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A assistência domiciliar: conformando o modelo assistencial e compondo diferentes interesses/necessidades do setor saúde

La atención domiliciaria: conformando el modelo asistencial y componiendo diferentes intereses/necesidades del sector salud

Home care: configurating the care model and joining different interests/needs in the care sector

Resumos

Neste estudo objetiva-se proceder à análise de um serviço de Assistência Domiciliar (AD) do setor privado, sob a luz da conformação do Modelo Assistencial. Elegeu-se como instrumentos para coleta de dados o grupo focal e a entrevista semi-estruturada junto aos trabalhadores de enfermagem do nível médio e coordenadores do serviço. Para organização do material empírico recorreu-se ao processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Ficou evidente que o reconhecimento dos elementos constituintes do Modelo Assistencial entre os atores sociais, envolvidos no projeto, é fundamental para negociar, compor e instrumentalizar o atendimento de diferentes interesses, bem como a potência da AD em ser um dispositivo para a revisão do conceito do processo saúde/doença/cuidado e, portanto, promover incorporações de valores que levem a mudanças no seu modo de agir, em direção a um modelo assistencial comprometido em estabelecer relação acolhedora, marcada pelo compromisso e responsabilização pela saúde dos usuários.

cuidados domiciliares de saúde; enfermagem


La finalidad de este estudio es proceder al análisis de un servicio de Atención Domiciliaria del sector privado, bajo la perspectiva de la conformación del Modelo Asistencial. Elegimos como instrumentos de recopilación de datos el grupo focal y la entrevista semiestructurada, junto a los trabajadores de enfermería del nivel medio y los coordinadores del servicio. Para organizar el material empírico, nos valemos del proceso metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo. Fue demostrado que el reconocimiento de los elementos constituyentes del Modelo Asistencial entre los actores sociales involucrados en el proyecto es fundamental para negociar, componer y instrumentalizar la atención a diferentes intereses, así como la potencia de la AD para ser un dispositivo para la revisión del concepto del proceso salud/enfermedad/cuidado y, por lo tanto, promover la incorporación de valores que lleven a cambios en su modo de actuar, en dirección a un Modelo Asistencial comprometido en establecer una relación acogedora, marcada por el compromiso y la responsabilización por la salud de los usuarios.

cuidados domiciliarios de salud; enfermería


This study aims to analyze a private Home Care service from the perspective of the formation of the Care Model. Focus groups and semistructured interviews were chosen as instruments for data collection. Interviews were held among middle-level nursing workers and service coordinators. Empiric data were organized by means of the Collective Subject Discourse methodology. It was disclosed that the recognition of the constituent elements of the care model among the social agents involved in the project is essential to negotiate, unite and instrumentalize the possibility to attend different interests. Another factor that stood out was the power of Home Care to be a tool for reviewing the health/illness/care process concept and, thus, for promoting the incorporation of values that lead to behavioral changes, moving towards a care model that is committed to the establishment of a welcoming relation, characterized by commitment and responsibility for the health of clients.

home nursing; nursing


ARTIGO ORIGINAL

A assistência domiciliar - conformando o modelo assistencial e compondo diferentes interesses/necessidades do setor saúde1 1 Este estudo faz parte do Projeto FAPESP 02/02468-5

Home care - configurating the care model and joining different interests/needs in the care sector

La atención domiliciaria - conformando el modelo asistencial y componiendo diferentes intereses/necesidades del sector salud

Maria José Bistafa PereiraI; Silvana Martins MishimaI; Cinira Magali FortunaII; Sílvia MatumotoII

IEnfermeira, Professor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: zezebis@eerp.usp.br; smishima@eerp.usp.br

IIDoutor em Saúde Pública, Enfermeira junto a Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto - São Paulo, e-mail:cinirafortuna@yahoo.com.br; smatumoto@uol.com.br

RESUMO

Neste estudo objetiva-se proceder à análise de um serviço de Assistência Domiciliar (AD) do setor privado, sob a luz da conformação do Modelo Assistencial. Elegeu-se como instrumentos para coleta de dados o grupo focal e a entrevista semi-estruturada junto aos trabalhadores de enfermagem do nível médio e coordenadores do serviço. Para organização do material empírico recorreu-se ao processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Ficou evidente que o reconhecimento dos elementos constituintes do Modelo Assistencial entre os atores sociais, envolvidos no projeto, é fundamental para negociar, compor e instrumentalizar o atendimento de diferentes interesses, bem como a potência da AD em ser um dispositivo para a revisão do conceito do processo saúde/doença/cuidado e, portanto, promover incorporações de valores que levem a mudanças no seu modo de agir, em direção a um modelo assistencial comprometido em estabelecer relação acolhedora, marcada pelo compromisso e responsabilização pela saúde dos usuários.

Descritores: cuidados domiciliares de saúde; enfermagem

ABSTRACT

This study aims to analyze a private Home Care service from the perspective of the formation of the Care Model. Focus groups and semistructured interviews were chosen as instruments for data collection. Interviews were held among middle-level nursing workers and service coordinators. Empiric data were organized by means of the Collective Subject Discourse methodology. It was disclosed that the recognition of the constituent elements of the care model among the social agents involved in the project is essential to negotiate, unite and instrumentalize the possibility to attend different interests. Another factor that stood out was the power of Home Care to be a tool for reviewing the health/illness/care process concept and, thus, for promoting the incorporation of values that lead to behavioral changes, moving towards a care model that is committed to the establishment of a welcoming relation, characterized by commitment and responsibility for the health of clients.

Descriptors: home nursing; nursing

RESUMEN

La finalidad de este estudio es proceder al análisis de un servicio de Atención Domiciliaria del sector privado, bajo la perspectiva de la conformación del Modelo Asistencial. Elegimos como instrumentos de recopilación de datos el grupo focal y la entrevista semiestructurada, junto a los trabajadores de enfermería del nivel medio y los coordinadores del servicio. Para organizar el material empírico, nos valemos del proceso metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo. Fue demostrado que el reconocimiento de los elementos constituyentes del Modelo Asistencial entre los actores sociales involucrados en el proyecto es fundamental para negociar, componer y instrumentalizar la atención a diferentes intereses, así como la potencia de la AD para ser un dispositivo para la revisión del concepto del proceso salud/enfermedad/cuidado y, por lo tanto, promover la incorporación de valores que lleven a cambios en su modo de actuar, en dirección a un Modelo Asistencial comprometido en establecer una relación acogedora, marcada por el compromiso y la responsabilización por la salud de los usuarios.

Descriptores: cuidados domiciliarios de salud; enfermería

INTRODUÇÃO

Reconhece-se os avanços do setor saúde do Brasil, mas também se reconhece que há um grande desafio a enfrentar, ou seja, mudar o modelo de atenção à saúde, que atualmente se caracteriza pelo predomínio da concepção do processo saúde/doença, unicamente como fenômeno individual, centrado no corpo do paciente, fundamentado na visão biomédica, reforçando o valor da doença e não o doente, como objeto de trabalho dos serviços de saúde.

A proposta de enfrentar esse desafio, teve como finalidade contribuir para a construção de estratégias que operem em serviços de saúde, estabelecendo relação acolhedora entre trabalhador de saúde/usuário, marcada pelo compromisso e responsabilização pela saúde desses; e também pela preocupação com o desenvolvimento da autonomia, objetivando que os mesmos se apropriem de diversas tecnologias, possibilitando-lhes, cada vez mais, irem resolvendo ou minimizando parte do que têm lhes causado sofrimento.

Sob essa perspectiva, acredita-se que a Assistência Domiciliar - AD - possui potência instituinte para a transformação da prática de saúde e, em especial, da enfermagem, na direção acima apontada.

Adotou-se como modelo assistencial a forma como os serviços públicos, ou privados, e o Estado se organizam para a produção e distribuição das ações de saúde, num determinado contexto social, no qual determinações de diferentes ordens - sociais, políticas, econômicas, técnicas, culturais - subjetivas - se fazem presentes, num jogo constante de forças e que encaminham à construção de determinada prática social, sendo, nesse caso a prática de saúde.

Com essas considerações, pretende-se deixar claro que, ao se fazer a proposta de reconhecer e/ou construir um modelo assistencial de saúde não se está falando em formas rígidas e fechadas, nem dando "receitas", mas, sim, pensando em certo modo de fazer saúde, onde sejam consideradas as diferentes determinações sociais presentes e articuladas no processo de produção do setor saúde. Dessa forma, se está afirmando que modelo assistencial não é só um arranjo técnico e nem só político(1), mas, certamente, é uma conformação bastante tensa.

Essa discussão é sintetizada(2) ao apresentar o conceito de Modelo Assistencial como sendo a organização da produção dos serviços de saúde, que ocorre a partir de um determinado arranjo dos saberes da área, bem como dos projetos de construções de ações sociais específicas e, ainda, como estratégia política de determinados agrupamentos sociais, carregando orientação e decisão política previamente definidas.

O processo de reconhecimento do projeto político da saúde implica identificar para quais necessidades geradas nas relações sociais vai se organizar a produção dos serviços e, portanto, quais as tecnologias utilizadas para atender essa(s) finalidade(s).

Neste estudo, o objetivo foi analisar a implantação de um serviço de Assistência Domiciliar do setor privado, sob a luz da conformação do Modelo Assistencial.

O interesse pelo serviço privado emergiu a partir do questionamento - É possível compor um arranjo onde diferentes interesses possam ser atendidos? Ou seja, será possível produzir lucro financeiro e satisfação aos usuários e aos trabalhadores? Como se estabelecem as relações de satisfação dos usuários e o desenvolvimento de sua autonomia?

Partindo da premissa de que a maneira de assistir as pessoas tem relação bastante estreita com a concepção de homem e com o processo de construção histórica do conhecimento, e que esses articulam com a concepção do processo saúde-doença na conformação do processo de trabalho em saúde, percebe-se que o estabelecimento de estratégias alternativas de intervenção no modo de agir na saúde necessita considerar essas dimensões, significando(3) que a empreitada para formas inovadoras precisa ser de cunho filosófico, teórico e prático.

O PERCURSO METODOLÓGICO

A abordagem metodológica qualitativa foi o caminho escolhido para desenvolver esta investigação, uma vez que amplia a apreensão da complexidade presente nas relações sociais. Esse processo metodológico estimula a pesquisa do objeto deste estudo com base e fundamentos que exigem a incorporação do significado e da intencionalidade dos atos, das relações e das estruturas sociais. Permite, ainda, pensar que os trabalhadores dos serviços de saúde, a partir da operação diária de cada um, podem ser importantes sujeitos de transformação com possibilidade de (re)construção da prática da assistência à saúde, marcada por relação acolhedora, com compromisso e responsabilização perante a saúde dos usuários e desenvolvimento da autonomia desses.

Assim, analisa-se a conformação da prática de saúde, detendo mais especificamente na prática dos auxiliares de enfermagem (AE), de um Serviço de Assistência Domiciliar privado, focalizando alguns elementos que desenham a conformação de modelos como: a concepção do processo saúde/doença, os procedimentos envolvidos na prática de enfermagem e os processos de subjetivação, objetividade/subjetividade, também identificando a finalidade desse serviço, expressa pelos atores sociais envolvidos, principalmente aqueles em situações de poder de decisão.

Para tanto, as técnicas eleitas permitiram a captação de aspectos relacionais explícitos e implícitos presentes nesses trabalhadores que, por mais que pareçam ser distintos e/ou estanques, analiticamente, sabe-se que se apresentam num movimento contínuo de complementaridade, de sobreposição e contradição, ou seja, num interjogo onde objetividade/subjetividade representam uma unidade em movimento, compondo a realidade. Levando em consideração esses aspectos, elegeu-se como instrumentos para "coleta de dados"* * As aspas do termo coleta de dados indicam nossa concordância com autores (4) onde os autores nos alertam que nas pesquisas sociais os dados não são "naturais" e não estão prontos na natureza, são produzidos socialmente, são discursos. , inicialmente, o grupo focal e a entrevista semi-estruturada para obtenção do material necessário para a análise proposta.

O Grupo Focal

Como afirmado anteriormente, o trabalho em saúde atende finalidades que se definem, social e historicamente, como também defende-se que os trabalhadores dos serviços de saúde podem ser importantes sujeitos na (re)construção do modo de produção desses serviços. Para tanto, considerou-se necessário compreender a micropolítica do trabalho em saúde e as possibilidades de transformação do mesmo, a partir da operação diária dos trabalhadores no exercício de seus autogovernos.

Assim, grupo focal é definido(5) como técnica de pesquisa que coleta dados através da interação grupal, abordando determinado tópico selecionado pelo pesquisador. Na essência, é o interesse do pesquisador que proporciona o foco, contudo, os dados, por si mesmos, são trazidos pela interação grupal. Os grupos focais possibilitam obter, em curto espaço de tempo, o pensar coletivo de uma temática que faz parte da vida das pessoas reunidas, conhecer o processo dinâmico de interação entre os participantes, observar como as controvérsias se expressam e são resolvidas, além da reprodução de processos de interação que ocorrem fora dos encontros grupais.

Como um dos critérios para composição do grupo, essa técnica pressupõe que os integrantes compartilhem traços comuns e que possuam experiência prévia do assunto a ser abordado. Também é recomendável que o grupo tenha composição homogênea, para facilitar a interação dos integrantes. A literatura refere que numericamente o grupo focal deve considerar o envolvimento que cada participante tem para contribuir com o grupo.

Neste estudo, realizou-se o grupo focal com auxiliares de enfermagem que, efetivamente, participaram da assistência domiciliar, em um serviço privado. Foram tomadas as providências para a autorização e liberação desses trabalhadores a fim de que pudessem participar dos encontros, após a aquiescência e assinatura do termo de livre consentimento esclarecido, para participarem do estudo.

Realizou-se três encontros grupais, de uma hora e trinta minutos cada um, na própria sala de passagem de plantão da equipe de enfermagem, conforme acordado entre os integrantes da pesquisa e a chefia, com intervalo de uma semana entre um e outro. Contou-se com a presença de cinco auxiliares de enfermagem, dos sete integrantes do quadro desse serviço. Dois não participaram, um estava em férias e o outro trabalhava em outro serviço no horário da coleta de dados.

A coordenação do grupo focal foi feita pela própria pesquisadora, por possuir formação em grupo operativo, recomendação exigida para esse fim. Além da gravação dos encontros em fita K-7, os encontros contaram com a presença do observador, cuja função foi registrar os aspectos não-verbais e a dinâmica de interação dos participantes, complementando o registro sistematizado.

Diante dessas providências, o coordenador deu continuidade ao trabalho, iniciando o grupo, solicitando aos auxiliares de enfermagem que contassem suas inserções e experiências na assistência domiciliar. Essa questão disparadora facilitou o início da interação grupal, pois já se podia perceber as diferentes experiências, como também os pontos de convergência, por exemplo, a formação na graduação deixa a desejar no que diz respeito à assistência domiciliar. O coordenador do grupo, no caso o pesquisador, tinha à sua disposição um roteiro orientador de questões para utilizar na condução dos tópicos a serem discutidos pelos integrantes, caso fosse necessário.

A entrevista semi-estruturada

É uma estratégia na qual, intencionalmente, o pesquisador obtém informações dos atores sociais através de suas falas. É uma fonte de informação de dados relativos a "falas, idéias, crenças, maneiras de atuar, conduta ou comportamento presente ou futuro, razões conscientes ou inconscientes de determinadas crenças, sentimentos, maneiras de atuar ou comportamento"(6). Por se buscar reconhecer a finalidade e as tecnologias disponíveis para operacionalizar a AD, optou-se por entrevistar trabalhadores do quadro com poder de negociar a infra-estrutura dessa intervenção. Assim, os sujeitos eleitos para a realização da entrevista semi-estruturada foram os trabalhadores da equipe do staff central da AD da empresa, sendo esses do serviço médico e da enfermagem. As entrevistas foram individuais e ocorreram em lugares definidos, sendo agendadas previamente com os entrevistados, os quais permitiram que as mesmas fossem gravadas e assinaram o termo de livre consentimento esclarecido. Foi assegurado aos participantes o sigilo das informações. Esse projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

A análise dos dados

Para ordenação e organização do material empírico, produzido nos grupos focais e nas entrevistas, utilizou-se o processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC(7), que possibilita organizar o conjunto de discursos verbais emitidos por um dado conjunto de sujeitos sobre um referido tema. Para proceder à ordenação, utilizou-se quatro figuras metodológicas, quais sejam: as expressões chaves, as idéias centrais, a ancoragem e o DSC. As expressões chaves são pedaços contínuos ou descontínuos da fala que revelam a essência do conteúdo de um dado fragmento que compõe o discurso ou a teoria subjacente; as idéias centrais são expressões lingüísticas que revelam ou descrevem de maneira mais sintética e precisa possível o sentido, ou o sentido e o tema, de cada conjunto homogêneo de ECHs; a ancoragem - expressão de uma teoria, ideologia ou crença religiosa adotada pelo autor do discurso e que está embutida no discurso como se fosse uma afirmação qualquer; e o discurso do sujeito coletivo é uma agregação, ou soma, não matemática de pedaços isolados de depoimentos, de modo a formar um todo discursivo coerente, em que cada uma das partes se reconheça como constituinte desse todo, o qual é constituído por essas mesmas partes, expressando posicionamento próprio, distinto, original e específico frente ao tema em investigação. Deve-se analisar essas figuras cuidadosamente para se obter um resultado que expresse representação fidedigna daquilo que foi pesquisado, de onde se pode extrair os conteúdos explícitos e implícitos, relacionados aos elementos constitutivos do processo de trabalho em saúde, que conformam o modelo assistencial.

RESULTADOS

O projeto político - traduzindo a finalidade - expondo as tecnologias

A crise da saúde analisada por diversos ângulos: ineficiência, ineficácia, iniqüidade e insatisfação da opinião pública impulsionam os profissionais a encontrarem novas estratégias junto à organização e gestão dos serviços de saúde, com vistas a contribuir na reorientação do modelo assistencial, e entre essas estratégias está a atenção domiciliar.

O DSC, abaixo, produzido pelos atores sociais do staff central do serviço (DCS-C), revela a necessidade, o porquê e o para quê do projeto, ou seja, sua finalidade.

...estávamos com uma preocupação de ver o que a gente poderia fazer além de assistência médica, que era prestada em nível de consultório na rede hospitalar, e o que a gente poderia fazer de forma diferente para melhorar a qualidade de vida dos usuários e ao mesmo tempo beneficiar as três pontas: o usuário, a assistência do médico cooperado e a empresa. A gente vive em um país que tá realmente olhando sempre pro dinheiro, a gente não pode esquecer disso.Vamos reter custos de hospitalização, deveria ficar sete dias internado,, estabilizou, fica 3 dias. Reter custos! Isso é muito claro, no país capitalista que a gente vive. É uma opção da COOPERATIVA oferecer esse benefício, esse é um dos fatores de diferenciação da COOPERATIVA em relação aos concorrentes, entendeu. Os outros serviços não têm isso DSC-C.

A revisão da literatura indica que, na década de 1990, a adoção da assistência e a internação domiciliar cresceram significativamente nos diversos serviços de saúde, pautadas em justificativas de diferentes ordens - mais vagas nos hospitais, redução dos riscos de infecção hospitalar, humanização do atendimento e sensível redução dos custos. Também há aqueles que defendem a implantação de serviços de assistência domiciliar pela necessidade de promover maior integração e colaboração entre os serviços hospitalares e os extra-hospitalares, com vistas à construção de um novo modelo de atenção que possibilite a assistência contínua e a perspectiva da integralidade.

Segundo a literatura, é crescente o número de serviços de AD: "Há cerca de cinco anos, havia no Brasil pouco mais de cinco empresas que faziam assistência domiciliar no setor privado..., o número de empresas ultrapassou a marca de cento e oitenta em 1999"(8).

O potencial da AD em promover maior colaboração entre os serviços hospitalares e não hospitalares tem sido destacado, porque a AD potencializa a continuidade, a articulação, conferindo-lhe caráter facilitador para o trabalho compartilhado, e integrador de diferentes níveis de atenção e maior eficácia da assistência através da AD. Tem sido destacado a obtenção de mais satisfação e participação do paciente e de seus familiares, como também melhor recuperação do paciente, em muitas enfermidades. A redução dos custos já aparece pelo próprio uso mais adequado e racional dos recursos.

Os atores sociais do serviço alvo, deste estudo, explicitaram que o projeto da AD da empresa precisa contemplar três eixos: a satisfação do usuário, do cooperado e a necessidade de reter custos. Os sujeitos envolvidos no desenvolvimento de um dado projeto, ao conhecerem as finalidades do mesmo, fortalecem as suas potencialidades para superar as dificuldades e obstáculos.

Entendemos que o cuidado domiciliar seria uma nova opção. Por quê? Porque ele conseguiria detectar alterações que às vezes não eram vistas porque os pacientes não faziam seguimento de rotina no consultório, ou então porque eles faziam as coisas de forma errada por má compreensão ou por incapacidade de comprar um medicamento, ou por falta de habilidade, ou seja, por qualquer outra razão que o tratamento não era feito adequadamente em nível domiciliar. O nosso paciente, ele não nos procura. Quem nos procura é o médico do nosso paciente. Se ele (paciente)precisar de uma remoção ou de um... se há uma urgência na casa do paciente, a gente não vai atender. Então às vezes eles (pacientes) pedem cuidados, mas o paciente não entra se ele não tiver o médico assistente, o médico assistente de referência. O nosso homecare, ele é agendado, ele é de educação. A gente vai prescrever pra esta família, como é que vai ser dado este banho, como é que ela vai manipular sonda, como é que vai manipular sonda vesical, sonda nasoentérica, se há curativos pra fazer, se nós vamos fazer alguns e a família outros. Isto tudo vai ser prescrito pelo enfermeiro que vai dizer quem é que vai fazer aquele cuidado. A presença do cuidador é importante. Sem o cuidador não há cuidado domiciliar, porque nós não assumimos o paciente, pra dar banho, pra fazer higiene Cuidador é imprescindível "se não tiver não há Critério pra exclusão. Também a gente viu a possibilidade de fazer um meio termo de assistência até o momento que o paciente se torne independente de algum cuidado...é uma passagem, é uma ponte na alta precoce DSC- C..

O problema a ser enfrentado com relação à AD é definido pelos atores do nível central, que deixaram estabelecido o que será feito no domicílio e como será feito, definindo também os critérios de inclusão no programa. Deixam claro as linhas de mando no processo de trabalho, reafirmando a escala hierárquica entre os trabalhadores da área médica e da enfermagem, e essa última também apresenta uma maneira, instituída historicamente, entre os trabalhadores de enfermagem de desenvolverem sua produção, demonstrando um processo de trabalho centrado na teoria geral da administração, em seus aspectos teóricos e filosóficos.

A AD aumenta a disponibilidade de leitos hospitalares e também diminui o período de internação, sendo os custos para as internações domiciliares menores que ampliar e manter leitos em hospitais(9).

Vamos reter custos de hospitalização, deveria ficar sete dias internado, estabilizo, fica 3 dias. Reter custos! Isso é muito claro, no país capitalista que a gente vive DSC-C.

Esse fragmento do DSC-C coincide com os dados da literatura e também coaduna com as finalidades propostas pelo serviço. A assistência domiciliar permite redução dos custos em saúde, proporcionalmente, na ordem de 52%, quando comparado aos custos da assistência hospitalar, fator preponderante para impulsionar investimento em serviços dessa natureza(9). Ressalta-se, nesse fragmento do DSC-C, a importância de se explicitar como os atores sociais estão inseridos no modo de produção, uma vez que esse é o cenário onde as diferentes determinações sociais, políticas, econômicas, técnicas, culturais e subjetivas circulam e, sobretudo, definem os recortes interessados "projetando-o para as atividades que irão compor o processo de trabalho responsável pela produção"(1) em foco.

Esse recorte interessado do mundo é conformado pela maneira como o homem se produz e se reproduz historicamente frente às necessidades que se fazem presentes, havendo relação de imbricamento entre as formas de satisfazer essas necessidades com tal recorte e a organização do conjunto do processo de trabalho.

O jornal do Conselho Federal de Medicina, de novembro de 1999, publicou na revista Lancet, 1999, 354, p.1077, o resultado de pesquisa que monitorou 200 pacientes que haviam sido internados com insuficiência cardíaca congestiva e que, após a alta hospitalar, foram divididos em dois grupos: um que seria seguido no domicílio, pelo profissional enfermeiro, e um outro que receberia cuidados habituais, sem seguimento sistematizado em seu domicílio. Os pesquisadores observaram que "durante os 6 meses subseqüentes houve 129 readmissões não planejadas e mortes fora do hospital, no grupo que recebeu os cuidados habituais, e apenas 77, no grupo que sofreu a intervenção, tendo esses gerado menores custos [...]. Ainda afirmaram que a intervenção no domicílio "tem o potencial para diminuir a taxa de readmissões não planejadas e os custos associados com os cuidados de saúde para prolongar a sobrevida total e sem intercorrências, e para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com ICC crônica"(10).

No DSC-C, a seguir, é explicitado a necessidade de demonstrar como o serviço de AD cumpre com uma das finalidades de sua implantação, em relação ao tripé da finalidade: reter custos, proporcionar segurança ao cooperado e satisfação ao usuário.

Eu pego seis meses antes de ele entrar na AD, e faço o cálculo mensal. Aí, ele passou seis meses conosco, eu faço o cálculo mensal do gasto dele dentro do sistema, enquanto ele estava no programa. E, no caso de alta, a gente continua a seguir esse paciente, gastos, até o final. Então, isso eu mandava pra diretoria. Paciente que internava mensalmente, sumiu do hospital! Sumiu. Então, a gente leva isso em gráfico. Ele gasta tanto, tanto entrou na AD o gráfico dele tá lá embaixo, ele parou de gastar. Porque o que a cooperativa gasta é em hospital. Então, é aí que o custo, ele fica é bem claro como que o homecare, ele realmente abaixa o custo. Outra coisa foram as altas precoces. Então, mensalmente a gente pega todos os pacientes com patologias agudas que foram desospitalizados por conta da empresa. Porque aí são duas facções. Os pacientes crônicos, que eu acho que eles internariam se eles não tivessem na AD, e eu mostro isso através de gráfico. Internava, internava, internava parou de internar! Mas, o paciente agudo não. O paciente eu provo que se a AD não existisse ele estaria hospitalizado e a conta dele ia ficar em tanto e com a gente aqui nós gastamos tanto. Então isso o custo, a redução de custos é motivo de trabalhos que a gente faz, o coordenador geral do serviço da AD apresentar em todas as unidades da empresa. Ele viaja pelo Brasil inteiro mostrando esse resultado de custo-benefício. O serviço da AD, hoje, se paga, pelo lucro que ele proporciona. E fora a qualidade de vida, que isso é imensurável, mas que a gente que tá lá e tá visitando o paciente vê e fica muito feliz. Foi um sucesso, do trabalho que é dentro, do sistema cooperativo. Então não existe qualquer ingerência da conduta do médico, é o serviço multiprofissional de apoio ao médico, então ele continua se sentindo respeitado, ninguém vai perder o vínculo do médico com o paciente. Então, essa é uma das razões do sucesso. A diretoria da COOPERATIVA tercerizou uma empresa pra fazer uma pesquisa de opinião com todos os setores de atendimento, e o homecare teve 100%. Você sabe o que é 100% de aceitação, 100% dos usuários que usaram o homecare aprovaram e aplaudiram a iniciativa DSC-C.

O acompanhamento e avaliação do serviço da AD revelam o compromisso com os eixos do projeto, ao mesmo tempo beneficiando as três pontas: o usuário, a assistência do médico cooperado, a empresa DSC-C. Diante da variedade e complexidade dos aspectos envolvidos nesse serviço, pode-se afirmar que os atores sociais, implicados com os mesmos, estão reconhecendo a necessidade de monitorar o processo de implantação para formulação de estratégias coerentes com o que se tem projetado.

O arranjo de saberes para operacionalizar esse projeto também é explicitado pelos atores do staff de decisão e também pelo conjunto dos trabalhadores que prestam assistência no domicílio. Nesses investimentos também está embutida a dimensão de cunho filosófico, teórico e prático e pelos trechos dos depoimentos pode-se afirmar que houve um conjunto de medidas implementadas para a viabilização do mesmo.

O enfermeiro, ele vai até a casa do paciente, ele vai avaliar. Esta triagem pode ser em nível de domicílio, ou em nível hospitalar, ou ambos, A gente traz isso aqui, pra discutirmos em equipe, o que a AD pode fazer por aquele paciente, perante a proposta do médico. Nós temos uma central de atendimentos e é uma central de logística vamos dizer assim, em que nós passamos visitas de todos os pacientes do dia ou da semana, os casos são discutidos um a um. Nesse centro fazemos reuniões com todos os especialistas para discutir as condutas da semana ou do dia, as dificuldades encontradas pela equipe, o que que pode ser feito, como é que pode contatar o médico assistente, se houve piora ou melhora do paciente, programar a alta dos recuperados, interceder nos atendimentos de urgências ou intercorrências de pacientes que tiveram problemas mais sérios, ou seja, ter uma reunião que determina as ações do dia, ou da semana, ou até de médio a longo prazo. É a hora da passagem de plantão, que todos os funcionários conhecem todos os casos. Nós temos uma equipe terceirizada de fisioterapia, e eles vão fazer algumas visitas, para que o cuidador aprenda a manipular o paciente, a fazer alguns exercícios fisioterápicos, pra que a gente tente evitar as internações. Profissional contratado na nossa equipe são os enfermeiros e técnicos de enfermagem. A gente tem uma instituição terceirizada que esteriliza material, e também alugamos todo o material de uma firma de materiais hospitalares. Nós temos um material para fototerapia, que é o canhão, a gente tem balança, material, como aparelho de pressão Isso tudo é nosso. Então nós temos viaturas próprias, nossas, e que vão à casa do paciente, todos uniformizados, devidamente identificados como funcionários da COOPERATIVA DSC-C.

O projeto vai ganhando mais coerência ao se ter a definição do perfil dos trabalhadores.

Fundamental é a capacidade técnica, tem que ter muita experiência, muita experiência na lida com pacientes, principalmente os mais graves, então, o que eu exijo, que tivesse uma prática de UTI. Existe uma segunda característica que é a capacidade de se envolver com o paciente de uma forma carinhosa, porque no hospital é muito bom que você tenha o funcionário que seja mais gentil, mais afetuoso, mas aquela pessoa que vai entrar na casa do paciente tem que ser obrigatoriamente, não pode ser um cara seco. Você não pode transformar a casa do paciente num hospital em que vai ter um rodízio de funcionários, é desospitalizar o paciente, e não hospitalizar a casa e a família do paciente, tá? Isso é muito importante DSC-C.

O procedimento técnico é predominante na prática da AD, e saber realizar a técnica é condição essencial, parece primordial, torna-se uma exigência extremamente adequada quando o procedimento técnico é o que define a inclusão do usuário na AD. Ao se exigir, como segunda característica, capacidade de se envolver com o paciente de uma forma carinhosa DSC-C, entende-se que isso é uma complementariedade, que deveria ser inerente em qualquer relação entre os homens, e principalmente no ato de cuidar. No entanto, não se pode negar que a inclusão no perfil dessa característica é um avanço, visto que não é comum o trabalho em saúde ser marcado pela mecanização e impessoalidade, que promovem um distanciamento que leva à desumanização total.

Por outro lado, a humanização, entendida como incentivo ao usuário em compartilhar decisões na perspectiva de ir ampliando a possibilidade de cada um exercer sua autonomia, ainda é distante, um tipo de lógica que é a seguinte: o paciente tem que entender que as ações médicas devem ser determinadas por médicos DSC-C.

OS TÉCNICOS DE ENFERMAGEM SENDO TRABALHADOS PELO DOMICÍLIO

Apesar desta análise estar separada do primeiro tema, pode-se afirmar que se trata de questão puramente didática, pois, na realidade, as manifestações aqui expressas são tecidas simultaneamente na conformação da prática assistencial.

O trabalho em saúde se materializa nas relações dos homens entre si e com a natureza, onde se fazem necessárias adaptações ativas referentes a transformações ou manutenções, portanto, o homem é produtor e produto dessas relações e sob essa perspectiva produzir saúde vai além do resgate unicamente do corpo para a produção da saúde.

Entende-se que a criatividade, a adaptação crítica à realidade, a alienação, assim como processos subjetivos estão presentes no emaranhado da produção em saúde. "Entre os instrumentos sociais de alienação está, em lugar relevante, o ensino e a forma com que - em geral - se realiza: desumanizada e desumanizante"(11). Isso também pode transportar, sem medo de errar, para a forma com que, em geral, se age na produção de saúde.

Nesse sentido, os técnicos admitem que a assistência domiciliar proporciona reflexão e revisão na forma como os trabalhadores vêm estabelecendo as relações com os usuários ao adentrarem no domicílio, conforme apresenta no fragmento a seguir.

Um profissional que domine bem as técnicas, todos os procedimentos de enfermagem não é suficiente pra trabalhar em assistência domiciliar, tem que ter uma percepção muito grande dessa inversão de domínio, que o domicílio é de domínio do paciente e o hospital é do profissional . Com certeza mexe a relação de poder mexe na hora ali você pode fazer coisas que têm muita responsabilidade, aumenta muito a responsabilidade. A passagem de plantão nossa aqui, muitas vezes é mais demorado passar. Outro dia, nós deparamos com uma situação assim que todo mundo tava muito deprimido, mas muito Porque o cachorro tinha morrido. Então, nós passamos, olha, o Pingo morreu. Porque o clima tava todo... Faz parte do cotidiano. Deprime a família toda. Então é muito assim, abrange muito. Você tem que começar a entender o universo da casa, como que funciona a casa, como abordar o paciente. Não é um serviço morto, por assim dizer, e a gente já chega lá sabendo o que vai fazer, mas, muitas vezes, a gente se depara com situações diferentes daquela que a gente imaginava, que a gente fosse chegar lá, fazer uma coisa, de repente a gente tem que mudar o procedimento. É muito dia-a-dia. Ele te usou de instrumento pra desabafar um pouco, né, então, você começa assim tipo, às vezes um paciente no hospital eles também jogam isso, eles têm também a carência de conversar mas só que na, casa dele ele se sente mais à vontade, né. Essa que é a postura mais difícil. No início do atendimento esse envolvimento maior com o paciente, né, é difícil DSC-T.

Acreditando nessa dimensão transformadora, consegue-se enxergar, no conteúdo expresso em diversos fragmentos do DSC-T o encontro de duas pessoas com uma produção criada através de um trabalho vivo em ato, num processo de relações onde expectativas e necessidades estão presentes e onde há a atuação recíproca de uma pessoa sobre a outra, podendo promover momentos de falas, de escutas, de interpretações em torno do problema a ser enfrentado, promovendo relação de confiabilidade, de vínculos e revisão de concepções acerca do processo saúde/doença/cuidado, para além do biológico.

Essa compreensão perpassou, a todo momento, o DSC-T, evidenciando o deslocamento do olhar da doença para o doente, e ao percorrerem esse caminho, evidencia-se a preocupação com os processos de subjetivação que estão presentes no usuário, considerado um ser de relações, que se expressam em múltiplas facetas, e assim esboçam uma concepção do processo saúde/doença como um processo de produção social. Nesse sentido, o objeto de preocupação não é apenas o homem em sua condição anatomopatológica.

O domicílio proporciona vivenciar a contradição - o medo e a satisfação.

Mas se a gente começa a perceber que o quadro vai se agravando, já é comunicado com o médico e pra família, pra tomar providência, aí você substitui essa sensação de insegurança por satisfação, depois de ver o resultado, né e é muito, foi bom. É gostoso ter autonomia, ter mais liberdade, mas também tem hora que dá medo porque nós nunca pode a gente tomar uma atitude sozinho, a gente se debate com questões diferentes a gente precisa parar, pensar, nem tudo também a gente pode fazer sozinho, mas a gente tem essa opção de tá ligando. Tá com celular e se for necessário liga do mesmo local que a gente tá pra esclarecer algumas dúvidas, a gente tá sempre entrando em contato também com o médico e o supervisor, pede socorro DSC-T.

Ao enfrentar o desconhecido, o profissional experimenta o prazer de reconhecer sua potência para agir com criatividade e responsabilidade.

A AD pode ter potência no sentido de rever paradigmas, posições e a própria relação com o usuário, uma vez que através dela pode-se criar um outro conjunto de relações de poder.

Quando você tá dentro do seu ambiente hospitalar, ali você domina e domina bastante, por mais obrigação que você tem de tratar bem, de cuidar bem, o domínio ainda é do profissional e quando você chega na casa do paciente, isso modifica, e muito, porque você tá no ambiente dele, tem muito mais que se adaptar à rotina dele, mesmo que tenha que respeitar uma série de normas internas do serviço, mas, muda o domínio, Então, tem que ter uma percepção muito grande dessa inversão de domínio, que o domicílio é de domínio do paciente e o hospital é do profissional. Com certeza mexe a relação de poder, na hora ali você pode fazer coisas que têm muita responsabilidade, aumenta muito a responsabilidade DSC-T.

Nesse sentido, os entrevistados também apontaram que o espaço domiciliar possibilita a reflexão dessas relações usuário/trabalhador de saúde, no contexto intra-serviços de saúde e intradomiciliar. Nos serviços de saúde, na maioria das vezes, o usuário é tomado como objeto e o trabalhador hierarquicamente se coloca no topo da relação, enquanto que no domicílio essa relação tende a se tornar mais horizontalizada e o usuário se coloca e é colocado como sujeito dessa relação. Vale a pena destacar que o espaço dos serviços de saúde é de domínio do trabalhador e o domicílio o espaço é de domínio do usuário o que aumenta a possibilidade de reflexão dos trabalhadores em rever suas posturas.

Nesta investigação, evidencia-se(12) que a AD tem potencialidades de promover nos trabalhadores de saúde autoquestionamentos, revisão de conceitos, ampliando sua visão sobre o processo saúde/doença, para além da dimensão biológica, possibilitando a concretude, a visibilidade e o reconhecimento dos processos subjetivos presentes na relação trabalhador/usuário.

O estabelecimento de vínculo, numa relação mais personalizada, foi evidenciado, em diversos fragmentos dos DSC, como um dos atributos proporcionados pela AD, sendo uma das condições favoráveis destacadas para incentivar o investimento nessa estratégia.

Pode-se afirmar que com base em todos esses atributos aqui elencados, se intercede junto à AD, indicando-a como dispositivo para a mudança do modelo assistencial, organizado mais em função das características estruturais dos serviços.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta produção considerou-se que foi possível sintetizar uma decisão política previamente definida, referente à organização da produção dos serviços de saúde, elegendo um determinado arranjo dos saberes e recursos tecnológicos específicos, além da estratégia política de determinados agrupamentos sociais, no cenário do setor saúde. Embora haja predominância das características do modelo hegemônico, centrado no conhecimento biomédico, as ações preventivas se fazem presentes como e também a preocupação com aspectos da dimensão subjetiva dos usuários. No entanto, a autonomia dos mesmos na perspectiva de tê-los como sujeitos do processo de cuidar não se revelou presente.

Ficou evidente que o reconhecimento dos elementos constituintes da conformação do Modelo Assistencial entre os atores sociais, envolvidos no projeto, é fundamental para negociar, compor e instrumentalizar o atendimento de diferentes interesses.

Mesmo não tendo os trabalhadores do nível médio demonstrado conhecimento de todas as finalidades da AD da empresa, esses desenvolvem sua prática de forma a atender, de acordo com a percepção deles, mas também numa avaliação externa realizada pela cooperativa, a satisfação dos usuários desse serviço, respondendo assim a um dos tripés da finalidade e que sem dúvida alicerça uma outra finalidade, a empresarial.

No conjunto da ordenação dos DSC foi possível se pensar na AD enquanto um dispositivo, uma vez que toma dispositivo como "uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos, atualiza virtualidade e inventa o Novo Radical"(13).

Nos fragmentos dos DSC produzidos pelos trabalhadores ficou evidenciada a potência da AD em ser um dispositivo para a revisão do conceito do processo saúde/doença/cuidado, entendendo que ela é capaz de promover incorporações de valores que levem a mudanças no seu modo de agir, direcionadas a um modelo assistencial comprometido em estabelecer relação diferenciada entre trabalhador/usuário, relação acolhedora, marcada pelo compromisso e responsabilização perante a saúde dos usuários.

Recebido em: 27.4.2004

Aprovado em: 24.8.2005

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  • 1
    Este estudo faz parte do Projeto FAPESP 02/02468-5
  • *
    As aspas do termo coleta de dados indicam nossa concordância com autores
    (4) onde os autores nos alertam que nas pesquisas sociais os dados não são "naturais" e não estão prontos na natureza, são produzidos socialmente, são discursos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      24 Ago 2005
    • Recebido
      27 Abr 2004
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