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A vulnerabilidade à tuberculose em trabalhadores de enfermagem em um hospital universitário

Resumos

Este estudo buscou identificar aspectos que podem potencializar a vulnerabilidade dos trabalhadores de enfermagem relacionada à tuberculose, por meio da verificação de indicadores de vida pessoal, trabalho e relativas ao conhecimento da enfermidade. A amostra compôs 81 trabalhadores de enfermagem envolvidos com a assistência nos turnos diurno e noturno do Hospital Universitário da USP, que responderam a um questionário sobre hábitos de vida e trabalho. A amostra integrou indicadores que induzem à vulnerabilidade à tuberculose: período longo de experiência profissional em hospital e jornada maior que 12 horas diárias. Os dados evidenciaram que auxiliares de enfermagem apresentam maior número de indicadores de vulnerabilidade, assim como os trabalhadores do noturno em geral. Parcela expressiva dos trabalhadores apresentou conhecimento equivocado sobre a enfermidade, apesar de prestarem assistência a pacientes com tuberculose. Os resultados evidenciam a necessidade de se difundir conhecimento apropriado sobre a enfermidade, já que esses trabalhadores constituem agentes no controle da tuberculose.

tuberculose; vulnerabilidade; enfermagem; educação em enfermagem


This study aimed to identify aspects that potentially increase the vulnerability of nursing workers to tuberculosis, through the verification of personal life, work and disease knowledge indexes. The sample is composed of 81 nursing workers involved with assistance in the night and day shifts at USP Teaching Hospital, who answered a questionnaire about life and work habits. The sample aggregated the indexes that increase vulnerability to tuberculosis: long professional experience in hospitals and work load longer than 12 hours. Data show that nursing auxiliaries and workers from the night shift in general have a higher number of vulnerability indexes.

tuberculosis; vulnerability; nursing; education, nursing


En este estudio se buscó identificar aspectos que pueden potenciar la vulnerabilidad de los trabajadores de enfermería frente a la tuberculosis, utilizando la verificación de indicadores de vida personal, trabajo y los relacionados al conocimiento de la enfermedad. La muestra estuvo conformada por 81 trabajadores de enfermería involucrados con la asistencia en los turnos diurno y nocturno del Hospital Universitario de la USP, los cuales respondieron a un cuestionario sobre los hábitos de vida y de trabajo. A través de la muestra fue posible mostrar indicadores sobre la vulnerabilidad a la tuberculosis: una larga experiencia profesional en hospital y jornada con más de 12 horas diarias. Los datos mostraron que, auxiliares de enfermería y trabajadores del turno nocturno presentan mayor número de indicadores de vulnerabilidad. Gran parte de los trabajadores mostraron conocimiento equivocado sobre la enfermedad, a pesar de brindar atención a pacientes con tuberculosis. Los resultados evidenciaron la necesidad de difundir el conocimiento apropiado sobre la tuberculosis, ya que estos trabajadores constituyen agentes para su control.

tuberculosis; vulnerabilidad; enfermería; educación en enfermería


ARTIGO ORIGINAL

A vulnerabilidade à tuberculose em trabalhadores de enfermagem em um hospital universitário1 1 Trabalho realizado com o apoio da FAPESP

Juliana Nery de SouzaI; Maria Rita BertolozziII

IEnfermeira do Hospital Universitário, e-mail: juli3@bol.com.br

IIEnfermeira, Professor Doutor da Escola de Enfermagem, e-mail: mrbertol@usp.br. Universidade de São Paulo

RESUMO

Este estudo buscou identificar aspectos que podem potencializar a vulnerabilidade dos trabalhadores de enfermagem relacionada à tuberculose, por meio da verificação de indicadores de vida pessoal, trabalho e relativas ao conhecimento da enfermidade. A amostra compôs 81 trabalhadores de enfermagem envolvidos com a assistência nos turnos diurno e noturno do Hospital Universitário da USP, que responderam a um questionário sobre hábitos de vida e trabalho. A amostra integrou indicadores que induzem à vulnerabilidade à tuberculose: período longo de experiência profissional em hospital e jornada maior que 12 horas diárias. Os dados evidenciaram que auxiliares de enfermagem apresentam maior número de indicadores de vulnerabilidade, assim como os trabalhadores do noturno em geral. Parcela expressiva dos trabalhadores apresentou conhecimento equivocado sobre a enfermidade, apesar de prestarem assistência a pacientes com tuberculose. Os resultados evidenciam a necessidade de se difundir conhecimento apropriado sobre a enfermidade, já que esses trabalhadores constituem agentes no controle da tuberculose.

Descritores: tuberculose, vulnerabilidade, enfermagem, educação em enfermagem

INTRODUÇÃO

Conhecida como "mal social" no final do século XIX, a tuberculose continua assombrando diversos países no mundo, fazendo vítimas e causando muitas mortes. Aproximadamente um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da tuberculose e, anualmente, 54 milhões de pessoas se infectam, 6,8 milhões desenvolvem a doença e 3 milhões morrem(1). No Brasil, estima-se que, do total da população, 35 a 45 milhões encontram-se infectadas pelo M. tuberculosis, com aproximadamente 100 mil casos novos e 4 a 5 mil mortes, anualmente(1). Quase um quinto dos casos ocorre no Estado de São Paulo, onde, em 1998, foram notificados 18.975 casos(1).

A importante incidência da tuberculose em nosso meio, mesmo passado mais de um século da descoberta do agente etiológico, mostra a limitação da proposta do modelo médico biologicista, na medida em que não coloca em tela estratégias que busquem a real determinação da enfermidade. Um estudo realizado na região do Butantã, município de São Paulo, em 1997, detectou que a inserção social pode se constituir importante elemento de restrição à acessibilidade dos enfermos aos serviços de saúde, já que, em geral, para os mais próximos da exclusão social, a assistência à saúde passa a ter caráter secundário quando se leva em conta a necessidade de sobrevivência(2).

Tendo em vista o caráter eminentemente social da enfermidade, é necessário que as iniciativas para o seu controle focalizem ações específicas, mas que também incorporem a mudança nas condições de vida das populações. Assim, é importante entender a doença como um processo que se desenvolve em indivíduos que integram uma determinada forma de organização social e, como tal, sujeitos a riscos e potencialidades distintas segundo o seu pertencimento a grupos específicos. Ou seja, a doença, em última instância, deve-se às condições peculiares de produção e reprodução social dos diferentes grupos socioeconômicos. Isso induz à produção de distintas potencialidades para o fortalecimento ou o desgaste do corpo humano. Essa relação entre forças benéficas e destrutivas se expressa em distintas manifestações de saúde-doença(3).

Assim, o trabalho cotidiano e o conhecimento podem ser fundamentais no que diz respeito à vulnerabilidade de indivíduos. O significado do termo vulnerabilidade(4) refere-se à chance de exposição das pessoas à enfermidade, como produto de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam maior ou menor suscetibilidade à infecção e ao adoecimento e, de modo inseparável, à maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para a proteção das pessoas contra as doenças. Ou seja, a vulnerabilidade não se restringe à determinação individual, mas se constitui na dupla face indivíduo-coletivo. Reitera-se, ainda, que conceito seja operacionalizado por meio da vulnerabilidade individual, vulnerabilidade social e de vulnerabilidade programática. A primeira se refere ao grau e à qualidade da informação que os indivíduos dispõem sobre os problemas de saúde, sua elaboração e aplicação na prática. A vulnerabilidade social avalia a obtenção das informações, o acesso aos meios de comunicação, a disponibilidade de recursos cognitivos e materiais, o poder de participar em decisões políticas e nas instituições, ou seja, relaciona-se à estruturação dos serviços no âmbito das políticas. Já a vulnerabilidade programática se constitui na avaliação dos programas para responder ao controle de enfermidades, além do grau e qualidade de compromisso das instituições, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção, ou seja, relaciona-se à forma como a organização dos serviços e a assistência à saúde respondem às necessidades da coletividade.

Assim, considerando esse modelo de vulnerabilidade(4), este estudo teve a finalidade de identificar potenciais indicadores de vulnerabilidade em relação à tuberculose em trabalhadores de enfermagem que possam contribuir para a sua prevenção e controle. O estudo tem como base a constatação de que os trabalhadores de saúde que atuam em unidades hospitalares apresentam particular risco de contrair tuberculose, principalmente as formas multi-resistentes, conforme bem documentado por meio da literatura(5).

OBJETIVOS

Caracterizar as condições gerais de vida e trabalho dos profissionais de enfermagem dos turnos diurno e noturno e identificar variáveis que podem evidenciar potencial vulnerabilidade à tuberculose.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O estudo foi desenvolvido no Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo, com trabalhadores de enfermagem. A equipe de enfermagem do hospital, em 2003, era composta por 164 enfermeiros, 111 técnicos e 358 auxiliares de enfermagem, além de 12 atendentes de enfermagem que, pela impossibilidade legal do exercício profissional, exerciam apenas funções administrativas. Integraram o estudo somente os trabalhadores das divisões envolvidas diretamente com a assistência de enfermagem ou que apresentassem número expressivo de trabalhadores de enfermagem, contemplando os turnos diurno e noturno de trabalho. Assim, participaram do estudo auxiliares de enfermagem (AE), técnicos de enfermagem (TE) e enfermeiros (EE), distribuídos no Alojamento Conjunto (maternidade), no Centro de Material, na Clínica Cirúrgica, na Clínica Médica, na Pediatria, no Pronto Atendimento Adulto e Infantil e na Unidade de Terapia Intensiva de Adultos, totalizando 81 trabalhadores.

Constituíram-se como variáveis empíricas do estudo as relacionadas às características pessoais; relativas às condições de vida e trabalho e relativas à vulnerabilidade à tuberculose, como conhecimento sobre a doença, sobre o modo de transmissão, sobre pessoas que tiveram ou têm a tuberculose, sobre os serviços de saúde que disponibilizam exames para o diagnóstico da doença e que prestam assistência, acesso à informação sobre a doença, crenças sobre ela, cuidado anterior a pessoas portadoras de tuberculose, assim como preparo técnico para a prestação da assistência a portadores da doença.

Os dados foram coletados mediante consentimento informado dos indivíduos, entre setembro e outubro de 2003, por meio de um questionário composto por perguntas fechadas, que foi submetido a pré-teste, posteriormente à aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da USP e da Escola de Enfermagem da USP.

Trata-se de estudo descritivo, no qual os dados coletados foram sistematizados por meio do Programa EpiInfo6.04, que possibilitou a extração das freqüências absolutas e relativas.

RESULTADOS

As características pessoais dos trabalhadores de enfermagem

A amostra estudada foi composta predominantemente por trabalhadores do sexo feminino concentrados na faixa etária de 31 e 42 anos (42%, n: 34). Quanto ao grau de escolaridade, 27,2% tinham somente o nível fundamental, e 34,6%, o nível médio.

Com relação à categoria profissional, 48,1% (39) eram auxiliares de enfermagem, 29,6% (24), enfermeiros, e 16% (13), técnicos de enfermagem (os demais não responderam). De acordo com o quadro de pessoal do Departamento de Enfermagem do hospital, os auxiliares de enfermagem correspondiam, naquela época, a 50,5% do número total de funcionários desse Departamento, enquanto os técnicos representavam 17,3%, e os enfermeiros, 24%. Dessa forma, pode-se observar que a amostra estudada mostrou correspondência com o que se encontra na força de trabalho em enfermagem no país.

No que diz respeito à distribuição dos profissionais que responderam ao questionário segundo turnos de trabalho, 53,1% (43) cumpria jornada de trabalho no período diurno, e os demais trabalhavam à noite. O turno diurno é subdividido em dois períodos (manhã e tarde), composto por seis horas de jornada cada um. Já o período noturno é composto por 12 horas consecutivas de trabalho e 36 horas sucessivas de descanso. É importante lembrar que o trabalho noturno pode ser considerado um fator destrutivo, de vulnerabilidade, na medida em que requer um maior esforço mental para manter o mesmo desempenho obtido em atividades realizadas em outro turno(6).

No que diz respeito ao período em que exerciam a profissão, a maioria (80,3%, n: 65) a exercia há mais de 2 anos. O montante de trabalhadores com mais de 10 anos de profissão foi expressivo 21% (17), sendo que, desses, 6 atuavam na assistência a pacientes de modo geral, inclusive aqueles portadores de tuberculose, o que revela mais um fator que pode levar à vulnerabilidade.

As suas condições de vida

Cerca de 44,4% (36), mantinham responsabilidade pela casa, compartilhada com outra pessoa, o que parece ser um aspecto positivo no que diz respeito à vulnerabilidade. No entanto, dos que não moravam sozinhos, 34,6% (28) eram os responsáveis exclusivos pelas despesas da casa, devido ao desemprego do companheiro ou por outro motivo não informado. Ora, ainda que não tenham composto a maior parcela, esses representam uma porcentagem importante da totalidade, e esse aspecto pode representar um importante ponto de vulnerabilidade.

A renda familiar mensal dos entrevistados mostrou-se bastante heterogênea, concentrando os salários mais altos entre os enfermeiros do noturno, e os mais baixos, entre os auxiliares de enfermagem do período diurno. A maior parcela (27,1%) do total dos trabalhadores recebia entre 6 a 8 salários mínimos, acima do rendimento médio mensal da população brasileira, que é de aproximadamente 1,3 salários mínimos(7). Outro dado importante é que a maior parcela dos trabalhadores pertencia a famílias reduzidas, com até 4 pessoas (72,9%).

Com relação ao acesso à saúde, 67,9% (55) mencionaram freqüentar serviço público de saúde. Os auxiliares de enfermagem foram os que mais referiram utilizar o serviço público de saúde.

Cerca de 42% (34) informaram não praticar esporte, dança ou música, ou participar de atividade de grupo ligada à escola, igreja ou ao trabalho, e todos os entrevistados referiram ter tempo e acesso ao lazer.

Com relação ao acesso à informação, a maior parcela (87,7%, n: 71) referiu assistir à televisão, sendo o noticiário o tipo de programa preferido pela maioria (45,7%). Quanto ao turno de trabalho, não se observou diferença expressiva; tanto os trabalhadores do diurno (48,6%, n: 18), quanto os do noturno (51,3%, n: 19) utilizavam a televisão para assistir ao noticiário.

A leitura de jornal também se constituiu fonte de informação para a amostra estudada, já que apenas 13,6% referiram não o ler, sendo 58,3% (7) auxiliares. Dos que tinham esse hábito, 32,5% o faziam em busca de notícias.

Cerca de 93,9% (76) informaram o costume de ler livros, sendo a literatura o tema predominante (34,6%). Além disso, todos os que referiram não ter esse hábito, trabalhavam no período noturno.

Com relação ao acesso à Internet, 75,3% (61) apontaram utilizá-la, tendo, como razão mais freqüente, a obtenção de notícias em geral ou informações diversas. Quase não houve diferença entre os turnos, sendo que 79% dos trabalhadores do diurno e 73,7% do noturno a acessavam freqüentemente.

Com relação à exposição à violência, 84% (68) negaram qualquer envolvimento nessas situações. Segundo eles, a maior exposição se encontra nas ruas e nas mediações da USP/HU. Os tipos de violência citados foram roubo/furto (6,2%), agressão verbal (4,9%) e acidente de trânsito (2,5%).

Quando questionados quanto ao uso de drogas, 34,6% (28) referiram nunca ter utilizado qualquer tipo (álcool, cigarro, maconha, crack, cocaína, injetáveis, cola de sapateiro, calmantes e estimulantes). Mesmo assim, o álcool e o cigarro foram os mais utilizados, sendo este último em primeiro lugar.

As suas condições de trabalho

A maioria (91,4%), incluindo turnos diurno e noturno, referiu trabalhar nesses horários por escolha própria, considerando-se satisfeitos. Cerca de 69,1% (56) referiram que tinham turno fixo, não necessitando alterar horários, o que se constituiria fator prejudicial e desgastante em relação ao processo saúde-doença, já que a inconstância das práticas laborais compromete a manutenção do equilíbrio homeostático estabelecido pelo ciclo sono-vigília(8). Apenas 17,3% (14) informaram trabalhar em outro hospital, o que coloca em evidência a possibilidade de maior exposição à desgaste biopsíquico em relação aos que trabalham em apenas um emprego. De todos os entrevistados, 34,6% (28) cumpriam mais de 12 horas de trabalho.

Questões que podem influir na vulnerabilidade à tuberculose

No que diz respeito à vulnerabilidade à tuberculose, foram considerados aspectos referentes ao conhecimento que os profissionais tinham sobre a doença, bem como o acesso a ele e a freqüência com que prestavam assistência a pacientes com tuberculose, de forma tal a ampliar o conceito de vulnerabilidade individual(4).

Com relação à forma de transmissão, 58% (47) consideraram pouco provável contaminar-se com o bacilo da tuberculose pelo simples ato de conversar. De fato, para que a doença se desenvolva, além da inalação do bacilo, é necessário que o sistema imunológico apresente-se comprometido. Cerca de 5% dos infectados podem adoecer, embora as razões para tal não estejam totalmente elucidadas(9). Entretanto, há alguns fatores já estabelecidos, sendo os mais importantes, como dito anteriormente, os que interferem diretamente na imunidade do hospedeiro, como desnutrição, etilismo, idade avançada, estresse, Aids, diabetes, gastrectomias, insuficiência renal crônica, silicose, paracoccidioidomicose, leucoses, tumores, uso de medicações imunodepressoras, dentre outras(9). Não se pode deixar de enfatizar que a maior parte dessas condições constituem desdobramento de determinadas condições de vida. Além disso, também interferem no desenvolvimento da enfermidade a carga bacilífera, sua virulência e o estado de hipersensibilidade do organismo(9).

Embora a maioria tenha respondido de forma correta à questão referente à transmissão por meio de conversa com pessoas em geral, muitos dos entrevistados consideram muito provável (30,9%, n=25) ou impossível (7,4%, n=6) o contágio, o que é digno de nota, já que se trata de profissionais da área da saúde. A respeito daqueles que mencionaram a impossibilidade de transmissão, 58% eram auxiliares de enfermagem, 12,9% técnicos de enfermagem e 25,8% enfermeiros, o que gera preocupação, considerando que são profissionais da saúde e que, em tese, deveriam conhecer a forma de transmissão da doença, independente do tipo de categoria profissional. Quando comparados os turnos de trabalho, observou-se que 42,1% dos trabalhadores noturnos responderam a essa questão de forma errônea.

Quando questionados a respeito da possibilidade de se contaminarem conversando com uma pessoa portadora de tuberculose, 71,6% (58) responderam ser muito provável. No entanto, 23,5% (19) consideraram pouco provável, sendo que, desses, surpreendentemente, 52,6 (10) eram enfermeiros e 2,5% acreditavam ser isso impossível.

Além disso, perguntou-se se consideravam possível a transmissão por meio de conversa com portador da doença sob tratamento e 65,4% (53) responderam ser pouco provável. Na vigência do tratamento, há redução das populações bacilíferas e do número de bacilos expelidos. Entretanto, ainda que em menor quantidade, o doente pode continuar, mesmo sob tratamento, a eliminar bacilos(9). Merece destaque que 13,6% (11) mencionaram ser impossível a contaminação, e 3,7% (3) não souberam responder à pergunta, o que mais uma vez evidencia a necessidade de dispor de informações para esse grupo de trabalhadores, pois deles também depende o controle da enfermidade. Ainda é necessário comentar que 14,8% (12) referiram ser muito provável a contaminação. Cabe ressaltar que inexiste risco para os contatos quando o caso-índice inicia o uso de quimioterapia adequadamente por pelo menos duas semanas(9). A probabilidade de aquisição da tuberculose-infecção está relacionada à densidade dos organismos no meio ambiente em um determinado momento, podendo estar relacionada ao doente, ao uso de drogas e à própria natureza do meio ambiente. Em relação à pessoa, há uma série de fatores, entre os quais a natureza do esforço expulsivo por ocasião do ato de tossir, do estado bacteriológico da secreção brônquica, da extensão da doença e da presença de cavidade(9). Desses trabalhadores mencionados anteriormente, surpreendentemente, a maior parcela era de enfermeiros (45,5% = 5). Outro aspecto digno de nota é o fato de que cerca de 23,2% dos trabalhadores do diurno e 34,2% do noturno responderam de forma incorreta a essa questão.

Por outro lado, cerca de 87,7% dos entrevistados consideraram ser muito provável a transmissão do bacilo por meio de doentes que não estão em tratamento, chamando mais uma vez a atenção que 11,1% (9) referiram ser pouco provável, sendo que, desses, 55,6% (5) eram enfermeiros, e 1,2% (1) manifestaram ser impossível, o que mais uma vez coloca em relevo o grau de desconhecimento em relação à questão. Dentre todos os enfermeiros, 20,8% (5) posicionaram-se mencionando que seria pouco provável a transmissão e, reiterando o achado relativo à questão anteriormente apontada, cerca de 13,9% e 10,5% dos trabalhadores dos turnos diurno e noturno, respectivamente, responderam de forma incorreta a essa questão.

Com relação à possibilidade de contágio a partir do uso de objetos pessoais (copos, pratos, talheres, etc) utilizados pelas pessoas doentes, 49,4% (40) mencionaram ser muito provável; 25,9% (21) pouco provável, e apenas 22,2% (18) referiram ser impossível. Quando analisadas segundo as categorias profissionais, evidencia-se que, embora a grande parcela de respostas inadequadas tenha sido fornecida por trabalhadores com menor nível de escolaridade, os demais, cuja escolaridade em tese deveria sustentar conhecimento apropriado, apresentaram, também, elevadas percentagens de inadequação das respostas. Os trabalhadores do Alojamento Conjunto (maternidade) foram os que mais responderam essa a questão inadequadamente, seguidos daqueles que atuavam junto ao Centro de Material e na UTI. Os resultados obtidos nessa questão evidenciam que os profissionais de enfermagem ainda compartilham a antiga crença de que o contágio da tuberculose pode ocorrer por meio do uso de objetos pessoais do doente. Ora, essa forma de transmissão é reduzida, considerando-se que é necessário que a pessoa inale os bacilos suspensos no ar para contaminar-se. Nos objetos, podem ser encontrados depósitos de bacilos sendo, portanto, mais provável apenas a sua ingestão e não sua inalação, o que inviabiliza sua chegada aos pulmões, onde os bacilos se instalam e reproduzem. Quando um doente fala, tosse ou espirra, elimina partículas de diferentes tamanhos que podem conter o bacilo. No entanto, apenas os bacilos em suspensão no ar alcançam os alvéolos e iniciavam a lesão primária(9); as partículas maiores tendem a se depositar no chão, misturando-se com a poeira, enquanto as menores levitam no ar(9). A atomização das secreções para formar partículas contagiantes correlaciona-se às características físico-químicas do escarro e o vigor da tosse. Assim, escarro espesso e aderente produz menor quantidade de partículas infectantes, ao contrário dos mais fluidos. Apenas 1% dos bacilos nas gotículas suspensas sobrevivem por algumas horas, desde que estejam em locais sem ventilação e não expostos à luz solar, fatal para o bacilo. Dessa forma, a principal porta de entrada ocorre por meio do alvéolo pulmonar.

Ainda com relação à transmissão, observou-se que os trabalhadores de enfermagem consideraram ser provável o contágio quando se dorme no mesmo quarto em que os doentes (95,1%) e morando na mesma casa (88,9%) que eles. É fato que os comunicantes intradomiciliares podem se infectar mais do que os extradomiciliares. A proximidade (mesma cama, mesmo quarto, mesma casa) e o parentesco (mãe, pai, irmãos e outros parentes) guardam relação direta e estatisticamente significante com a infecção e a doença entre os comunicantes(9). São também importantes, as condições de aeração do ambiente, no qual se estabelece a transmissão. Ambientes ventilados, com troca constante do ar, proporcionam maior segurança na prevenção do contágio(9).

Quase a metade da amostra (46,9%) conhecia alguém que esteve ou estava com tuberculose, sendo que 90,1% (73) já haviam cuidado de algum paciente com tuberculose. Cerca de 27,2% (47) mencionaram prestar assistência a doentes portadores de tuberculose pelo menos uma vez por semestre, e 22%, pelo menos uma vez por mês. Destaca-se, ainda, a porcentagem daqueles que mencionaram prestar assistência pelo menos uma vez por semana (6,2%). Cerca de 43,2% referiram que, no cotidiano, não tinham essa experiência. A literatura aponta maior probabilidade de adoecimento entre os profissionais da saúde diretamente envolvidos na assistência(10), razão pela qual este pode se constituir como um indicador de vulnerabilidade à doença na amostra estudada. Ao se observar a questão no interior das categorias profissionais, os enfermeiros mostraram-se os mais freqüentemente envolvidos na assistência ao doente, sendo a UTI e a Clínica Médica as unidades que integraram maior número de trabalhadores que haviam prestado cuidados a pacientes portadores de tuberculose.

Dentre os entrevistados que referiram ter prestado assistência a pacientes com tuberculose, 48,1% (39) consideraram-se suficientemente preparados para fazê-lo. Os que referiram sentir-se despreparados porque não tinham conhecimento suficiente, apontaram o modo de se prevenir como o aspecto mais precário. A maior parcela destes era de trabalhadores da unidade de Pediatria, na qual o número de profissionais que referiram assistir doentes com tuberculose foi importante: 61,5%.

Quando questionados sobre a atitude que tomariam se um colega/amigo/pessoa da família ou do trabalho tivesse tuberculose, 96,3% (78) referiram que não gostariam de mudar de trabalho e/ou dos lugares freqüentados pelo doente. Apenas 1,2% (1) desejariam que o doente mudasse de lugar, 55,6% (45) não permaneceriam nos lugares que esse doente freqüentasse e, 95,1% (77) apoiariam a pessoa.

Cerca de 76,5% (62) relataram ser possível, no trabalho, falar abertamente, ou seja, sem preconceito, sobre tuberculose e Aids, e 70,4% (57) referiram que somente de vez em quando tinham oportunidade de conversar sobre tuberculose. Dos que referiram ser impossível falar sobre o assunto, 75% (6) pertenciam ao turno noturno.

Com relação à oportunidade de adquirir e compartilhar conhecimento sobre a doença, 48,1% (39) referiram nunca ter tido oportunidade para aprender qualquer coisa a respeito da tuberculose no trabalho, dado extremamente relevante e que diz respeito diretamente à qualidade da assistência de enfermagem. Entretanto, 19,8% mencionaram que as oportunidades que haviam tido foram excelentes e possibilitaram mudança de atitude em relação à enfermidade e forma de assistir os doentes. Por outro lado, a maioria dos entrevistados (74% = 60) mencionaram ter tido contato com o tema tuberculose por meio da televisão, jornal ou revistas, embora destes, 22,2% (18) tenham considerado seu aproveitamento insuficiente, sem acréscimo de novas informações.

DISCUSSÃO

A amostra integra alguns indicadores que induzem à vulnerabilidade à tuberculose, dentre os quais, período longo de experiência profissional em unidade hospitalar e trabalhar mais do que 12 horas por dia (incluindo outro emprego) O período de trabalho na área da saúde é importante, pois evidencia o tempo de exposição a agentes causadores de doenças, inclusive o que causa a tuberculose. Em um estudo realizado com profissionais que atuavam nessa área, observou-se que 40% dos casos de tuberculose ocorria nos primeiros 2 anos após a admissão(11). Outra pesquisa, desenvolvida em ambulatório de referência para doenças pulmonares e tuberculose da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, demonstrou que os profissionais que tinham maior tempo de trabalho na instituição, foram todos reatores ao teste tuberculínico após cinco anos(9) da admissão.

Os dados evidenciaram que os auxiliares de enfermagem apresentam maior número de indicadores de vulnerabilidade, assim como os trabalhadores do período noturno em geral. Evidentemente que seria necessário aprofundar certas informações para qualificar mais apropriadamente a forma como se realizam os processos de trabalho para se compreenderem, com maior propriedade, questões que estão diretamente associadas ao fortalecimento e/ou desgaste, dentre as quais a forma como se processam as relações técnicas e sociais no trabalho, incluindo como ocorre a sua divisão, a linha de mando, além de outras que podem interferir no processo de adoecimento. Outro aspecto importante se refere às potencialidades distintas de fortalecimento e/ou desgaste de que gozam as diferentes categorias profissionais, já que, muito possivelmente, os auxiliares de enfermagem podem apresentar maior chance de adoecer devido às condições peculiares de vida e de trabalho, advindas da própria inserção no grupo social.

De acordo com os resultados obtidos, com relação à vulnerabilidade à tuberculose relacionada ao conhecimento sobre a doença, pôde-se observar que, embora a maioria tenha apresentado certo grau de conhecimento, considerando-se que se trata de profissionais da saúde e que, para ocuparem função nessa área, devem dispor de capacitação, esperar-se-ia que todos soubessem responder a questões básicas sobre a doença, tanto para prestarem assistência, como para utilizarem adequadamente as formas de precaução. Observaram-se conceitos errôneos e equivocados com relação ao conhecimento da doença e sua forma de transmissão, a depender da categoria profissional e da unidade de trabalho em que os funcionários atuavam, destacando-se os do Alojamento Conjunto, Centro de Material e UTI. Além disso, ressalta-se que parcela importante apontou não se sentir preparado suficientemente para prestar assistência a pacientes portadores da enfermidade, o que releva a necessidade de investimento em ações educativas implementadas pelos serviços institucionais de educação continuada, direcionadas à abordagem assistencial com enfoque na proteção profissional e prevenção de infecção cruzada, conforme preconiza o Centers for Disease Control (CDC), cuja resolução recomenda, para doenças cujos microrganismos são transmitidos por aerossóis, precauções específicas quanto ao local de internação, à proteção respiratória (máscaras que filtram partículas de tamanho < 5µm) e ao transporte de pacientes(12).

Pode-se concluir que uma parcela de trabalhadores, ainda que reduzida, apresenta importante vulnerabilidade à tuberculose, o que coloca em tela a necessidade de que o serviço exerça esse papel junto a esses trabalhadores, capacitando-os no que diz respeito às estratégias de intervenção, incorporando ações de prevenção e de assistência e disponibilizando recursos materiais para executá-las. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que os responsáveis pelas instituições atuem dando suporte aos programas de controle da enfermidade, apontando que, nos locais de risco, entre eles o ambiente nosocomial, deve haver responsabilidade particular no sentido de implementar medidas de controle(13-14), tanto por parte das instituições, como dos trabalhadores da saúde. O fato de que a enfermidade acomete principalmente pessoas na idade economicamente produtiva, além de causar o inevitável sofrimento devido à própria doença, reduz a produtividade e pode significar necessidade de reposição temporária da força de trabalho, ao lado de treinamento de novos trabalhadores, o que significa um custo indireto importante. A esse respeito, a OMS aponta que, em nível mundial, a tuberculose ocasiona diminuição da produtividade em cerca de 12 bilhões de dólares anualmente, resultando, ainda, em redução potencial de cerca de 20 a 30% da renda familiar(14).

Embora não se tenha encontrado nenhuma diferença importante entre os turnos diurno e noturno, sugere-se a continuidade do estudo, utilizando-se métodos estatísticos apropriados, pois essa é uma potente variável que indica vulnerabilidade, já que constitui fator que altera não apenas o sistema biológico, mas também prejudica toda dinâmica social do indivíduo, uma vez que os trabalhadores desse período são obrigados a utilizar o que deveriam ser horas de descanso, para responder ao desenrolar do cotidiano: a sociedade e a família continuam com um ritmo de atividades tradicionalmente diurno(8). O turno noturno limita ou impossibilita a participação do trabalhador em associações, organizações, partidos, sindicatos, etc. Além disso, as folgas forçadas pelo sistema de turnos geralmente não ocorrem nos fins de semana, o que modifica substancialmente o valor do uso das horas vagas, resultando em sentimento de desvantagem e mesmo de isolamento social na maioria dos trabalhadores(6).

A despeito daqueles que trabalham no turno noturno por opção e facilidade de adaptação, diante do exposto, podem-se considerar todas as transformações anteriormente descritas como fatores destrutivos (contra-valores) no processo saúde-doença, já que esse turno, em geral, é imposto e aceito dadas as dificuldades do mercado de trabalho.

Sugere-se, também, a investigação com amostra populacional mais expressiva, além da aplicação de teste tuberculínico, para detectar clusters de profissionais que, após um período de tempo, podem apresentar conversão do PPD, visando á implementação de normas de controle, proteção e prevenção da doença aos trabalhadores dessa instituição.

É necessário ampliar a conscientização a respeito de que a tuberculose pode ser devidamente curada e de que os trabalhadores de saúde também são potenciais suscetíveis, os quais devem ser estimulados a buscar assistência na emergência de sintomatologia compatível, sem medo de que sejam alvo de qualquer tipo de censura, lembrando-se da necessidade de proceder à busca ativa de casos, inclusive no âmbito intra-hospitalar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 2.3.2006

Aprovado em: 13.9.2006

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    Trabalho realizado com o apoio da FAPESP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2006
    • Recebido
      02 Mar 2006
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