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Vínculo materno-infantil e participação da mãe durante a realização da punção venosa: a ótica da psicanálise

Resumos

A participação da mãe acompanhante junto à criança durante a realização de procedimentos dolorosos é discutida pelos profissionais como uma possibilidade de cuidado ao binômio, porém, não há consenso quanto a esse tema. Para contribuir com essa discussão, o texto aborda as necessidades da criança durante a realização da punção venosa no ambiente hospitalar e a participação da mãe no procedimento, tendo como base autores da psicanálise e o vínculo na relação mãe e filho.

criança hospitalizada; enfermagem pediátrica; relações mãe-filho; apego ao objeto


Professionals discuss accompanying mothers' participation during painful procedures as a possibility of care to mother and child, but there is no consensus on this subject. To contribute to this topic, this study addresses the child's needs during venipuncture in a hospital environment and the mother's participation in this procedure, based on authors from psychoanalysis and mother-child bonding.

child, hospitalized; pediatric nursing; mother-child relations; object attachment


La participación de la madre acompañante junto al niño durante la realización de procedimientos dolorosos es discutida por profesionales como una posibilidad de cuidado al binomio, pero no hay un consenso sobre este tema. Para contribuir con esta discusión, el texto trata de las necesidades del niño durante la realización de la punción venosa en un ambiente de hospital y la participación de la madre en el procedimiento, tomando como base autores del psicoanálisis y el vínculo madre y hijo.

niño hospitalizado; enfermería pediátrica; relaciones madre-hijo; apego a objetos


ARTIGO DE REVISÃO

Vínculo materno-infantil e participação da mãe durante a realização da punção venosa: a ótica da psicanálise

Júlia Peres PintoI; Vera Lúcia BarbosaII

IDoutorando pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Docente da Universidade Anhembi Morumbi e Centro Universitário São Camilo

IIDoutor em Enfermagem, Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo

RESUMO

A participação da mãe acompanhante junto à criança durante a realização de procedimentos dolorosos é discutida pelos profissionais como uma possibilidade de cuidado ao binômio, porém, não há consenso quanto a esse tema. Para contribuir com essa discussão, o texto aborda as necessidades da criança durante a realização da punção venosa no ambiente hospitalar e a participação da mãe no procedimento, tendo como base autores da psicanálise e o vínculo na relação mãe e filho.

Descritores: criança hospitalizada; enfermagem pediátrica; relações mãe-filho; apego ao objeto

INTRODUÇÃO

Desde 1960, vários estudos têm descrito a participação da mãe na hospitalização da criança como fator fundamental de apoio ao filho(1). Essa condição é observada nas unidades de internação por meio da presença constante da mãe ao lado da criança, sobretudo no que diz respeito aos cuidados de higiene e alimentação, porém, não é habitual durante os procedimentos, como a punção venosa. No entanto, vários autores defendem a participação dos pais durante os procedimentos dolorosos por acreditarem que a presença da pessoa significativa para a criança pode oferecer apoio e segurança, também nessas ocasiões(2-5).

Alguns hospitais, ou unidades pediátricas, possuem normas que estabelecem, a priori, a participação ou não da mãe durante a punção venosa, independente da necessidade da criança ou do desejo da mãe. Por sua vez, algumas mães acompanhantes optam por não participar ou presenciar a punção venosa mesmo que a instituição ou o profissional concorde com sua presença(6).

Pesquisas mostram que os procedimentos dolorosos realizados na criança hospitalizada são uma das principais fontes de sofrimento para a mãe acompanhante(4-7). Acrescenta-se a isso a afirmação de que mesmo a mãe reconhecendo o benefício da punção venosa para o tratamento da criança, ela sofre ao ver o sofrimento do filho e pensa em desistir da hospitalização(6).

Tal situação revela que o foco da assistência não está centrado na criança hospitalizada e sua família e que há necessidade de novas discussões sobre esse contexto a fim de aprimorar o atendimento das necessidades globais da criança e da mãe, ante os procedimentos dolorosos.

Diante disso, analisar as questões que envolvem a relação mãe e filho no processo de hospitalização tem sido ressaltada como fundamental na assistência de enfermagem pediátrica e neonatal, pois refletem na qualidade do cuidado prestado(8).

Para pautar a discussão utilizou-se, aqui, de autores da enfermagem e da psicologia, em especial da psicanálise. A mesma está focada na criança que possui entre zero e 24 meses e suas mães, pois a permanência da mãe junto às crianças com mais idade é, em geral, assegurada pela própria criança que já possui recursos, tais como verbalização, choro e movimentos direcionados a requisitar a presença da mãe. Essa opção não pretende desvalorizar o apoio de uma pessoa significativa para as crianças maiores, pois, assim como suas mães, elas também necessitam de apoio para vivenciar experiências difíceis.

As reflexões também são baseadas na convicção de que a mãe bem assistida é capaz de ajudar o filho em situações difíceis e de que sua participação no processo da punção venosa é fundamental para a saúde psíquica da criança.

A RELAÇÃO MÃE-FILHO E O VÍNCULO

A personalidade de um indivíduo é influenciada por fatores intrínsecos e extrínsecos. Dentro dos fatores intrínsecos podem ser incluídos os fatores genéticos e hereditários e, nos extrínsecos, os relacionados ao meio social e familiar como aqueles que podem influenciar na constituição da personalidade de uma pessoa. Em relação aos fatores extrínsecos, observa-se que alguns acontecimentos da infância podem marcar profundamente o desenvolvimento de uma pessoa. Exames psicológicos permitem identificar essas marcas sem que, no entanto, a pessoa se lembre das impressões que a causaram(9).

As pessoas, em geral, não se recordam de acontecimentos anteriores à primeira infância, ou seja, até seis anos de idade. Esse fato se deve a um fenômeno psicológico explicável pela via da compreensão do inconsciente denominado amnésia infantil(9). Apesar de, na infância, vivenciar-se emoções e se possuir a capacidade de receber e reproduzir impressões, retém-se na memória apenas fatos inteligíveis e fragmentados.

Assim sendo, as experiências vivenciadas na hospitalização, mesmo que a criança não se lembre dela, podem marcar sua personalidade e os prejuízos que poderão advir de tal experiência dependerão da maneira como ela for trabalhada pelas pessoas envolvidas no processo.

Sabe-se que durante a formação da personalidade de uma criança, um adulto, em geral a mãe, representa o elo com o mundo. A importância da mãe na construção da personalidade se deve ao fato de que ela é considerada como referência para a criança, em relação ao mundo e a ela mesmo(10-11). O lactente é visto pó Dolto como pré-sujeito, cuja sobrevivência depende da mãe com a qual vive uma relação funcional e de dependência.

A relação estabelecida com essa mãe pode representar as bases de suas futuras relações com os demais seres humanos ou com os acontecimentos de sua vida(12). Portanto, se a criança não obtiver os subsídios necessários para desenvolver um vínculo com a mãe desde os primeiros dias de vida, essa situação se refletirá na capacidade da criança em desenvolver relacionamentos satisfatórios. A ligação afetiva entre mãe e filho se estabelece nos primeiros 24 meses de vida da criança e ela é resultado das constantes interações mantidas entre a dupla desde o nascimento. A mãe é a pessoa que responde ou estimula as manifestações do filho como sorriso, choro, balbucio, frio, fome e dor(10).

Na Enfermagem, uma das teorias mais difundidas, é a Teoria do Apego, que também afirma a importância da formação do vínculo entre a criança em desenvolvimento e seu responsável. O comportamento de apego é caracterizado pela permanência do contato físico entre a mãe e o filho quando esse está com fome, frio, medo ou angustiado(12).

A repetição diária dessas interações permite que a criança elabore um esquema de sua mãe, ou de outro cuidador. Assim, por volta do quarto ou quinto mês de vida, o filho já diferencia a mãe de outras pessoas e não permite que outros o embalem ou alimentem(10,12).

Segundo a Teoria do Apego, dos seis aos vinte e quatro meses, a criança passa pela fase de definição do apego e começa a demonstrar medo de estranhos e chora se não pode ter acesso à mãe; dos dez aos dezoito meses essa sensação intensifica-se, período crítico conhecido como ansiedade de separação(12).

Assim, quando a criança é exposta a situações de tensão, como o caso da hospitalização na qual, além da doença, ocorrem alterações do ambiente, presença de pessoas estranhas e procedimentos dolorosos, é fundamental a presença de uma pessoa familiar para a criança, sobretudo nos primeiros vinte e quatro meses. Essa presença se torna imprescindível, principalmente, na idade em que a criança não distingue seu corpo e sua existência do corpo e da existência da mãe. A criança sob tensão busca um meio de chegar à presença materna que está relacionada à segurança e conforto(11).

Após os 24 meses, a criança percebe a mãe como ser independente e, a partir disso, torna-se capaz de tolerar separações da mãe sem sofrimento caso esteja em local familiar ou receba garantia do seu retorno(12).

A PARTICIPAÇÃO DA MÃE ACOMPANHANTE DURANTE A PUNÇÃO VENOSA DA CRIANÇA HOSPITALIZADA

No processo da punção venosa, caso a mãe se ausente, observa-se que a criança, até aproximadamente os dois anos de idade, chora ininterruptamente, desde o momento em que a mãe sai do seu lado e mesmo antes da introdução da agulha. O sofrimento que a criança demonstra não é causado apenas pela punção, mas também pela separação da mãe.

Isso se deve ao fato de que a mãe, como objeto primário de ligação afetiva de uma criança, tem a condição de acalmá-la e protegê-la do medo, quando ela passa por uma situação desconhecida(10). A capacidade que a mãe tem de aliviar a ansiedade ou medo da criança é fundamental para o crescente apego e necessária para que a mesma aprenda a separar-se da mãe sem danos emocionais, conforme aprimora seu desenvolvimento(10,12).

As experiências de nossa realidade ficam marcadas e também são influenciadas pela integridade do organismo, de suas lesões transitórias ou permanentes e de sensações fisiológicas e viscerais(11). Nesse sentido, a punção venosa que ocorre freqüentemente na hospitalização infantil pode ser considerada como uma lesão transitória ao organismo.

Pesquisadores da dor relatam que as crianças são capazes de sentir dor desde o nascimento e suas principais manifestações são o choro e a movimentação do corpo. Como o lactente não consegue se expressar verbalmente sobre seus sentimentos, os adultos tendem a desvalorizá-los, ou mesmo ignorá-los. Isso não quer dizer que ele não se expresse quando em situação de desconforto(13-14).

O choro, em resposta a um incômodo ou a um evento estranho é uma habilidade que a criança possui desde seus primeiros momentos de vida. A aproximação da mãe diante do choro faz com que a criança relaxe e se aninhe em seus braços(10-11). O pedido da criança por atenção, quando valorizado, mesmo que a mãe não possa atender ao prazer solicitado, confere um valor humano largamente compensador e faz a criança sentir-se amada e reconhecida no seu desejo, fortalecendo o vínculo entre ela e a mãe(11).

Durante a punção venosa, mesmo que a mãe não possa evitar o procedimento, a sua presença garante compreensão e amor à criança. Ao se sentir assistida pela mãe, a criança que passa por um sofrimento estará mais preparada para superar a angústia em outra ocasião. Quando a criança se sente como objeto eleito da mãe, as manifestações que prevalecem são de desconforto, tal como o choro diante de uma agressão, pois a criança sente-se segura para expressar seus sentimentos(11).

Embora as limitações ou correções que a mãe venha impor à criança sejam necessárias à formação da sua personalidade, o respeito a seus sentimentos também o são, assim sendo, eles devem ser valorizados para evitar danos à saúde psíquica. O não atendimento da necessidade manifestada pela criança representa limitação imposta pela mãe, porém, essas limitações, pelas quais o indivíduo passa ao longo da infância até a adolescência, são humanizantes ao favorecer a construção do adulto responsável pelos seus atos e capaz de assumir sua vida(11).

Por outro lado, se a mãe impede, ignora ou menospreza a manifestação de dor e medo da criança em relação à punção venosa, além de não se sentir amada, a criança pode entender que a mãe quer que ela passe por aquilo e, então, concorda com o procedimento para satisfazer o desejo da mãe. Uma situação que induza desejo de se satisfazer no sofrimento, ao invés de se satisfazer no prazer, é considerada uma perversão. As perversões são definidas como descompensações patogênicas que podem dar origem a comportamentos masoquistas, hipocondríacos, autodestrutivos entre outros(11).

Melaine Klein afirma que a relação positiva com a mãe, isto é, quando essa satisfaz a necessidade do filho, possibilita à criança vencer a angústia e a frustração causada pela agressão e aumentar a sua confiança nas possibilidades de satisfação de suas necessidades(15).

Assim como a doença, a hospitalização e os eventos dolorosos podem ocasionar uma falha do narcisismo. O narcisismo é descrito como "a mesmice de ser" da qual vem a "noção de existência" e o desejo de viver do ser humano(11). A criança sai da rotina durante a hospitalização na qual fatores angustiantes estão presentes e, constantemente, frustram as necessidades da criança. A dor provocada pela punção venosa e o fato de não encontrar na mãe a resposta às suas necessidades causa angústia na criança.

A angústia é um sentimento desagradável que apresenta sintomas como contração e sintomatologia respiratória. Na vida normal, há a alternância entre contração e relaxamento e, um ambiente que mantenha a criança numa situação de contração, leva à perda da capacidade de relaxar(15). No indivíduo saudável, há equilíbrio entre contração e relaxamento quando esse está livre de tensões internas, de fome e de outras necessidades. Para a criança até os dois anos a presença constante da mãe é fundamental para a manutenção desse equilíbrio.

Por sua vez, a mãe orientada quanto à punção venosa pode tornar a situação mais familiar à criança. Diante das percepções desconhecidas pela criança e que a surpreendem, a mãe, na maioria das vezes, intermedia sua relação com o mundo e oferece respostas ao fato desconhecido. A mãe humaniza tudo o que rodeia a criança através de suas palavras, sua manipulação e sua presença, conferindo o sentido de segurança à criança(11).

No período em que a criança não dissocia seu corpo do da mãe, a ausência da mãe durante a punção venosa pode significar para a criança que a mãe não suporta a situação e dessa forma, ela também não suportará. Conversar com a mãe, esclarecendo que a sua presença pode contribuir para minimizar o sofrimento do filho, resulta em benefício para a criança nesse momento e no decorrer da sua existência.

Algumas mães têm experiências pregressas negativas pessoais, ou com o próprio filho, em relação à hospitalização e à punção venosa, fato que pode dificultar a participação da mãe junto à criança(6). Dada a ligação existente entre a mãe e filho, se a mãe tem percepção acentuada da dor da punção venosa, esse sentimento será captado pela criança. A intensidade da dor não pode ser medida, no entanto, ela pode ser influenciada pela percepção de dor das pessoas em quem a criança confia.

A enfermeira, por meio de técnicas de comunicação e/ou técnicas projetivas pode explorar o tema junto à mãe no sentido de fortalecê-la para que ela possa decidir sobre sua participação em benefício da criança.

Sessões preliminares com os pais, sem a presença do filho, podem, por si só, melhorar o estado da criança. Os pais, movidos por angústias pessoais e por não falarem delas, provocam a reação das crianças. Ao falar, a mãe reelabora sua história e pode encontrar novos caminhos para atuar junto ao filho(11).

O fato de não saber decidir sobre qual a melhor forma de agir é uma das causas mais freqüentes da angústia(15). A criança submetida a punções venosas consecutivas, como pode acontecer numa hospitalização, e sem o apoio adequado pode ficar em situação permanente de angústia.

Oferecendo condições para que a criança e a mãe lidem com a angústia, ambas podem desenvolver mecanismos para lidarem com a situação se a perceberem como agressão, ou adaptarem-se por decidir que, apesar do sofrimento, é o melhor caminho a seguir para o tratamento.

A clareza que a mãe venha a adquirir, sobre diversos aspectos envolvidos na situação, pode ajudá-la a optar por participar ou não da punção sem que isso resulte em sentimento de culpa. Os comportamentos ambíguos, como mentir para a criança que não vai doer e permanecer com expressão de medo, como arregalar os olhos no momento da punção, também podem ser evitados.

A ambivalência da mãe ocorre quando, mesmo querendo e sendo orientada quanto à importância da sua presença junto ao filho, reconhece que não possui recursos para auxiliá-lo durante a punção venosa, ou seja, para suportar a sua própria dor e a da criança. Nesse caso, a ausência da mãe pode ser indicada, pois ela corre o risco de ser ambígua e enviar mensagens contraditórias ao filho(10).

No caso da mãe que se ausenta no momento da punção venosa sem informar a criança da sua saída e do que irá ocorrer, pode fazer com que a criança fantasie para explicar essa ausência, sentindo que não é amada(14). Por isso é imprescindível que a criança seja informada, independentemente da sua idade, e se possível pela própria mãe.

Na hospitalização, também é comum que a criança mantenha, por vários dias, um dos membros imobilizados em tala devido à presença do dispositivo intravenoso. A linguagem estabelecida pela mãe com o filho pode prevenir alterações na imagem corporal da criança provocada por golpes orgânicos. Nesse caso, deve ser explicitado à criança o motivo da restrição, seu passado de normalidade e as possibilidades de recuperação, não importando a sua idade(11). A criança sente-se respeitada como pessoa quando a mãe coloca em palavras o seu sofrimento, pois as palavras permanecem para sempre na memória inconsciente da criança(10-11).

A mãe em contato com um filho que tem demandas de cuidado diferentes das apresentadas no ambiente domiciliar, pode não conseguir suprir as necessidades da criança em novas circunstâncias. A modificação do esquema corporal da criança, em função da imobilização parcial do membro por uma tala, pode gerar na mãe a dúvida de como pegá-la no colo, alimentá-la ou higienizá-la. Provavelmente, exigirá da mãe uma mudança no seu esquema corporal para que essa possa acolher o filho e também ser reconhecida por ele, como a pessoa capaz de reconhecer e atender suas necessidades.

A verbalização da mãe acerca do que está acontecendo também evita a ambigüidade. Ao conversar, francamente, com a criança sobre a situação, a mãe pode impedir que a criança fantasie sobre o acontecimento. Quando não é dito à criança, claramente, o que aconteceu ou acontecerá, ela percebe os sinais de que algo diferente está acorrendo, o que gera a expectativa de que algo ruim está por vir. A comunicação com a criança permite que as emoções e afetos partilhados com o meio sejam compreendidos pela criança(11).

Além disso, as dificuldades desenvolvidas pela criança não provêm de lesões funcionais ou físicas e sim do que não foi dito a tempo para a criança mesmo que ela não compreenda exatamente as palavras(11).

Outro fator que facilita a vivência de qualquer experiência pela criança é o olhar da mãe. O olhar do adulto autoriza o acesso a experiências pessoais, à exploração do mundo(10-11). A criança pode sentir-se mais confiante em manusear o material de punção se a mãe estiver presente, e dessa forma, familiarizar-se com o procedimento.

O relacionamento amistoso entre a mãe e a equipe de enfermagem também é fator que auxilia na aceitação da criança frente aos procedimentos realizados pelos profissionais, pois, para a criança, é mais fácil aceitar a assistência de uma pessoa que esteja mantendo um bom relacionamento com sua mãe. Na ausência da mãe, objetos familiares à criança como brinquedos nomeados pela mãe e pessoas do meio com as quais a mãe se comunica pela linguagem suscitam na criança a presença memorizada da mãe, juntamente com a sensação de segurança e conforto associados à figura materna(11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os autores referenciados possibilitaram aprofundar um tema que tem suscitado discussões quanto à assistência de enfermagem prestada à criança e sua mãe durante a realização da punção venosa.

A reflexão permitiu considerar a participação da mãe como fundamental para dar sentido às experiências vivenciadas pela criança. A sua participação no procedimento torna-se indispensável, pois é nela que a criança aprende a reconhecer o outro e adquire confiança para estabelecer outras relações.

Diante do exposto, julga-se que a participação da mãe na hospitalização ante os procedimentos dolorosos deve ser considerada pela equipe de enfermagem. Essa participação está colocada no sentido de que mesmo sem estar presente no momento da punção, a mãe pode ajudar a criança tendo como base o vínculo afetivo desenvolvido com o filho, tornando familiar e transponível os momentos difíceis.

A enfermeira tem o papel de mediador entre a criança, a mãe e o procedimento, cabendo a esta os esclarecimentos necessários e adaptados à necessidade do binômio. Dessa forma, estará exercendo seu papel, facilitando a adaptação da criança e da mãe à situação para que essas, apesar do sofrimento, possam vivenciar a experiência e estreitar seu vínculo. As ações da enfermeira aumentam as possibilidades da mãe e da criança de saírem fortalecidas da situação e aptas a enfrentar novas experiências que ameacem a integridade física e mental. Essa experiência, quando bem conduzida, permite que a criança continue a explorar o mundo com confiança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 6.9.2005

Aprovado em: 29.5.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Aceito
    29 Maio 2006
  • Recebido
    06 Set 2005
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