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Grupoterapia com estudantes de enfermagem durante a transição teórico-prática

Resumos

O objetivo do estudo foi verificar se a intervenção de grupo de curto prazo pode proporcionar às estudantes de enfermagem meios de lidarem com o estresse, próprio da transição do aprendizado teórico para o prático. Utilizou-se a observação participante como método, possibilitando que 12 alunas que cursaram a disciplina de Fundamentos II expressassem suas ansiedades e angústias frente ao novo e futuro papel de cuidadoras da saúde de outros. A técnica grupal aparece como um instrumento a ser considerado pelas instituições de ensino superior de enfermagem como recurso não apenas de apoio, mas também didático, em seus currículos. No momento em que são discutidas reformas do ensino, é importante lembrar que qualquer mudança planejada não será somente técnica, mas terá efeitos no ser humano.

psicoterapia de grupo; educação em enfermagem; ensino; estudantes de enfermagem


This study aimed to verify whether the intervention of short term groups could provide nursing students means to cope with stress, typical of the transition process from the theoretical to the practical learning. Participant observation was used, allowing 12 students in the discipline Fundamentals II, to express their anxieties and anguish towards the new and future role of taking care of other people's health. Results suggest that higher nursing education institutions should consider the group technique not only as a support resource, but also as a didactical resource in their curricula. At a time when educational reforms are discussed, is important to bear in mind that any planned changes will have an effect not only in technical terms but will also affect the human being.

psychotherapy, group; education, nursing; teaching; students, nursing


La finalidad del estudio fue verificar si la intervención de grupo a corto plazo puede proporcionar a las estudiantes de enfermería recursos para enfrentar el stress, propio del paso, del aprendizaje teórico al práctico. Se utilizó la observación participante como método, lo que permitió que 12 alumnas matriculadas en el curso de Fundamentos II, pudieran expresar sus ansiedades y angustias ante el nuevo y futuro rol de cuidadoras de la salud. La técnica grupal aparece como un instrumento a ser considerado por las instituciones de enseñanza superior en enfermería no solo como un recurso de apoyo, sino también didáctico dentro de los programas curriculares. Considerando las actuales discusiones sobre las reformas en la enseñanza, cualquier planificación de cambio no solo se dará nivel técnico, sino también traerá efectos en el ser humano.

psicoterapia de grupo; educación en enfermería; enseñanza; estudiantes de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Grupoterapia com estudantes de enfermagem durante a transição teórico-prática1 1 Trabalho extraído de Tese de Doutorado

Zeyne Alves Pires SchererI; Edson Arthur SchererII; Ana Maria Pimenta CarvalhoI

IProfessor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, o Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, e-mail: scherer@eerp.usp.br, anacar@eerp.usp.br

IIMédico Psiquiatra, Doutorando, Assistente do Hospital das Clínicas. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

RESUMO

O objetivo do estudo foi verificar se a intervenção de grupo de curto prazo pode proporcionar às estudantes de enfermagem meios de lidarem com o estresse, próprio da transição do aprendizado teórico para o prático. Utilizou-se a observação participante como método, possibilitando que 12 alunas que cursaram a disciplina de Fundamentos II expressassem suas ansiedades e angústias frente ao novo e futuro papel de cuidadoras da saúde de outros. A técnica grupal aparece como um instrumento a ser considerado pelas instituições de ensino superior de enfermagem como recurso não apenas de apoio, mas também didático, em seus currículos. No momento em que são discutidas reformas do ensino, é importante lembrar que qualquer mudança planejada não será somente técnica, mas terá efeitos no ser humano.

Descritores: psicoterapia de grupo; educação em enfermagem; ensino; estudantes de enfermagem

INTRODUÇÃO

Os cursos de graduação da área de saúde vêm acompanhando as mudanças ocorridas na educação, subjacentes às diretrizes curriculares das instituições de ensino superior. A educação e a saúde são campos de produção e utilização de saberes destinados ao desenvolvimento humano. Além disso, o acúmulo de conhecimento e a conseqüente necessidade de atualização exigem que a formação profissional se transforme em um processo contínuo, visando não só à aquisição de habilidades técnicas, mas ao desenvolvimento de potencialidades no mundo do trabalho e no meio social(1).

Alguns estudiosos interessados na formação acadêmica e profissional do estudante de enfermagem sugerem que a escola deve compreender o significado que tem para o aluno, as primeiras experiências clínicas e a relação que se estabelece com o professor, principalmente quando este não abre espaço para a reflexão em conjunto, em uma situação de dor, óbito, por exemplo. Ao contrário, freqüentemente o professor se fecha, criando uma imagem de insensibilidade e frieza, prejudicando o crescimento humano e profissional dos estudantes(2).

Foi constatado que, quando o aluno é colocado em contato com a aprendizagem prática para desenvolver determinados procedimentos aprendidos em aulas teóricas, este apresenta insegurança e temores, podendo chegar a manifestar sinais de estresse. Reações ansiosas ocorrem, também, por não estar habituado aos procedimentos específicos exigidos pela clínica e à rapidez necessária na execução de técnicas. Além disso, não está preparado para lidar com as emoções despertadas diante de potenciais riscos aos quais o cliente é exposto(3).

O uso de grupos para alívio e tratamento de distúrbios somáticos e psíquicos é muito antigo (remonta à Antiguidade) e surgiu antes das teorias conhecidas sobre a dinâmica de grupo. O grupo pode ser entendido como sendo "um conjunto de pessoas em uma ação interativa com objetivos compartilhados"(4). Portanto, para se configurar um grupo é necessário que seus integrantes tenham uma ação interativa, ou seja, que esteja presente o aspecto relacional. Como resultado, a pessoa pode tornar-se mais espontânea, objetiva e realista, mostrando-se menos dependente dos outros(5).

A prática da psicoterapia grupal propriamente dita desenvolveu-se na primeira metade do século XX e tem apresentado crescimento na realidade brasileira como um recurso de tratamento nos diferentes contextos de atendimento(4,6-7). O grupo terapêutico favorece a exploração da subjetividade ao atuar como um "laboratório social" no qual os participantes reproduzem os papéis que ocupam no seu cotidiano(6). Quando o grupo é constituído por uma população específica, com características semelhantes, há uma facilitação para "a identificação, a revelação de particularidades e intimidades, o oferecimento de apoio ao semelhante, o desenvolvimento de objetivo comum e a resolução das dificuldades e dos desafios que se assemelham"(7).

Os objetivos ocupam uma importância considerável para a classificação dos grupos(8-9). Uma atividade grupal que traz como princípio o seu fim é considerada dentro da classificação das psicoterapias como "grupos breves" ou "psicoterapia de grupo de curto prazo" ou somente "psicoterapia breve"(10). Pesquisadores sobre o assunto consideram as psicoterapias breves aquelas caracterizadas por uma limitação no tempo, em função de um determinado foco(8,10). O que define um grupo como breve, então, não é um número mínimo de horas, nem a tarefa em si, ou o referencial teórico utilizado, mas a proposta de que seja respeitado o limite preestabelecido em função do foco(4).

O terapeuta que utiliza abordagens de curto prazo deve, portanto, fazer um planejamento que inclua objetivos claros, estabeleça um enfoque de trabalho e clareza quanto aos limites temporais do grupo(8,10). Além disso, precisa considerar os aspectos estruturais e do desenvolvimento do grupo no estabelecimento de uma abordagem para não ficar sujeito a erros ou ao insucesso na realização da tarefa.

Assim como os indivíduos, os grupos têm a capacidade de crescimento e desenvolvimento. Dentro dessa lógica foram descritos três estágios: orientação, conflito e coesão(11). Tais estágios correspondem à denominada fase inicial do desenvolvimento grupal(12). Essa fase é caracterizada pelos sentimentos de ansiedade dos participantes em serem aceitos pelo grupo, sobre o estabelecimento de normas e sobre a adoção de vários papéis. Além da fase inicial, duas outras fases do desenvolvimento do grupo são consideradas: a operacional e a de término(12).

Na fase operacional, o grupo assume-se como uma equipe, na qual os participantes trabalham bastante e a responsabilidade pelo grupo é dividida de forma mais igualitária. A ansiedade torna-se mais intensa, porém mais controlada e tolerada pelos integrantes. Aparecem problemas como a formação de subgrupos, conflito, grau de auto-revelação e resistência. A fase de término é trabalhada desde o início do grupo, porém raramente é discutida na literatura como uma fase definida(12).

Estas fases podem ser imaginadas como uma trilha que o grupo percorre para formar e conquistar seus objetivos. Vale ressaltar que o desenvolvimento do grupo, por sua vez, não ocorre em fases isoladas, ou seja, elas se sobrepõem.

Neste estudo foi utilizada a intervenção de grupo de curto prazo (duração breve) para proporcionar às estudantes de enfermagem meios de lidarem com o estresse, próprio da passagem do aprendizado teórico para o prático.

OBJETIVO

Verificar se a intervenção de grupo de curto prazo pode proporcionar às estudantes de enfermagem meios de lidarem com o estresse, próprio da transição do aprendizado teórico para o prático.

MÉTODO

Este estudo baseou-se nos pressupostos dos métodos qualitativos de investigação, utilizando a observação participante(13).

Sujeitos e local do estudo

A pesquisa foi realizada com um grupo de 12 estudantes do curso de Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP), matriculadas na disciplina Fundamentos de Enfermagem II, na qual os alunos vivenciam o primeiro contato com a prática profissional.

Procedimentos

Após obter o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, os objetivos da pesquisa foram apresentados ao universo de 76 alunos na primeira semana curricular, no espaço de uma aula da disciplina Fundamentos II. Destes, 16 decidiram, de forma voluntária, participar dessa proposta grupal, tendo sido marcada a primeira reunião do grupo. Doze alunas compareceram à reunião, onde foi apresentado o Contrato Terapêutico, esclarecido o funcionamento dos encontros grupais e assinado o Termo de Consentimento Pós-Informação.

Ficou combinado, também, que não entrariam mais alunos novos a partir do terceiro encontro, caracterizando o grupo como fechado. Isso oferece a vantagem da consistência da liderança, normas e expectativas, sem perder de vista a afiliação ao grupo(12). Foi explicitado verbalmente e por escrito que, com três faltas consecutivas, o integrante seria desligado.

Os encontros grupais aconteceram durante o primeiro semestre letivo de 2002 (março a junho), com freqüência semanal, tendo duração de 60 minutos cada e totalizando 16 encontros.

Foi solicitada a permissão para o uso da filmadora, registrando no áudio as falas das participantes, por ser o instrumento que melhor capta as vozes dos integrantes(14). Os diálogos das fitas de vídeo foram transcritos e explorados nas sessões de supervisões, realizadas semanalmente após cada encontro grupal e coordenadas por um psiquiatra graduado em psicoterapia de grupo. Esse material transcrito foi submetido à análise de conteúdo(13) para identificação e exploração grupal, com base nas fases de desenvolvimento de grupo(11-12).

Ao término dos 16 grupos, foi realizada uma entrevista individual com as participantes, na qual responderam a duas questões abertas acerca das experiências consideradas positivas e negativas no contexto do grupo. Com seu consentimento, as entrevistas foram gravadas em fita K7 e posteriormente transcritas.

O material transcrito das entrevistas individuais foi submetido à análise de conteúdo para captar frases temáticas(13) que caracterizaram a percepção das estudantes sobre a vivência grupal.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As integrantes do grupo deste estudo eram do sexo feminino, solteiras, com idades variando dos 18 aos 27 anos, com média de 21 anos. Os nomes aqui apresentados são fictícios.

A participação das estudantes quanto à freqüência e abandonos ou desligamentos durante os 16 encontros é apresentada na Tabela 1.

O grupo foi iniciado com 12 participantes. No início do semestre, uma das estudantes trancou matrícula, vindo a desistir do grupo no quarto encontro. Em dois grupos (4 e 6), houve um percentual maior do que 30% de ausências. No sexto encontro, a justificativa foi a mudança de data a pedido de três alunas. Duas das integrantes foram desligadas da atividade grupal por terem atingido cada uma sua terceira falta (grupos 9 e 12, respectivamente), conforme limite de ausências previsto para desligamento no contrato terapêutico. O estudo terminou, assim, com a participação de 9 estudantes (75%).

De uma forma geral, o grupo manteve boa freqüência, demonstrando desde o início interesse e coesão grupal. No que se refere ao abandono, os achados estão de acordo com a literatura, segundo a qual é esperada uma taxa de cerca de 10% a 30% nos processos de grupoterapia(15). Mesmo com a perda por desistência ou desligamento de três (25%) dos participantes, o trabalho grupal pôde ser realizado.

Neste estudo, os resultados relativos à caracterização de cada fase estão apresentados na Figura 1.


Fase inicial

A fase inicial caracteriza-se pelos sentimentos de ansiedade dos participantes em serem aceitos no grupo, pelo estabelecimento de normas e adoção de papéis(12). No presente estudo, os encontros 1, 2, 3, 4, 5 e 6 corresponderam a essa fase.

Diana: Eu não tenho tempo pra nada. Quando vejo, já assumi várias coisas de outras (...) Eu me acho uma "tchonga".

Talita: Eu não acho isso não. Acho você muito importante na turma (...)

Diana: Quando estou ansiosa falo, falo, falo.

Coordenadora: Existem, também, pessoas que funcionam de forma contrária, diante de situações novas, de problemas, ficam mais caladas, retraídas.

Elza: Eu faço muito isso, me fecho, sou assim, passiva, tenho dificuldades para falar. (Encontro 1 - Estágio de Orientação)

As estudantes, ao vivenciarem sua iniciação tanto nos encontros grupais como nas atividades de estágio (ambientes e pessoas desconhecidos), estabeleceram suas primeiras observações sobre o "ser estudante de enfermagem".

Bianca: O curso é muito puxado, muito corrido (...) dá vontade de desistir.(...) Todos os professores exigem um pouco de você. Professor exige no estágio. Perguntam: não já aprendeu isso ainda?

Diana: O curso de enfermagem é assim... você vai levando, uma matéria você estuda "pra caramba", outras você coloca de lado. (...) o curso é empurrado com a barriga um pouco.

Talita: Sabe do que tenho medo gente? Tem momentos que penso que vamos sair da faculdade sem saber nada.

Diana: Mas vamos. Como todo mundo sai.

Bianca: Sabia que o enfermeiro tem que dar conta de tudo? Tem que dar conta de tudo. Tem que saber o que o auxiliar faz, o que médico faz, o que o farmacêutico faz...

Vitória: É, se o auxiliar erra ela "toma" se não erra ela "toma" do mesmo jeito. (Risos).

Bianca: Gente, é sempre ela (enfermeira) que está correndo atrás do médico (...)

Diana: Por isso que temos que saber o que é mesmo a função do enfermeiro. (Risos). (Encontro 5 - Estágio de Conflito)

Essa situação facilitou seus relatos acerca de como sentiram o impacto das próprias idealizações (almejado) em relação a professores, à disciplina, a locais de estágio e de como se frustraram ao se defrontarem com o real (algo diferente do desejado).

Marina: Elas têm o poder, são as professoras. Avisaram para a gente que a professora X reprova no estágio. Tem que puxar o saco dos professores se quiser passar.

Coordenadora: (...) temos que pensar, trabalhar como enfrentar este momento, com o professor, com o paciente, naquele determinado momento. Pensar no que está provocando medos, pavor. O que estamos fazendo aqui é falando, chorando, para não chorar junto do paciente, do professor. Temos formas e formas de falar. Chamar o professor e dizer que não entendeu. Já pensaram que este professor pode também ter medos, anseios, medo de errar quando vão ensinar vocês?

Juliana: Mas eles são os professores, acham que não erram, se protegem (...). (Encontro 2 - Estágio de Orientação)

Diana: Fiz uma pergunta e a professora não me deu atenção, disse que não sabia.

Carol: É assim mesmo, não adianta, o ano passado pedi revisão de uma questão, tentei dialogar, mas nada, é perder tempo... Hoje vi uma pessoa no hospital fazendo uma técnica errada, fiquei chocada.

Juliana: Fiquei decepcionada, tanto que eu ouvi que o hospital X era isso, era aquilo, referência. O hospital Y é muito mais organizado.

Marina: Eu me sinto feliz. Nossa, você está vendo coisas erradas. Isso quer dizer que sabe, pode identificar o certo e o errado.

Coordenadora: O que estou percebendo é que vocês estão desencantadas.

Elza: (...) não sei, tudo muito estranho... fiquei observando... acho que mais atrapalhei... (Encontro 3 - Estágio de Conflito)

Concomitantemente, nos encontros grupais, experimentaram as primeiras aproximações com suas regras de funcionamento. Mostraram, dessa forma, sentimentos de ansiedade diante das instituições (universidade, serviços de saúde e atividade grupal), suas normas, princípios e estrutura de funcionamento.

A coordenadora terminou o grupo no horário, cortando algumas falas.

Coordenadora: No grupo é assim mesmo, quando o assunto começa a esquentar temos que acabar em função do horário que temos que cumprir. Poderemos retornar a esse assunto no próximo encontro. (Encontro 2 - Estágio de Orientação)

Carol: Depois da prova de Patologia teremos prova de Imunologia. Só que não sei o que vai ser. Não fui mais na aula, não tenho matéria. Agora tenho que correr atrás do prejuízo.

Coordenadora: Pelo que entendo vocês estudam para Patologia e fazem a prova, depois se concentram em Imunologia para fazer a prova, e assim por diante. Quer dizer, estão sempre correndo atrás do prejuízo.

Juliana: É assim mesmo, não tem como estudar tudo.

Vitória: Quando estamos no hospital, em Fundamentos II, vemos o quanto é importante a matéria de Farmacologia, Imunologia. O difícil é entendermos que na prática vamos estar usando tudo o que foi aprendido na teoria. (Encontro 6 - Estágio de Coesão)

As regras são inerentes a qualquer instituição, mas nem sempre são bem-vindas. Seu questionamento é possível, desde que seja feito de forma respeitosa e com base em argumentos procedentes. Na experiência grupal apresentada neste trabalho, houve uma situação que gerou conflito e clara quebra da estrutura do grupo. A mudança de um dos dias da atividade (encontro 6), decidida por algumas das integrantes, culminou com um percentual de ausências maior do que 30 %. Essa situação foi discutida no encontro 7, sendo retomado o combinado inicial. As participantes consideraram esse momento como um marco no qual obtiveram um aprendizado positivo de como conviver melhor com princípios estabelecidos. Tal aprendizado não ficou restrito aos encontros em questão, mas, no entendimento das estudantes, foi estendido a qualquer outra situação em que viessem a ser confrontadas com normas em quaisquer outras instituições.

Coordenadora:.(...) Fazemos parte de uma instituição, este grupo está inserido em uma instituição, temos regras para seu funcionamento. Alguém quer lembrar quais?

Vitória: Chegar no horário, não atrasar.

Marina: Se tiver três faltas não entra mais.

Coordenadora: Como alunos vocês também têm que obedecer algumas regras.

Juliana: Queria ir embora depois do grupo. Mas não posso por que tenho que colocar presença na aula de Imunologia.

Coordenadora: Quando forem enfermeiros terão que obedecer a horários, se responsabilizarem pelos auxiliares, pessoas que vão trabalhar com vocês. (Encontro 4 - Estágio de Orientação)

Marina: Então naquela hora em que fomos pedir para adiar o grupo já foi em cima da hora, já tinha pedido para o professor de Imunologia e levamos o maior xingão. Aí lembrei que tinha que avisar a senhora, que as meninas e eu não podíamos vir para o grupo, pois íamos panfletar e vender convite da nossa festa no restaurante universitário.

Juliana: Estava no restaurante universitário, comi rapidinho, aí me avisaram que não teria grupo hoje. Na hora não senti falta, mas depois parece que faltou alguma coisa.

Coordenadora: Percebem o que acontece quando mudamos o horário, o dia, sem uma previsão? O grupo já tem seu dia próprio. (Neste momento falavam sobre a festa). (Encontro 6 - Estágio de Coesão)

A estruturação do setting é a busca da organização de si mesmas enquanto pessoas que vivem em grupo, que podem produzir algo ou permitir "ser" dentro de um determinado tempo. O fato de um grupo se estruturar, se organizar, estabelecer seus objetivos, faz surgir de forma inevitável, a autoridade(16). Portanto, desde que se inicia o processo de estruturação espontânea de um grupo, aparece uma função coletiva que é um poder de regular e controlar as condutas.

Carol: Se não tem o grupo, a gente sente falta.

Marina: Acho que é complicado aqui no grupo (...). Nem sempre o assunto do grupo é o que você está querendo desabafar...

Bianca: Acho que você tem o direito de trazer o assunto também.

Marina: Nós temos um projeto: começo, meio e fim. Hoje calhou da Simone, uma pessoa que precisava muito e que a gente não deixava falar. Mas se o assunto não fosse esse ela não ía desabafar. Se fossemos falar de tempo, como no encontro passado, não ia servir. Eu não sei qual é a sua visão (...) acho que não vai servir. Não é uma terapia comum, é uma terapia direcionada.

Simone: Não é que eu quisesse falar. De maneira nenhuma. O que me instigou foi a coordenadora. Aí eu me senti mobilizada (...). Eu me espelhei, por isso é que falei.

Coordenadora: Vocês percebem como funciona o grupo?

Talita: É uma troca. Neste grupo você tem oportunidade para conversar com quem não é do seu grupinho de estágio. (Encontro 5 - Estágio de Conflito)

Fase operacional

Na segunda fase, segundo a literatura(12), o grupo é comparado a uma equipe na qual os participantes trabalham bastante e a responsabilidade é dividida de forma mais igualitária. A ansiedade torna-se mais intensa, porém mais controlada e tolerada pelos integrantes. Aparecem problemas como a formação de subgrupos, conflitos, grau de auto-revelação e resistência.

As estudantes, neste estudo, perceberam que, tanto nos encontros grupais como no curso, havia singularidades, diferenças entre professores, alunos e coordenadora. Portanto, havia necessidade de fazerem adaptações ao novo momento vivenciado, incluindo-se as mudanças e transformações nas suas atitudes frente ao curso e ao grupo, um movimento que inclui o conhecido e o desconhecido, a progressão e a regressão, os acertos e os erros. A necessidade de adaptação às "coisas novas" que as alunas comentaram, parece ser a manifestação de que estavam percebendo as mudanças pelas quais estão passando nas interações que estabelecem com a universidade e com o aprendizado prático. A mudança ou transformação supõe que as pessoas queiram enfrentar o novo, propondo-se a desenvolver capacidades inovadoras de envolver-se com a realidade(17).

Simone: Lá fora não tem diálogo. Você não é ouvida, aqui você está ouvindo. (Encontro 7)

Vitória: Sabe qual o problema? A gente está em uma fase de nossa vida, fase da universidade e da profissão, estamos nos adaptando a novas coisas. (Encontro 8)

Nina: Ficam falando das dificuldades e fico observando as minhas dificuldades (...) E isso de falar um pouquinho de cada uma é importante para quem está aqui ouvindo, isso é terapêutico. É difícil você lidar com 80 mulheres, é difícil você se expor neste espaço, com tanta gente diferente (...) (Encontro 8)

Carol: Vir para a faculdade é mais ou menos como mudar de cidade. Começar tudo de novo (...) Você vai mantendo uma postura diferente, aprende a ser diferente a partir daqui. (Encontro 8)

O aluno ou qualquer outra pessoa "só pode se entregar a uma atividade se estiver positivamente voltado para ela"(18). Portanto, a aquisição do conhecimento, a participação nas atividades grupais, entre outras, necessitam de um suporte afetivo positivo. A atividade curricular formal não precisa necessariamente ser coerciva para alcançar seu objetivo maior, o aprendizado. Este, por sua vez, pode dar-se pelo prazer e pela alegria que produz.

Simone: (...) entrei no grupo e pensei: que gostoso, vou vir (...). Mas para que falar?

Juliana: Para que falar? Porque você faz parte do grupo.

Simone: Sei fazer parte do grupo ouvindo (...) Aprendi a me adaptar. (...) Pode ser que aqui nesta universidade, que em determinados grupos as pessoas não queiram me ouvir, mas existem outros lugares em que sou escutada, então sou útil (...) Aqui eu não tenho como ser útil.

Carol: Você disse que a sua utilidade era ouvir aqui dentro do grupo. (...) Certo dia você ficou meia hora com a mão levantada, deu para perceber que teve um certo incômodo de querer falar, até que conseguiu falar. Então a utilidade do grupo não é só ouvir! (Encontro 8)

A partir dessas falas, as alunas estavam se revelando, no intuito de mostrar que vivenciavam um momento particula; olhar, cada uma, para si mesma enquanto pessoa, perceber o outro, questionar sua própria realidade e as relações que estabelece com o meio (natural, social, cultural). Isso foi possível a partir da troca de experiências estabelecidas no contexto da prática social onde se encontram inseridas, incluindo a experiência de grupoterapia pela qual passaram.

Ficou evidente a percepção de que seus medos, angústias e solidão, decorrentes da transição da teoria para a prática, eram sentimentos vivenciados pelas demais e que, portanto, não eram únicos. Tiveram a oportunidade de compartilhá-los no contexto grupal, sentindo alívio.

Marina: Acho que temos que nos unir. Alguns alunos foram avaliados durante uma outra aula e não era para estar fora desta aula. (...) então, pensando na nossa profissão, a gente como enfermeira...Vamos "tampar um santo para descobrir o outro?" Você está trabalhando, vai deixar aquele para fazer este aqui? Não é assim!

Bianca: Errei tudo. Estava fazendo tudo certinho. Daí ela (professora) falou: você tem uma hora. Eu não sei fazer nada com pressa.

Vitória: Mas ela falou que você estava errando (...) te colocou em uma pressão. Mas você não é assim!

Bianca: Não vou conseguir fazer de novo.

Vitória: Vai conseguir sim.

Bianca: Ela falou: "Você não está apta, mas vai para o hospital". Como vou para o hospital se não sei? E se eu esquecer? (Encontro 9)

A coordenadora identificou o conflito que surgiu e deixou o grupo discutir as possíveis razões envolvidas, numa tentativa de manejá-lo, acreditando que isso poderia levar ao crescimento de cada integrante e do grupo como um corpo único. Uma vez que as alunas estavam participando ativamente do trabalho grupal, a coordenadora agora atua como consultora, ajudando o grupo a manter-se voltado para seu objetivo e tentando diminuir o impacto de qualquer coisa que pudesse regredir ou retardar a execução da tarefa pelo grupo.

Coordenadora: Vocês estão passando por um momento de acertos e erros. Por uma experiência na escola, que vai dar segurança para vocês lá na profissão, no hospital, acertar ou errar (...) a escola é um lugar para o aprendizado, onde há acertos e erros. Mesmo as pessoas com segurança total em determinado assunto podem errar, por coisas práticas ou por ter passado um dia tumultuado. Acho que, o que devem estar pensando agora é que esse momento é um aprendizado. Vocês estão experimentando uma técnica. Se vocês vão fazer bem ou mal, tem o supervisor para assessorar, dar segurança. O laboratório causa estresse? Pode ser que sim. A gente se sente pressionada não só aqui dentro da escola ou na profissão. Várias coisas na vida de vocês já causaram pressão... (Encontro 9)

Quando o grupo adquire fluidez, a elaboração fica evidente, aparecendo entusiasmo entre as participantes. Estabelecem trocas, nas quais as que apresentam experiências similares com o tema em foco alimentam as demais, ou seja, as discussões possibilitam, a partir desse compartilhar de vivências, a percepção de que as coisas podem mudar ou ser diferentes. Há uma maior integração entre os membros do grupo.

Vitória: Nós estamos olhando para as coisas de maneira diferente. (Encontro 10)

Carol: Estamos mais conscientes (...) A situação de estresse para a gente agora não tem tanto impacto por que estamos vindo aqui. A gente não saberia como agir. Aqui estamos trabalhando como agir. A. gente está sabendo como lidar em diversas situações. Eu já passei por situações que tinha medo, por ser uma pessoa frágil, chorar muito e hoje para mim não tem tanto peso quanto imaginava que teria. (Encontro 10)

Vitória: A gente está aprendendo a trabalhar em grupo, a respeitar o grupo, mas colocando em prática os nossos conhecimentos, o que a gente já aprendeu. (Encontro 13)

Fase de término

A terceira fase, término, é trabalhada desde o início do grupo, porém raramente é discutida na literatura como um período definido(12). Nos três últimos encontros, as estudantes teceram avaliações sobre as mudanças que houve em seus comportamentos enquanto pessoas "dentro" e "fora" do grupo. Traçaram um paralelo entre o grupo terapêutico e o grupo de estágio, concluindo que eles se complementaram. Revelaram que iniciaram o curso e o grupo com preconceito e que finalizaram com uma sensação de estarem começando a andar sozinhas.

Nina: Eu vejo assim, partindo deste grupo, com o grupo do estágio, um complementou muito o outro. No estágio, não é só pela professora ter sido mais rígida ou mais calma. (...) O primeiro impacto foi o hospital, o contato com o paciente internado (...) medo, insegurança, incerteza "o que será que vou fazer?" E esse grupo é uma complementação, porque você chega aqui e se expõe, tem seus colegas passando pelas mesmas coisas, você chora e vê a outra chorando e vê que está sofrendo os mesmos problemas vê que não é diferente de ninguém, acaba encontrando conforto (...) por ser um grupo, uma está ajudando a outra, talvez por sermos muito diferentes uma da outra, a gente se encontra, discute, escuta uma à outra. E nesta fase do primeiro contato com o paciente, da teoria para a prática, que é muito difícil, a gente se ajuda aqui no grupo. (Encontro 15)

O aluno se torna mais capacitado para a reflexão do vivido em um contexto de experiências significativas. Ao perceber sua transformação interior, torna-se mais seguro e consciente de suas ações enquanto aprendiz e futuro profissional(19).

Nina: (...) O grupo foi fundamental para a gente, assim, para amenizar nosso sofrimento no estágio, no primeiro contato. Aquela história, qual bagagem a gente leva para o estágio para sofrermos menos, o que a gente deixa no armário. Acho que isso foi muito importante. O sentimento de grupo que a gente aprendeu para levar na equipe, que a gente começou a lidar neste semestre. Então, teve muitas coisas importantes neste grupo e não temos que ver este grupo como dependência e sim como algo que nos ajudou a deslanchar. (Encontro 16)

Nota-se, nessa fala, a liberdade que adquiriram de se explorarem no "aqui e agora". Quando o aluno passa pela experiência de ensino, compartilhando suas vivências com seus colegas, professores e equipe de saúde, tendo o respeito e a compreensão destes, terá certamente possibilidade de repetir esse comportamento no cuidado de outros e de si mesmo.

PERCEPÇÃO DAS PARTICIPANTES SOBRE OS ENCONTROS GRUPAIS

Impressões das integrantes sobre o grupo

Na avaliação dos encontros, as participantes revelaram sentirem-se motivadas, visto que as necessidades tornaram-se comuns e houve a articulação entre elas para a concretização dos objetivos. Dentre as 9 participantes, 7 destacaram o fato de terem percebido nos encontros que seus medos, angústias e solidão decorrentes da transição da teoria para a prática eram sentimentos vivenciados pelas demais (identificação), portanto não eram únicos.

Flávia: Uma outra coisa boa que ajudou a aliviar a ansiedade, neste processo que passamos, neste semestre de cuidados, foi porque todas estávamos no mesmo barco, passamos pelas mesmas coisas e isso ajudou a me aliviar muito. (...) devo seguir em frente. Na faculdade, senti muito medo e insegurança, acho que todo mundo sentiu e saber disso me aliviou bastante. Adorei a terapia em grupo, adorei porque não me senti sozinha.

No decorrer da formação, o estudante precisará de um supervisor ou profissional capacitado para lhe dar apoio e orientação, podendo, ainda, avaliar quais recursos e limitações esse aluno possui. É recomendado que essa experiência seja compartilhada com um grupo composto por colegas, onde surgirão sentimentos de empatia em que poderão criticar e apoiar uns aos outros, enquanto aprendem mais sobre si mesmos(20).

Nina: Achei positivo, quando a colega desabafou e "tocou" todo o grupo porque todas estavam passando pela mesma situação. (...). A gente, vivenciando algo parecido, então você se identifica com a pessoa. Daí ela desabafando é como se você tivesse, também, entendido seu próprio problema.

Perceberam o grupo como um espaço em que puderam identificar-se umas com as outras e no qual encontraram apoio para lidarem com as exigências do curso.

Vitória: A gente chegava, praticamente a maioria, cansadas, estressadas com alguma coisa que aconteceu no estágio, e à medida que fomos nos conhecendo podíamos falar tudo, desabafar. Ninguém estava lá para te criticar, todo mundo ajudava todo mundo. Era um lugar onde você podia falar do que aconteceu, de botar para fora seus "nervosismos", as suas experiências, tanto as boas quanto as ruins e sempre tinha alguém para conversar. Foi uma coisa muito boa, a troca de experiências, fora o aspecto da amizade que fizemos no grupo e que continua fora também. No grupo todo mundo aceitava todo mundo como elas são e não como poderiam se apresentar. O jeito de ser, uma tentar ajudar a outra nas dificuldades (...) Senti, também, mais segurança nos procedimentos práticos que agora vou fazer. No grupo a gente amadureceu muito. Percebemos que tudo que a gente passa, é uma fase e que temos que encarar de frente, com maturidade.

A auto-revelação das participantes facilitou a atração entre elas e dessas ao grupo. Esse contato progressivo é conhecido como fator terapêutico de coesão(11). É sabido que o grupo aumenta sua coesão quando os membros o reconhecem como uma rica fonte de informações interpessoais e de apoio. Aprenderam a conviver com outros, ouvir, estabelecer trocas e a se valorizarem. Manifestaram, também, o desejo de que o grupo prosseguisse, apesar de saberem sobre seu término, constante do próprio Contrato Terapêutico. Manifestaram comentários de elogio à coordenação, sua postura e papel mediador. Algumas chegaram a sugerir que fosse oferecido trabalho semelhante, talvez, na forma de disciplina optativa.

Diana: Quando você está trabalhando em equipe tem que aprender a ouvir, falar, parar um pouco para pensar. Isso aprendi no grupo.

Flávia: O grupo teve a meta, atingiu e estava na hora de terminar, (...) me ajudou a crescer e a aceitar mais que, terminou.

Vitória: No grupo tínhamos regras, disciplina, porque sem isso nós não caminhávamos. Foi uma coisa que aprendemos: tudo tem regras, disciplina, senão, vira bagunça. Acho triste ter que acabar o grupo (...), mas, acabou a disciplina, acabou o LIGIE (laboratório onde foram realizados os encontros). A gente assumiu um compromisso, fizemos amizades, gostávamos de estar no LIGIE, era um momento só nosso.

Marina: Eu acho que este seu projeto, mesmo quando terminar seu doutorado, acho que como no primeiro ano tem integração, acho que tinha que ter este grupo como parte de optativa, porque é muito bom. E a gente já continua a faculdade diferente, parece que a gente amadurece em poucas sessões.

Bianca: Adorei e gostaria que tivesse mais, é uma coisa que me ajudou bastante. Gostaria que tivesse no segundo semestre. Preciso melhorar minha insegurança... O importante também é que o que acontecia aqui ficava no grupo. Acho que você soube trabalhar o grupo muito bem, soube dirigir o grupo muito bem. Acho que a gente ia bater na mesma tecla se você não dirigisse o grupo. Eu quero muito continuar em outros grupos.

Aspectos percebidos como negativos

Nesse grupo, houve abandono e desligamentos. O desligamento de uma participante, em especial, marcou o grupo como um fato negativo. As participantes se sentiram desmoralizadas diante de uma colega que desistiu do grupo mesmo com os esforços repetitivos que as demais fizeram para que ela continuasse. Tanto o abandono como o desligamento são ameaçadores para a estabilidade do grupo, porque consomem tempo e energia do terapeuta e participantes à medida que tentam impedir que a pessoa saia do grupo; podem impedir o desenvolvimento da coesão, ameaçando a estabilidade da afiliação e eles podem desvalorizar implicitamente e, às vezes, explicitamente o grupo(11,15).

Vitória: A desistência da colega foi negativa. (...) Sabíamos que ela tinha problemas, mas ela não cumpria os horários do grupo, faltava, a gente se preocupava, mas ela não se preocupava conosco. Vi a saída dela como descaso, irresponsabilidade.

Juliana: O que não gostei no grupo (...) uma pessoa que não era flexível, só sabia brigar (...), mas ela não aceitava a opinião de ninguém (...) ela saiu (...) queria até que ela continuasse para ver se abria a cabeça dela, mas não teve jeito.

O terapeuta deve ajudar os integrantes a interpretarem o ocorrido de um modo mais realista e construtivo. Nos casos de abandono e desligamentos ocorridos nesse grupo, o coordenador, como facilitador, estimulou as alunas a refletirem sobre o fato. Com isso, acabaram concluindo que os seus interesses e os do grupo poderiam não estar sendo atendidos e que, provavelmente, as pessoas que partiram poderiam obter benefícios em um outro momento.

Diana: Encontrei-me com ela depois e ela me disse que abandonou o semestre, mas não o curso. Volta no semestre que vem, com menos tensão, disse que precisa cuidar dela. Hoje vi que houve resultado, ela está se cuidando, vai se casar e disse que não esqueceu de nós. Surpreendeu-me muito. Durante o grupo, a gente não viu resultado.

Somente por ocasião da avaliação, uma participante pôde perceber o quanto foi saudável o desligamento da colega do grupo, pois lhe possibilitou alçar novos vôos em busca de bem-estar, de novos horizontes, possibilitando-lhe um retorno saudável para a vida acadêmica. O grupo, provavelmente, contribuiu de alguma forma para a decisão de aquela integrante se desligar, o qual foi interessante tanto para quem ficou como para quem saiu.

Um nível razoável de confrontação, raiva e resolução do conflito pode oferecer aprendizagem interpessoal entre os integrantes do grupo(9).

Carol: Quando você falou com uma colega para esperar um pouco porque outra iria falar, você deu uma "podada" nela (...) criou um clima na hora, mas na sessão seguinte uma outra colega trouxe o assunto e ficou entendido. (...) todo mundo se educou e não houve mais interrupções...ficou esclarecido.

Vitória: Não gostei de um dia em que estava chorando muito (...) e encontrei a porta fechada (...) não pude entrar, daí entendi que havia um horário.Tínhamos que respeitar.

Marina: Considero que, não ter combinado previamente a mudança de horário e dia daquele encontro acabou sendo um ponto positivo para o grupo, porque a partir desse dia a gente começou a pensar enquanto grupo.

A coesão é pré-requisito essencial para o manejo bem-sucedido do conflito. Isso foi possível, neste estudo, porque as integrantes desenvolveram um sentimento de respeito e confiança mútua, além de valorizar o grupo, tornando-se capazes de tolerar algumas situações desconfortáveis. Foi de grande importância manter uma comunicação franca, não importando o quanto as integrantes se irritassem com isso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os achados desta pesquisa, a técnica grupal pode ser utilizada como fator de suporte e adaptabilidade de alunos de graduação em enfermagem quando de sua transição do aprendizado teórico para o prático. As participantes atribuíram ao grupo uma mudança gradativa em seu comportamento e desempenho nas atividades práticas, no relacionamento com professores, colegas e, em especial, no contato com os pacientes. Perceberam que, diferente de suas colegas, passaram a refletir antes de agir ou reagir diante de situações novas com as quais vieram a se deparar.

A psicoterapia de grupo parece, portanto, um instrumento a ser considerado pelas instituições de ensino superior de enfermagem como recurso não apenas de apoio psicológico, mas também didático, em seus currículos, não só em situação como a do estudo, da transição teórico-prática. Não só como estratégia, mas como objetivo. No momento em que são discutidas reformas do ensino é importante lembrar que qualquer mudança planejada não será somente técnica, mas terá efeitos no ser humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 7.12.2005

Aprovado em: 14.2.2006

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  • 1
    Trabalho extraído de Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Fev 2006
    • Recebido
      07 Dez 2005
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