Acessibilidade / Reportar erro

Estudo sobre a incidência de úlceras por pressão em um hospital universitário

Estudio de la incidencia de ulcera por presión en un hospital universitario

Incidence of pressure ulcers at a university hospital

Resumos

Este estudo objetivou identificar a incidência de úlceras de pressão (UP) no Hospital Universitário da USP e analisar as associações com as características sociodemográficas e clínicas da clientela. Após coleta de dados realizada durante 3 meses consecutivos, em que foram acompanhados 211 pacientes de risco, obteve-se índice de 39,8%. Correlações estatisticamente significativas (p<0,05) foram obtidas entre a incidência e a idade e área das UP e entre a idade e umidade, tempo de internação e nutrição, área das UP e nutrição. Os resultados indicam a urgente necessidade da implantação de programa de prevenção e tratamento de UP na instituição, bem como contribuem, metodologicamente, para que outros serviços possam estabelecer tal tipo de investigação.

úlcera de decúbito; incidência; cicatrização de feridas


Las finalidades de este estudio fueron las de identificar la incidencia de úlceras por presión en el hospital de la Universidad de São Paulo - Brasil y establecer las posibles asociaciones con las características sociodemográficas y clínicas de los pacientes. Los datos fueron recolectados de 211 pacientes de riesgo durante 3 meses consecutivos, resultando en una incidencia de 39.8%. Se obtuvo correlaciones estadísticamente significantes entre la incidencia y la edad y el área de las UP; y entre edad y humedad, tiempo de ingreso y nutrición, área de las UP y nutrición. Los resultados indican la urgente necesidad de implantar un programa de prevención y tratamiento de UP en la institución y contribuyen metodológicamente para que otros servicios de salud puedan establecer tal tipo de investigación.

ulcera por decúbito; incidencia; cicatrización de heridas


This study aimed to identify the incidence of pressure ulcers (PU) at São Paulo University Hospital - Brazil, as well as to establish possible associations with patients' sociodemographic and clinical characteristics. Data were collected during three months, involving 211 risk patients, resulting in a 39.8% incidence level. A significant statistical correlation (p<0.05) was found between incidence level and age and PU area; and between age and humidity, time of hospitalization and nutrition, PU area and nutrition. Results indicate the urgent need to implant a PU prevention and treatment program at the institution and provide methodological contributions for other services to develop this kind of research.

decubitus ulcer; incidence; wound healing


ARTIGO ORIGINAL

Estudo sobre a incidência de úlceras por pressão em um hospital universitário1 1 Trabalho extraído da dissertação de mestrado Estudo sobre a prevalência e a incidência de úlceras de pressão em um hospital universitário, apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

Incidence of pressure ulcers at a university hospital

Estudio de la incidencia de ulcera por presión en un hospital universitario

Noemi Marisa Brunet RogenskiI; Vera Lúcia Conceição de Gouveia SantosII

IEnfermeira estomaterapeuta, Diretora da Divisão de Enfermagem Cirúrgica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, Mestre em Enfermagem, e-mail: nrogenski@aol.com

IIEnfermeira estomaterapeuta, Professor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

RESUMO

Este estudo objetivou identificar a incidência de úlceras de pressão (UP) no Hospital Universitário da USP e analisar as associações com as características sociodemográficas e clínicas da clientela. Após coleta de dados realizada durante 3 meses consecutivos, em que foram acompanhados 211 pacientes de risco, obteve-se índice de 39,8%. Correlações estatisticamente significativas (p<0,05) foram obtidas entre a incidência e a idade e área das UP e entre a idade e umidade, tempo de internação e nutrição, área das UP e nutrição. Os resultados indicam a urgente necessidade da implantação de programa de prevenção e tratamento de UP na instituição, bem como contribuem, metodologicamente, para que outros serviços possam estabelecer tal tipo de investigação.

Descritores: úlcera de decúbito; incidência; cicatrização de feridas

ABSTRACT

This study aimed to identify the incidence of pressure ulcers (PU) at São Paulo University Hospital - Brazil, as well as to establish possible associations with patients' sociodemographic and clinical characteristics. Data were collected during three months, involving 211 risk patients, resulting in a 39.8% incidence level. A significant statistical correlation (p<0.05) was found between incidence level and age and PU area; and between age and humidity, time of hospitalization and nutrition, PU area and nutrition. Results indicate the urgent need to implant a PU prevention and treatment program at the institution and provide methodological contributions for other services to develop this kind of research.

Descriptors: decubitus ulcer; incidence; wound healing

RESUMEN

Las finalidades de este estudio fueron las de identificar la incidencia de úlceras por presión en el hospital de la Universidad de São Paulo - Brasil y establecer las posibles asociaciones con las características sociodemográficas y clínicas de los pacientes. Los datos fueron recolectados de 211 pacientes de riesgo durante 3 meses consecutivos, resultando en una incidencia de 39.8%. Se obtuvo correlaciones estadísticamente significantes entre la incidencia y la edad y el área de las UP; y entre edad y humedad, tiempo de ingreso y nutrición, área de las UP y nutrición. Los resultados indican la urgente necesidad de implantar un programa de prevención y tratamiento de UP en la institución y contribuyen metodológicamente para que otros servicios de salud puedan establecer tal tipo de investigación.

Descriptores: ulcera por decúbito; incidencia; cicatrización de heridas

INTRODUÇÃO

Na prática clínica, dentro de um hospital que utiliza o Sistema de Assistência de Enfermagem (SAE) - o que constitui realidade ainda pouco freqüente em nosso meio - tem sido detectado, empiricamente, elevado número de pacientes com úlceras de pressão (UP), o que tem causado profunda inquietação não só pelo desconhecimento da real dimensão do problema como pela indisponibilidade, até o momento, de qualquer protocolo de prevenção ou tratamento dessas lesões, ficando a critério de cada enfermeiro a conduta a ser adotada.

Reconhecendo-se a importância de diagnosticar a situação do serviço no que tange ao número de pessoas acometidas pelo desenvolvimento de UP ao longo do tempo, ou seja, a incidência desse tipo de lesões, a busca bibliográfica nacional e internacional mais recente revela índices que variam de 3,2 a 66%(1-4), nesse tipo de clientela.

Desse modo, e partindo-se da hipótese de que o Hospital Universitário da USP (HU-USP) possui elevada incidência de UP, é do interesse da equipe do serviço em estabelecer, futuramente, protocolos de avaliação de risco para o seu desenvolvimento, prevenção e tratamento, e ainda devido à escassez de literatura referente a tais índices no país, decidiu-se pela realização deste estudo. Seus objetivos foram identificar e comparar a incidência de UP nas diversas unidades do HU-USP e verificar as associações existentes entre os índices encontrados e os dados sociodemográficos e clínicos da clientela, incluindo as características das UP (quanto ao número, localização, estadiamento e medida) e entre os fatores de risco para o desenvolvimento de UP e as características dos pacientes.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Estudo prospectivo, exploratório, com abordagem quantitativa, foi desenvolvido no HU-USP, nas unidades de Clínica Cirúrgica (CC), Clínica Médica (CM), Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Unidade de Cuidados Semi-Intensivos (UCSI). As unidades de emergência e obstetrícia não fizeram parte do estudo devido à baixa taxa de permanência dos pacientes nessas unidades, salvo quando eram admitidos em uma das clínicas abrangidas pela pesquisa. O HU-USP, unidade complementar da Universidade de São Paulo, é um hospital geral de atenção secundária que dispõe de 308 leitos, distribuídos nas quatro especialidades básicas: médica, cirúrgica, obstétrica e pediátrica. O Sistema de Assistência de Enfermagem (SAE) está implantado em todas as unidades desde o início de funcionamento do hospital, em 1982.

Inicialmente, o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovado pelo Núcleo de Ensino e Pesquisa (NEP) e Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, procedendo-se, então, à coleta de dados junto aos pacientes desde que consentissem na participação do estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

A coleta de dados foi realizada pela autora e cinco colaboradoras da instituição, submetidas a treinamento prévio que incluiu abordagem teórico-prática sobre a avaliação sistemática de risco para o desenvolvimento das UP, através da Escala de Braden, e sobre as UP propriamente ditas. Esse treinamento foi efetuado em reuniões formais, divididas em seis etapas, que incluíram conteúdos teórico-práticos sobre definição, classificação, etiopatogênese e localização das UP, bem como a avaliação de risco para o seu desenvolvimento, através da Escala de Braden, em sua versão adaptada para o português(3). Estratégias como fotos, validadas por especialistas e avaliação clínica de pacientes e respectivas UP, supervisionadas pela pesquisadora, foram usadas além das aulas teóricas tradicionais. O processo de treinamento encerrava-se após a avaliação individualizada do desempenho das enfermeiras, onde era verificado o grau de concordância entre elas e a pesquisadora, quanto aos escores obtidos através da Escala de Braden e à avaliação das UP. O grupo foi considerado apto a iniciar a coleta de dados, ao ser atingido o grau de concordância de 90 a 100%.

Para a coleta de dados, utilizou-se instrumento composto de quatro partes. A primeira, para obtenção dos dados sociodemográficos (idade, sexo e raça); a segunda, para obtenção dos dados clínicos (doença de base, doença associada, tempo de internação, tabagismo, índice de massa corporal - IMC - e medicamentos de uso contínuo); a terceira parte, para avaliação e seguimento dos pacientes de risco mediante a Escala de Braden (percepção sensorial, umidade, atividade, mobilidade, nutrição e fricção e cisalhamento) e a quarta parte para obtenção das características das úlceras (número, localização, estadiamento e medida), quando presentes.

Algumas variáveis clínicas como estadiamento e mensuração das UP foram previamente padronizadas, segundo modelos internacionais. O estadiamento foi baseado na classificação internacional proposta pelo National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP) e a mensuração foi bidimensional (comprimento x largura), para as úlceras rasas (estágios I e II) e tridimensional (comprimento x largura x profundidade) para as úlceras profundas (estágios III e IV)(4-5). Avaliou-se o comprimento e largura através de régua e cotonetes esterilizados, usados para a profundidade. Para as feridas irregulares, utilizou-se sempre as maiores dimensões(5), para a interpretação prática dos resultados obtidos com a aplicação da Escala de Braden adotou-se os níveis de risco propostos pelas próprias autoras da escala(6): risco leve para os escores 15 e 16; risco moderado para escores de 12 a 14 e risco alto para escores iguais ou inferiores a 11.

Estudo da incidência

Para o cálculo de incidência, utilizou-se o número de casos novos de pessoas com UP desenvolvidas em determinado período, em uma população de risco(7), transformado em percentual. Para o seu levantamento, os dados foram coletados durante três meses consecutivos, estendendo-se por mais duas semanas, visando a avaliação final dos pacientes em seguimento.

A pesquisadora e as enfermeiras colaboradoras visitaram todos os pacientes das unidades de abrangência do estudo, para avaliação do surgimento de novos casos de UP, às segundas, quartas e sextas-feiras, durante os três meses. A primeira avaliação era feita sempre dentro das primeiras 48 horas após a internação e, somente os pacientes livres de UP na primeira avaliação, eram acompanhados.

Aqueles pacientes em que não se constatava UP e que apresentavam escore de Braden menor ou igual a 16, continuavam a ser avaliados até receberem alta, apresentarem UP ou óbito. Cada paciente admitido ou aquele que desenvolvia algum dos fatores de risco para UP, mesmo com avaliação anterior de não risco, era submetido aos mesmos procedimentos.

A coleta de dados era realizada sempre no período da manhã, ficando cada unidade sob a incumbência de duas colaboradoras, uma responsável pelo exame físico dos pacientes e a outra pelo preenchimento dos dados demográficos, clínicos e da Escala de Braden.

Após a obtenção, os dados foram submetidos aos seguintes procedimentos estatísticos: Intervalos de Confiança de 95%, para estimar o valor médio real das variáveis quantitativas e porcentagens reais de alguns eventos de interesse do estudo; Teste Qui-Quadrado de Homogeneidade, usado na comparação dos índices de incidência obtidos nas unidades; e Teste de Normalidade de Kolmogorov-Smirnov, Coeficiente de Correlação Ordinal de Spearman, Coeficiente de Correlação Linear de Pearson e Teste de Mann-Whitney para as associações. Em todas as análises utilizou-se valor de p inferior a 0,05 como estatisticamente significante.

RESULTADOS

Duzentos e onze pacientes considerados de risco para o desenvolvimento de UP, ou seja, que apresentavam escores totais < 16, foram acompanhados durante os três meses consecutivos. Desses, 84 desenvolveram um total de 134 UP, representando incidência global de 39,8%. A incidência variou conforme a unidade, como se observa na Tabela 1, não diferindo significativamente entre si. Ao serem comparadas as unidades abertas e fechadas, as incidências também se assemelharam.

Reconhecendo-se a subnotificação das úlceras em estágio I, mencionada na literatura internacional, ao serem excluídas neste estudo acarretaram importante redução nas taxas geral e parciais de incidência, embora mantida a ausência de diferenças estatisticamente significantes entre elas.

Tabela 2

A idade dos pacientes com UP variou de 22 a 95 anos, com média de 70,3 (DP=16,4) e predomínio de pacientes (78,6%) com idade acima de 60 anos. No grupo de pacientes sem UP, encontrou-se a variação de 16 a 93, com média de 63,2 (DP=17,6), novamente predominando a idade acima de 60 anos (61,1%). Houve diferença estatisticamente significante (p=0,003) entre a idade média dos grupos, sendo superior para os pacientes com UP.

Em ambos os grupos, houve predomínio do sexo masculino (52,4 e 56,6%, respectivamente para o grupo com e sem UP), da raça branca (80,9 e 74,0%, respectivamente), de não-fumantes (73,8 e 74,4%, respectivamente) e de pacientes que possuíam doenças de base e doenças associadas que comprometiam o sistema cardiovascular ou respiratório (71,2 e 66,6%, respectivamente).

As incidências foram variadas quanto ao sexo (37,6% para os homens e 41,7% para as mulheres), à raça (42 e 32,6%, respectivamente, para os sujeitos brancos e não-brancos) e ao tabagismo (39,5% entre não-fumantes e 40,7% entre os fumantes).

Os pacientes com UP estavam internados de 1 a 67 dias, com média de 8,9 (DP=9,5%), e 31 (36,9%) deles possuíam tempo de internação inferior a 5 dias. Já no grupo sem UP, a variação foi maior, de 1 a 86 dias, com tempo médio de internação de 11,6 dias (DP=9,8) e 55 pacientes (43,3%) possuíam tempo de internação superior a 10 dias.

Quanto ao IMC, predominou aquele dentro da faixa de normalidade, em ambos os grupos de pacientes - com UP (46,6%) e sem UP (42,2%). Ainda, para ambos, esse índice correlacionou-se positiva e significativamente com a nutrição (p<0,05 e r=0,32) e negativamente com os fatores fricção e cisalhamento (p<0,05 e r=-0,17), só para os pacientes sem lesões.

A utilização de drogas anti-hipertensivas, diuréticas, broncodilatadoras, analgésicas ou antiinflamatórias esteróides e não-esteróides predominou para os pacientes com UP; e de analgésicos ou antiinflamatórios esteróides e não-esteróides e cardiotônicos para os pacientes sem UP, nessa ordem.

Quanto às UP, a maioria dos pacientes (48 ou 57,1%) apresentou lesão única. Das lesões encontradas, 47 (55,9%) apresentaram área superior a 10 cm2, com variação de 1 a 114 cm2. Em relação à localização, verificou-se predomínio de úlceras na região sacra (33,6%), calcâneos (24,6%) e glúteos (23,9%). Para o estadiamento, 53% eram UP em estágio II, não tendo sido detectadas lesões em estágios III e IV.

Para a Escala de Braden, obteve-se escores médios totais de 11,1 (DP=2,68) e 13 (DP=2,70), respectivamente, para os pacientes com e sem UP. Setenta e nove (41,4%) pacientes apresentaram alto risco para o desenvolvimento de UP, seguidos de 58 (30,4%) e 54 (28,3%) com risco moderado e leve, respectivamente, e incidências de 63,3, 32,2 e 24,1% foram alcançadas, respectivamente, para os pacientes com alto, moderado e leve risco.

Os pacientes com UP obtiveram escores predominantemente de alto risco (59,5%), não só na UTI (25 dentre os 32 pacientes), como também na CM (15 dentre os 29 pacientes) e na USCI (5 dentre 8 pacientes). Para os pacientes sem UP, somente na UTI, a maioria (18 ou 52,9%) deles era de alto risco. Nas demais unidades, verificou-se predomínio de pacientes com risco moderado (34,6%) ou leve (38,3%). Em relação à importância dos fatores de risco para o escore total da Escala de Braden, constatou-se que não houve similaridade nas diferentes clínicas e mesmo para o hospital como um todo. Desse modo, percepção sensorial e umidade destacaram-se na Clínica Cirúrgica e no Hospital, enquanto atividade e mobilidade foram os mais importantes na UTI e Clínica Médica.

O índice de incidência correlacionou-se apenas com a idade (r=0,12 e p<0,05) e à área das úlceras (r=0,27 e p<0,05). Detectou-se ainda correlação entre a idade e a umidade (r=-0,27 e p<0,05), nutrição e tempo de internação (r=0,19 e p<0,05) e nutrição e área das úlceras (r=-0,11 e p<0,05).

O índice de incidência global correlacionou-se apenas com a idade (r=0,12 e p<0,05) e área das úlceras (r=0,27 e p<0,05). Detectaram-se ainda correlações entre a idade e umidade (r=-0,27 e p<0,05), nutrição e tempo de internação (r=0,19 e p<0,05) e nutrição e área das UP (r=-0,11 e p<0,05).

DISCUSSÃO

Neste estudo, dentre 211 pacientes de risco acompanhados durante 3 meses consecutivos, 84 desenvolveram 134 UP, representando incidência global de 39,8%. A incidência variou conforme a unidade, apresentando a CM o maior índice, seguindo-se a UTI, a CC e a UCSI, nessa ordem. A homogeneidade desses valores foi constatada estatisticamente, já que não diferiram significativamente entre si, nem quanto ao tipo aberto e fechado das unidades.

Estudos internacionais apresentam taxas de incidência que variam de 0 a 14% em pacientes hospitalizados(5,8-9), atingindo índices bem mais altos (55 a 66%), quando se trata de pacientes provenientes de clínicas especializadas como as ortopédicas e de reabilitação(10).

Em um dos poucos estudos nacionais(11) sobre o tema, envolvendo pacientes hospitalizados em serviço universitário do interior paulista, o índice de 0,94% apresentado é considerado bastante baixo comparativamente aos índices internacionais. Esse fato deve-se, provavelmente, ao cálculo baseado no total de pacientes internados e não apenas no total de pacientes de risco. Outro estudo nacional(2), realizado também em hospital universitário, apresenta incidência de 41,37% muito mais próxima àquela obtida neste estudo.

Os índices elevados aqui alcançados, quando comparados principalmente aos estudos de autores internacionais(1,6,12), levam à reflexão sobre a equiparação entre os resultados à luz de possíveis procedimentos metodológicos diferenciados, seja pelos cálculos realizados sobre o total de pacientes internados na instituição, ocasionando taxas subestimadas, seja pela não inclusão das UP em estágio I, pela dificuldade de sua identificação, particularmente quando a avaliação é realizada por não especialistas e também em indivíduos de raça negra. Neste estudo, ao excluírem-se as UP em estágio I, obteve-se reduções importantes em todas as incidências, totais e parciais, nas diversas unidades, com mudanças quanto à ordem das freqüências resultantes.

Demograficamente, os pacientes com UP caracterizaram-se por idade média elevada, significativamente superior àqueles também pertencentes ao grupo de risco, porém sem UP. Além disso, os pacientes idosos com UP encontravam-se, coerentemente, inseridos nas unidades com incidências mais elevadas e tinham a pele mais exposta à umidade, como importante fator de risco para o desenvolvimento dessas lesões, segundo as análises de correlações. Já os indivíduos sem úlceras, embora também apresentando elevado grau de exposição à umidade, eram mais ativos e menos dependentes, submetendo-se menos à ação de forças mecânicas como o atrito e o cisalhamento e gerando, conseqüentemente, menor potencial para a formação de UP.

Vale ressaltar que a idade é apontada, pela maioria dos autores, como um dos mais relevantes fatores envolvidos na fisiopatogênese das UP, quando associada a outros fatores como desnutrição, mobilidade e umidade(5,12). Em estudo multicêntrico(13), realizado na Finlândia, junto a hospitais gerais e de reabilitação além de centros de saúde, os autores verificaram idade média de 75 anos para os pacientes com UP, similarmente aos resultados aqui encontrados.

Quanto ao sexo, houve predomínio dos homens em ambos os grupos, com e sem UP e ainda de pacientes da raça branca. Estudo(14) com pacientes internados em Pronto-Socorro de um hospital geral no município de São Paulo, também aponta a predominância do sexo masculino e da raça branca, diferentemente dos resultados apresentados em outros estudos para os quais se verificou predomínio do sexo feminino(8). Embora a literatura não seja consensual quanto à questão do sexo como variável de influência na gênese da UP, apresentando-a mais como característica demográfica, o mesmo não ocorre em relação à raça. Nesse sentido, a redefinição mais recente das UP em estágio I(15) tem possibilitado resultados mais fidedignos quanto à sua avaliação. Nesta investigação, embora com índices próximos, obteve-se incidências de UP maiores entre as mulheres e os indivíduos de raça branca.

Clinicamente, as doenças de base e associadas, predominantes em ambos os grupos do estudo, apontam para aquelas que comprometem o sistema cardiovascular e respiratório, indo ao encontro do que apontam autores espanhóis(16). Em revisão integrativa sobre UP em pacientes cirúrgicos(2), as co-morbidades ou doenças associadas como diabetes mellitus, hipertensão, doenças cardiovasculares e respiratórias são significativas para o desenvolvimento das UP. Em pacientes com doenças vasculares e naqueles submetidos a cirurgias prolongadas, nas quais a posição supina é requerida, esse risco é maior porque a perfusão tecidual fica comprometida pelo processo primário da doença, desenvolvendo-se mais facilmente UP principalmente sacras, coccígeas e calcâneas(17).

No que tange aos medicamentos utilizados, principalmente de uso contínuo, podem também contribuir para o desenvolvimento das UP. Enquanto sedativos e analgésicos prejudicam a mobilidade, os agentes hipotensores reduzem o fluxo sangüíneo e a perfusão tissular, tornado-os mais susceptíveis à pressão(18).

Neste estudo, o tabagismo não foi evidenciado como um dos fatores de risco para UP, talvez pelo fato de ambos os grupos serem constituídos, em sua maioria, por pacientes não tabagistas. Similarmente, em revisão realizada no ano 2000(18), o tabagismo foi apontado como fator de risco para UP somente em um dos 40 artigos pesquisados.

O tempo médio de internação, como outro aspecto importante na gênese de muitas alterações ou complicações em pacientes hospitalizados, foi surpreendentemente menor para os pacientes com UP, comparativamente àqueles sem UP. Em estudo desenvolvido com pacientes neurológicos em UTI(19), o tempo de internação também não apresentou correlação com o surgimento de novas úlceras mas com o escore de Braden e com a nutrição, ou seja, com maior risco para o desenvolvimento de UP.

Quanto à localização e estadiamento predominantes das UP, inúmeros autores corroboram os achados aqui encontrados(2,5,16-17), uma vez intrinsecamente relacionados à própria definição e etiogênese desse tipo de lesão.

Para o estadiamento, as úlceras em estágio II são ocasionadas por fricção, trauma ou por incontinência anal/urinária, ao provocarem maceração na pele e conseqüente redução de sua tolerância à pressão. Ao associar estadiamento das UP e risco, alguns autores(6,17,20) afirmam que os níveis de risco da Escala de Braden são baseados em valores preditivos de testes positivos. Segundo tais parâmetros, verificou-se que 50 dentre 79 pacientes (63,3%) com escores < 11 e dentre 84 pacientes com UP apresentavam 90 a 100% de chances de desenvolvimento desse tipo de lesão, comparativamente a apenas 29 pacientes dentre os 127, sem UP.

Desse modo, o elevado grau de risco em que se encontravam os pacientes avaliados, especificamente aqueles portadores de UP, associado à elevada faixa etária, certamente não poderiam justificar isoladamente os índices encontrados.

Apesar do SAE e da ideologia da interdisciplinaridade vigentes no HU, a inadequação quantitativa e/ou qualitativa dos recursos humanos e materiais disponíveis têm dificultado a implementação de protocolos de prevenção e tratamento desse tipo de úlcera. Os resultados desta investigação constituíram um marco para esse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito tem sido discutido acerca do nível de prevenção das UP por importantes autores(5,20). O diagnóstico não só quantitativo, através do estudo da incidência, mas também qualitativo acerca das próprias condições clínicas e demográficas ligadas às UP, bem como os fatores de risco envolvidos em sua gênese para clientelas ou unidades especificas, como UTI e CM, são fundamentais no desenvolvimento de programas e protocolos exeqüíveis.

O diagnóstico institucional aqui obtido, através da identificação da incidência de UP no HU-USP, ao comprovar a hipótese assumida inicialmente, aponta para a urgente prioridade de se estabelecer um programa abrangente de prevenção e tratamento de UP, no sentido de sua gradativa resolução. Programa esse de caráter interdisciplinar, pautado em normas internacionais, como aquelas propostas pelo NPUAP e vigentes na Agency for Healthcare Research and Quality - AHRQ, devidamente adequadas à realidade institucional.

Outra contribuição importante do estudo é sua reprodutibilidade, uma vez que disponibiliza fundamentos técnico-metodológicos bem estabelecidos. Poderá, dessa maneira, ser replicado não só na própria instituição - para a determinação evolutiva dos resultados após a implementação de protocolo de avaliação de risco - mas, também, em outras instituições com interesses semelhantes na pesquisa de temática tão pouco investigada em nosso meio.

Futuras pesquisas devem ser realizadas para: melhor identificação dos fatores de risco mais importantes no desenvolvimento de UP, em diferentes estágios; estabelecimento de medidas preventivas e terapêuticas adequadas para o manuseio dos pacientes com UP; estabelecimento dos escores de corte na Escala de Braden para grupos de pacientes, unidades e serviços específicos; assim como, o enfoque fármaco-epidemiológico acerca do custo-efetividade da prevenção versus custo com tratamento das UP, ainda completamente incipiente em nosso meio. Espera-se que os resultados dessas investigações possam contribuir para o aprofundamento dos conhecimentos em estomaterapia e, acima de tudo, delineamento da Enfermagem como ciência.

Recebido em: 22.7.2004

Aprovado em: 2.6.2005

  • 1. Armstrong DM, Bortz P. An integrative review of pressure relief in surgical patients. AORN J 2001; 73(3):645-8.
  • 2. Barros SKSA, Anami EHT, Haddad MCL, Guarient MHDM, Martins EAP, Kuwabara CCT. Protocolo para prevenção de úlcera de pressão [CD-ROM]. In: Anais do 4ş Congresso Brasileiro de Estomaterapia; 2001; São Paulo. São Paulo: SOBEST; 2001.
  • 3. Paranhos WJ. Avaliação de risco para ulcera de pressão por meio da Escala de Braden na língua Portuguesa [dissertação]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem USP; 1999.
  • 4. Bergstrom N, Allman RM, Alvarez OM, Bennet MA, Carlson CE, Frantz RA, et al. Treatment of pressure ulcer. Clinical practice guideline. n.15. 1994; Rockville: Public Health Service, Agency for Healt Care Policy and Reserch, 1004 (AHCPR publication, n.95-0653)
  • 5. Bryant RA, Bar BW, Beshara M, Broussard CI, Cooper DM, Dougthy DB, Frantz RA, et al. Acute and chronic wounds: nursing management. 2nd ed. Missouri: Mosby 2000.
  • 6. Bergstrom N, Braden BJ, Laguzza A, Holman V. The Braden Scale for predicting pressure sore risk. Nurs Res, 1987; 36 (4): 205-10.
  • 7. Frantz RA. Measuring prevalence and incidence of pressure ulcers. Adv Wound Care 1997; 10(1):21-4.
  • 8. Olson B, Langemo D, Burd C, Hanson D, Hunter S, Cathcart-Silberberg T. Pressure ulcer incidence in an acute care setting. J Wound Ostomy Continence Nurs 1996; 231: 15-22.
  • 9. Clark M, Watts S. The incidence of pressure sores within a National Health Service Trust hospital during. J Adv Nurs 1994; 20:33-6.
  • 10. Stotts NA, Deosaransingh K, Roll FJ, Newman J. Underutilization of pressure ulcer risk assessment in hip facture patients. Adv Wound Care 1998; 11(1):32-8.
  • 11. Michelone APC, Cardoso LAA, Motta RP, Borella AC, Mello AP. Incidência de úlceras por pressão no Hospital de Clínicas I da Faculdade de Medicina de Marília-SP. Rev Esc Enfermagem USP 1999; 33(número especial):207-10.
  • 12. Lyder C, Preston J, Grady J, Scinto J, Allman R, Bergstrom N, Rodeheaver G. Quality of care for hospitalized medicate patients at risk for pressure ulcers. Arch Intern Med 2001; 161(12):1549-54.
  • 13. Lepistö M, Eriksson E, Hietanen H, Asko-Seljavaara S. Patients with pressure ulcers in Finnish hospitals. Int J Nurs Pract 2001; 7(4):280-7.
  • 14. Meneghin P, Lourenço MTN. A utilização da Escala de BRADEN como instrumento para avaliar o risco de desenvolvimento de úlceras de pressão em pacientes de um serviço de emergência. Nursing 1998; 1(4):13-9.
  • 15. Henderson CT, Ayello EA, Sussman C, Leiby DM, Bennett MA, Dungog EF, et al. Draft definition of stage I pressure ulcers: inclusion of persons with darkly pigmented skin. NPUAP Task Force on Stage I Definition and Darkly Pigmented Skin. Adv Wound care 1997; 10(5):16-9.
  • 16. Naváez PF, Fernández MJV. Úlceras por presión. Evaluación de un protocolo. Rev ROL Enfermería 1997; 20(225):73-80.
  • 17. Gawron CL. Risk factors for and prevalence of pressure ulcers among hospitalized patients. J Wound Ostomy Continence Nurs 1994; 21(6):232-40.
  • 18. Fernandes LM. Úlcera de pressão em pacientes críticos hospitalizados. Uma revisão integrativa da literatura. [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2000.
  • 19. Fife C, Otto G, Capsuto EG, Brandt K, Lyssy K, Murphy K, et al. Incidence of pressure ulcer in a neurologic intensive care unit. Crit Care Med 2001; 29(2):283-90.
  • 20. Sussman C, Bates-Jensen B. Wound care: a collaborative practice manual for physical therapists and nurses. Gaithersburg: Aspen Publishers; 1998.
  • 1
    Trabalho extraído da dissertação de mestrado Estudo sobre a prevalência e a incidência de úlceras de pressão em um hospital universitário, apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      02 Jun 2005
    • Recebido
      22 Jul 2004
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br