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Percepções sobre coordenação e funcionamento de reuniões de equipe geral de um hospital-dia psiquiátrico

Resumos

O objetivo deste estudo foi investigar a condução da coordenação de reuniões de equipe geral de um hospital-dia psiquiátrico, o seu funcionamento e os sentimentos que tais reuniões mobilizaram nos pesquisadores. O método adotado para a execução desta pesquisa foi o da observação e registro das percepções de dois observadores. Foram estudadas 21 reuniões. Considerando os achados e a discussão apresentada, foi possível perceber que seria ideal fazer um diagnóstico do funcionamento do coordenador, da dinâmica e estrutura organizacional e proceder a um gerenciamento do seu mau funcionamento Nesse sentido, é sugerida a intervenção de um supervisor institucional. Os sentimentos mobilizados nos pesquisadores foram semelhantes às percepções que tiveram com relação ao andamento das reuniões e da coordenação.

equipe de assistência ao paciente; assistência diurna; psiquiatria; saúde mental


This study aimed to examine the activity of coordinating general team meetings at a psychiatric day hospital, its functioning and the feelings these meetings aroused in the researchers. The method adopted to carry out this research was the observation and registration of two observers' perceptions. Twenty-one meetings were studied. The findings and discussion indicate that it would be ideal to diagnose the coordinator's performance, the organizational dynamics and structure, and then manage the malfunction. In that sense, the intervention of an institutional supervisor is suggested. The researchers' feelings were similar to their perceptions about the proceeding of the meeting and about the coordination.

patient care team; day care; psychiatry; mental health


La finalidad de este estudio fue investigar la actividad de coordinación de reuniones del equipo general de un hospital-día psiquiátrico, su funcionamiento y los sentimientos que tales reuniones movilizaron en los investigadores. Esta investigación fue realizada mediante la observación y el registro de las percepciones de dos observadores. Fueron estudiadas 21 reuniones. Delante de los hallazgos y la discusión presentada, percibimos que sería ideal hacer un diagnostico del funcionamiento del coordinador, de la dinámica y estructura organizacional y proceder a una gerencia de su mal funcionamiento. En este sentido es sugerida la intervención de un supervisor institucional. Los sentimientos movilizados en los investigadores fueron semejantes a sus percepciones respecto a seguimiento de las reuniones y de la coordinación.

grupo de atención al paciente; cuidados diurnos; psiquiatría; salud mental


ARTIGO ORIGINAL

Percepções sobre coordenação e funcionamento de reuniões de equipe geral de um hospital-dia psiquiátrico1 1 Trabalho apresentado na World Assembly for Mental Health/The 26th Congress of the World Federation for Mental Health

Edson Arthur SchererI; Zeyne Alves Pires SchererII; Maria Auxiliadora CamposIII

IMédico Psiquiatra, Doutorando em Patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e-mail: scherer@eerp.usp.br

IIEnfermeira, Professor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

IIIPsicanalista, Professor Doutor Aposentado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a condução da coordenação de reuniões de equipe geral de um hospital-dia psiquiátrico, o seu funcionamento e os sentimentos que tais reuniões mobilizaram nos pesquisadores. O método adotado para a execução desta pesquisa foi o da observação e registro das percepções de dois observadores. Foram estudadas 21 reuniões. Considerando os achados e a discussão apresentada, foi possível perceber que seria ideal fazer um diagnóstico do funcionamento do coordenador, da dinâmica e estrutura organizacional e proceder a um gerenciamento do seu mau funcionamento Nesse sentido, é sugerida a intervenção de um supervisor institucional. Os sentimentos mobilizados nos pesquisadores foram semelhantes às percepções que tiveram com relação ao andamento das reuniões e da coordenação.

Descritores: equipe de assistência ao paciente; assistência diurna; psiquiatria; saúde mental

INTRODUÇÃO

A hospitalização diurna em psiquiatria é reconhecida como uma das modalidades disponíveis para a assistência aos que sofrem de transtornos mentais. Essa forma de atendimento segue, em geral, as diretrizes de funcionamento da "comunidade terapêutica", onde idealmente existe uma equipe de cuidados constituída por profissionais de diversas formações, que interagem de forma integrada e complementar, visando oferecer uma atenção mais humanitária aos seus usuários.

No entanto, em estudos sobre o trabalho em equipes de saúde mental, pesquisadores alertam acerca de algumas das dificuldades que podem ser encontradas nessa prática. Uma dessas pode ser justamente sua composição heterogênea, ou seja, o convívio de profissionais de áreas diversas e com formações diferentes, onde é possível a discordância e o choque de saberes. Essas diferenças e seus desmembramentos são conseqüência da divisão das ciências humanas que tendem a se refugiar em seus pequenos feudos intelectuais(1-5).

A prática em equipe pressupõe a distribuição e a articulação das tarefas entre os seus integrantes. É esperado, portanto, que cada profissional tenha clareza de seu papel, limite e responsabilidade, além de reconhecer tais aspectos em seus colegas. Isso, contudo, nem sempre é encontrado quando é realizada uma investigação ou avaliação do trabalho de uma equipe. Há, com freqüência, uma confusão de papéis, dificuldades em dividir e reconhecer os limites e responsabilidades de cada profissional. O médico, por exemplo, tende a acreditar que, em decorrência de suas atribuições relacionadas à admissão, investigação diagnóstica, implementação de plano terapêutico e da alta da clientela, teria maior importância no grupo e, por isso, deveria ser o líder (chefe). Além disso, para alguns profissionais médicos, o trabalhar em equipe gera descontentamento por ser percebido como um distanciamento de sua tarefa tradicional(6-8). Não se trata, por outro lado, de questionar as funções desse profissional, mas, partilhar o cuidado do doente com outros técnicos, trocando informações, discutindo procedimentos, distribuindo tarefas com o objetivo de oferecer uma assistência mais integral à clientela.

As diferentes categorias profissionais que podem vir a compor um trabalho em equipe interdisciplinar trazem conhecimentos e formas de abordar a problemática encontrada na área da saúde pautados em referenciais teóricos diversos, desde os que se centram nos sintomas até os que preconizam valorizar a humanização das relações interpessoais. Cada técnico é treinado para lidar com os aspectos inerentes ao sofrimento da população a ser atendida com um aparato específico a sua função. Em geral, não há nas instituições formadoras, ainda, o preparo para trabalhar em equipe, onde a visão do "meu paciente" cede lugar para "nosso paciente". Contudo, atualmente tem havido tendências para a formação do profissional com uma postura mais crítica e reflexiva(9).

Diante das dificuldades apontadas, faz-se necessário implementar estratégias no intuito de tentar amenizá-las. Para o funcionamento em equipe interdisciplinar, há consenso, na literatura especializada, sobre a necessidade de criar um espaço para a reflexão acerca da prática direta junto ao usuário, bem como da busca de coesão do grupo de técnicos. A coesão é compreendida, nesse caso, como oferecimento de apoio e formação de relacionamentos significativos (vínculos), favorecendo a integração e manutenção construtiva da confrontação e conflito presentes na equipe. As reuniões sistemáticas dos profissionais que compõem a equipe surgem como recurso para integrar as diversas formas de pensar e agir. Nelas são implementadas discussões no sentido de rever conceitos, posturas, atitudes, condutas, prover inovações na prática, trabalhar conflitos emergentes e facilitar os relacionamentos interpessoais equipe-equipe e equipe-paciente. Esses encontros de equipe, contrastando, portanto, com as decisões hierárquicas verticalizadas, facilitam a distribuição democrática da autoridade para as tarefas a serem realizadas(10).

A partir desse entendimento da importância e conseqüente necessidade da reunião dos profissionais nesses tipos de serviços, foi despertado o interesse em melhor compreender esses encontros. Assim, foi realizado um estudo das "reuniões de equipe geral" (REG) de um Hospital-dia Psiquiátrico Universitário que buscou caracterizar as reuniões quanto à temática e à utilização do tempo pelos participantes em um dado período, apresentado em uma dissertação de mestrado(11). O presente trabalho é complemento da análise quantitativa das REGs constantes da referida dissertação, cujo objetivo foi investigar a condução da coordenação das REGs, o seu funcionamento e os sentimentos que tais reuniões mobilizaram nos pesquisadores.

MÉTODO

Este estudo foi realizado em um hospital-dia (HD) universitário que, além de assistir a pessoas com sofrimento psíquico, executa atividades de ensino e pesquisa. Nessa instituição, é oferecido treinamento em serviço para profissionais graduados em áreas relacionadas à Saúde Mental. Dessa forma, é configurada a existência de dois grupos, um fixo e outro flutuante. Na época dessa pesquisa, o primeiro era constituído pelos técnicos que compõem a equipe permanente de trabalho (médico psiquiatra, enfermeiro, assistente social, terapeuta ocupacional, recreacionista, auxiliar de enfermagem e auxiliar administrativo), enquanto o segundo era composto por estagiários graduados em medicina, psicologia, serviço social e terapia ocupacional. A equipe assim configurada, desde 1974 participa da REG, onde são tratados assuntos administrativos, de relacionamento interpessoal e de conduta junto aos pacientes(12).

O método adotado para a execução deste trabalho foi o da pesquisa naturalística(13), cujo procedimento utilizado foi a observação. A importância da capacidade de observação(14), que é sistematicamente treinada, reside no fato de o pesquisador não ser um mero expectador que visa obter dados valiosos para a compreensão dos processos grupais e aperfeiçoamento da própria participação como integrante de grupo. Na presente pesquisa, com o auxílio de um roteiro de observação, foi possível focalizar os aspectos relacionados aos papéis funcionais dos membros (comportamentos de tarefa e de manutenção, construtivos e não construtivos) e metabolismo grupal (nível energético, ritmo de atividade, clima socioemocional).

Portanto, por meio da técnica da observação, o comportamento global da equipe durante as reuniões foi apreendido pelos observadores, ou seja, os fenômenos foram registrados segundo sua ocorrência, sendo os dados devidamente anotados para estudo. Dessa forma, houve interesse pelo estilo e alterações psicológicas e formais da fala dos participantes da REG. Houve atenção aos movimentos manifestados, como a interposição de momentos de silêncio, inflexão da voz, mudanças afetivas no timbre da voz, risos, choros, etc. Foram, também, considerados os procedimentos da auto-observação, compreendidos como fenômenos que acontecem com o pesquisador em resposta às manifestações dos sujeitos observados(15).

Para esta pesquisa foram observadas 21 reuniões em um período de 6 meses. As REG aconteceram semanalmente, tendo uma hora de duração, e foram coordenadas pelos integrantes da equipe fixa e flutuante, seguindo escala predeterminada. O coordenador era responsável pela manutenção da estrutura e funcionamento da REG, delimitando o tempo e mediando as discussões, facilitando a participação dos interessados de forma democrática.

Ao término de cada encontro, os observadores faziam registros individuais de forma cursiva sobre aspectos referentes à reunião, seguindo um roteiro estabelecido na fase piloto do estudo. Constavam do roteiro: 1. as opiniões sobre a reunião; 2. as percepções sobre a condução da coordenação; 3. os sentimentos mobilizados durante a observação. Para a análise desses dados, foi mantido o acordo mínimo de 80% entre os registros feitos. Tais registros foram denominados "percepções dos observadores".

Os dados obtidos a partir das percepções dos observadores foram submetidos à análise de conteúdo (16). As categorias definidas para o tipo de participação do coordenador ficaram assim definidas: Participativo - além do papel de prover estrutura para a reunião, opinou durante as discussões dos temas; Não manteve estrutura - sem participar das discussões e sem controle sobre o tempo de cada assunto; Manifestou ansiedade - transpareceu ansiedade e insegurança no papel de coordenador, sem participar ativamente e com dificuldades em manter a estrutura da reunião; Pouco participativo - limitou-se a manter a estrutura da REG, sem intervir nos debates; Atento à estrutura - manteve apenas a estrutura, preocupado com o horário; Parcial - encaminhou a reunião em direção aos seus próprios interesses.

As categorias da avaliação do funcionamento das REGs foram: Produtiva - reuniões onde houve expressão de sentimentos, manifestações afetivas, interesse dos participantes, discussões polêmicas em clima de tranqüilidade, com conclusão dos temas, ou sensações de bem estar expressas verbalmente na reunião ou percebidas pelos observadores; Pouco Produtiva - reuniões onde houve superficialidade nas discussões, cansaço percebido nos participantes, tendência ao esvaziamento com a saída de integrantes, ou irritabilidade claramente expressa.

Os sentimentos mobilizados nos observadores durante a coleta de dados foram: identificação; raiva; cansaço; tranqüilidade; interesse; irritação.

Para a análise, foram utilizados os referenciais do marco teórico de psicodinâmica de indivíduos, grupos e organizações(10,14,17).

O projeto de pesquisa foi submetido à aprovação da Comissão de Ética (responsável, na época, pelas avaliações de pesquisas envolvendo seres humanos) do Hospital e o consentimento pós-informação obtido junto à equipe do HD no espaço de uma REG e registrado em sua ata.

RESULTADOS

Quanto à coordenação

Os dados referentes à coordenação são apresentados na Tabela 1.

De acordo com a Tabela 1, do total de 21 reuniões, 14 foram coordenadas por integrantes da equipe fixa e 7 por estagiários do serviço. As REGs foram transcritas pelo próprio coordenador, exceto a primeira e a décima primeira, cujas transcrições foram feitas por um outro componente da equipe.

No que se refere à participação do coordenador, em 5 das REGs estudadas, o mesmo número foi considerado participativo pelos observadores. Em outras 5 oportunidades, foi pouco participativo. Ficou atento à estrutura em 3 reuniões. Já em 4 ocasiões, não manteve a estrutura da reunião. Manifestou ansiedade em 2 encontros e, em outros 2, foi parcial.

Quanto ao funcionamento das reuniões

As percepções dos pesquisadores quanto ao funcionamento das REGs estão contidas na Tabela 2.

Dentre as 21 REGs, 11 foram consideradas produtivas, enquanto as demais, pouco produtivas.

Ao fazer a comparação entre as Tabelas 1 e 2, é possível, também, evidenciar correspondência entre as características das reuniões com as dos coordenadores. Assim, as REGs consideradas produtivas tiveram coordenador participativo ou atento à estrutura. Já as pouco produtivas coincidem com o coordenador que não manteve estrutura, manifestou ansiedade ou foi parcial em sua tarefa. Nos 5 encontros nos quais o coordenador mostrou-se pouco participativo, dois foram considerados pouco produtivos e três produtivos. Metade das coordenações feitas pelos integrantes da equipe fixa teve avaliação positiva. O mesmo foi observado quanto à coordenação feita por componentes do grupo flutuante. As duas reuniões em que o coordenador teve o auxílio de um participante na transcrição foram consideradas produtivas.

Quanto aos sentimentos mobilizados durante o registro

Na Tabela 3, estão apresentados os resultados referentes aos sentimentos mobilizados nos observadores durante a coleta de dados.

Segundo os resultados da Tabela 3, pode-se perceber que, em 7 reuniões, houve a sensação de tranqüilidade nos observadores. Em 8 delas, houve mobilização de raiva, associada a cansaço ou irritação. O sentimento de identificação com as manifestações afetivas expressas ou percebidas nos participantes ocorreu em três das ocasiões, sendo que, em uma destas, associado com interesse. Em duas reuniões, os observadores sentiram cansaço, e em uma, interesse.

Comparando as Tabelas 2 e 3, é possível constatar que, nas reuniões consideradas produtivas, os sentimentos mobilizados foram de identificação, tranqüilidade e interesse dos pesquisadores. Já os sentimentos de raiva, irritação e cansaço coincidem com as REGs pouco produtivas.

DISCUSSÃO

O papel de observador silencioso de um grupo é tarefa carregada de aspectos peculiares. Ele ouve e registra, de alguma forma, as falas dos participantes. Acaba sendo, por vezes, o receptor dos conteúdos que emergem no grupo. Ao poder sentir, mas, necessariamente, conter-se durante o processo de observação, pode ser revestido da função de depositário das emoções e medos que afloram da relação grupal. Diante disso, pode ser criada uma expectativa de que ele faça uma análise mais isenta e precisa do que se passa no encontro(18). Observar, portanto, não é tarefa fácil, nem tampouco isenta de algum tipo de envolvimento da parte de quem observa com o objeto de estudo.

Nesta pesquisa, a comparação dos sentimentos mobilizados nos observadores, durante a coleta de dados, com as suas percepções quanto ao funcionamento das REGs (Tabelas 2 e 3) permite algumas considerações. Nas reuniões avaliadas como produtivas, apareceram sentimentos de identificação, tranqüilidade e interesse nos observadores, enquanto os sentimentos de raiva, irritação e cansaço destes coincidiram com as REGs pouco produtivas. Tais resultados parecem evidenciar o envolvimento dos observadores silenciosos com a situação estudada.

O coordenador das reuniões é responsável pela sua estrutura e funcionamento, delimitando o tempo e mediando as discussões, propiciando a participação dos interessados de forma democrática. Para tanto, faz-se necessário que ele vença os obstáculos da comunicação. Portanto, para conseguir exercer esse papel, é necessário que essa pessoa esteja atenta, concentrada no andamento das discussões e nos movimentos ou manifestações (verbais ou não verbais) dos demais participantes. É importante que o coordenador esteja disponível, seja capaz de ouvir e entender, saia de seu marco de referência e faça perguntas que ajudem aquele que está falando a clarear seus pensamentos e responda as suas necessidades. Um ouvinte compreensivo provoca naquele que se sente escutado e compreendido menor vontade de fortalecer sua posição(19), diminuindo o risco de conflitos. Diante disso, pode-se concluir que coordenar é tarefa que exige habilidades.

A transcrição, por sua vez, é tarefa que exige não só capacidade de síntese, mas também requer capacidade de fixar a atenção ao conteúdo das falas, extraindo delas os significados importantes, além da aptidão para escrever de maneira rápida. Na situação deste estudo, a atenção exigida de quem transcreve é redobrada, pois é feita de forma concomitante, na íntegra, e pela mesma pessoa que está coordenando a REG. Diante disso, se o coordenador contasse com o auxílio de outra pessoa para realizar a transcrição das reuniões, seu papel de coordenação seria facilitado e, possivelmente, melhorariam sua participação e o andamento do encontro.

O coordenador das REGs funciona como um líder de um grupo ou equipe. Assim, partindo do princípio de que a figura do coordenador é a de quem detém o poder no momento das reuniões, pode-se entender os movimentos do grupo sob o prisma da coordenação, no que se refere à relação com a autoridade(17).

Nas situações estudadas, a equipe, de forma geral, pareceu corresponder aos comportamentos apresentados pelos diferentes coordenadores das REGs. Frente ao coordenador tranqüilo e participativo, manifestou comportamento de união. Já quando o coordenador quis conduzir a reunião de forma parcial, os componentes da equipe manifestaram suas reações emocionais de forma livre e democrática, o que pôde ser observado em uma das REGs. Ele foi interrompido pelos demais participantes que pediram para que retomasse a estrutura de discussão habitualmente utilizada, evidenciando-se comportamentos agressivos e de evasão. Essa coordenação pode ser comparada com a do líder tirano, sedutor e objeto de agressão(14,17). Em alguns momentos, o grupo pareceu aos observadores como dependente do coordenador.

As necessidades emocionais dos membros de um grupo, por outro lado, podem motivar o líder, inicialmente voltado para a tarefa, a assumir posturas complementares. A espera por uma liderança primitiva, exercida por uma figura onipotente e generosa configurada no grupo dependente e a autoridade poderosa e controladora no grupo de luta e fuga, favorece que o líder regrida para ajustar-se a tal papel(10). Esses aspectos fazem questionar as relações de saber e poder e suas influências no comportamento do grupo frente aos diferentes coordenadores desse tipo de encontro.

Quando o coordenador é capaz de assumir e dividir suas responsabilidades, sendo sensível ao clima do grupo, o qual considera como transcendente aos indivíduos, pode ser comparado ao líder democrático(14,17). Esse percebe sua função como uma tarefa de coordenação propriamente dita, ou seja, seu objetivo é criar condições para o grupo participar na elaboração e execução das decisões que lhe competem. Neste estudo, a coordenação considerada participativa ou atenta ao tempo pode, então, ser equiparada, ao líder propriamente dito, o organizador e o modelo de identificação. Portanto, seria adequado que a pessoa com esse perfil de liderança assumisse o papel de coordenação das REGs.

A correção de uma disfunção na liderança, no entanto, pode não se resumir a atribuir o papel de líder a alguém com determinado perfil. Além de ser feito um diagnóstico do funcionamento do coordenador, é necessário examinar a dinâmica e estrutura organizacional onde ele está inserido e proceder a um gerenciamento do seu mau funcionamento(10,20). Os problemas com o líder podem ser os primeiros sintomas de uma falha no funcionamento do serviço. Nesse sentido é sugerida a intervenção de um supervisor institucional(8,10).

As REG estudadas tiveram coordenação flutuante, o que é justificado como atividade de ensino-aprendizagem. É sabido, por exemplo, que as organizações podem ser divididas em dois tipos: de requisito e paranogênicas. As de requisito possuem uma estrutura administrativa funcional, ou seja, existe um casamento entre autoridade e responsabilidade. Já as paranogênicas acabam moldando comportamentos que levam à desconfiança, inveja, rivalidade, ansiedade e hostilidades, dificultando os relacionamentos interpessoais, mesmo quando há boa-vontade individual(10). As características do HD e o funcionamento das REGs parecem favorecer a paranogênese.

As diferenças técnicas das especialidades que compõem uma equipe e a desigualdade atribuída a elas possibilitam o surgimento de tensões entre os integrantes da equipe (cada um com seus saberes e autonomia), caracterizando uma equipe agrupamento (justaposição de ações e agrupamento dos agentes) ou uma equipe integração (articulação das ações e interação dos agentes). A comunicação entre os profissionais é, portanto, essencial ao trabalho em equipe, ou seja, é necessária a reciprocidade entre trabalho e interação(3-5,9,20).

Com base na literatura e nos achados do presente estudo referentes à avaliação das REGs, a equipe do HD pareceu corresponder à noção de equipe e integração, pois os participantes buscaram a interação comunicativa nas reuniões. Em 11 encontros, houve expressão de sentimentos, manifestações afetivas, interesse dos participantes, discussões polêmicas em clima de tranqüilidade com conclusão dos temas, ou sensações de bem estar expressas verbalmente ou percebidas pelos observadores. Nas demais (10), houve superficialidade nas discussões, cansaço percebido nos participantes, tendência ao esvaziamento com a saída de integrantes, ou irritabilidade claramente expressa. Os sentimentos manifestados pelos participantes das reuniões foram percebidos de forma semelhante pelos observadores. Assim, ao ser facilitada a livre expressão e manifestação dos profissionais, tanto de aspectos positivos (ou considerados produtivos) quanto negativos (ou considerados não produtivos), a REG constitui espaço de interação da equipe do HD.

CONCLUSÕES

Cada vez mais é crescente a necessidade e a busca por abordagens mais humanizadas às pessoas doentes, independentemente do tipo de distúrbio que as acometa, por parte dos profissionais de saúde que os assistem. O trabalho em equipes interdisciplinares tem atraído novos adeptos para o atendimento das mais diversas enfermidades, especialmente as de curso crônico como o câncer, síndromes dolorosas, síndrome da imunodeficiência adquirida, diabete, hipertensão, doenças psicossomáticas e mentais.

Desenvolver pesquisas com equipes de saúde é tarefa árdua, pois há muitas questões a serem respondidas e muitas particularidades do próprio processo de interação dos integrantes e destes com a população assistida, com seus familiares, com a instituição e com a comunidade onde a prática se insere. Portanto, há muitas variáveis e difícil torna-se seu controle. No presente estudo, foi possível perceber, também, que mesmo os pesquisadores que realizam a observação da equipe acabam se envolvendo com a situação estudada.

Nesta pesquisa não foi contemplada a análise do processo de comunicação nas reuniões. O conteúdo dos discursos, quem estava falando, a quantificação de sua fala e a tomada de decisões constituíram aspectos, também, não considerados. Para abordar esses tópicos, sugere-se a implementação de um procedimento de pesquisa que enfoque o trabalho em saúde e o agir comunicativo(3).

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Recebido em: 25.8.2005

Aprovado em: 18.4.2006

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  • 1
    Trabalho apresentado na World Assembly for Mental Health/The 26th Congress of the World Federation for Mental Health
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      25 Ago 2005
    • Aceito
      18 Abr 2006
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