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Práticas de alimentação complementar em crianças no primeiro ano de vida

Resumos

Objetivou-se estudar práticas de alimentação complementar no primeiro ano de vida em Botucatu, SP, descrevendo-as segundo faixa etária e presença do aleitamento materno (AM). Foram entrevistados 1.238 acompanhantes das crianças menores de 1 ano vacinadas em Campanha de Multivacinação. Diferenças associadas à situação do AM foram identificadas pelo teste qui-quadrado e teste exato de Fisher. A introdução de alimentos complementares foi precoce, levando à baixa freqüência de aleitamento materno exclusivo (36,9% em <4 meses). Crianças menores de 4 meses consumiram chás (30,7%), crianças entre 4 e 6 meses consumiram frutas (54,1%), sopas (39,9%) e comida (19,2%). Sucos foram oferecidos a apenas 15,2% das crianças menores de 4 meses com desmame completo, água a 60%. Os dados apontam consumo de preparações inadequadas pela consistência: oferta de comida da família a crianças entre 6 e 8 meses (48,8%) e oferta de sopa a crianças acima de 8 meses (71,6%). Justificam-se no município intervenções focadas na alimentação complementar.

aleitamento materno; leite humano; suplementação alimentar


This study aimed to investigate complementary feeding practices during children's first year of life in Botucatu, SP, Brazil. Practices were described according to the age range and the breastfeeding (BF) practice. Data were collected during a multi-vaccination campaign through the interview of 1,238 individuals who accompanied children younger than one year old being vaccinated. Differences associated with the BF situation were identified by the chi-square test and Fisher's exact test. The early introduction of complementary food was observed, which led to the low frequency of exclusive breastfeeding (36.9% <4 months). Children younger than 4 months old consumed tea (30.7%); children between 4 and 6 months old consumed fruits (54.1%), soups (39.9%) and home-made food (19.2%). Juice was offered only to 15.2% of children younger than 4 months old who were completed weaned, 60% of the children was offered water. Data show that the consistence of the food consumed was inappropriate: children between 6 and 8 months old were offered the family's regular food (48.8%) and children older than 8 months (71.6%) were offered soup. Therefore, interventions focused on complementary feeding are justified on the city.

breast feeding; supplementary feeding


El objetivo fue estudiar las prácticas de alimentación complementaria en el primer año de vida de niños en la región de Botucatu, SP, las cuales fueron descritas según el grupo etáreo y las prácticas de lactancia materna (LM). Fueron entrevistados 1238 acompañantes de niños menores de 1 año vacunados en la Campaña de Vacunación Múltiple. Diferencias asociadas con la situación de LM fueron identificadas a través del test Chi-cuadrado y el test exacto de Fisher. La introducción de alimentos conplementarios fue precoz, lo que produjo una baja frecuencia en la lactancia materna exclusiva (36,9% en < 4 meses). Niños menores de 4 años consumieron mates (30,7%), entre 4 y 6 meses consumieron frutas (54,1%), sopas (39,9%) y comida (19,2%). Los jugos fueron ofrecidos apenas en 15,2% de los niños menores de 4 meses quienes ya no lactaban, y, agua en 60,0% de los casos. Los datos muestran prevalencia en el consumo de preparaciones inadecuadas con relación a su consistencia: oferta de comida por parte de la familia en niños entre 6 y 8 meses (48,8%) y oferta de sopa a niños mayores de 8 meses (71,6%). Se sugiere que el municipio realice intervenciones enfocando la alimentación suplementaria.

lactancia materna; leche humana; alimentación complementaria


ARTIGO ORIGINAL

Práticas de alimentação complementar em crianças no primeiro ano de vida

Cristina Maria Garcia de Lima ParadaI; Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesI; Milena Temer JamasII

IDoutor, Professor Assistente; e-mail: cparada@fmb.unesp.br, carvalha@fmb.unesp.br

IIAluna do Curso de Graduação em Enfermagem, e-mail mikkinha2004@yahoo.com.br. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

RESUMO

Objetivou-se estudar práticas de alimentação complementar no primeiro ano de vida em Botucatu, SP, descrevendo-as segundo faixa etária e presença do aleitamento materno (AM). Foram entrevistados 1.238 acompanhantes das crianças menores de 1 ano vacinadas em Campanha de Multivacinação. Diferenças associadas à situação do AM foram identificadas pelo teste qui-quadrado e teste exato de Fisher. A introdução de alimentos complementares foi precoce, levando à baixa freqüência de aleitamento materno exclusivo (36,9% em <4 meses). Crianças menores de 4 meses consumiram chás (30,7%), crianças entre 4 e 6 meses consumiram frutas (54,1%), sopas (39,9%) e comida (19,2%). Sucos foram oferecidos a apenas 15,2% das crianças menores de 4 meses com desmame completo, água a 60%. Os dados apontam consumo de preparações inadequadas pela consistência: oferta de comida da família a crianças entre 6 e 8 meses (48,8%) e oferta de sopa a crianças acima de 8 meses (71,6%). Justificam-se no município intervenções focadas na alimentação complementar.

Descritores: aleitamento materno; leite humano; suplementação alimentar

INTRODUÇÃO

À luz dos conhecimentos científicos atuais, o leite humano é considerado, de forma consensual, como o único alimento capaz de atender, de maneira adequada, todas as peculiaridades fisiológicas do metabolismo dos lactentes nos primeiros 6 meses de vida(1).

Apesar dos avanços nas taxas de aleitamento materno, observados na última década, a situação do aleitamento materno, no Brasil, ainda está longe daquela preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS): amamentação exclusiva até o sexto mês de vida e aleitamento materno com alimentos complementares até dois anos, ou mais, de idade(2). Em Botucatu, SP, município em que se realizou o presente estudo, observou-se que, entre as crianças menores de 120 dias, houve aumento progressivo do aleitamento materno exclusivo, com prevalências de 19,1% em 1995, 22,6% em 1999 e 36,9% em 2004(3).

A alimentação complementar é definida como a alimentação no período em que outros alimentos ou líquidos são oferecidos à criança, em adição ao leite materno(4). Considerando que não existe um termo específico para designar a introdução de alimentos à criança não amamentada, neste estudo será utilizado o termo alimentação complementar, independente da situação da criança em relação ao aleitamento materno.

A OMS recomenda que os alimentos complementares sejam oferecidos a partir dos seis meses de idade(1). Entretanto, a tendência atual, endossada pelo Ministério da Saúde brasileiro, é a de recomendar a introdução de alimentos complementares aos seis meses de vida da criança(5).

Para assegurar que satisfaçam as necessidades nutricionais, os alimentos complementares devem ser: oportunos (introdução quando as necessidades de energia e nutrientes ultrapassarem o que o aleitamento materno exclusivo pode oferecer); adequados (proporcionando energia, proteínas e micronutrientes suficientes para satisfazer as necessidades nutricionais de uma criança em crescimento); inócuos (preparo e armazenamento de forma higiênica, oferecidos com as mãos limpas e utilizando utensílios limpos), oferecidos com técnica, freqüência e consistência adequadas à idade, atendendo as sensações de fome e saciedade da criança(5).

No início, os alimentos oferecidos à criança devem ser preparados especialmente para ela, sob a forma de papas, purês de legumes, cereais ou frutas. São os chamados alimentos de transição. A partir dos oito meses, podem ser oferecidos os mesmos alimentos preparados para a família, desde que amassados, desfiados, picados ou cortados em pedaços pequenos. Recomenda-se o uso de copos para oferecer água ou outros líquidos e dar os alimentos semi-sólidos e sólidos com prato e colher(4).

Considerando a importância da alimentação complementar para o crescimento e o desenvolvimento infantil, propôs-se esta investigação, cujo objetivo foi estudar as práticas de alimentação complementar no primeiro ano de vida em Botucatu, SP, descrevendo sua utilização, segundo faixa etária, e identificando diferenças associadas à presença de aleitamento materno.

MÉTODO

Tipo de Estudo e Coleta de Dados

Trata-se de estudo transversal, cujos dados foram obtidos na 1ª Etapa da Campanha Nacional de Multivacinação de 2004, em Botucatu, SP, cidade com cerca de 110.000 habitantes, localizada na região centro-sul do Estado. Foram entrevistadas 1238 acompanhantes de crianças menores de 1 ano - 90,6% das crianças estimadas para essa faixa etária - , sendo obtidas informações sobre o consumo (sim, não) de alimentos no dia anterior à pesquisa. Perguntou-se sobre o consumo de água, chás, sucos, frutas, leite (fluido ou em pó), feijão, carne, mingaus, sopas, papas e comida sólida.

Estudaram-se as crianças antes dos 6 meses de vida para avaliar a introdução oportuna ou não de alimentos complementares, aquelas com 6 meses por ser essa a faixa de idade onde os alimentos complementares devem ser iniciados e as entre 6 e 10 meses para seguir os indicadores preconizados pela OMS(6) . A faixa de idade entre 8 e 12 meses foi estudada pelo fato de nela ser indicado que as crianças passem a receber a mesma alimentação que é preparada para a família(4-5).

Procedimentos Éticos

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu e atende as recomendações para pesquisas realizadas com seres humanos.

Análise dos dados

Os questionários foram conferidos, codificados e criou-se um arquivo de dados no software Epi Info 6.0, utilizando-se recursos que permitiam apenas a entrada de dados previstos na codificação. A consistência do arquivo foi checada pela conferência de questões associadas em parte dos questionários, com correção dos erros identificados.

Para avaliar a relação entre consumo de alimentos complementares e a presença, ou não, de aleitamento materno, utilizou-se o teste de qui-quadrado, adotando-se 5% como nível de significância. Nos casos em que o número de crianças em determinada categoria era inferior a 5, realizou-se o Teste Exato de Fisher, também adotando-se 5% como nível de significância.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a freqüência de consumo de alimentos complementares, segundo a faixa etária da criança.

Observa-se, na Tabela 1, que 126 crianças menores de quatro meses (30,7%) receberam chá, sendo que os demais alimentos foram menos consumidos. Também se observa que a proporção de crianças consumindo os diferentes alimentos pesquisados cresce com o avançar da idade, exceto para o consumo de chá, cuja prevalência de consumo cai para 19,7% em crianças com idade acima de 8 meses e o mingau e a sopa, pouco menos consumidos na faixa etária de 8 a 12 meses, quando comparadas às crianças entre 6 e 10 meses.

A Tabela 2 apresenta a proporção de crianças que consumiram carne na sopa, ou na comida, e feijão na comida de entre aquelas que estavam recebendo alimentação salgada, por faixa etária, sendo excluídas as crianças menores de 4 meses, pelo pequeno número delas recebendo esses alimentos.

A oferta de alimentos complementares com carne e feijão também aumentou com a idade, exceto discreta diminuição no oferecimento de comida com feijão em crianças com seis meses, quando comparadas àquelas na faixa etária entre 4 e 6 meses.

As Tabelas 3 a 5 trazem a relação entre presença de AM e consumo de alimentos complementares em diferentes faixas etárias.

A freqüência de consumo de qualquer alimento ou líquido investigado foi, proporcionalmente, maior entre as crianças menores de 6 meses não amamentadas, havendo associação, na faixa etária menor de 4 meses, entre não estar recebendo leite materno e maior freqüência de consumo de mingau (p=0,0000), comida de panela (Fisher = 0,0259), suco de frutas (p= 0,0007), chás (p= 0,0047) e água (p=0,0000). Também houve associação na faixa etária entre 4 e 6 meses entre não estar em AM e maior consumo de alguns alimentos complementares como mingau (p= 0,0000), suco de fruta (p= 0,0576), chás (p= 0,0304) e água (p=0,0000). Para as crianças com 6 meses completos, houve associação apenas entre não estar em AM e maior freqüência de consumo de comida de panela (p= 0,0116).

A Tabela 4 permite comparar as diferenças no consumo de alimentos complementares e líquidos, segundo AM, em duas faixas etárias: 6 a 10 meses e 8 a 12 meses.

Foram observadas algumas diferenças no consumo de alimentos complementares segundo presença de AM. Na faixa etária entre 6 e 10 meses houve associação entre não estar em AM e maior freqüência de crianças recebendo comida de panela (p= 0,0140). Porém, para as crianças com idade entre 8 e 12 meses, receberam significativamente mais sopa aquelas amamentadas (p= 0,0293).

A presença de carne no preparo da sopa e de carne, ou feijão, na comida de panela, segundo AM, em crianças entre 4 e 12 meses consta da Tabela 5.

A Tabela 5 evidencia que houve associação apenas entre não estar em AM e maior consumo de comida de panela com feijão, para crianças com 6 meses de vida (Fisher = 0,0260).

Finalmente, também se pesquisou a forma como os líquidos foram oferecidos às crianças menores de 1 ano, se com chucas ou mamadeiras, e a relação dessa com o AM. Houve associação entre não estar em AM e utilizar bicos de borracha, tanto chucas como mamadeiras, para oferecimento de líquidos em todas as faixas etárias das crianças (dados não incluídos em tabela).

DISCUSSÃO

Alguns aspectos relativos à validade deste estudo serão considerados inicialmente. A seleção das crianças em Campanha de Multivacinação revelou-se escolha acertada, por permitir avaliar a alimentação de 90,6% das crianças menores de 1 ano do município, garantindo alta representatividade populacional. Porém, por se tratar de estudo transversal, apresenta como limitação a impossibilidade de se identificar a idade de início de consumo de cada alimento.

Os resultados obtidos nesta pesquisa evidenciam a introdução inoportuna e precoce de alimentos complementares na alimentação das crianças do município estudado, levando à interrupção do AME logo nos primeiros meses de vida. Essa situação também tem sido observada em outras investigações nacionais(7-10), indicando não se tratar de problema local.

Ao comparar as crianças menores de 4 meses estudadas com crianças de mesma idade de município do Nordeste brasileiro(9), nota-se situação um pouco melhor em Botucatu: menores prevalências de consumo de suco (8,4% e 5,6%), sopa (5,3% e 2,4%) e comida de panela (2,1% e 0,5%), embora o consumo de chás tenha sido semelhante (31,8% e 30,7%).

A complementação do leite materno com líquidos não nutritivos como os chás, nos primeiros seis meses de vida, é prática cultural há muito estabelecida em nosso meio, porém, inadequada e desnecessária sob o aspecto biológico, mesmo considerando dias quentes e secos. Além disso, sabe-se que a mesma leva à redução do consumo total de leite, podendo culminar com o desmame precoce, além de elevar os riscos de morbimortalidade(5). No presente estudo, observou-se presença de chá na alimentação durante todo o primeiro ano de vida, com as maiores freqüências de consumo em menores de quatro meses, onde quase um terço das crianças o consumiram no dia que antecedeu a coleta de dados.

Em outro estudo realizado em Botucatu, SP, em 2004, evidenciou-se que o principal motivo alegado pelas mães para terem introduzido precocemente chás na alimentação de seus filhos foi considerar que a criança necessitava desses líquidos, ou seja, que os mesmos, de alguma forma, eram necessários à satisfação de necessidades da criança(11), sugerindo desconhecimento dos possíveis efeitos deletérios à saúde de tais alimentos nessa fase da vida.

Como esperado, a proporção de crianças estudadas consumindo alimentos semi-sólidos, sólidos e líquidos cresceu à medida que a faixa etária aumentou. O mesmo ocorreu em São Carlos, SP, e Feira de Santana, BA, onde alimentos como frutas, papas e comida de panela apresentaram constante aumento em suas prevalências de consumo(8-9).

Aos 6 meses completos, a presença de alimentos complementares é desejável, mas esses, até os oito meses, devem ser preparados especialmente para a criança, sendo oferecidos sob a forma de papas, purês de legumes, cereais ou frutas(5). Ao contrário dessas recomendações, nota-se na presente investigação que 48,8% das crianças com seis meses completos (6 |-7m) já estavam recebendo a mesma comida de panela preparada para toda a família, uma inadequação de consistência que pode dificultar a aceitação dos alimentos e expor a criança a deficiências nutricionais.

Apenas 19 crianças (3%) com idade igual ou superior a 6 meses não estavam recebendo nenhum alimento sólido ou semi-sólido (comida de panela, papa de frutas ou salgada). Assim, o problema do município estudado relaciona-se à introdução precoce e não tardia dos alimentos complementares.

O oferecimento de carne na sopa aumentou quando se comparou as faixas etárias entre 6 e 10 meses e entre 8 e 12 meses, alcançando parcelas expressivas das crianças: 84,1% e 90,7%, respectivamente. O mesmo ocorreu com o oferecimento de carne na comida de panela: 68,8% e 76,8% e feijão na comida: 89,3% e 92,7%. Independentemente da faixa etária, evidenciou-se situação favorável à ingestão de quantidades adequadas de ferro.

Deve-se também discutir a introdução de alimentos complementares, segundo o tipo de aleitamento praticado, visto que as recomendações variam.

Para as crianças menores de 4 meses e entre 4 e 6 meses, o consumo de alimentos complementares foi sempre maior nas crianças não amamentadas, o que pode ser compreendido, já que se recomenda a introdução de alimentos complementares mais precocemente na ausência do aleitamento: água nos intervalos das refeições desde o nascimento; suco de frutas entre 2 e 4 meses para as crianças que recebem leite integral; papa de frutas e papa salgada a partir do quarto e até o oitavo mês de vida(12).

De maneira geral, a situação do município não foi favorável para os menores de 4 meses: a prevalência de AME foi de apenas 36,9%(3); entre as crianças não amamentadas, por outro lado, a presença de alimentos complementares foi menos freqüente do que o recomendado. Nesse último grupo, apenas 60,6% receberam água. Das crianças entre 2 |- 4 meses não amamentadas, apenas 12,1% receberam suco de frutas, alimento recomendado para suprir as necessidades de vitamina C em crianças recebendo leite de vaca não enriquecido.

O elevado consumo de chás entre crianças desmamadas, 46,8% delas tomaram esse líquido, parece indicar que suas mães substituem a água (recomendada) pelo chá (desaconselhado), líquido que tem, na representação materna, papel importante no alívio das cólicas da criança(11).

A situação da alimentação complementar entre as crianças não amamentadas a partir dos quatro meses é um pouco melhor: na faixa etária entre 4 |-6 meses, 48,3% delas recebiam suco, 63,8% recebiam papa de frutas e 44,1% sopa.

Para as crianças entre 6 |- 7meses amamentadas, 90,9% receberam alimentos sólidos ou semi-sólidos, indicando, nessa faixa etária, alta taxa de alimentação complementar oportuna. Porém, por se tratar de estudo transversal, não se pode afirmar quando esses alimentos foram introduzidos.

Com relação ao oferecimento à criança dos mesmos alimentos preparados para a família, as recomendações não diferem segundo a vigência ou não da amamentação, devendo ser iniciado a partir do oitavo mês de vida da criança. Porém, entre 6 |-7m, 36,4% das crianças amamentadas recebiam comida de panela e entre as não amamentadas 64,1%, evidenciando que a transição da consistência pastosa para sólida ocorre precocemente, principalmente entre as crianças não amamentadas. Também indica a interrupção precoce do preparo de alimentos especiais para todas as refeições da criança, o que pode ser um risco, já que o consumo de hortaliças pela população adulta brasileira é baixo(13).

Observou-se neste estudo que aproximadamente três quartos das crianças entre 8 |-12 meses (73,9% das amamentadas e 75,5% das não amamentadas) haviam recebido comida de panela na véspera da coleta de dados, prática alimentar considerada adequada para essa faixa de idade. Porém, o consumo de sopa também foi elevado: 68,1% entre as não amamentadas e 77,6% entre as amamentadas, o que deveria ser desencorajado, já que esse alimento tem consistência inadequada à faixa etária, pois a pequena capacidade gástrica da criança dificulta que ela atinja as necessidades energéticas por meio de alimentos complementares diluídos(4).

As taxas de amamentação continuada aos 8 meses, 10 meses e 12 meses foram, respectivamente, 51%, 43,1% e 37,8%. Embora esses valores estejam longe do ideal, indicam situação para a amamentação continuada razoável, especialmente no oitavo mês de vida. Assim, ratifica-se como principal problema do município a introdução precoce de alimentos complementares, com a interrupção da amamentação exclusiva.

O uso de bicos artificiais para oferecimento de alimentação complementar, como mamadeira e chucas, associou-se significativamente e de maneira negativa com o AM em todas as faixas etárias, o que também ocorreu em outros estudos(7-10), ressaltando a importância da orientação e contra-indicação desses em maternidades, berçários e creches, bem como de estratégias para abordagem das mães, de forma a evidenciar os prejuízos relacionados à sua utilização e à viabilidade de oferecimento da alimentação complementar com copo, em prato e com talher.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A introdução de alimentação complementar em crianças menores de 1 ano ocorreu precocemente. Líquidos não nutritivos como chás foram utilizados por quase um terço das crianças menores de 4 meses, levando à baixa prevalência do AME. Nessa faixa etária, as crianças não amamentadas não estavam em melhor situação quanto à alimentação complementar: o consumo de chás também foi freqüente, as que necessitavam de suco de frutas não o receberam e a água, que deveria ser oferecida a todas, teve prevalência próxima a 60% de consumo. Dessa forma, a taxa de início de alimentação complementar oportuna nos primeiros meses de vida foi pequena, independentemente da situação do AM.

Com relação à alimentação complementar consumida por crianças de 6 a 12 meses, a pequena prevalência de crianças que não haviam recebido alimentos sólidos ou semi-sólidos na véspera da coleta de dados ratifica novamente que o problema do município relaciona-se à introdução precoce e não tardia dos alimentos. Nessa faixa etária, os indicadores foram favoráveis: alta prevalência de crianças recebendo sopas com carne e comida de panela com feijão e carne, alimentos com boas fontes de ferro, nutriente crítico para essa faixa etária. Porém, quanto à consistência dos alimentos, alguns problemas foram detectados, como o oferecimento de alimentos sólidos precocemente e também a manutenção da oferta de sopa a crianças que deveriam estar recebendo alimentação sólida.

Assim, profissionais e serviços de saúde que atuem promovendo e apoiando o aleitamento materno têm agora que trabalhar no sentido de reverter esse quadro desfavorável quanto à utilização de alimentos complementares. Há necessidade urgente de focar o aconselhamento alimentar ao lactente na alimentação complementar, além das ações já bastante difundidas e implementadas em nosso meio de promoção e apoio ao aleitamento materno.

Uma experiência bem-sucedida foi desenvolvida recentemente no Sul do Brasil, onde estudantes de graduação em nutrição, treinados, realizaram 10 visitas domiciliares a um grupo de lactentes e suas mães, ao longo do primeiro ano de vida, realizando orientações baseadas nas diretrizes do Ministério da Saúde brasileiro(5). Comparados com grupo que não recebeu a intervenção, entre as crianças estudadas houve menor taxa de introdução de líquidos como água e chá no primeiro mês de vida, houve aumento de 60% na chance de a criança ser amamentada exclusivamente por pelo menos 4 meses, o consumo de guloseimas (balas, refrigerante, salgadinhos e chocolate) foi 40% menor , entre outros benefícios observados(14).

Outro estudo brasileiro, realizado no Nordeste, também identificou resposta muito favorável com intervenção domiciliar dirigida a apoiar o aleitamento materno exclusivo, evitando a introdução precoce de alimentação complementar(15).

Viabilizar em serviços públicos de atenção básica à saúde ações tão eficientes quanto as descritas acima constitui desafio inadiável a ser enfrentado pelos profissionais de saúde. Pelas evidências, o domicílio é o espaço preferencial para seu desenvolvimento.

Finalmente, cabe apontar que o presente estudo não teve objetivo de conhecer as razões pelas quais os problemas relativos à alimentação complementar detectados ocorrem. Sabe-se que as práticas de cuidado infantil, dentre elas as práticas alimentares, são influenciadas por fatores culturais, emocionais, socioeconômicos e relativos aos serviços de saúde. Assim, recomenda-se novos estudos, tanto de natureza epidemiológica quanto estudos qualitativos, dirigidos ao conhecimento aprofundado dos condicionantes dos comportamentos maternos relativos à alimentação de lactentes na atualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 31.10.2005

Aprovado em: 25.5.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2005
  • Aceito
    25 Maio 2006
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