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DNA livre fetal em plasma materno e diagnóstico pré-natal não invasivo

Resumos

A natureza não invasiva para o feto da pesquisa de DNA fetal em circulação materna representa sua maior vantagem sobre os métodos convencionais de diagnóstico pré-natal. As aplicações desta metodologia envolvem a detecção do sexo fetal e o diagnóstico, tratamento intra-útero e avaliação do prognóstico de várias doenças. Já as células fetais detectadas em circulação materna podem estar envolvidas em doenças auto-imunes e representar uma fonte de células-tronco para as mães. Com a introdução comercial de uma técnica que detecta o sexo fetal entre 6-8 semanas, haveria o risco de abortos precoces devido à seleção do sexo por propósitos sociais, tornando necessária uma discussão prévia sobre os aspectos éticos desta questão. A introdução de novas técnicas não invasivas de diagnóstico pré-natal e o conhecimento das mesmas por parte da Equipe de Enfermagem poderão trazer grandes benefícios para a mãe e seus filhos, bem como auxiliar no Aconselhamento Genético das famílias.

diagnóstico pré-natal; DNA; sangue; células-tronco; incompatibilidade de grupos sanguíneos; sexo; eclampsia; epigênese genética; ética


The noninvasive nature of the detection of fetal DNA in the maternal circulation represents the greatest advantage over the conventional methods of prenatal diagnosis. The applications of this methodology involve the detection of the fetal sex, and diagnosis, intra-uterine treatment, and evaluation of the prognosis of many diseases. Fetal cells detected in the maternal circulation have also been shown to be implicated in autoimmune diseases and to represent a potential source of stem cells. On the other hand, with the introduction of a technology that detects the fetal sex as early as at 6-8 weeks of gestation, there is the possibility of early abortion based on sex selection for social purposes. This implies an ethical discussion about the question. The introduction of new noninvasive techniques of prenatal diagnosis and the knowledge of the Nursing Team regarding new methodologies can be of great benefit to the mother and her children, and can help the Genetic Counseling of the families.

prenatal diagnosis; DNA; blood; stem cells; blood group incompatibility; sex; eclampsia; epigenesis; ethics


La naturaleza no invasiva de la investigación del DNA fetal en la circulación materna representa una ventaja importante con relación a los métodos convencionales de diagnóstico prenatal. El uso de esta metodología implica la determinación del sexo fetal y el diagnóstico, el tratamiento intra-útero y la evaluación del pronóstico en muchas enfermedades. Las células fetales detectadas en la circulación maternal también pueden ser implicadas en enfermedades autoinmunes y representar una fuente potencial de células madre. Por otra parte, con la introducción de una tecnología que detecte el sexo fetal entre 6-8 semanas de gestación, existe la posibilidad de aborto precoz basada en la selección del sexo para los propósitos sociales. Esto implica una discusión ética previa sobre este problema. La introducción de nuevas técnicas no invasivas de diagnóstico prenatal y el conocimiento del Equipo de Enfermería con respecto a las nuevas metodologías pueden ser muy importantes a la madre y a sus niños, y ayudar al Consejo Genético de las familias.

diagnóstico prenatal; ADN; sangre; células madre; incompatibilidad de grupos sanguíneos; sexo; eclampsia epigénesis genética; ética


ARTIGO DE REVISÃO

DNA livre fetal em plasma materno e diagnóstico pré-natal não invasivo

DNA fetal libre en el plasma materno y diagnóstico prenatal no invasivo

Ester Silveira Ramos

Médico com Residência em Genética Clínica, Doutor em Genética, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

A natureza não invasiva para o feto da pesquisa de DNA fetal em circulação materna representa sua maior vantagem sobre os métodos convencionais de diagnóstico pré-natal. As aplicações desta metodologia envolvem a detecção do sexo fetal e o diagnóstico, tratamento intra-útero e avaliação do prognóstico de várias doenças. Já as células fetais detectadas em circulação materna podem estar envolvidas em doenças auto-imunes e representar uma fonte de células-tronco para as mães. Com a introdução comercial de uma técnica que detecta o sexo fetal entre 6-8 semanas, haveria o risco de abortos precoces devido à seleção do sexo por propósitos sociais, tornando necessária uma discussão prévia sobre os aspectos éticos desta questão. A introdução de novas técnicas não invasivas de diagnóstico pré-natal e o conhecimento das mesmas por parte da Equipe de Enfermagem poderão trazer grandes benefícios para a mãe e seus filhos, bem como auxiliar no Aconselhamento Genético das famílias.

Descritores: diagnóstico pré-natal; DNA; sangue; células-tronco; incompatibilidade de grupos sanguíneos; sexo; eclampsia; epigênese genética; ética

RESUMEN

La naturaleza no invasiva de la investigación del DNA fetal en la circulación materna representa una ventaja importante con relación a los métodos convencionales de diagnóstico prenatal. El uso de esta metodología implica la determinación del sexo fetal y el diagnóstico, el tratamiento intra-útero y la evaluación del pronóstico en muchas enfermedades. Las células fetales detectadas en la circulación maternal también pueden ser implicadas en enfermedades autoinmunes y representar una fuente potencial de células madre. Por otra parte, con la introducción de una tecnología que detecte el sexo fetal entre 6-8 semanas de gestación, existe la posibilidad de aborto precoz basada en la selección del sexo para los propósitos sociales. Esto implica una discusión ética previa sobre este problema. La introducción de nuevas técnicas no invasivas de diagnóstico prenatal y el conocimiento del Equipo de Enfermería con respecto a las nuevas metodologías pueden ser muy importantes a la madre y a sus niños, y ayudar al Consejo Genético de las familias.

Descriptores: diagnóstico prenatal; ADN; sangre; células madre; incompatibilidad de grupos sanguíneos; sexo; eclampsia epigénesis genética; ética

Todas as mulheres gestantes apresentam um risco de que o embrião possa ser portador de anomalias. Além disso, a idade maternal deveria ser levada em consideração em toda gravidez e a ultra-sonografia morfológica fetal, bem como exames bioquímicos em sangue materno, deveriam ser sempre realizados(1). No entanto, em casos especiais, há a necessidade de métodos invasivos, como a biópsia de vilosidade coriônica (VC) ou a amniocentese, que representam um maior risco para o embrião(2). Por essa razão, as tecnologias envolvendo o diagnóstico pré-natal continuam evoluindo, com ênfase na pesquisa de desenvolvimento e melhoria de técnicas não invasivas.

CÉLULAS FETAIS NA CIRCULAÇÃO MATERNA

A detecção de células fetais em parênquima pulmonar associada à eclâmpsia tem sido descrita desde o século XIX(3), mas a presença dessas células no sangue periférico materno continua a ser objeto de intensas pesquisas. Células fetais aparecem precocemente na circulação maternal durante o primeiro trimestre e continuam presentes durante toda a gestação. No entanto, o isolamento dessas células é ainda tecnicamente complexo. Células fetais podem estar presentes no sangue materno numa razão de 1:100.000 células maternas ou menos (ou aproximadamente uma por mL de sangue materno em gravidez euplóide)(4). Além do número baixo, um outro problema é a permanência de células fetais em circulação maternal após a gravidez. Foi relatada a detecção de DNA nuclear masculino em uma mulher que havia tido seu filho homem 27 anos antes do estudo(5). Outras investigações mostraram que a persistência dessas células fetais tem um importante papel em doenças auto-imunes das mulheres. Por outro lado, essas células parecem ter características de células-tronco, como as habilidades proliferativa e de diferenciação, as quais poderiam ser benéficas para as mães(4).

DNA FETAL LIVRE DE CÉLULAS NO PLASMA MATERNO

A análise quantitativa do DNA fetal livre demonstrou que este pode representar até 6,2% do DNA total presente no plasma materno(6). A apoptose poderia explicar em parte o desaparecimento do DNA fetal da circulação materna após o nascimento, uma vez que esta é uma reação rápida, concluída 2 a 3 horas após o parto. Esses resultados (uma maior concentração em relação ao material materno e um desaparecimento mais rápido da circulação materna) demonstram uma superioridade prática da procura do DNA fetal em plasma materno em relação a preparações de células fetais isoladas de sangue total materno(4,7).

APLICAÇÕES

Muitas doenças genéticas são causadas por mutações que resultam em diferenças entre as seqüências de DNA materno e fetal, como ocorre na acondroplasia(8) e na â-talassemia(9). Muitas outras aplicações clínicas, especialmente para doenças monogênicas, têm sido descritas. Nós discutiremos algumas aplicações que são importantes devido às suas incidências populacionais.

Determinação do Sexo Fetal

A maioria dos grupos utiliza seqüências do cromossomo Y de embriões masculinos como um marcador da presença de DNA fetal e para a padronização das técnicas, devido ao fato das mulheres/mães normais (46,XX) não possuírem esse cromossomo em seus genomas. A sexagem é também importante para doenças com padrão de herança ligada ao X recessiva, onde as meninas são normais ou portadoras da mutação, mas saudáveis, enquanto os meninos podem ser normais ou afetados pela doença. Alguns autores vêm utilizando a reação em cadeia da polimerase (PCR) e a amplificação de seqüências Y-específicas, principalmente seqüências repetitivas ou genes como o SRY(10). Mais recentemente, o gene TSPY vem sendo utilizado em estudos de pequenas amostras de DNA(11-12).

Outra aplicação da sexagem fetal é na Hiperplasia Congênita de Adrenal (HCA), uma doença genética com padrão de herança autossômica recessiva. A alteração mais comum é a deficiência da enzima 21-hidroxilase. As meninas homozigotas para a deficiência nascem com masculinização da genitália externa, muitas vezes exigindo correção cirúrgica. Os meninos afetados apresentam genitália externa normal. O tratamento pré-natal da HCA com dexametasona para prevenir a ambigüidade genital tem sido utilizado com sucesso(13). No entanto, para minimizar os efeitos secundários, a interrupção da terapia tem sido indicada nos casos de embriões masculinos normais ou afetados e no de meninas normais. Por essa razão, a sexagem fetal é necessária durante a gravidez e é geralmente realizada através de métodos invasivos. A determinação do sexo fetal não invasiva, baseada no DNA livre fetal em plasma materno pode apresentar a vantagem adicional da interrupção precoce da medicação no caso de embriões masculinos(10).

Aloimunização Rh

A aloimunização Rh é um problema de grande importância na prática médica e de obstetrícia clínica, por potencialmente levar à doença hemolítica do recém-nascido. Para as gestantes Rh negativas (15% da população), um embrião Rh positivo envolve um risco de 16% de sensibilização ao antígeno Rh. Procedimentos diagnósticos e terapia invasiva podem ser necessários para reduzir a mortalidade perinatal de embriões Rh positivos(14). Portanto, a detecção precoce do status RhD fetal através do DNA fetal no plasma de mães Rh negativas é de grande importância na definição da necessidade de intervenções, com riscos de perda fetal, ou de imunoprofilaxia gestacional.

Pré-eclâmpsia

A pré-eclâmpsia é caracterizada por um aumento na pressão arterial e proteinúria após 20 semanas de gravidez. Suas complicações potenciais, como a eclâmpsia, fazem com que ela seja um dos mais sérios problemas de saúde da mulher e do feto. De acordo com alguns autores, existe um aumento do DNA fetal no sangue de mulheres com pré-eclâmpsia comparado com grupos controle. O aumento das taxas de DNA circulante fetal e materno corresponderia ao grau de severidade da doença e, portanto, o nível de DNA fetal poderia servir como um marcador de prognóstico e severidade do quadro clínico(7,15). Embora a maioria dos investigadores utilize o cromossomo Y nessa aplicação específica, outros marcadores não envolvidos com o sexo têm sido estudados, incluindo marcadores epigenéticos, para aumentar o número de mulheres grávidas que possam ser submetidas à investigação quantitativa(16).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Devido ao significativo risco do diagnóstico pré-natal invasivo, há uma busca intensa por técnicas não invasivas de amostras de DNA fetal. A detecção de células fetais na circulação materna mostrou implicações em doenças auto-imunes e seu potencial como fonte de células-tronco para as mães. No entanto, a metodologia disponível para a procura dessas células é cara e complexa devido à permanência de células fetais na circulação materna após a gravidez e à sua escassez. Em contraste, o isolamento de DNA fetal livre de células do plasma materno é relativamente fácil e barato, permitindo o processamento simultâneo de várias amostras.

A técnica de sexagem fetal a partir de sangue materno pode ser útil para a padronização da metodologia e em casos de doenças com padrão de herança ligada ao X recessiva, onde apenas os meninos seriam afetados. A detecção intra-útero poderia também levar a um tratamento mais precoce e otimizado de doenças desse grupo e de outras doenças como a HCA. Por outro lado, um problema da introdução de uma técnica que detecta o sexo fetal tão cedo como 6-8 semanas de gestação é a possibilidade de aborto baseado na seleção do sexo devido a propósitos sociais. Isso pode ocorrer devido a uma possível maior aceitação psicológica e moral de uma interrupção de gravidez precoce. No Brasil, alguns serviços realizam a sexagem fetal comercialmente utilizando sangue materno. Isso implica uma discussão ética sobre a questão.

A detecção precoce do status RhD fetal poderia ser muito útil nas gestações de pacientes Rh negativas. Além da importância dos métodos qualitativos para muitas outras doenças genéticas, a quantificação do DNA fetal na circulação materna parece ser um potencial marcador de prognóstico na pré-eclâmpsia.

Como descrito por um outro grupo, a mulher grávida pode ser entrevistada e a amostra de sangue pode ser coletada em sua própria casa por um(a) enfermeiro(a)(17). A introdução de novas técnicas não-invasivas e o conhecimento da Equipe de Enfermagem sobre novas metodologias para orientação das pacientes pode ser de grande benefício para a mãe e suas crianças e pode auxiliar no Aconselhamento Genético das famílias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 10.10.2005

Aprovado em: 13.9.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Aceito
    13 Set 2006
  • Recebido
    10 Out 2005
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