Acessibilidade / Reportar erro

Violência contra mulheres: reflexões teóricas

Resumos

A violência manifesta-se de diferentes formas, em distintas circunstâncias e com diversos tipos de atos violentos dirigidos a crianças, mulheres, idosos e outros indefesos. Violência doméstica, violência de gênero e violência contra mulheres são termos utilizados para denominar este grave problema que degrada a integridade da mulher. A violência de gênero pode manifestar-se através de violência física, violência psicológica, violência sexual, violência econômica e violência no trabalho. A violência sofrida pela mulher por parte de seu companheiro intimo pode ser analisada através do Modelo Ecológico, que explica a estreita relação entre o indivíduo e seu entorno. Concluiu-se que é importante analisar os fatores que influem no comportamento das pessoas frente à violência para se estabelecer programas de ajuda.

violência; saúde mental; enfermagem; identidade de gênero; mulheres


Violence appears in different forms and circumstances and involves distinct kinds of violent acts against children, women, elderly and other defenseless persons. This serious problem, which degrades women's integrity, is denoted by terms like domestic violence, gender violence and violence against women. Gender violence can appear as physical, psychological, sexual, economic violence, as well as violence at work. Violence against women committed by their intimate partners can be analyzed through the Ecological Model, which explains the close relation between individuals and their environment. Factors influencing people's behavior towards this violence should be analyzed with a view to establishing help programs.

violence; mental health; nursing; gender identity; women


La violencia se manifiesta de diferentes formas, en distintas circunstancias y con diversos tipos de actos dirigidos a niños, mujeres, ancianos y otras personas indefensas. Violencia domestica, violencia de genero y violencia contra mujeres son términos utilizados para denominar este grave problema que degrada la integridad de la mujer. La violencia de género puede manifestarse a través de violencia física, violencia psicológica, violencia sexual, violencia económica y violencia en el trabajo. La violencia sufrida por la mujer por parte de su compañero íntimo puede ser analizada a través del Modelo Ecológico que explica la estrecha relación entre el individuo y su entorno. Se concluyo que es importante analizar los factores que influyen en el comportamiento de las personas frente a la violencia para establecer programas de ayuda.

violencia; salud mental; enfermería; identidad de género; mujeres


ARTIGO DE REVISÃO

Violência contra mulheres: reflexões teóricas

Leticia Casique CasiqueI; Antonia Regina Ferreira FuregatoII

IDoutora em Enfermagem, Docente da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Celaya/Universidade de Guanajuato-México

IIProfessor Titular, e-mail furegato@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

RESUMO

A violência manifesta-se de diferentes formas, em distintas circunstâncias e com diversos tipos de atos violentos dirigidos a crianças, mulheres, idosos e outros indefesos. Violência doméstica, violência de gênero e violência contra mulheres são termos utilizados para denominar este grave problema que degrada a integridade da mulher. A violência de gênero pode manifestar-se através de violência física, violência psicológica, violência sexual, violência econômica e violência no trabalho. A violência sofrida pela mulher por parte de seu companheiro intimo pode ser analisada através do Modelo Ecológico, que explica a estreita relação entre o indivíduo e seu entorno. Concluiu-se que é importante analisar os fatores que influem no comportamento das pessoas frente à violência para se estabelecer programas de ajuda.

Descritores: violência; saúde mental; enfermagem; identidade de gênero; mulheres

REFLEXÕES TEÓRICAS

O vocábulo violência vem da palavra latina vis, que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. A violência é mutante pois sofre a influência de épocas, locais, circunstâncias e realidades muito diferentes. Existem violências toleradas e violências condenadas, pois desde que o homem vive sobre a Terra a violência existe, apresentando-se sob diferentes formas, cada vez mais complexas e ao mesmo tempo mais fragmentadas e articuladas(1).

A violência é um fenômeno extremamente difuso e complexo cuja definição não pode ter exatidão científica, já que é uma questão de apreciação, é influenciada pela cultura e submetida a uma contínua revisão na medida em que os valores e as normas sociais evoluem(2).

O movimento feminista, do inicio da 2ª metade do século passado, destacou-se por denunciar casos de violência contra a mulher, dando luz a essa realidade que, até então, só era mencionada em âmbito privado. A violência exercida dentro dos lares permanecia sem que ninguém fizesse nem dissesse nada. Até então, não era manifestada abertamente tendo o apoio das condições sociais da época(I).

O sumário das diversas conferências internacionais realizadas no século XX contém os enunciados e as definições dos direitos humanos mínimos para todos os habitantes do planeta os quais, sem dúvida, tiveram impacto na detecção e investigação da violência de gênero contra a mulher. Estas convenções foram: Carta das Nações Unidas (1945); Convenção contra o genocídio (1948); Pacto internacional dos direitos civis e políticos (1966); Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais (1966); Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965); Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979); Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984); Convenção sobre os direitos da criança (1989); e, Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher - Convenção de Belém do Pará (1994)(3).

Através destas convenções estabeleceram-se marcos legais para a proteção dos direitos humanos. Além disso, houve repercussões positivas no avanço para a compreensão e erradicação da violência contra a mulher.

Na violência de gênero influíram os grupos feministas dos países ocidentais que denunciaram aqueles que degradam a dignidade das mulheres através da violência(4). Como resultado da identificação da violência contra as mulheres, aos grupos feministas tem se agregado outros atores, como as associações de defesa dos direitos humanos e as organizações internacionais que analisam e procuram ajudar a diminuir o problema.

Para se entender a denominação de violência de gênero é preciso ter em conta o caráter social dos traços atribuídos a homens e mulheres. Dessa forma, observa-se que a maioria dos traços do feminino e do masculino são construções culturais, são produtos da sociedade e não derivados necessariamente da natureza(4).

A violência de gênero é aquela exercida pelos homens contra as mulheres, em que o gênero do agressor e o da vítima estão intimamente unidos à explicação desta violência. Dessa forma, afeta as mulheres pelo simples fato de serem deste sexo, ou seja, é a violência perpetrada pelos homens mantendo o controle e o domínio sobre as mulheres.

Os papéis e comportamentos dos homens são considerados socialmente mais valiosos. Por exemplo, o choro é desprezado, as respostas violentas são bem vistas, e o trabalho doméstico (apesar de ser imprescindível) passa quase inadvertido aos homens mas se justifica que seja realizado pelas mulheres(5).

A categoria gênero pressupõe a compreensão das relações que se estabelecem entre os sexos na sociedade, diferenciando o sexo biológico do sexo social. Enquanto o biológico refere-se às diferenças anátomo-fisiológicas, entre os homens e as mulheres, o social diz respeito à maneira como estas diferenças se comportam nas diferentes sociedades, ao longo da historia(6).

Em todas as culturas do mundo, as mulheres vivem em condições de desigualdade social em relação aos homens. Estas desigualdades adquirem diferentes manifestações e magnitudes.

A definição de gênero implica em dois níveis, quais sejam, o gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças perceptíveis entre os dois sexos e o gênero como forma básica de representar relações de poder em que as ações dominantes são apresentadas como naturais e inquestionáveis(6).

Frente à inquietude internacional sobre o fenômeno da violência contra a mulher, análises e estudos sobre o assunto se fazem necessários, uma vez que tal violência deteriora a saúde individual e familiar da mulher. As mulheres que resistem a uma relação abusiva, indefinidamente, acabam perdendo a saúde individual (física e mental) o que, por conseqüência, afeta a saúde da família.

A declaração das Nações Unidas sobre a Erradicação da Violência contra as mulheres, adotada pela Assembléia Geral da ONU, em 1993, definiu a violência como qualquer ato de violência apoiado no gênero que produza ou possa produzir danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais na mulher incluindo as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade tanto na vida pública como na privada(7).

FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Dentre as diferentes formas de violência de gênero citam-se a violência intrafamiliar ou violência doméstica e a violência no trabalho, que se manifestam através de agressões físicas, psicológicas e sociais.

A violência intrafamiliar é uma forma de violência a que muitas mulheres estão submetidas, tendo origem entre os membros da família, independentemente se o agressor esteja ou não compartilhando o mesmo domicílio. As agressões incluem violação, maltrato físico, psicológico, econômico e, algumas vezes, pode culminar com a morte da mulher maltratada. Também o abuso psicológico, sexual ou físico, habitual, ocorre entre pessoas relacionadas afetivamente como marido e mulher ou adultos contra menores ou idosos de uma família.

O abuso caracteriza-se pelo conjunto de condutas que se efetivam causando dano físico, dor ou ferindo a outra pessoa de maneira intencional(8). Incluem-se os atos que vão desde bofetadas, até lesões graves e que podem causar a morte.

A violência manifesta-se no físico assim como em todas aquelas formas nas quais se oprime, impossibilita ou se violam as garantias individuais das pessoas. Por tal motivo, observa-se que todas as definições, concordam que a violência é qualquer ato exercido contra a dignidade da mulher, independente de suas origens.

A violência doméstica, a violência de gênero e a violência contra as mulheres são termos utilizados para denominar um grave problema(9). Na violência doméstica, a agressão advém do companheiro ou de outro membro da família indo além das paredes do lar sendo vítimas os idosos, as crianças, os deficientes. Na violência de gênero, os agressores são pessoas próximas às agredidas ocorrendo em espaços privados ou públicos.

Uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres é a praticada pelo marido ou um parceiro íntimo(10). O fato é que as mulheres, em geral, estão emocionalmente envolvidas com quem as vitimiza e dependem economicamente deles. Esta violência perpetrada por parceiro íntimo ocorre em todos os países, independentemente de grupo social, econômico, religioso ou cultural.

A violência, por parte do marido ou companheiro íntimo, se dá contra o "sexo frágil". Nesses casos incluem-se as mulheres maltratadas. Da mesma forma, este tipo de abuso tem sido freqüente nas relações homossexuais. Assim, a grande maioria dos casos de abuso por parte do parceiro tem sido do homem contra a "companheira"(11).

A violência de gênero não é mais do que o resultado das relações de dominação masculina e de subordinação feminina, em que o homem pretende evitar que a mulher lhe escape pois não deseja separar-se da mulher, mantendo-a sujeita a uma submissão sem escapatória(4).

Com base nas afirmações dos estudiosos do assunto, podemos sintetizar que a violência de gênero concentra-se em agressões individuais que transcendem o nível social refletindo, sem dúvida, a dominação de um grupo e a subordinação do outro.

Os estudos têm enfatizado a prevalência do fenômeno da violência intrafamiliar e os fatores de risco associados. Desta forma, têm sido apontados condicionantes que pertencem a diferentes níveis de análise desde aspectos sociais e culturais (valores autoritários e patriarcais, aceitação da violência como forma de resolver diferenças, etnias), de gênero (valorização da violência no desenvolvimento do papel masculino, aceitação da violência e o castigo como forma de resolver conflitos entre os casais), psicológicos (maior impulsividade, consumo de álcool e drogas) até as experiências infantis de violência (dos pais, da vítima ou do casal maltratado)(12).

A violência contra as mulheres e as meninas incluem o maltrato físico, assim como o abuso sexual, psicológico e econômico. Novamente, pode se afirmar que a violência "baseada no gênero" desenvolve-se como resultado da condição subordinada da mulher na sociedade(11).

Duas das formas mais comuns de violência contra a mulher são o abuso por parte dos companheiros íntimos e a atividade sexual forçada, ocorrendo tanto na infância, como na adolescência ou na vida adulta. O abuso pelo companheiro íntimo, também conhecido como violência doméstica, maltrato da esposa ou agressão, quase sempre é acompanhado por abuso psicológico e, em grande parte dos casos, por relações sexuais forçadas. Em sua maioria, as mulheres maltratadas por seus companheiros sofrem agressões. Na realidade, as relações abusivas se desenvolvem usualmente em atmosfera de medo e até de terror.

Em países industrializados, as formas de violência de gênero não são as mesmas para todos os casais que vivenciam conflitos violentos(10). Existem pelo menos dois padrões:

1. Uma forma grave e crescente de violência, caracterizada por diversas formas de abuso, terror e ameaças, acompanhada de comportamentos cada vez mais possessivos e controladores por parte de quem pratica o abuso.

2. Uma forma mais moderada de violência no relacionamento, onde a frustração constante e a raiva ocasionalmente irrompem em agressão física.

Segundo o estudo realizado por Casique(13), a violência de gênero perpetrada por companheiros íntimos em mulheres, pode manifestar-se através de atos físicos, violência psicológicos assim como atos sociais que envolvem esta situação de violência em que vive a mulher.

Agressão física

Este tipo de violência contra a mulher é a mais evidente e difícil de esconder dado que se reflete no seu aspecto físico. As mulheres que sofrem alguma agressão física, na maioria das vezes, experimentam numerosos atos de violência ao longo do tempo.

A violência física é entendida como toda ação que implica o uso da força contra a mulher em qualquer idade e circunstância, podendo manifestar-se por pancadas, chutes, beliscões, mordidas, lançamento de objetos, empurrões, bofetadas, surras, lesões com arma branca, arranhões, socos na cabeça, surras, feridas, queimaduras, fraturas, lesões abdominais e qualquer outro ato que atente contra a integridade física, produzindo marcas ou não no corpo(13,14,15).

Agressão psicológica

Este tipo de violência é detectado com maior dificuldade, uma vez que as vítimas apresentam cicatrizes de tipo psicológicas, mais difíceis de se observar e comprovar(16).

A violência psicológica ou violência emocional ocorre através da rejeição de carinho, ameaças de espancamento à mulher e seus filhos, impedimentos à mulher de trabalhar, ter amizades ou sair; por sua vez, o parceiro lhe conta suas aventuras amorosas e, ao mesmo tempo, a acusa de ter amantes.

Uma pesquisa realizada no Chile identificou que existem diversas manifestações da violência psicológica e o autor(16) assim as classificou:

- Abuso verbal: rebaixar, insultar, ridicularizar, humilhar, utilizar jogos mentais e ironias para confundir

- Intimidação: assustar com olhares, gestos ou gritos, jogar objetos ou destroçar a propriedade

- Ameaças: de ferir, matar, suicidar-se, levar consigo as crianças

- Isolamento: controle abusivo da vida do outro por meio da vigilância de seus atos e movimentos, escuta de suas conversações, impedimento de cultivar amizades

- Desprezo: tratar o outro como inferior, tomar as decisões importantes sem consultar o outro

- Abuso econômico: controle abusivo das finanças, impor recompensas ou castigos monetários, impedir a mulher de trabalhar embora seja necessário para a manutenção da família

É importante destacar que as vítimas de violência psicológica, muitas vezes, pensam que o que lhes acontece não é suficientemente grave e importante para decidir-se por atitudes que possam impedir esses atos, incluindo denunciá-los aos órgãos competentes. Algumas vítimas acreditam que não teriam crédito, caso denunciassem seu agressor. Em outros casos, alguém que a mulher respeita lhe diz que deve permanecer nessa relação abusiva pelo bem de seus filhos ou para garantir os direitos adquiridos através do casamento(16).

Muitas mulheres não se atrevem a falar ou denunciar que são vítimas de maltratos, por temor das ameaças do agressor contra elas e seus familiares.

Muitas manifestações indiretas de violência compõem os chamados "atos destrutivos" que são formas de agressão ou pressão psicológica usadas pelo homem em um relacionamento conflitante as quais impossibilitam a livre circulação da mulher.

Agressão social

Não se encontrou uma definição consensual entre os principais autores que se dedicam ao estudo da violência. Porém, no presente estudo considerou-se a violência social como toda ação prejudicial à mulher, ditada pelas condutas ou atitudes de aceitação ou rejeição que a sociedade estabelece como adequadas frente a violência que sofre a mulher, assim como as condições sociais que envolvem a situação em que vive a vítima da violência.

A violência que sofre a mulher tem permanecido em silêncio, devido ao fato de ser considerada como algo natural e privado. A violência é reforçada pelas religiões e pelos governos, através de normas e códigos. Dessa forma, geram-se mitos e crenças que nem sempre estão em conformidade com a realidade atual, embora a sociedade as tenha legitimado, em algum momento, e por motivos nem sempre conhecidos com clareza(17). Dentre os mitos e crenças populares sobre violência citam-se:

- A violência é natural, sempre existiu e continuará existindo

- O lar é um espaço privado, ninguém deve intervir nele

- A violência se dá em extratos sociais baixos, onde prevalece a pobreza e a baixa escolaridade

- O álcool e as drogas provocam os episódios de violência

- O agressor é violento em todas as suas ações e relações interpessoais

- Se o homem violento se arrepende ou se desculpa isso permitirá que mude sua conduta abusiva

- Bater é prova de amor "Te espanco, por que te quero"

- O homem não pode controlar seus impulsos nem manejar suas paixões

- O agressor é um doente mental

- As mulheres maltratadas podem abandonar seus lares no momento que o desejam

- As mulheres devem ficar com seus parceiros sob qualquer circunstância, para que as filhas e os filhos possam crescer junto de seu pai

- A situação vai mudar para a mulher, apenas é questão de esperar, esmerar-se e ser mais compreensiva

- As mulheres gostam de sofrer

- Se não tem ciúme entre o casal, não existe amor

- A mulher não tem como escapar da violência

Na atualidade, tem ocorrido aumento da participação das mulheres na atividade econômica. Esta inserção da mulher no mercado de trabalho tem provocado mudanças sociais dentro das instituições produtivas e nos lares. Apesar desta inserção, ainda ocorre discriminação nos empregos que desvalorizam a mulher, evitando sua ascensão. Com isto, o papel de provedor está sendo alterado pela independência econômica da mulher o que, sem dúvida, repercute nas funções dentro do lar, fato que tradicionalmente o homem não está disposto a aceitar.

A classe social é um fator importante no fenômeno da agressão física. Isto quer dizer que a classe sub-empregada deve receber atenção especial nas estratégias de intervenção para o problema e, em conseqüência, diminuir as estatísticas de violência que atingem diretamente a mulher(18).

CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

Tanto a violência física, com a psicológica e a social provocam conseqüências com impactos na saúde física e emocional da mulher. Assim é preciso mencionar algumas conseqüências sobre a saúde, resultantes da violência praticada por parceiros íntimos(10,15).

- Físicas: lesões abdominais, torácicas, contusões, edemas e hematomas, síndrome de dor crônica, invalidez, fibromialgias, fraturas, distúrbios gastrintestinais, cefaléias, dor abdominal, síndrome de intestino irritável, queimaduras, lacerações e escoriações, dano ocular, funcionamento físico reduzido, fadiga crônica, mudanças bruscas de peso.

- Sexuais e reprodutivas: distúrbios ginecológicos, fluxo vaginal persistente, sangramento genital, infertilidade, doença inflamatória pélvica crônica, complicações na gravidez, aborto espontâneo, disfunção sexual, doenças sexualmente transmissíveis, inclusive HIV/AIDS, aborto sem segurança, gravidez indesejada, retardo no desenvolvimento intra-uterino, morte fetal e materna.

- Psicológicas e comportamentais: abuso de álcool e drogas, depressão, ansiedade, distúrbios da alimentação e do sono, sentimentos de vergonha e culpa, fobias e síndrome de pânico, inatividade física, baixa auto-estima, distúrbios de estresse pós-traumático, tabagismo, comportamentos suicidas e autoflagelo, comportamento sexual inseguro.

A violência contra a mulher, especialmente por parte de seu parceiro, é uma carga que se apresenta para os serviços de saúde em função dos custos que gera. Esta violência não só causa danos físicos e psicológicos às mulheres, mas também, implica riscos para seus filhos. Presenciando a violência dentro da família, incrementa-se nas crianças as probabilidades de sofrer depressão, ansiedade, transtornos de conduta e atrasos no seu desenvolvimento cognitivo. Além do mais, aumenta o risco de se converterem, por sua vez, em vítimas de maltrato ou futuros agressores.

O MODELO ECOLÓGICO

Uma base teórica, para se compreender a violência contra a mulher tem sido o Modelo Ecológico(19). Esta proposta apóia-se no trabalho de diversos autores e propõe "um marco ecológico integrado" visando o estudo e o conhecimento da violência contra a mulher.

O modelo ecológico estuda os fatores que atuam em quatro âmbitos distintos: individual, familiar, comunitário e sociocultural, conforme se observa na Figura 1. Este modelo focaliza a violência na interação que se produz entre seus distintos níveis. São níveis de causalidade imbricados onde não existe um só determinante, mas uma interação de fatores que operam, favorecendo a violência ou protegendo o individuo contra ela. Estes fatores causais e suas interações precisam ser conhecidos em seus distintos contextos e ambientes culturais. Este conhecimento ajuda a identificar os pontos de fragilidade e os caminhos por onde avançar na prevenção da violência e nas intervenções específicas(8).


O principal ponto do modelo é que ele ajuda a reconhecer e distinguir os inúmeros fatores que influem na violência e, ao mesmo tempo, proporciona um marco para compreender como interatuam seus diferentes elementos. No primeiro Relatório Mundial sobre a Violência e a Saúde tenta-se compreender a natureza polifacetária da violência, através deste modelo(2).

O modelo ecológico, classificado em 4 níveis, permite analisar os fatores que influem no comportamento das pessoas e os fatores que aumentam as probabilidades das pessoas converterem-se em vítimas ou perpetradores de atos violentos.

- No primeiro nível identificam-se os fatores biológicos e da história pessoal. Entre os dados que se podem rastrear destacam-se as características pessoais e demográficas (idade, sexo, educação, renda), os antecedentes de comportamentos agressivos ou de auto-desvalorização, os transtornos psíquicos ou da personalidade e as toxicomanías.

- No segundo nível incluem-se as relações mais próximas como as mantidas entre os casais e os companheiros, outros membros da família e os amigos. Tem-se observado que estes aumentam o risco de sofrer ou perpetrar atos violentos. Ter amigos que cometam ou incitem atos violentos pode elevar o risco de que um jovem os sofra ou os execute.

- No terceiro nível exploram-se os contextos comunitários em que se desenvolvem as relações sociais tais como as escolas, os locais de trabalho e a vizinhança. Tenta-se identificar as características destes ambientes pois podem aumentar o risco de atos violentos. O risco pode estar influenciado por fatores como a mobilidade de local de residência, a densidade populacional, os altos níveis de desemprego, a existência de tráfico de drogas na região.

- O quarto nível está voltado para os fatores de caráter geral, relativos à estrutura da sociedade. Estes fatores contribuem para criar um clima que incita ou inibe a violência, como a possibilidade de conseguir armas devido as normas sociais e culturais. Entre estas incluem-se as que concedem prioridade aos direitos dos pais sobre o bem-estar dos filhos, consideram o suicídio uma opção pessoal mais que um ato de violência prevenível, reafirmam a dominação masculina sobre as mulheres e os meninos, respaldam o uso excessivo da força policial contra os cidadãos ou apóiam os conflitos políticos. Nesse nível, também encontram-se outros fatores como as políticas sanitárias, econômicas, educativas e sociais que contribuem para manter as desigualdades econômicas ou sociais entre os grupos.

Na Figura 1 observa-se a sobreposição dos anéis ilustrando como os fatores de cada nível reforçam ou modificam os de outro. Assim, por exemplo, um indivíduo de personalidade agressiva tem mais probabilidades de atuar violentamente no seio de uma família ou de uma comunidade que costuma resolver os conflitos mediante a violência do que se ele estiver em um entorno mais pacífico.

A violência contra a mulher é cada vez mais encarada como um importante problema de saúde pública. Dessa forma, há urgência em se estabelecer programas para detecção precoce e para intervenções efetivas.

Há ampliação de serviços de apoio e proteção das vítimas prestando orientação, assistência jurídica, capacitação educativa e para o trabalho. Alguns deles desenvolvem serviços alternativos orientados aos agressores uma vez que a violência física tem repercussões econômicas, de morbidade e mortalidade nos diferentes grupos de idade.

CONCLUSÕES

A violência pode estar presente em todos os âmbitos da vida da mulher e pode se manifestar de diferentes formas e em diversas circunstâncias através do seu ciclo evolutivo (a violência física, a violência psicológica e a violência social) sendo reforçada pelas religiões e pelos governos através de normas e códigos.

Muitos estudiosos analisam a violência e todos concordam que trata-se de um fenômeno que deteriora a integridade da mulher, dando como conseqüências uma saúde deficiente, transtornos familiares e do grupo social. Dentre as conseqüências para a saúde da mulher podem-se destacar, as complicações físicas e as psicológicas que produzem incapacidade importante na mulher sem esquecer as conseqüências sociais que em ocasiões impossibilitam-na de deixar esse lar violento aonde se violam suas garantias individuais e denigrem sua individualidade.

Por ser um fenômeno que afeta a saúde da pessoa e que tem repercussões na saúde pública em todos os níveis (regional, nacional e internacional), realizam-se conferências internacionais para buscar determinantes e fatores que levem a compreender melhor o fenômeno da violência que aflige a muitas mulheres deste planeta.

O modelo recomendado pela Organização Mundial da Saúde para compreender a violência é o Modelo Ecológico. Com este modelo espera-se esclarecer a relação das condutas aprendidas, com o comportamento violento do homem e o comportamento passivo da mulher.

Concluiu-se que é importante analisar os fatores que influem no comportamento das pessoas frente à violência para se estabelecer programas de ajuda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 31.5.2005

Aprovado em: 12.7.2006

  • 1. Minayo SMC, Souza RE, organizadoras. Violência sob o olhar da saúde. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2003.
  • 2. Organización Panamericana de la Salud, Oficina Regional para las Américas. Informe mundial sobre la violencia y la salud. Washington: OMS; 2002.
  • 3. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL. O que devem saber os profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde das mulheres em situação de violência doméstica. Projeto Gênero, violência e Direitos Humanos - Novas Questões para o Campo da Saúde. 2ª ed. São Paulo: Fundação Ford, CREMESP; 2003.
  • 4. Alberdi I. Matas N. La violencia doméstica: informe sobre los malos tratos a mujeres en España. Barcelona (ES): Fundación "La Caixa"; 2002.
  • 5
    Inmujeres 2003: Ley del instituto nacional de las mujeres: poder ejecutivo: secretaria de gobernación. [página da internet]. Mexico: Instituto nacional de las mujeres; [acesso em: 26 maio.2004]. Disponivel em: http://cedoc.inmujeres.gob.mx/documentos_download/100199.pdf
  • 6. Fonseca RMGS. Espaço e gênero na compreensão do processo saúde-doença da mulher brasileira. Rev Latino-am Enfermagem 1997; 5(1):5-13.
  • 7. García-Moreno C. Violencia contra la mujer: Género y equidad en la salud. Washington (DC): Organización Panamericana de la Salud - Harvard Center for Populations and Development Studies; 2000. Publicación Especial.
  • 8. Ramírez DE. Factores psicosociales de la violencia familiar. Rev Enfermeras, México 2001; 37(1-2):8-15.
  • 9. Rohlfs I, Valls-Llobet C. Actuar contra la violencia de género: un reto para la salud pública. Gac Sanit 2003; 17(4):263-5.
  • 10. García-Moreno C, Heise LL. Violência perpetrada por parceiros íntimos. In: World Health Organization. World Report on violence and Health. Genebra: OMS; 2002; p. 91-121.
  • 11. Heise L, Ellsberg M, Gottemoeller M. Ending violence Against Women. Populations Rep 1999; 27(4):1-43.
  • 12. Alvarado R, Gutiérrez C. Violencia conyugal según niveles socioeconómicos en Región Metropolitana. Rev Chil Salud Pública 2002; 6(1):27-35.
  • 13. Casique, LC. Violência perpetrada por companheiros íntimos às mulheres em Celaya. Tese [Doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (SP): USP; 2004.
  • 14. Pérez RR, Casique LC. Tipos de violencia que sufre la mujer. Guanajuato (MX): Universidad de Guanajuato, Facultad de Enfermería y Obstetricia de Celaya; 2001.
  • 15. Aliaga PP, Ahumada GS; Marfull JM. Violencia hacia la mujer: un problema de todos. Rev. Chil. Obstet. Ginecol. 2003; 68(1):75-8.
  • 16. Wynter AE. La violencia desde una perspectiva de Género. Rev Enfermeras 2001; 37(1-2):23-6.
  • 17. Altamirano RI. La violencia intrafamiliar: Los mitos. Rev Méd de Guanajuato 2000; 10(1-2):206-9.
  • 18. Gianini RJ, Litvoc J, Eluf-Neto J. Agressão física por classe social. Rev Saúde Pública 1999; 33(2):180-6.
  • 19. Heise L. Violence against women: an integrated, ecological framework. Pop Reports 1998; 4(3):262-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2005
  • Aceito
    12 Jul 2006
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br