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O discurso e a prática do cuidado ao recém-nascido de risco: refletindo sobre a atenção humanizada

Discourse and practice of care to newborns at risk: reflecting about humanized care

Discurso y práctica del cuidado al recién-nacido de riesgo: reflexionando sobre la atención humanizada

Resumos

Este estudo identificou a opinião da enfermeira acerca da humanização do cuidado ao récem-nascido (RN) de risco na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e a seus familiares. Foi utilizado como referencial teórico-metodológico a Teoria de Paterson e Zderad (1976). O cenário para execução desse estudo foi a UTIN de uma maternidade pública na cidade de Fortaleza-CE, no período de abril a julho de 2003. Os sujeitos da pesquisa foram seis enfermeiras atuantes na UTIN. Realizou-se entrevistas com as enfermeiras participantes do estudo. As temáticas extraídas dos discursos das participantes foram: humanização, sensibilização, conscientização e cuidado. Conclui-se que, no cuidado humanizado de bebês de alto risco, é imprescindível a comunhão do discurso com a prática.

recém-nascido; cuidados de enfermagem; humanização do parto


This study identifies nurses' opinions on humanized care for newborn at risk and their families, using Paterson and Zderad's theory (1976) as a theoretical-methodological reference framework. It was carried out at the Neonatal Intensive Care Unit of a maternity in Fortaleza-CE, between April and July 2003. Data were collected through interviews with 6 nurses. They approached the following themes: humanization, sensitiveness, conscience and care. There is a need to unite discourse with practice in humanized care for newborns at risk.

Infant; newborn; nursing care; humanizing delivery


Este estudio identificó la opinión de enfermeros acerca de la humanización del cuidado al RN de riesgo en la UTIN y a sus familiares. Se utilizó como referencial teórico-metodológico la Teoría de Paterson y Zderad (1976). El escenario para la ejecución de este estudio fue la Unidad de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de una maternidad pública en Fortaleza-CE, durante el periodo de abril a julio de 2003. Participaron del estudio 6 enfermeras actuantes en la UTIN. Se recopilaron los datos mediante entrevistas. Las temáticas extraídas de las declaraciones de las participantes fueron: humanización, sensibilización, concienciación y cuidado. Concluimos que, en el cuidado humanizado de bebés de alto riesgo, es imprescindible la comunión entre el discurso y la práctica.

recién nacido; atención de enfermería; humanización del parto


ARTIGO ORIGINAL

O discurso e a prática do cuidado ao recém-nascido de risco: refletindo sobre a atenção humanizada

Discourse and practice of care to newborns at risk: reflecting about humanized care

Discurso y práctica del cuidado al recién-nacido de riesgo: reflexionando sobre la atención humanizada

Karla Maria Carneiro RolimI; Maria Vera Lúcia Moreira Leitão CardosoII

IEnfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, Doutoranda em Enfermagemda Universidade Federal do Ceará, Professor da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, e-mail: karla.rolim@uol.com.br

IIOrientador, Professor Adjunto da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, da Universidade Federal do Ceará, e-mail: cardoso@ufc.br

RESUMO

Este estudo identificou a opinião da enfermeira acerca da humanização do cuidado ao récem-nascido (RN) de risco na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e a seus familiares. Foi utilizado como referencial teórico-metodológico a Teoria de Paterson e Zderad (1976). O cenário para execução desse estudo foi a UTIN de uma maternidade pública na cidade de Fortaleza-CE, no período de abril a julho de 2003. Os sujeitos da pesquisa foram seis enfermeiras atuantes na UTIN. Realizou-se entrevistas com as enfermeiras participantes do estudo. As temáticas extraídas dos discursos das participantes foram: humanização, sensibilização, conscientização e cuidado. Conclui-se que, no cuidado humanizado de bebês de alto risco, é imprescindível a comunhão do discurso com a prática.

DESCRITORES: recém-nascido; cuidados de enfermagem; humanização do parto

ABSTRACT

This study identifies nurses' opinions on humanized care for newborn at risk and their families, using Paterson and Zderad's theory (1976) as a theoretical-methodological reference framework. It was carried out at the Neonatal Intensive Care Unit of a maternity in Fortaleza-CE, between April and July 2003. Data were collected through interviews with 6 nurses. They approached the following themes: humanization, sensitiveness, conscience and care. There is a need to unite discourse with practice in humanized care for newborns at risk.

DESCRIPTORS: Infant, newborn; nursing care; humanizing delivery

RESUMEN

Este estudio identificó la opinión de enfermeros acerca de la humanización del cuidado al RN de riesgo en la UTIN y a sus familiares. Se utilizó como referencial teórico-metodológico la Teoría de Paterson y Zderad (1976). El escenario para la ejecución de este estudio fue la Unidad de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de una maternidad pública en Fortaleza-CE, durante el periodo de abril a julio de 2003. Participaron del estudio 6 enfermeras actuantes en la UTIN. Se recopilaron los datos mediante entrevistas. Las temáticas extraídas de las declaraciones de las participantes fueron: humanización, sensibilización, concienciación y cuidado. Concluimos que, en el cuidado humanizado de bebés de alto riesgo, es imprescindible la comunión entre el discurso y la práctica.

DESCRIPTORES: recién nacido; atención de enfermería; humanización del parto

INTRODUÇÃO

A valorização humana, a realização do cuidado individualizado e a ética pós-moderna do trabalho estão sendo reavaliadas. O trabalhador da saúde tem respostas a dar sobre o valor de seu trabalho, não somente pela remuneração, mas por um saber-poder socialmente edificado e por subjetividades que percebem, imaginam, simbolizam e criam através de posturas e atitudes reais, uma condição de cuidar, sendo o paciente percebido como um ser merecedor de respeito e consideração(1).

Nessa direção, deve-se construir um processo de cuidados, verificando a natureza da manutenção e reparação da vida, a partir de situações vividas pelas pessoas que precisam deles. Vale ressaltar que, ao cuidar, preservando a singularidade e a individualidade do paciente, a enfermeira tem em suas crenças e valores pontos determinantes de comportamentos que são formas de conhecimento advindas dos hábitos de vida, que iluminam e constroem o fundamento da personalidade. Sob essa perspectiva de atenção humanizada, a assistência adequada ao bebê, principal meta deste trabalho, implica atender suas necessidades mínimas de ambiente físico e de recursos humanos para o cuidado. A equipe de saúde deverá ser experiente para reconhecer desvios da "normalidade", potencialmente presentes, referindo, ainda, que o vínculo mãe/bebê seja respeitado em todos os momentos(2).

O período neonatal compreende os primeiros vinte e oito dias de vida do bebê. O recém-nascido a termo é aquele cuja idade gestacional é de 37 a 42 semanas e o pré-termo (RNPT) todo aquele que tem menos de 37 semanas(3). Percebe-se esse bebê, independente de sua idade ao nascimento, como capaz de expressar suas emoções, o prazer, a dor, de buscar contato e dele fugir, quando não pode mais suportar a estimulação negativa e o estresse por ela provocado.

A atenção ao bebê deve ser estruturada e organizada no sentido de atender uma população sujeita a riscos. Para tanto, devem existir recursos materiais e humanos especializados e capazes de garantir observação rigorosa, além de tratamentos adequados ao RN, que apresenta patologia capaz de ocasionar sua morte ou seqüelas que interferirão no seu desenvolvimento.

Assim, acredita-se que o cuidado a ser implementado na UTIN necessita ser exercido e vivenciado em sua totalidade, na tentativa de reduzir manuseios excessivos que possam comprometer o bem-estar do bebê, provocando nele manifestações de estresse, dor, alterações fisiológicas e comportamentais. Refletindo a vivência, desta autora, como enfermeira atuante na UTIN, assim como da urgência em assistir o RN de risco, este estudo teve como objetivo: identificar a opinião da enfermeira acerca da humanização do cuidado ao RN de risco na UTIN e aos seus componentes familiares.

CAMINHAR METODOLÓGICO

Estudo investigatório-descritivo, tendo como foco essencial a opinião da enfermeira sobre o cuidado realizado ao recém-nascido de risco, sustentada por abordagem qualitativa. Como referencial teórico metodológico utilizou-se a Teoria Humanística de Paterson e Zderad, a qual afirma que o ato de cuidar incrementa a humanidade na situação em que as pessoas se encontram, onde enfermeiros e pacientes coexistem, sendo, ao mesmo tempo, dependentes e interdependentes(4).

O local escolhido para execução desse estudo foi a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), de uma maternidade considerada de nível terciário, na cidade de Fortaleza-Ceará. Os sujeitos da pesquisa foram seis enfermeiras atuantes na UTIN.

Realizou-se entrevistas com as enfermeiras participantes do estudo, utilizando uma questão norteadora: qual a sua opinião acerca da humanização do cuidado ao RN de risco na UTIN e a seus familiares?, objetivando identificar a opinião da equipe acerca da contribuição da atenção humanizada para a recuperação do bebê de risco. Para organização dos dados, o processo deu-se após decodificação e categorização(5). A análise foi realizada à luz dos pressupostos básicos da Teoria Humanística(4).

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CONEPE), da Universidade Federal do Ceará, conforme o Conselho Nacional de Saúde - Ministério da Saúde, de acordo com a Resolução nº 196 de 10/10/1996, referente a pesquisas com seres humanos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Escolheu-se denominar as enfermeiras participantes, adotando anjos como cognomes. A palavra anjo vem do grego ággelos, e do latim tardio angelus, mensageiro, seres ou energias, inteligentes e sensíveis(6). Vamos encontrar neste estudo os depoimentos de Ayel, Damabiah, Manakel, Haiael, Rochel e Yabamiah, enfermeiras, experientes profissionais, algumas delas casadas e mães, relatando suas opiniões e vivências sobre o cuidado aos 21 bebês de risco, na sua maioria, prematuros e em ventilação mecânica assistida, neste estudo desenvolvido na UTIN.

O objeto de estudo foi fortalecido pela descrição reflexiva das temáticas extraídas dos discursos das participantes, a saber: humanização, sensibilização, conscientização e cuidado. Da temática humanização, emergiram as categorias a humanização e a enfermagem, a humanização e o cuidado ao bebê e a família; da temática sensibilização, as categorias foram educar para humanizar e sensibilização ao cuidado do bebê; na temática conscientização, emergiram as categorias cuidando do cuidador, a realidade do ambiente e a atuação da enfermeira na UTIN; na temática cuidado, a categoria foi cuidado mecanizado.

Temática - Humanização

Categoria - A humanização e a enfermagem

Humanizar é resgatar a importância dos aspectos emocionais, indissociáveis dos aspectos humanos na intervenção em saúde. É dar condição humana, é civilizar(7).

... o trabalho de humanização no berçário cresceu bastante, porém ainda não é o idealizado por aquelas pessoas que lutam pela sua implantação (Ayel).

... o cuidado humanizado vem desde a portaria até chegar na nossa UTI, temos que trabalhar a casa toda (Rochel).

Dentre as profissões da saúde, a enfermagem é a que está mais próxima do paciente e a enfermeira, em tese, deveria estar zelando pela sua assistência, mas sua ausência da assistência direta ao paciente, ou da sistematização dessa, torna o trabalho da equipe, muitas vezes, mecânico e padronizado. A ausência decorre das tarefas administrativas, burocráticas e, principalmente, do distanciamento dos ideais de humanização na assistência ao paciente, aquele que é sua razão de existir(8).

Foi salientada a urgência em humanizar o ambiente, não só da UTIN, mas de todo o hospital, com o envolvimento de todos os funcionários. Sabe-se que humanizar é adotar uma prática em que profissionais e pacientes são considerados em seus aspectos físicos, subjetivos e sociais que compõem o atendimento à saúde. A humanização prevê um encontro entre a equipe de enfermagem e a pessoa doente em que a condição essencial é a vontade de encontrar e de ser encontrado. O encontro pressupõe escuta, olhar, contato claro, aberto e amoroso(9).

A enfermeira pode proporcionar um verdadeiro encontro com o bebê através do processo clínico da relação Eu-Tu e Eu-Isso, acontecendo em qualquer momento do cuidado, quando sua presença é necessária ou é solicitada por ele através do chamado(4).

Pelos discursos, pode-se identificar o desejo das enfermeiras em reaver a humanização, na dinâmica da assistência e no fortalecimento das relações interpessoais, bem como no aprimoramento dos sentimentos internos. Entende-se que a humanização não acontece rápido, de modo mágico, é um ideal que deve ser trabalhado e desenvolvido de acordo com os interesses de uma pessoa ou grupo. É um processo vivencial, em que a enfermeira, através da assistência individualizada, avalia cada paciente para amenizar seu sofrimento.

Categoria - A humanização e o cuidado ao bebê e à família

As relações iniciais entre o bebê e seus pais são consideradas protótipos de todas as relações sociais futuras, e devem ser reconhecidas pelos profissionais como um moto-contínuo, buscando um relacionamento único, uma ligação afetiva entre duas pessoas. Cabe à equipe apoiar e promover condições para que os pais possam ver, tocar seu bebê, proporcionando um ambiente acolhedor(10).

... aprendemos que temos que ouvir mais, confortar, a sorrir e até chorar, fazendo com isso uma partilha de sentimentos de perdas, alegrias, tristezas com a família (Ayel).

... acredito que a gente precisa se envolver mais com o lado humanitário, se envolver mais com as pessoas, com os familiares, com o próximo (Manakel).

A humanização é como o fortalecimento do comportamento ético de articular o cuidado técnico-científico com o inconsolável, o diferente e singular, é ressaltar a importância dos aspectos emocionais, indissociáveis dos aspectos físicos e biológicos(11).

Em se tratando de crianças internadas em UTIs, tanto a hospitalização como a doença são experiências dolorosas para ela e para os pais e a comunicação franca entre eles e a enfermeira ameniza a ansiedade gerada nos pais e alivia o sofrimento do bebê, pelo desenvolvimento de uma assistência conjunta(12).

Através da acolhida carinhosa, a enfermagem se mostra como um diálogo vivo, percebendo no olhar uma palavra contida pela angústia do desconhecido. Assim, os pais ficarão mais próximos, tocando e cuidando do seu bebê até o momento em que o possam acolher de forma mais íntima. Observa-se, na fala das participantes, a necessidade de estender seu olhar para os bebês, percebendo-os como pessoas que fazem parte de uma família.

Pode-se perceber que as enfermeiras, muitas vezes, gostariam de ter compartilhado com a família do bebê suas vivências e sentimentos em relação à sua doença e tratamento, colocando-se como presença, disponível para ouvir e confortar, mas foram, muitas vezes, impedidas pelo ritmo acelerado do trabalho. Assim como a enfermeira vê possibilidades nos familiares do bebê, a família também a vê como possibilidade de ajuda, conforto e apoio(4).

Temática - Sensibilização

Categoria - Educar para humanizar

Sensibilizar-se é tornar-se capaz de sentir, de receber facilmente as sensações externas. É tornar-se emotivo(7). É indispensável aprender a cuidar melhor do ser humano, mas cuidar em todas as suas dimensões, não só cuidar de seu corpo, escutar seu coração. É também necessário cuidar de sua alma, promover a busca da felicidade.

... acredito que a gente precisa sofrer alguma modificação (Manakel).

... se nós pudéssemos pelo menos três vezes por mês, ter alguma palestra para sensibilizar (Rochel).

... aprendemos através de cursos e conversas com profissionais engajados no trabalho de humanização a ver o bebê e sua família como seres humanos diferenciados, que não necessitam somente de cuidados técnicos, mas de carinho, conforto, toque suave e seguro (Ayel).

Quando as pessoas descobrem por meio da reflexão e da autocrítica que são frágeis, carentes e necessitadas de crescimento, ajuda e compreensão, tornam-se favoráveis à humanização no relacionamento, assumindo postura aberta ao aprendizado. Observa-se também suas emoções percebidas diante da busca de novas condutas no desenvolvimento dos procedimentos diários. As enfermeiras relatam pretender recuperar sua face humana, mesmo na presença de sofisticados equipamentos de cuidar.

No diálogo genuíno, a enfermeira humanística entra em harmonia com o ritmo do diálogo e, ao aperceber-se da oportunidade de seu desenvolvimento, adequa o ritmo do seu chamado e resposta à capacidade do paciente para chamar e responder naquele momento(4). É o estar-com e no fazer-com da enfermeira com o bebê no cuidado.

Observa-se nos sentimentos das enfermeiras a importância de participação em cursos e palestras que as sensibilizem ao trato do bebê como ser holístico, não fragmentado. Sabem que em muitas de suas posturas procuram proteger seus verdadeiros sentimentos, e a dificuldade de vivenciar a assistência frente às próprias perdas, em um ambiente estressante, o qual as exaure; portanto, urge entre elas a necessidade de uma continuação desses encontros. Por isso, o fortalecimento emocional dos membros da equipe de enfermagem se faz necessário, para que todos sejam atendidos como seres compostos de sentimentos, capazes de mesclar em sua rotina de trabalho a tecnologia e o carinho.

Categoria - Sensibilização ao cuidado do bebê

Sensibilização é tornar sensível, comover, impressionar vivamente(7). A sensibilização está presente na fala das participantes como influência para uma nova postura dos profissionais do cuidado na UTIN, ocasionando mudanças no modo de percepção do bebê e de sua família.

... temos que ouvir mais, confortar, sorrir, chorar, partilhar sentimentos (Ayel).

... hoje a gente procura combater a questão do excesso da iluminação, do excesso de vozes, do barulho dentro da unidade, porque sabemos que tudo isso afeta no comprometimento do bebê (Haiael).

... temos que aprimorar cuidados e observações para com eles, tentar descobrir quando está com frio, quando está com calor, quando incomoda, quando está chorando, e uma série de outras (Manakel).

Foi explicitado que o profissional, mesmo na presença de um ambiente estressante, necessita ser sensibilizado quanto ao manuseio, ao excesso de luz e de barulho, fatores esses havidos como prejudiciais à recuperação do bebê. Foi também citada a necessidade de o cuidador se comover com a necessidade do outro. O ato de ouvir é percebido como ação terapêutica; o amor ao bebê faz com que o profissional busque habilidade em perceber suas expressões e traduzi-las em forma de cuidado.

A enfermeira deve ajudar o bebê a tornar-se o mais humanamente possível em uma situação particular de sua vida, ou seja, a vir-a-ser, quando a enfermeira dirige o seu cuidar a esse bebê, vendo-o em sua totalidade, buscando maneiras de valorizar o seu potencial, considerando suas limitações e imaturidade psicobiológica. O interesse da enfermeira não deve estar direcionado apenas ao seu bem-estar, mas também ao seu estar-melhor(4).

Assim, é de suma importância conhecer e estar atenta à comunicação verbal e não-verbal emitida pelo bebê e pelas próprias profissionais durante o desenvolvimento do cuidado. A criança recebe influência do meio ambiente, nos vários contextos que exibem as pessoas e seus gestos, sons e movimentos, sendo o estímulo importante como eixo para prover seu bom desempenho, afetivo, cognitivo, psicológico e social(13).

Não se pode direcionar os conhecimentos somente ao funcionamento dos equipamentos, pois, o conhecimento mais amplo do pequeno ser a quem se devota assistência é primordial. Esse pensamento deve ser constante e buscar a sua execução faz a equipe cuidadora mostrar o seu empenho na prática do cuidado humanizado.

Temática - Conscientização

Categoria - Cuidando do cuidador

A conscientização é o atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade(7). É poder demonstrar a importância de mobilizar suas energias para superar crises causadas pela dificuldade de lidar com pacientes com risco de vida.

Cuidar de quem cuida também necessita estabelecer melhores condições de trabalho. A humanização da assistência hospitalar tem a missão de revelar os valores que constituem o ser humano, como pessoa, de forma abrangente e completa, e vem sendo estudada de forma mais organizada e acentuada nos últimos anos, haja vista a preocupação das instituições com a qualidade do serviço, do atendimento e de vida no trabalho(11).

... o cuidador tem que estar equilibrado para exercer o cuidado, as instituições têm que investir no cuidador (Damabiah).

... precisamos de um estímulo, nós poderíamos fazer mais (Manakel).

... com tantos anos de trabalho, a gente vai se desgastando, eu já tenho 12 anos de UTIN e tudo me irrita, me irrita principalmente o barulho (Haiael).

O tema conscientização é relacionado pelas participantes como consciência crítica perante sua atuação profissional. A prática reflexiva é decorrente de educação transformadora, embasada no diálogo do exercício da consciência crítica, buscando mudanças de uma realidade que não contenta as pessoas envolvidas no processo(14). Vê-se a conscientização como significado de auto-avaliação, crítica e reflexiva, tentando uma maneira de melhor cuidar de seu paciente.

Pode-se perceber, nos discursos das participantes, a vontade dos profissionais em melhorar a assistência aos bebês, a implementação do cuidado humano; o desejo de transformação de mudança existe, embora se possa observar os entraves para iniciar a humanização do cuidado. A enfermeira, por ser também uma educadora por excelência, deve participar e incentivar as mudanças necessárias para que o cuidado de enfermagem dignifique o homem, nas situações de saúde e de doença.

É importante reservar espaço para discussões de situações vivenciadas diariamente, de maneira a se aperceber e fortificar as emoções dos membros da equipe, pela utilização das dinâmicas grupais, acompanhadas por profissionais capacitados, que objetivam avaliar suas atividades e relacioná-las com distúrbios psicossomáticos apresentados por essas enfermeiras. Investir no cuidador implica direcionar ações que objetivem um convívio cada vez mais humano, promovendo o trabalho em equipe com habilidade, dedicação profissional e competência técnica.

Categoria - A realidade do ambiente

O ambiente (mundo real) está relacionado a qualquer situação em que ocorra o fenômeno da enfermagem. O mundo real da enfermeira e do paciente está presente na relação e compreende o mundo das relações com homens e coisas e o mundo interior(4).

... é preciso um trabalho sobre conscientização do barulho (Damabiah).

... devido o ambiente ser muito estressante, pensamos ser difícil torná-lo mais humano (Yabamiah).

... o ambiente, às vezes, não ajuda, é muito barulho (Damabiah).

A atenção das enfermeiras é direcionada ao impacto que o ambiente estressante da UTIN pode causar a todos que ali estão. Cabe a essas profissionais identificar, ouvir as respostas do bebê ao estresse. Os níveis de barulho podem atingir o frágil sistema auditivo do bebê, assim como interferir em seu sono e repouso, levando-o à fadiga, agitação, irritabilidade e choro, trazendo possíveis conseqüências de ordem física e emocional.

Existe também a preocupação quanto ao excesso de luminosidade; é perceptível às enfermeiras seu efeito nocivo, embora não se tenha observado, na maioria das vezes, uma atitude concreta quanto à diminuição da luz no ambiente. Demonstraram, sim, cansaço, desânimo e irritação com a dinâmica da Unidade, não ensejando transformações em sua realidade.

Apesar dos avanços tecnológicos, a concentração na atenção ao bebê e a necessidade da constante busca do conhecimento para o aperfeiçoamento no cuidado faz com que a enfermeira dispense pouca ou nenhuma atenção consigo mesma.

As enfermeiras consideram a assistência ao bebê de alto risco muito importante, exigindo delas muita responsabilidade, cabendo-lhes não a resolução de tarefas de forma rápida e eficaz, mas também a percepção de todo o estresse pelo qual o bebê passa e contorná-lo da melhor forma possível. Admitem ser um atendimento complexo e desgastante, exigindo delas completa dedicação.

Categoria - A Atuação da Enfermeira na UTIN

A revolução do saber/fazer da enfermagem em UTIN é considerada como algo importante, mas o seu uso não pressupõe necessariamente uma assistência com o significado de eficiência e qualidade, pois nem sempre é comprovada, ou mesmo avaliada; a tecnologia vem atuar como legitimadora do ato profissional e da instituição que a utiliza, passando a adotá-la até como um critério de avaliação de qualidade dos serviços de saúde prestados no ambiente hospitalar(15).

... nós enfermeiras não desenvolvemos somente nossas atividades, que é o cuidar, nós temos outras tarefas, que não nos dizem respeito (Manakel).

... todos querem tudo a tempo e a hora, exames, gasometria, raios X, tudo tem que ser feito naquele instante, então todas essas desvantagens tornam difícil esse trabalho de humanização (Ayel).

O trabalho da enfermeira é indispensável, pois ela une o conhecimento científico à realidade e à prática da UTIN. Com efeito, pode reconhecer as necessidades do bebê e planejar sua assistência. A enfermagem é uma profissão humanística, que se completa no trabalho multiprofissional. A realidade traz preocupações, pois o corpo da enfermagem é conscientes do compromisso com o ser humano global, dotado de sensibilidade, necessitando de carinho, atenção e amor.

A importância da qualidade da assistência da enfermeira em uma unidade de terapia intensiva baseia-se no planejamento e organização do serviço, seguindo normas estabelecidas em documentos que regulamentam esse serviço hospitalar. Esses destacam o planejamento como possibilidade para transformar a realidade, envolvendo questões como: gerenciamento, participação, recursos humanos e a transformação(16).

Promover assistência na UTIN exige da enfermeira conhecimento e responsabilidade, estando o cuidado permeado de tecnologia e bebês graves. Aqui, além da competência, são exigidos da enfermeira integração de informações, construção de julgamentos e estabelecimento de prioridades, propiciando uma condição de homeostasia, tanto no atendimento biológico como no psicológico(17).

Algumas enfermeiras relatam que poderiam ser mais carinhosas, se tivessem mais tempo para os cuidados com o bebê. Oferecer uma presença genuína no encontro só é possível quando existe a "convicção de que esta presença é valiosa e produz uma troca na situação. Se para a enfermeira isto é valioso, o oferecerá em sua situação de cuidado de outros"(4).

A enfermeira poderá fazer mais, ampliando as ações de humanização do cuidado, naquilo que é abstrato, mas sensível: o toque, o olhar, o ato de ouvir. É um caminho certo para a conquista do respeito à profissão: ser indispensável na recuperação do bebê.

Temática - Cuidado

Categoria - Cuidado mecanizado

O cuidado em uma UTIN é, muitas vezes, realizado de maneira generalista, tecnicista; torna-se exaustivo e estressante, podendo desumanizar as relações e resultar nas condições de sobrevivência de pessoas que atentam contra a dignidade humana. O cuidado obsessivo tira a espontaneidade das pessoas, tolhe a sua energia de experenciar o cuidado que evidencie uma preocupação com o biopsicoemocional do bebê e sua família.

... cuidar não é um ato mecânico, é ato de carinho (Ayel).

... eu procuro dar a todos um atendimento por igual... se tivesse pelo menos duas enfermeiras em cada unidade o atendimento seria com mais qualidade (Rochel).

...a gente precisa deixar de ser tão mecânica, tem de ser feito alguma coisa que nos envolva mais, um incentivo, um estímulo (Manakel).

A UTIN, por ser um local que enfatiza os recursos materiais e a tecnologia, contribui para comportamentos automatizados, nos quais o diálogo e a reflexão crítica não encontram espaço, inclusive pelas situações contínuas de emergência, pela gravidade dos pacientes e pela dinâmica acelerada do serviço, desviando o foco da atenção que deveria estar no paciente(18).

Humanizar é preciso, visto que a valorização indiscriminada dos aspectos tecnológicos, não levando em consideração a subjetividade, a solidariedade, o toque e a interação humana, pode resultar numa assistência centrada na máquina, na doença e não no ser humano(19). Assim, o mecanicismo é citado como preocupação na conduta dos participantes.

O desejo das enfermeiras participantes do estudo é que o desempenho das atividades cotidianas da unidade consista na realização da assistência de enfermagem integral e abrangente aos bebês, no conhecimento atualizado, na aplicação dos princípios científicos e no uso da técnica. Esses são pontos imprescindíveis em toda área de atuação, pois as características do RN internado nesses ambientes são de extrema gravidade, instáveis e exigem com freqüência pronta intervenção da equipe de enfermagem.

As relações interpessoais das enfermeiras com os bebês, hoje, são fortalecidas pela significação desse diálogo representar segurança, respeito e confiança na equipe que cuida de forma humanizada do RN internado na UTIN, e estão permeadas pelas necessidades internas de ambos e, como cuidadora, a enfermeira possui também suas "feridas", adquiridas ao longo da vida. Quando não está consciente delas, sua tendência é afastar-se emocionalmente, ou proteger-se, adotando uma postura técnica.

Percebe-se a preocupação com a qualidade, ou seja, como o toque poderia ser utilizado de forma mais afetiva, como forma de apoio, segurança e proximidade para com o bebê, valorizando-o. A humanidade da enfermeira é revelada pelo modo carinhoso de seu toque; ela fala através das mãos, palavras vindas do seu interior, do seu coração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de investigação da opinião da enfermeira acerca da humanização do cuidado ao RN de risco realizada na UTIN à luz da Teoria Humanística mostrou que sua implementação é dependente do encontro envolvendo ambos: cuidador e ser cuidado.

Pelo uso da entrevista, ouviu-se o discurso das enfermeiras, suas preocupações, anseios e esperança de mudanças no ambiente de trabalho, na dinâmica da assistência, na conquista da humanização do cuidado. A necessidade de educação e sensibilização no cuidado ao RN de risco foi também uma constante na fala das entrevistadas. A análise dos dados foi organizada nas temáticas, humanização, sensibilização, conscientização e cuidado.

Acredita-se ser necessário incrementar a prática assistencial de enfermagem fundamentada na Teoria Humanística, na UTIN, e que as enfermeiras ali atuantes tenham uma dimensão da importância referente à agilidade e destreza para realizar procedimentos, possam reter um conhecimento técnico-científico para um cuidado adequado, discernir o fazer e como fazer, enxergar mais além do que os olhos vêem, dialogar, tocar, saber ouvir e perceber a linguagem não-verbal dos bebês. Portanto, percebe-se que, nesse ambiente, as enfermeiras necessitam ser motivadas e sensibilizadas para o cuidado amoroso ao bebê, devem cultivar o envolvimento, flexibilidade e singularidade para olhar as situações, buscando uma relação harmônica onde ela e o RN possam juntos estimular e serem estimulados na busca do bem-estar.

Atente-se como se sentem aliviadas as pessoas que sofrem, quando encontram alguém a quem possam comunicar a causa de sua aflição e dor. Parecem, então, descarregar uma parte de seus sofrimentos sobre a percepção e a simpatia do outro, elas compartilham, comungam seus sofrimentos. Nesse processo cotidiano de compaixão e participação no sofrimento do outro, forma-se a base real de todo amor verdadeiro ao próximo, e só tem valor moral, na medida em que dela surge uma ação.

Recebido em: 18.3.2005

Aprovado em: 3.10.2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2005
  • Aceito
    03 Out 2005
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