pontos, também na versão em português.

No Brasil, a versão traduzida tem sido usada por alguns autores(11-14). Por exemplo, em uma amostra heterogênea de 340 sujeitos, os autores obtiveram um alfa de Cronbach de 0,88 e concluíram que a referida escala mostrou-se, também, fidedigna quando aplicada na nossa população(11). Em nossa revisão não encontramos estudos anteriores investigando a qualidade de vida de pacientes revascularizados brasileiros, através da Escala de Qualidade de Vida de Flanagan, seja em sua versão original ou na forma adaptada.

A adaptação da Escala de Qualidade de Vida de Flanagan para pacientes crônicos

Flanagan(5) acreditava que alguma adaptação poderia ser necessária para que seu instrumento pudesse ser utilizado entre pessoas com incapacidades ou doenças crônicas. Em 1981, ele concedeu permissão à enfermeira americana, Carol S. Burckhardt, para adaptar sua escala para pacientes crônicos(1).

Em 1989, a referida pesquisadora publicou, com outras autoras, estudo sobre a qualidade de vida de pacientes com artrite e sugeriu o acréscimo, ao instrumento original, do item independência. Elas constataram que, além dos 15 itens, existentes nos cinco domínios da escala original, expressões como "ser capaz de fazer as coisas por mim mesmo", "ser independente", "esforços para permanecer independente" foram freqüentes entre os 240 pacientes entrevistados(4).

A versão modificada do instrumento, chamada "Escala Adaptada de Qualidade de Vida" (Adapted Quality of Life Scale), tem sido utilizada nos estudos de qualidade de vida de adultos sadios e com doenças crônicas tais como: fibromialgia, reumatismo, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças gastrointestinais, psoríase, incontinência urinária e diabetes(1).

Encontramos dois estudos realizados nos Estados Unidos, com pacientes cardíacos, usando a versão adaptada por Burckhardt e colaboradores(15-16). A confiabilidade da escala adaptada, verificada através da consistência interna do instrumento, mostrou-se adequada entre pacientes que sobreviveram a um ataque cardíaco (alfa de Cronbach de 0,91)(15) e em pacientes após revascularização do miocárdio (alfa de Cronbach de 0,92)(16).

A versão adaptada com 16 itens foi traduzida e validada para poucas línguas. Até o momento constataram-se versões em sueco, norueguês e chinês(1). Optou-se, assim, por utilizar essa versão para que se pudesse comparar estes resultados com os de estudos anteriores(15-16), realizados em pacientes cardíacos, e que usaram a versão adaptada. Adotou-se, portanto, o conceito de qualidade de vida em seu sentido mais amplo, que está relacionado à satisfação com: bem-estar físico e mental, relações com outras pessoas, envolvimento em atividades sociais, comunitárias e cívicas, desenvolvimento e enriquecimento pessoal, recreação, e independência para realização de atividades(4-5).

Assim, o objetivo desse estudo foi medir a qualidade de vida de indivíduos, submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, através da Escala de Qualidade de Flanagan em sua versão adaptada para pacientes crônicos.

METODOLOGIA

Este estudo é parte de investigação mais abrangente que avaliou a qualidade de vida, o estado de saúde e condições psicossociais e clínicas de pacientes revascularizados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os potenciais participantes foram convidados a participar da pesquisa e esclarecidos quanto aos objetivos do estudo. Com a concordância do paciente, o termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado por ele e pelo pesquisador.

O estudo de caráter descritivo e observacional foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, junto à Divisão de Cardiologia. A amostragem foi de 124 pacientes, com mais de seis meses de revascularização do miocárdio, em acompanhamento ambulatorial. Participantes foram considerados inelegíveis para o estudo se: tivessem sido submetidos à cirurgia de RVM com concomitante realização de outra cirurgia torácica (como correção ou troca de válvulas), possuíssem doenças psiquiátricas, como demência e esquizofrenia.

Os dados foram coletados por entrevistas individuais com os pacientes, antes ou após o atendimento médico, no ambulatório da Cardiologia. Quando o participante não podia preencher o instrumento por dificuldades físicas (como déficit de visão) ou cognitivas (não saber ler e/ou escrever), era entrevistado por uma das pesquisadoras. Dentre os 124 sujeitos, apenas 25 (20,2%) optaram por preencher sozinhos os instrumentos de coleta, enquanto 99 (79,8%) solicitaram o auxílio da pesquisadora/enfermeira para anotarem as respostas.

No que se refere ao instrumento qualidade de vida, uma vez que a escala original já havia sido traduzida e validada para o Brasil(10), e a sua forma adaptada possui apenas a inclusão do item independência, sem outras alterações nos demais itens do instrumento original, optou-se por realizar apenas a validação semântica da nova versão, não seguindo os demais passos preconizados para a adaptação transcultural de instrumentos de medida.

Antes de usar a Escala de Qualidade de Vida de Flanagan, em sua versão adaptada(4), realizou-se validação semântica da versão traduzida primeiramente para o português(10) e acrescentou-se o item independência. Essa nova versão foi submetida à avaliação por três juízes, brasileiros, com domínio do inglês, língua de origem do instrumento, que residiram nos Estados Unidos por um período maior do que dois anos.

Da avaliação dos três revisores resultou em uma versão modificada daquela já usada por outros autores brasileiros, nos seguintes aspectos: as respostas da escala de sete pontos passaram a variar entre: 1 = extremamente insatisfeito, 2 = bastante insatisfeito; 3 = insatisfeito; 4 = nem insatisfeito, nem satisfeito; 5 = satisfeito; 6 = bastante satisfeito e 7 = extremamente satisfeito e as redações dos itens sofreram algumas alterações semânticas, exceto nos itens 8 e 14 que permaneceram iguais. A versão adaptada e usada nesse estudo passou a ter um intervalo potencial de 16 a 112 pontos, continuando com alta pontuação, indicando elevada satisfação com a qualidade de vida percebida pelo indivíduo.

Os dados foram analisados usando o programa software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 10.0. O tratamento dos dados perdidos (missing data) foi realizado devido ao não preenchimento de alguns dos itens do instrumento pelos participantes. Outra situação ocorrida referiu-se à presença de alguns itens terem sido considerados como não pertinentes, por alguns participantes, tais como: ter e criar filhos (para aqueles que nunca os tiveram ou criaram filhos) e relacionamento com o companheiro. Quando tal fato ocorria, o item recebia a resposta "não aplicável" e nenhum valor da escala era assinalado. O critério adotado para os dados perdidos estabelece que só devam ser excluídos da amostra aqueles participantes que tiveram 20% ou mais de itens não respondidos(17). Nenhum dos participantes atingiu o critério acima, não sendo excluído qualquer dos pacientes na etapa de análise dos dados. Os dados perdidos foram substituídos pela média das respostas dadas pelos indivíduos, para os demais itens das escalas.

RESULTADOS

A caracterização sociodemográfica e clínica dos 124 participantes está apresentada na Tabela 1. Os participantes eram, predominantemente, do sexo masculino (62,1%), com idade entre 39 e 62 anos (média de 62) e não mais exerciam atividades profissionais (73,2%). Dos 124 pacientes, 100 (80,6%) estavam casados ou viviam com alguém, na data da entrevista.

Quanto aos aspectos clínicos relacionados ao tratamento cirúrgico da doença arterial coronariana, 113 (91,1%) haviam sido submetidos a uma única revascularização miocárdica e o tempo médio, após a última cirurgia, foi de 2,49 anos. O número médio de enxertos coronarianos recebidos foi de 3 pontes e 78,2% dos pacientes não referiram sintomas da doença arterial coronariana como angina e dispnéia.

No que se refere aos resultados obtidos com a Escala de Qualidade de Vida de Flanagan, em sua versão adaptada, em um intervalo possível de 16 a 112, no qual, quanto maior o valor, maior a satisfação do indivíduo, obteve-se, como resposta, valores entre 44 e 112 (=84,79 e s=13,54). A variação das respostas dos itens da escala foi de 2,75 (entre bastante insatisfeito e insatisfeito) a 7 (extremamente satisfeito) (Tabela 2).

A média de todos os 16 itens foi de 5,29±0,84. Ambos os resultados, soma total dos itens da escala ou média dos itens, refletem alto grau de satisfação com os aspectos abordados pelo instrumento, estando os participantes entre satisfeitos e bastante satisfeitos com a qualidade de suas vidas.

Os itens levantados como fontes de maior satisfação entre os participantes foram: ter e criar filhos (=6,0 e s=1,28) e relacionamento com os amigos (=5,73 e s=1,36). Os de menor satisfação foram: participar de atividades recreacionais e esportivas (=4,62 e s=1,57) e saúde (sentir-se fisicamente bem e vigoroso) (=4,84 e s=1,53).

No que se refere à confiabilidade da escala utilizada, verificou-se a consistência interna do instrumento e o valor obtido para o alfa de Cronbach foi de 0,88, o que confirma a sua confiabilidade para a amostra estudada.

DISCUSSÃO

Neste estudo, a qualidade de vida entre os participantes mostrou-se alta (média dos itens igual a 5,28 em uma escala com valor máximo possível de 7). A média total do instrumento foi 84,53 (s=13,37). Tal resultado foi semelhante ao encontrado no estudo original(5), o qual obteve média, para os itens, de 5,2 e por outros autores que avaliaram a qualidade de vida através da escala original(4).

Com a versão adaptada da escala, estudos realizados nos Estados Unidos, com indivíduos apresentando diferentes diagnósticos de cardiopatias foram obtidos os seguintes resultados: entre indivíduos que sobreviveram a um ataque cardíaco, com parada cárdiorrespiratória, a média total da escala de qualidade de vida foi de 84,79 (média dos itens=5,3)(15) e com pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio a média total da escala foi de 73,5 (média dos itens=4,9)(16). Podemos considerar que os resultados encontrados, sobre a qualidade de vida dos pacientes brasileiros, não diferem daqueles dos dois estudos citados. A pequena diferença entre os revascularizados brasileiros e americanos pode ser justificada pela retirada de um dos itens da escala no estudo com pacientes cirúrgicos(16), o que diminuiu o potencial do intervalo.

Entretanto, essa constatação, entre as similaridades dos resultados sobre a qualidade de vida, avaliada como a satisfação percebida em diferentes domínios da vida, chama a atenção. Alguns aspectos merecem ser discutidos tais como as diferenças entre as duas populações e o processo de validação transcultural de instrumentos de medida na área da saúde.

Se se considerar que as condições socioeconômicas dos pacientes que participaram deste estudo são precárias, quando comparadas as realidades dos locais abordados nos estudos americanos(15-16), e levando-se em conta as diferenças culturais entre os dois países, os resultados dos estudos parecem incoerentes. Neste contexto, pode-se questionar sobre a possibilidade de que a medida usada para avaliar a qualidade de vida, ou seja, uma escala já submetida a um processo de tradução e validação para ser usada no Brasil, pode não estar medindo o mesmo constructo que, supostamente, está avaliando a qualidade de vida dos norte-americanos, população para a qual a escala foi desenvolvida.

O uso da versão adaptada com um item a mais do que a original também dificultou a comparação destes resultados com os de outros estudos realizados no Brasil, os quais usaram a escala original de Flanagan. Um valor médio de qualidade de vida de 80,45 (s=8,87) foi obtido entre 59 profissionais de enfermagem que atuavam em hospitais gerais(13). Entre 75 idosos, que freqüentavam uma universidade aberta à terceira idade, o valor médio da escala foi de 82,65(12). Uma média um pouco mais baixa (=74,32) foi obtida entre idosos de diferentes comunidades de um Estado da Região Nordeste(14).

A comparação dos resultados através da análise dos valores médios para as respostas dadas aos itens possibilita comparação mais precisa. Neste estudo, os itens que foram fontes de maior satisfação entre os 124 revascularizados foram: ter e criar filhos (=5,95) e relacionamento com amigos (=5,73). No estudo com pacientes que sobreviveram a uma parada cardíaca(15) os itens com maiores valores para satisfação foram: relacionamento com pessoa significante ou cônjuge (=5,9) e ter e criar filhos (=6,0). Independência ( =5,9) e relacionamento com cônjuge/pessoa significante (=5,9) foram os itens encontrados entre pacientes norte-americanos revascularizados(16). Já nos estudos com brasileiros, os itens geradores de maior satisfação para os profissionais de enfermagem foram ter e criar filhos e recreação(13).

Entre os idosos, freqüentadores da universidade da terceira idade, os itens escolhidos foram aprendizagem e ter e criar filhos(12), enquanto para os idosos nordestinos os itens foram: socialização e ter e criar filhos. Em todos os estudos citados, ter e criar filhos foi considerado uma das maiores fontes de satisfação para a vida das pessoas. Assim, a formação de uma família mostrou ser aspecto importante para o indivíduo, independente de sua origem, cultura, idade ou condição de saúde.

Entre os participantes deste estudo, os itens que receberam menores valores para a satisfação foram: recreação (=4,60) e saúde (sentir-se bem e cheio de vida) (=4,85). Enquanto para os idosos, freqüentadores de uma universidade aberta a terceira idade, o item recreação foi um dos mais satisfatórios(12). Nessa amostra de idosos, a média do item saúde também foi maior (=5,09; s=1,30) o que reflete a disposição dos mesmos para participarem de cursos para terceira idade, enquanto a amostra desse estudo foi obtida de uma população de pacientes cardiopatas, com atendimento ambulatorial em um hospital universitário. Já entre os idosos do Nordeste, o item saúde teve média inferior(=4,27), perdendo somente para o item aprendizado ( = 3,69)(14).

Ao se comparar a satisfação dos entrevistados com o item saúde (= 4,85) com aquela encontrada em sobreviventes de uma parada cardiorrespiratória (= 4,7)(15) e em pacientes revascularizados americanos (=4,5)(16), constata-se que, nos três estudos, a satisfação variou de "nem insatisfeito, nem satisfeito" (valor 4 na escala) a "satisfeito" (valor 5 na escala).

CONCLUSÕES DO ESTUDO

Diante do objetivo proposto para esse estudo constata-se que:

- no que se refere à qualidade de vida, avaliada como a satisfação com diversos aspectos da vida, os resultados refletiram alto grau de satisfação com os aspectos abordados pelo instrumento, estando os participantes entre satisfeitos e bastante satisfeitos com a qualidade de suas vidas;

- a Escala de Qualidade de Vida de Flanagan, em sua versão adaptada pelo acréscimo do item independência, mostrou ser instrumento confiável para avaliação da qualidade de vida dos revascularizados, também em nosso país, na amostra estudada;

- a importância do uso pela Enfermagem, entre outros profissionais da saúde, de um instrumento genérico de avaliação da qualidade de vida, como a escala de Flanagan, justifica-se pelo fato da doença cardíaca ser condição crônica e multidimensional que afeta, potencialmente, vários aspectos da vida dos pacientes.

Recebido em: 29.4.2004

Aprovado em: 3.12.2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2005
  • Data do Fascículo
    Fev 2005

Histórico

  • Aceito
    03 Dez 2004
  • Recebido
    29 Abr 2004
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