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Transplante de fígado: resultados de aprendizagem de pacientes que aguardam a cirurgia

Trasplante de hígado: estrategias de enseñanza utilizadas con pacientes que esperan por la cirugía

Liver transplantation: teaching strategies used with patients waiting for surgery

Resumos

O objetivo deste estudo é descrever os resultados de aprendizagem da experiência de implementação de estratégias de ensino com os pacientes que serão submetidos a transplante de fígado. Uma delas é a entrega de um manual de orientação aos pacientes que entram no programa, com posterior aplicação de questionário relacionado ao conteúdo do manual. Analisou-se 13 pacientes em lista de espera para transplante de fígado, todos ocupando as primeiras posições no cadastro técnico. Em relação às respostas obtidas dos questionários aplicados, a média de acertos foi de 80,6%, sendo que apenas um paciente acertou todas as questões. Durante a correção e esclarecimento das dúvidas, concluiu-se que a leitura do manual de orientação e a aplicação do questionário proporcionam esclarecimento melhor dos pacientes e de seus familiares em relação aos aspectos mais importantes da cirurgia.

enfermagem; transplante de fígado; ensino


Este estudio tiene como objetivo describir la experiencia de implementación de estrategias de enseñanza con pacientes que van a ser sometidos al trasplante de hígado. Una de ellas es la entrega de un manual de orientación a los pacientes que empiezan el programa, con la posterior aplicación de un cuestionario relacionado al contenido del manual. Fueron analizados 13 pacientes que estaban aguardando el trasplante de hígado, ocupando las primeras posiciones en el registro técnico. Con relación a las respuestas obtenidas de los cuestionarios aplicados, el promedio de respuestas correctas fue del 83.8%, siendo que solamente un paciente tuvo todas las respuestas correctas. Durante la revisión de las respuestas y aclaración de las dudas, los autores concluyeron que la lectura del manual de orientación y la aplicación del cuestionario proporcionan una aclaración a los pacientes y sus familiares con respecto a los aspectos más importantes de la cirugía

enfermería; trasplante de hígado; enseñanza


This study aims to describe the learning results of the implementation of teaching strategies involving patients who will be submitted to liver transplantation. One of these strategies is to give the patients a manual with orientations and the subsequent application of a questionnaire related to the content of the manual. Authors analyzed 13 patients who were waiting for liver transplantation. With respect to the answers regarding the questionnaire, an average of 83.8% of correct responses was given and only one patient got all the questions right. During the correction and the time to clarify their doubts, authors concluded that the opportunity of reading the manual and applying the questionnaire allowed patients and families to get a better understanding about the surgery's most important aspects

nursing; liver transplantation; teaching


ARTIGO ORIGINAL

Transplante de fígado: resultados de aprendizagem de pacientes que aguardam a cirurgia

Liver transplantation: teaching strategies used with patients waiting for surgery

Trasplante de hígado: estrategias de enseñanza utilizadas con pacientes que esperan por la cirugía

Karina Dal SassoI; Cristina Maria GalvãoII; Orlando de Castro e Silva JrIII; Alex Vianey Callado FrançaIV

IEnfermeiro, Coordenador do Grupo Integrado de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e-mail: dalsasso@hcrp.fmrp.usp.br

IIProfessor Associado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: crisgalv@eerp.usp.br

IIIProfessor Associado, Coordenador do Grupo Integrado de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo

IVProfessor Doutor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo

RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever os resultados de aprendizagem da experiência de implementação de estratégias de ensino com os pacientes que serão submetidos a transplante de fígado. Uma delas é a entrega de um manual de orientação aos pacientes que entram no programa, com posterior aplicação de questionário relacionado ao conteúdo do manual. Analisou-se 13 pacientes em lista de espera para transplante de fígado, todos ocupando as primeiras posições no cadastro técnico. Em relação às respostas obtidas dos questionários aplicados, a média de acertos foi de 80,6%, sendo que apenas um paciente acertou todas as questões. Durante a correção e esclarecimento das dúvidas, concluiu-se que a leitura do manual de orientação e a aplicação do questionário proporcionam esclarecimento melhor dos pacientes e de seus familiares em relação aos aspectos mais importantes da cirurgia.

Descritores: enfermagem; transplante de fígado; ensino

ABSTRACT

This study aims to describe the learning results of the implementation of teaching strategies involving patients who will be submitted to liver transplantation. One of these strategies is to give the patients a manual with orientations and the subsequent application of a questionnaire related to the content of the manual. Authors analyzed 13 patients who were waiting for liver transplantation. With respect to the answers regarding the questionnaire, an average of 83.8% of correct responses was given and only one patient got all the questions right. During the correction and the time to clarify their doubts, authors concluded that the opportunity of reading the manual and applying the questionnaire allowed patients and families to get a better understanding about the surgery's most important aspects

Descriptors: nursing; liver transplantation; teaching

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo describir la experiencia de implementación de estrategias de enseñanza con pacientes que van a ser sometidos al trasplante de hígado. Una de ellas es la entrega de un manual de orientación a los pacientes que empiezan el programa, con la posterior aplicación de un cuestionario relacionado al contenido del manual. Fueron analizados 13 pacientes que estaban aguardando el trasplante de hígado, ocupando las primeras posiciones en el registro técnico. Con relación a las respuestas obtenidas de los cuestionarios aplicados, el promedio de respuestas correctas fue del 83.8%, siendo que solamente un paciente tuvo todas las respuestas correctas. Durante la revisión de las respuestas y aclaración de las dudas, los autores concluyeron que la lectura del manual de orientación y la aplicación del cuestionario proporcionan una aclaración a los pacientes y sus familiares con respecto a los aspectos más importantes de la cirugía

Descriptores: enfermería; trasplante de hígado; enseñanza

INTRODUÇÃO

A comunicação é essencial para o relacionamento entre enfermeiro e paciente(1), bem como para a qualidade do cuidado de enfermagem(2). Sendo o enfermeiro o elemento da equipe que mais tempo permanece ao lado do paciente ele o profissional capaz de compreender os problemas do paciente e da família e prepará-los para um procedimento anestésico/cirúrgico. Além disso, o ensino do paciente e de seus familiares é uma função importante do enfermeiro(3-5), e é considerado parte integrante do cuidado de enfermagem, uma vez que esse profissional diariamente se confronta com as informações que os pacientes necessitam(2).

Para essa interação eficaz, os enfermeiros devem considerar as condições físicas, uso de medicamentos, nível cultural e aspectos psicossociais dos pacientes(3), bem como prepará-los para uma cirurgia, explicando o procedimento anestésico/cirúrgico e proporcionando suporte psicológico(1,4).

O processo de ensino-aprendizagem é considerado como um meio pelo qual o paciente pode adquirir conhecimentos, habilidades e ser encorajado a participar do seu tratamento, tomando decisões e assumindo responsabilidades(6). Com o conhecimento desenvolvido, o paciente poderá alterar o seu comportamento em saúde(1). Alguns trabalhos da literatura mostram os benefícios do ensino pré-operatório do paciente, tais como aumento da satisfação, menor incidência de complicações e retorno mais rápido às suas atividades diárias(7-8). Um dos componentes chave no fornecimento de informações aos pacientes é a orientação escrita sobre o tratamento, riscos e possíveis complicações. O enfermeiro deve oferecer informações numa linguagem clara e objetiva, compatível com o nível de escolaridade e compreensão do paciente. A informação sobre a fase perioperatória pode ser realizada individualmente ou em grupos, de forma oral e com recurso audiovisual(3). Já o ensino pré-operatório deve ser realizado pessoalmente, com utilização de recursos audiovisuais (manuscritos, slides, vídeo). Esse ensino pode modificar fatores de risco e o estilo de vida antes e depois da cirurgia, além de contribuir efetivamente na recuperação pós-operatória(7).

No preparo para cirurgia, devem ser fornecidas orientações quanto aos procedimentos invasivos de maneira clara, objetiva e de acordo com o nível cultural do paciente. O paciente deve ser orientado quanto à anestesia, ventilação artificial, utilização de tubos, sondas e cateteres, monitorização cardíaca, exercícios respiratórios, possibilidades de dor e administração de medicamentos(1-5).

No caso do transplante de fígado, o paciente recebe orientações escritas e verbais, sobre todos os aspectos que envolvem tal cirurgia. O ensino do paciente e de seus familiares, quanto às medidas a longo prazo para promover a saúde, é uma função importante do enfermeiro. A expectativa de um transplante desencadeia receio, medo, dúvidas, preocupação e ansiedade nos pacientes; está associado à dor, alteração da imagem corporal, dependência (dos imunossupressores) e até à morte, devido à grande complexidade da cirurgia. Portanto, é muito importante que pacientes e familiares tenham total conhecimento dos procedimentos perioperatórios. Eles devem compreender os motivos quanto à necessidade de colaborar continuamente com o regime terapêutico, com ênfase especial nos métodos de administração, justificativa e efeitos colaterais dos agentes imunossupressores prescritos(4).

O plano de cuidados de enfermagem em um programa de transplante de fígado deve integrar não somente o processo patológico, mas também medidas de prevenção, numa tentativa de suprir as necessidades dos pacientes e de seus familiares. O ensino do paciente é uma ferramenta utilizada para garantir sua independência e a detecção precoce de complicações(5).

Frente ao exposto, o presente artigo tem como objetivo descrever os resultados de aprendizagem da experiência de implementação de estratégias de ensino com os pacientes que serão submetidos a transplante de fígado.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de estudo com abordagem quantitativa, do tipo descritivo/exploratório, tendo como sujeitos os pacientes em lista de espera do cadastro técnico para transplante de fígado do Grupo Integrado de Transplante de Fígado (GITF), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), que ocupavam as primeiras posições. A amostra do estudo foi constituída por 13 indivíduos, os quais consentiram em participar do estudo após explicações detalhadas dos pesquisadores e entrega do termo de consentimento livre e esclarecido. O presente estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP.

O primeiro contato com o enfermeiro ocorreu na primeira consulta no ambulatório de doenças crônicas do fígado. Indicado o transplante, o enfermeiro fez a inclusão do paciente na lista de transplante e entregou a ele um manual de orientações. Neste momento, o paciente, juntamente com um familiar, recebeu várias informações verbais a respeito da cirurgia, funcionamento da lista de espera para o transplante, cuidados domiciliares e ações em caso de urgências. Eles foram incentivados a realizarem a leitura do manual e a esclarecerem suas dúvidas, sempre que necessário, durante os retornos ao hospital. Para os pacientes que não tinham capacidade para leitura, a família era estimulada a realizar a leitura do manual ao lado do mesmo, bem como explicar-lhe o seu conteúdo.

No manual ilustrativo e educativo consta: (1) definição e histórico do transplante, (2) as principais funções do fígado, (3) causas da doença hepática e suas complicações, (4) indicações e contra-indicações ao transplante, (5) funcionamento da lista de espera, (6) aspectos relativos ao doador, (7) a convocação do receptor para a realização da cirurgia, (8) tópicos importantes da cirurgia e da técnica cirúrgica, (9) informações relativas ao Centro de Terapia Intensiva (CTI) e à Unidade de Internação, (10) complicações comuns do transplante de fígado (infecções, rejeição e outras complicações), terminando com (11) descrição das principais medicações usadas (ciclosporina, tacrolimus e corticóides, entre outros), (12) exames complementares após o transplante (biopsia hepática, ultra-sonografia, tomografia computadorizada, arteriografia hepática, colangiografia e a endoscopia digestiva alta) e (13) orientações para alta hospitalar(9).

A reunião tinha caráter multidisciplinar e contava com a participação de um médico do grupo, além de um psicólogo, uma assistente social e um paciente já transplantado. Antes do seu início era entregue um questionário a cada paciente, o enfermeiro fazia a leitura de cada questão e eles tinham um período de tempo para respondê-las. Durante as orientações, eram apresentadas ilustrações destacando a magnitude da cicatriz cirúrgica e os métodos de transplante, além de esclarecimento das dúvidas que surgem no grupo. Ao término da reunião, foi realizada uma visita de reconhecimento à Unidade de Internação, ao CTI e à recepção do Centro Cirúrgico.

Para verificar o conhecimento dos pacientes sobre o conteúdo do manual de orientações, foi elaborado um questionário, composto por 15 questões fechadas, sendo 8 de múltipla escolha (composta por 4 ou 5 subitens, sendo apenas um deles correto), e 7 questões do tipo verdadeiro ou falso (contendo de 4 a 8 subitens, sendo necessário assinalar verdadeiro ou falso para cada um deles).

As questões foram baseadas nas informações contidas no manual de orientações entregue ao paciente na sua entrada para a lista de transplante. Eles receberam o questionário antes de iniciar a reunião, e esse era corrigido oralmente ao término da mesma. Os familiares presentes eram orientados a não participarem das respostas dos pacientes, exceto no caso de pacientes analfabetos. Procurou-se utilizar linguagem de fácil entendimento, evitando-se o uso de termos médicos.

Na tabulação dos dados, atribuiu-se o valor de zero (0) para as respostas incorretas e em branco, e de um (1) para as respostas corretas. Assim, os escores poderiam variar de zero (0) a quarenta e oito (48).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos sujeitos do estudo

O questionário foi aplicado a um total de 13 pacientes, sendo 7 (53,8%) do sexo masculino e 6 (46,2%) do sexo feminino. Quanto à idade, a média foi de 47,7 anos, variando entre 32 e 63 anos de idade. Desses, 6 (46,1%) apresentavam ensino fundamental incompleto, 2 (15,4%) pacientes eram analfabetos, 2 (15,4%) com ensino fundamental completo, 1 (7,7%) com ensino médio completo, 1 (7,7%) com nível superior incompleto e 1 (7,7%) com formação de nível superior completo.

Quanto à ocupação, 6 pacientes (46,1%) eram aposentados, 3 (23,1%) do lar, 1 (7,7%) comerciante, 1 (7,7%) mecânico, 1 (7,7%) motorista e 1 (7,7%) psicólogo.

Quanto ao diagnóstico médico, 12 pacientes (92,3%) eram portadores de cirrose hepática (CH), sendo 4 (30,8%) causadas pelo álcool, 3 (23,1%) pelo vírus da hepatite C (VHC), 3 (23,1%) pela associação de álcool e VHC, 1 (7,7%) pelo vírus da hepatite B (VHB) e 1 (7,7%) por fístula biliar; o 13º paciente (7,7%) era portador de polineuropatia amiloidótica familiar (PAF).

Análise do conhecimento adquirido pelo paciente

A análise de acertos, cujos escores poderiam variar de zero (0) a quarenta e oito (48), mostrou variação de 24 (50%) a 48 (100%), sendo que apenas dois pacientes obtiveram escore igual ou inferior a 30. Ressalta-se que esses dois pacientes eram analfabetos e apenas ouviram a leitura do conteúdo do manual realizada por um familiar.

A média de acertos foi de 38,7 (80,6%), sendo que apenas um paciente acertou todas as questões. Destaca-se que todos os pacientes foram orientados a reler o manual antes da reunião de orientação.

O conhecimento adquirido pelo paciente relacionado ao período anterior ao transplante de fígado

No questionário, cinco questões eram relacionadas ao período que antecede o transplante de fígado, abordando: conceitos, os cuidados no período pré-operatório, as principais funções do fígado, as complicações comuns da doença e o funcionamento da lista de transplante, com base nas informações contidas no manual de orientações.

Ao questionar os pacientes sobre o conceito de transplante de fígado (questão 1), com exceção de um, todos (92,3%) conseguiram responder adequadamente, ou seja, o transplante de fígado nada mais é do que a retirada do órgão doente e a colocação de um fígado de um doador cadáver. Assim, o transplante de fígado é uma modalidade terapêutica que possibilita a reversão do quadro terminal de um paciente com doença hepática. É utilizado como recurso para pacientes portadores de lesão hepática irreversível, quando não há mais qualquer forma de tratamento disponível(10).

No que diz respeito aos cuidados relativos à manutenção do estado clínico do paciente antes da cirurgia (questão 2), ou seja, abstinência alcoólica, uso de medicamentos inadvertidamente, tabagismo, incidência e atitudes tomadas frente a complicações, apenas 4 (30,8%) pacientes não conseguiram acertar todos os 6 itens da questão. Os principais erros foram relativos ao uso de medicamentos sem o consentimento da equipe médica e atitudes na ocorrência de uma complicação, como uma hemorragia digestiva. Os pacientes que têm indicação para transplante de fígado são, na maioria das vezes, portadores de uma doença crônica, de evolução progressiva e irreversível, com longa jornada de internações de urgência devido às graves e recorrentes complicações da doença hepática de base. De forma geral, apresentam um conjunto de características complexas, que envolvem aspectos biológicos, psicológicos, sociais e econômicos(11).

Ao se questionar quanto à complexidade da cirurgia (questão 4), 9 (69,2%) pacientes assinalaram a opção correta e apenas 4 (30,8%) assinalaram opções incorretas. Procurou-se esclarecer que o transplante de fígado é um procedimento muito complexo, indicado quando não há outro tratamento disponível, proporcionando grande risco para o paciente, inclusive o de morte. Quando o paciente é submetido a um transplante antes de desenvolver complicações multissistêmicas de doença hepática terminal, a sobrevivência perioperatória é excelente(12). Por outro lado, pacientes debilitados, com falência de múltiplos órgãos, têm apenas de 20 a 30% de chances de sobrevivência, e requerem, na maioria das vezes, semanas ou meses de hospitalização pós-operatória(13). É necessário ressaltar, no entanto, que o momento de convocação e realização do transplante quase sempre não corresponde ao momento ideal pelo ponto de vista do estado geral do paciente; isso se deve ao longo tempo de espera em lista.

No que se refere às funções do fígado (questão 5), apenas 2 (15,4%) pacientes não conseguiram compreender que, dentre as principais funções do fígado, há a produção de bile, a síntese de proteínas, a produção de fatores de coagulação, entre outras. O fígado, a maior glândula do corpo, produz, armazena, altera e excreta grande número de substâncias que participam do metabolismo. É importante na regulação do metabolismo da glicose e das proteínas (albumina, globulina, fatores da coagulação sangüínea), e é responsável pela produção e secreção de bile (importante na digestão e absorção de gorduras)(4).

Em relação às complicações mais comuns da cirrose hepática (questão 6), apenas 1 (7,7%) paciente não teve qualquer dúvida quanto aos 5 itens que permeavam essa questão. A maior parte das dúvidas foi relacionada à ascite, à freqüência na incidência de infecções (devido à imunossupressão natural do cirrótico), e à freqüente insuficiência renal que se instala nesses pacientes. As complicações da hepatopatia são numerosas e variadas. Em muitos casos, seus efeitos são incapacitantes ou letais(4), dentre eles o (efeito) mais grave é o sangramento por varizes esofagogástricas rotas ou por gastropatia congestiva da hipertensão portal. Adicionalmente, apresentam dificuldades no manuseio renal de sódio e água, evoluindo com ascite, a encefalopatia hepática e quadros infecciosos graves, como a peritonite bacteriana espontânea(14).

Quanto à logística do funcionamento do Cadastro Técnico para transplante de fígado (questão 7), ou seja, a lista de espera, dentre os 4 itens dessa questão, apenas 2 (15,4%) pacientes erraram o item que se refere ao fato da lista ser regional (lista do interior de São Paulo), e no caso de uma priorização, na qual pode haver mudança no posicionamento da fila para a alocação de um fígado para a sobrevivência de tais pacientes, em regime de urgência. A maioria (11 pacientes, 84,6%) não apresentou dúvidas. Ressalta-se que, desde a inclusão desses pacientes na lista de espera, é explicado aos pacientes e familiares como é o funcionamento da mesma, o tempo provável de espera, a possibilidade de ser excluído devido à presença de alguma contra-indicação, e a necessidade de passar outros pacientes na frente devido à iminência de um re-transplante ou de paciente com insuficiência hepática aguda grave (hepatite fulminante).

O conhecimento adquirido pelo paciente relacionado ao dia do transplante de fígado

Com relação ao conhecimento adquirido pelo paciente sobre o dia do transplante de fígado, as questões englobavam aspectos do doador, da convocação, do preparo para a cirurgia, da cirurgia e da anestesia.

No que diz respeito ao doador (questão 3), 9 (69,2%) pacientes apresentaram dúvidas e não acertaram todos os 7 itens dessa questão, sendo que as principais dúvidas foram com relação à possibilidade de voltar à vida após um diagnóstico de morte encefálica, sexo do doador ser o mesmo que o do receptor, consentimento da família do doador para a doação, e qualquer tipo de morte, mesmo fora do hospital, ser passível de doação. Apesar de estar havendo aumento significativo de transplantes de fígado com doador vivo, na atualidade, o mais importante doador de órgãos para transplante tem sido o portador de morte encefálica. A falha no reconhecimento, ou o reconhecimento tardio do doador com morte encefálica, pode levar à perda de órgãos devido à parada cardiorrespiratória inesperada, instabilidade hemodinâmica ou infecção. A disponibilidade limitada de órgãos é uma grande preocupação, pois o número de doações é insuficiente em relação à demanda, tornando-se prolongada a espera do transplante(15).

Quando questionados sobre o dia do transplante (questão 8), apenas 3 (23,1%) pacientes tiveram dúvidas e assinalaram uma das opções incorretas. Os pacientes foram esclarecidos que a convocação para o transplante poderá ocorrer a qualquer momento, sendo de grande importância manterem os telefones de contato atualizados. Além disso, durante a admissão no hospital seriam realizados diversos exames clínicos e laboratoriais para descartar a presença de uma contra-indicação; também esclareceu-se quanto à necessidade de compatibilidade entre o tipo de sangue do doador e do receptor, bem como uma relação entre o peso de cada um, de modo a não causar problemas técnicos durante a cirurgia.

Também, no que diz respeito à convocação (questão 9), novamente apenas 3 (23,1%) pacientes assinalaram uma das opções incorretas. Nesse caso, procurou-se enfatizar que serão convocados os dois primeiros receptores da lista, pois havendo qualquer contra-indicação para o primeiro, o segundo seria submetido à cirurgia, além disso, a importância do jejum no momento da convocação, o transporte rápido (e seguro) até o hospital, e a presença da família para receber informações durante a cirurgia, eram aspectos importantes para o dia da convocação no transplante.

Ainda com relação ao pré-operatório imediato (questão 10), a maioria dos pacientes (61,5%) apresentou dúvidas com relação aos 5 itens, os quais deveriam julgar verdadeiros ou falsos. Dentre eles, a necessidade de tricotomia e a possibilidade de suspensão do transplante, por qualquer problema, foram as principais. Esclareceu-se que os receptores poderiam, por algumas vezes, passar pela situação de serem convocados e não serem transplantados, já que o receptor pode apresentar alguma contra-indicação que impossibilite a realização do procedimento naquele momento. Isso poderia contribuir positivamente em uma próxima convocação para o transplante, uma vez que o paciente vai se familiarizando com os procedimentos adotados pela equipe no dia da cirurgia.

Com relação ao intra-operatório (questão 11), apenas 4 (30,8%) pacientes não assinalaram a resposta correta. Procurou-se mostrar que o transplante de fígado é um procedimento complexo, muitas vezes permeado por intensos sangramentos, com necessidade de grande volume de transfusões. Pela grande complexidade do transplante hepático, ele pode vir a ser permeado por algumas complicações previsíveis. Assim, é de fundamental importância a presença dos familiares no hospital no dia da cirurgia, posto que, independente das condições do doente em sala operatória, informações são fornecidas à família, a cada duas horas, pelo enfermeiro coordenador do transplante hepático.

No que diz respeito ao procedimento anestésico (questão 12), novamente 8 (61,5%) pacientes apresentaram dúvidas e julgaram incorretamente pelo menos um dos 5 itens dessa questão. Dentre eles, a necessidade de vários acessos venosos, a intubação oro-traqueal, a detecção de problemas anestésicos (hemodinâmicos), a impossibilidade de falar ao recobrar a consciência com a intubação e os riscos que envolvem todo o procedimento, foram os itens mais freqüentes. A condução da anestesia no transplante de fígado é complexa, uma vez que o procedimento, na maioria das vezes, envolve a necessidade de reposição de grandes quantidades de sangue e fluidos, assim como o manuseio de anormalidades de coagulação, hidroeletrolíticas, ácido-básicas e de temperatura, em um paciente freqüentemente com insuficiência de outros sistemas orgânicos(16).

O conhecimento adquirido pelo paciente em relação ao pós-operatório de transplante de fígado

Para avaliar o conhecimento dos pacientes no pós-operatório imediato e tardio, formulou-se as questões 13, 14 e 15, que dizem respeito ao CTI, à Unidade de Internação e às complicações pós-operatórias.

Com relação ao CTI (questão 13), apenas 4 (30,8%) pacientes assinalaram respostas incorretas. Nesse caso, procurou-se esclarecer os pacientes quanto à necessidade de restrição das visitas nos primeiros dias do pós-operatório, além da necessidade de inserção de tubos e cateteres invasivos, para a coleta de líquidos (urina, suco gástrico, sangue) e infusão de hemoderivados, soroterapia e medicamentos, além da avaliação hemodinâmica através do Swan-ganz, e da avaliação da função hepática através do dreno de Kher (inserido na via biliar durante a cirurgia). Os cuidados intensivos de pós-operatório imediato são característicos de uma cirurgia de grande porte, o paciente é monitorizado continuamente para função cardiovascular, pulmonar, renal, neurológica e metabólica(4). Todos os pacientes e familiares visitam o CTI no pré-transplante e conhecem os membros da equipe médica e de enfermagem, que procuram desmistificar os sentimentos que envolvem uma estadia em um CTI. Mais uma vez, aqui, os pacientes aprendem que, mesmo tendo sido realizado o transplante, há a possibilidade de ocorrer complicações leves ou graves, e que mesmo tendo sido realizada a cirurgia, ainda há o risco de morte. As complicações pós-operatórias imediatas podem incluir sangramento, infecção, rejeição, drenagem biliar alterada, deiscência, trombose vascular, coagulopatia, hipertensão portal, fibrinólise, hipotensão, hipertensão, disfunção renal, alterações psicológicas, entre outras(4,17).

Em relação à internação na enfermaria (questão 14), novamente 4 (30,8%) pacientes assinalaram respostas incorretas. Procurou-se ressaltar a importância da presença de um familiar durante 24 horas de sua estadia, os cuidados referentes ao uso dos medicamentos imunossupressores e o preparo para a alta hospitalar. Nesse período, esclareceu-se aos pacientes que há possibilidades de complicações, e mesmo uma boa evolução clínica não descarta o risco de morte. A taxa de complicações pós-operatórias é alta e se relaciona principalmente com as complicações técnicas, rejeição ou com a infecção(4).

Enfim, com relação às complicações mais comuns no pós-operatório (questão 15), dentre os 8 itens a serem julgados como verdadeiros ou falsos, 10 (76,9%) pacientes apresentaram algum tipo de dúvida, sendo as mais freqüentes a ocorrência de rejeição e a aquisição dos medicamentos imunossupressores (gratuitamente). Informou-se aos pacientes e seus familiares sobre a importância de evitar contato com pessoas doentes, o uso correto dos medicamentos, a incidência, os sinais e sintomas de rejeição e seu tratamento, além da possibilidade de um re-transplante caso ocorra alguma complicação grave (nos primeiros 30 dias após o transplante). A importância dos exames pós-transplante, o seguimento ambulatorial, bem como o uso de medicação imunossupressora vital para o sucesso do transplante, são também aspectos enfatizados(17).

Observou-se que essas atividades, realizadas nas reuniões, têm proporcionado maiores esclarecimentos para os pacientes, tornando-os bastante diferenciados(9), alcançando aparentemente uma redução da ansiedade e do medo, redução das complicações pós-operatórias, melhor recuperação pós-operatória, menor estadia hospitalar(7-8) e minimização do estresse, principalmente no momento da realização da cirurgia para o transplante.

No que se refere ao conhecimento adquirido pelos pacientes por meio da leitura do manual de orientações parece que foram mais eficientes os aspectos relacionados ao pré-operatório, já que esses tiveram mais notas de acertos nessa etapa. Em contrapartida, tiveram eles mais dúvidas relacionadas ao pós-operatório imediato, tardio e sobre o procedimento anestésico, o que pode estar atrelado às necessidades em que os pacientes se encontram no momento em que foi realizada a reunião, ou seja, a convocação e a espera para realizar a cirurgia. Desse modo, é preciso melhor abordagem do pós-operatório durante a reunião de orientação, de modo a suprimir eventuais dúvidas, o que poderá contribuir positivamente para a evolução da cirurgia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de pacientes e familiares é provavelmente um dos mais importantes papéis do enfermeiro(4,17). Esse ensino, relativo ao tema abordado neste artigo, deve incluir as principais funções do fígado, as complicações da doença hepática, o preparo pré-operatório, considerações sobre o doador cadáver, o funcionamento da lista de espera, a convocação para o transplante, o procedimento anestésico, os cuidados pós-operatórios imediatos e tardios, o uso de medicamentos, os sinais e sintomas de rejeição, restrição da dieta, mudança para estilo de vida saudável e necessidade de seguimento de rotina para o resto da vida. Ressalta-se que o paciente e sua família devem compreender as razões da obediência contínua, necessária ao esquema terapêutico, com ênfase especial em relação aos métodos de administração, base lógica e efeitos colaterais dos agentes imunossupressores prescritos(4). O paciente deve receber instruções por escrito, assim como verbais, acerca do uso das medicações.

A atuação da enfermagem nessa área é escassa em publicações. Entretanto, nota-se a importância do papel desempenhado pelo enfermeiro, quando se observam todas as etapas vivenciadas pelo candidato ao transplante e sua família, até o acontecimento da cirurgia, o pós-operatório, a alta hospitalar e a reintegração ao ambiente familiar e social(18). Também fica evidente a proximidade do enfermeiro com pacientes e familiares, o que proporciona excelente relacionamento interpessoal, já que o paciente vê na figura do enfermeiro o membro da equipe de transplante em que ele pode depositar total confiança.

Quando analisados, os resultados evidenciados neste estudo, tendo em vista o conhecimento inicial dos pacientes, fica claro que essa primeira abordagem escrita foi fundamental para o aprendizado de cada paciente. Isso corrobora evidências anteriores de que o uso de informações escritas facilita o aprendizado dos pacientes e familiares(8). Entretanto, os resultados ora apresentados indicam que essa abordagem isoladamente não é suficiente para que o paciente com nível de escolaridade precário atinja o nível de conhecimento desejado pela equipe, uma vez que o ensino e o aprendizado dos pacientes são fundamentais para o sucesso da cirurgia e recuperação pós-operatória.

Recebido em: 13.10.2003

Aprovado em: 16.5.2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005

Histórico

  • Aceito
    16 Maio 2005
  • Recebido
    13 Out 2003
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