Acessibilidade / Reportar erro

Música ambiente em serviço de emergência: percepção dos profissionais

Resumos

Em função da característica assistencial do serviço de emergência, o profissional de saúde vivencia inúmeras situações geradoras de ansiedade. O objetivo deste estudo foi conhecer a percepção dos profissionais sobre a audição de música erudita no ambiente de trabalho. A amostra constituiu-se de 49 profissionais do pronto-socorro adulto de um hospital privado de médio porte. Os dados foram coletados utilizando-se questionário de avaliação da percepção do profissional. Foi observado que, com a presença da música, 78% dos profissionais percebeu alteração no ambiente, 41% acreditou que a música alterou seu desempenho pessoal, de forma positiva para 85% e negativa para 15%. Em relação ao repertório musical, 61% dos indivíduos afirmou ter gostado da seleção, 96% acredita que se deve continuar com a música ambiente com sugestão de outros gêneros musicais por 76% dos entrevistados.

ansiedade; emergências; música; terapias complementares


Due to the assistant characteristic of the emergency service, the health professional experiences countless situations that generate anxiety. This study aimed to learn the professionals' perception about the presence of classical music in the working environment. The sample was composed of 49 professionals of the adult emergency department of a medium sized private hospital. The data were collected through a questionnaire to evaluate the professional's perception. The results showed that 78% of the professionals noticed alteration in the atmosphere when the music was present, 41% believed that the music altered their personal performance; 85% believed it altered their performance in a positive way and 15% in a negative way. Regarding the musical repertoire, 61% of the individuals affirmed they enjoyed the selection, 96% believed that the ambient music should be kept, while 76% of the interviewees suggested other musical genres.

anxiety; emergencies; music; complementary therapies


Considerando que el servicio de emergencia tiene una función asistencial, el profesional de salud se expone a diversas situaciones que le generan ansiedad. El objetivo del presente estudio fue conocer la percepción de los profesionales sobre la audición de música erudita en el ambiente de trabajo. La muestra estuvo conformada por 49 profesionales del servicio de emergencia adulto de un hospital privado de mediana complejidad. Los datos fueron recolectados utilizando un cuestionario que evaluó la percepción de los profesionales. Fue observado que la presencia de música provocó alteraciones en el ambiente según 78% de los profesionales, 41 % consideró que la música alteró su desempeño personal, de los cuales 85% mencionaron que fue de forma positiva y 15% de forma negativa. En relación al repertorio musical, 61% de los individuos afirmaron haberse sentido a gusto con la selección musical, 96% mencionaron que debe continuarse con la música ambiental y 76% sugirió la introducción de otros géneros musicales.

ansiedad; emergencias; música; terapias complementarias


ARTIGO ORIGINAL

Música ambiente em serviço de emergência: percepção dos profissionais

Maria Fernanda Zorzi GattiI; Maria Júlia Paes da SilvaII

IMestre em Enfermagem, Especialista em Terapia Intensiva e Pronto Socorro, Chefe de Enfermagem do Pronto Socorro Adulto do Hospital Samaritano, Brasil, e-mail: maria.gatti@samaritano.com.br

IIProfessor Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: juliaps@usp.com.br

RESUMO

Em função da característica assistencial do serviço de emergência, o profissional de saúde vivencia inúmeras situações geradoras de ansiedade. O objetivo deste estudo foi conhecer a percepção dos profissionais sobre a audição de música erudita no ambiente de trabalho. A amostra constituiu-se de 49 profissionais do pronto-socorro adulto de um hospital privado de médio porte. Os dados foram coletados utilizando-se questionário de avaliação da percepção do profissional. Foi observado que, com a presença da música, 78% dos profissionais percebeu alteração no ambiente, 41% acreditou que a música alterou seu desempenho pessoal, de forma positiva para 85% e negativa para 15%. Em relação ao repertório musical, 61% dos indivíduos afirmou ter gostado da seleção, 96% acredita que se deve continuar com a música ambiente com sugestão de outros gêneros musicais por 76% dos entrevistados.

Descritores: ansiedade; emergências; música; terapias complementares

INTRODUÇÃO

A Enfermagem é considerada profissão que sofre o impacto total e imediato do stress, que advém do cuidado constante com pessoas doentes, situações imprevisíveis, execução de tarefas, por vezes, repulsivas e angustiantes, o que caracteriza o próprio objeto de trabalho como foco do stress(1).

Uma outra abordagem avalia que as cargas psíquicas, decorrentes das condições físicas (barulho, temperatura, vibrações), as condições biológicas (vírus, bactérias, fungos) e a organização do trabalho (divisão de tarefas, hierarquia, comando, submissão) podem atingir diretamente as relações dos trabalhadores e em resposta às pressões organizacionais encontra-se o surgimento de doenças psicossomáticas descritas sob o nome de stress(2).

Entende-se, aqui, que tanto o objeto do trabalho (e as atividades que advêm dele) quanto a organização do mesmo contribuem para colocar a enfermagem em destaque quando se trata de stress. Estudos têm buscado identificar se o foco do stress está na característica das unidades em que as atividades são desenvolvidas, comparando as diversas unidades do hospital, desvelando uma realidade que não é igualitária nas diferentes instituições.

Enquanto uma pesquisa identificou que enfermeiros que trabalham em unidades abertas (determinada pelo fluxo de pacientes e familiares) apresentam maior índice de stress em relação àqueles que atuam em unidades fechadas(3), outra apontou para um stress maior em unidades críticas como centro cirúrgico (CC) e pronto-socorro (PS), independente do fluxo de pacientes e familiares(4), o que leva a pensar que não é a característica da unidade, mas, sim, a característica da atividade profissional per si que leva o indivíduo ao stress.

A tendência dos estudos tem sido considerar apenas o stress no trabalho do enfermeiro e não de outros profissionais de saúde, talvez porque as pesquisas sejam, em sua grande maioria, conduzidas por essa categoria. Porém, ao considerar que a atividade do profissional de nível médio exige dedicação, comprometimento e responsabilidade em igual proporção à sua atividade, poder-se-ia inferir que o stress desses profissionais deveria ser analisado da mesma forma.

Embora exista, de fato, preocupação das instituições hospitalares em relacionar indicadores de satisfação, turnover e absenteísmo com as condições de trabalho, medidas efetivas de melhoria desse processo ainda estão sendo discutidas de modo bastante isolado, de maneira que uma cultura de intervenção, ou mesmo prevenção do sofrimento no trabalho, ainda está longe de se tornar realidade.

As relações interpessoais representam a principal dificuldade, não só da equipe de enfermagem como de todos os profissionais do setor. O ambiente, muitas vezes conturbado devido à demanda excessiva de pacientes, necessidade de assistência em tempo adequado, limitação de estrutura física, solicitações de pacientes e familiares que, nesse momento, estão sensíveis e carentes de informações geram, freqüentemente, ansiedade e expectativa também das equipes para a solução dos problemas.

Diversos fatores de stress que podem afetar a equipe de serviço de emergência foram identificados, dentre eles os problemas pessoais de ordem emocional, que afetam diretamente a comunicação e o desempenho do profissional, a ansiedade causada pela expectativa de um desempenho adequado, questões éticas, stress do paciente e do familiar agravados pela alta demanda, o que requer maior habilidade do profissional para controlar a situação, condições de trabalho inadequadas relacionadas ao ambiente, recursos materiais e tecnológicos(5-6).

Dessa forma, conclui-se que o investimento na saúde física e mental do profissional é vital para a qualidade do atendimento prestado e que o controle do ambiente de trabalho e das relações pode contribuir de forma significativa para o bem-estar da equipe.

Os estudos na área de emergência, que apresentam terapias complementares a favor de melhorar a abordagem terapêutica do paciente, são restritos. Ainda, para a equipe de saúde, mesmo constatando-se que a área comportamental e de relações são de extrema importância para o seu desenvolvimento, poucas pesquisas são desenvolvidas com a intenção de intervir a favor dos profissionais de enfermagem, seja na área de terapias complementares, comunicação ou mesmo, qualidade de vida.

Com a perspectiva de cuidar de quem cuida e com a constatação de que a música alivia a dor dos pacientes(7) e tantos outros efeitos benéficos que as pesquisas têm trazido ao longo dos anos, tais como a diminuição da ansiedade e o relaxamento, embora aplicados em outras áreas do hospital, pensou-se, aqui, que, também em setor de emergência, ela pode influenciar diversos aspectos no sentido de melhoria do ambiente e diminuição do stress, abrangendo não só os pacientes como também a equipe de profissionais de saúde.

Florence Nightingale, desde o século XIX, já havia identificado a manipulação do ambiente físico como componente principal do atendimento de enfermagem. Por meio do controle da ventilação, do ruído, da luz, da temperatura, limpeza e nutrição o enfermeiro poderia intervir a fim de contribuir com o tratamento do paciente. Acreditava que quando um ou mais aspectos do ambiente estivessem em desequilíbrio, o paciente usaria maior energia para contrabalançar o stress ambiental. Uma das características da sua teoria era a simplicidade e a capacidade de generalização, incluindo sua permanente aplicabilidade ainda nos dias atuais(8).

Outra teórica de enfermagem, Martha Rogers, leva a pensar no ser humano com uma integridade individual que está em constante troca de energia com o ambiente, evoluindo irreversivelmente ao longo do espaço e do tempo - princípio da integralidade. Baseado nesse pressuposto está o campo de energia, conceito unificador para os ambientes tanto animados quanto inanimados, que não têm limites, são indivisíveis e dinâmicos, manifestam características diferentes, porém integrantes, da pessoa - princípio da ressonância. A autora define a enfermagem como ciência no estudo dos campos humano e ambiental dirigida à descrição dos processos de vida da humanidade, orienta a prática profissional da Enfermagem na busca da integração sinfônica do ser humano com o ambiente, direciona a padronização dos campos humanos e ambientais destinada à realização da saúde máxima(8).

Conforme o princípio da ressonância, descrito anteriormente, a mudança no padrão dos seres humanos e dos ambientes é propagada por ondas que se movimentam entre ondas longas de baixa freqüência e ondas curtas de alta freqüência. O som, assim como a luz e a cor, também é transmitido através de vibrações, perceptíveis ao ser humano na freqüência entre 20 e 20.000 Hz(9).

Conhecer-se a música ambiente, através dos princípios da integralidade e da ressonância, possibilita a melhoria do ambiente em serviço de emergência e em muito pode contribuir para o desenvolvimento do trabalho nesse serviço de forma mais saudável.

Por meio da vibração rítmica das ondas sonoras, a música permite criar um estado receptivo, através do relaxamento da sensorialidade humana, em especial quanto às emoções, possibilitando a assimilação do conteúdo transmitido pela música ou por qualquer outro elemento próximo a ela quando do momento da audição musical(10).

Provoca o fenômeno de indução, técnica que se pode utilizar para programar a própria vida, controlar ambientes ou regular ações, pensamentos e emoções. "A música pode ajudar a eliminar a dor, servindo de santuário imaginário - um refúgio seguro - contra a dor. Ela ajuda a reduzir o stress e a tensão e induz ao relaxamento. Ativa a produção de endorfina e ajuda a mente a criar imagens, permitindo ao ser humano escapar temporariamente para um "mundo sem dor", sobre o abrigo da imaginação. A música age como "intérprete", traduzindo "ondas" de dor (sensações) em energia ou vibração saudável, sonora". Ajuda a reforçar o raciocínio espacial, a capacidade de perceber objetos com precisão, a desenvolver a imaginação e a diferenciar entre várias opções disponíveis. Como a ansiedade costuma interferir na clareza do pensamento, o uso da música para reduzir a tensão é extremamente eficaz, melhorando a concentração e a retenção do material aprendido. É necessário, entretanto, direcionar um repertório adequado. O princípio da indução está intimamente ligado ao princípio "iso" (isomórfico) que sugere que o humor da pessoa deve se ajustar ao humor da música, sendo depois gradualmente deslocado para a direção desejada(11).

A música foi inicialmente utilizada em hospitais no século XIX, como recurso de recreação para pacientes psiquiátricos. Já se diferenciava nessa época os ritmos que poderiam agir de maneira benéfica ou maléfica, observava-se que suaves melodias acalmavam os pacientes agitados. A música focada para melhorar a capacidade de trabalho teve seu início por ocasião da 2ª Grande Guerra, nas fábricas inglesas e norte-americanas de produção bélica, a fim de que as melodias exaltassem o ânimo do trabalhador, tornando-o mais eficiente(12).

"A música, como boa iluminação, deve passar quase despercebida aos trabalhadores. A música funcional, música a serviço da melhoria das atividades humanas, não deve ser ouvida, mas apenas percebida". Os ritmos chegam ao subconsciente e criam uma sensação de bem-estar e eliminam a tensão de espírito. Em regra, utiliza-se a música durante períodos breves, de até 2 horas e meia, devendo-se evitar períodos prolongados(12).

No início do século XX, a utilização da música como recurso terapêutico começou a ganhar força e, em 1941, criou-se a Fundação Nacional de Terapêutica Musical, a fim de expandir-se os estudos nessa área(12), embora apenas no final do século é que a prática do uso terapêutico da música se tornou mais difundida e diferenciada.

Como arte, a música envolve o ambiente e a pessoa por inteiro, a forma musical atua sobre a sensibilidade humana e o conteúdo é a mensagem que será transmitida, forma e conteúdo se mesclam num todo indiviso(10).

A música erudita apresenta esse conteúdo de forma artística através do ritmo, da melodia, da harmonia e do timbre dos instrumentos, alcança elevado teor de arte, cujo objetivo não é apenas o sentido estético, mas também a transmição de algo significativo e verdadeiro, utilizando-se da relação sensorial com o ouvinte(10).

A música relaxante deve ter sincronicidade rítmica, de modo geral, e a música barroca é significativamente eficaz, se comparada a outras formas musicais, na indução de "estados alfa", ou seja, um estado de alerta relaxado acompanhado pela sensação de bem-estar no ouvinte(11).

O barroco, no setor musical, manifesta-se através do estilo concertante sobre o qual se combinam todos os instrumentos; o estilo desenvolve o virtuosismo, elemento genuíno e indispensável das partituras musicais dos séculos XVII e XVIII. A música barroca também apresenta pelo som imponente, daí o grande desenvolvimento da técnica e da construção musical. Johann Sebastian Bach é perfeito exemplo da arte barroca na história da música; o desenvolvimento do estilo concertante, do virtuosismo, do colorido, da decoração ornamental e do som imponente são eloqüentes testemunhos do espírito barroco da obra de Bach(13).

Com a expectativa de que a utilização da música erudita de Johann Sebastian Bach pudesse influenciar na melhoria do ambiente de trabalho, propôs-se, aqui, trabalhar com uma seleção musical desse compositor como música ambiente de um serviço de emergência.

O objetivo deste estudo, portanto, foi conhecer a percepção dos profissionais de um serviço de emergência sobre a utilização da música erudita ambiente.

MÉTODO

O estudo foi desenvolvido em um pronto-socorro adulto, de um hospital privado de médio porte localizado na capital de São Paulo, que presta atendimento 24 horas, com todas as especialidades e atende em média 5.800 pacientes/mês.

Foram incluídos no estudo 49 profissionais sendo médicos, enfermeiros, auxiliares administrativos, auxiliares de farmácia, auxiliares de limpeza e auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham nos períodos da manhã e tarde no setor de emergência. Foram selecionados os períodos da manhã e tarde, pois, juntos, representam o maior percentual de atendimento nas 24 horas, portanto, com a maior carga de trabalho. Considerou-se sempre as primeiras seis horas de trabalho para a coleta de dados. Ainda, por ser o período noturno horário em que, fisiologicamente, o descanso se faz mais necessário, sendo, nesse caso, mais adequado interromper a música ambiente.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição, iniciou-se a coleta de dados no período de abril e maio de 2005. Utilizou-se questionário com dez perguntas abertas e fechadas, elaborado pelas pesquisadoras, que não foi submetido a teste piloto uma vez que se tratavam de perguntas curtas e objetivas. As questões 1 e 2 caracterizavam a população de acordo com a profissão (tempo de atuação e carga de trabalho/dia), as questões 3 e 4 investigavam a preferência musical e o hábito de ouvir música, as questões 5 a 7 perguntavam sobre os efeitos da música percebidos no ambiente de trabalho e no desempenho pessoal, e as questões 8 a 10 se o profissional aprovava a intervenção e se gostaria de sugerir outro tipo de música. Para a definição do repertório musical foram utilizados três CDs de Johann Sebastian Bach. 1) BACH for RELAXation, 2) Royal Philharmonic Orchestra BACH, 3) Louco por BACH, selecionando-se 24 músicas com total de duração do CD de 1 hora e 28 minutos.

A coleta de dados foi feita por uma das pesquisadoras no próprio setor de emergência e no período de trabalho dos participantes. Iniciou-se com o esclarecimento individual do sujeito a respeito da pesquisa, em sala reservada, e leitura e assinatura no termo de consentimento livre e esclarecido.

Na primeira semana, o som ambiente permaneceu durante 1 hora e 28 minutos, com intervalos sem música de 1 hora e 30 minutos, de forma que o profissional ouviu duas vezes a mesma seqüência musical durante seu turno de trabalho. Selecionou-se músicas instrumentais suaves de Johann Sebastian Bach, em ordem aleatória, da qual o único cuidado foi não deixar que músicas com a mesma forma musical estivessem em seqüência, com o intuito de não cansar o ouvinte, intercalando adágios, sonatas, cantatas, suítes e concertos nas faixas musicais. Na segunda semana, solicitou-se ao sujeito o preenchimento do questionário propondo um intervalo das atividades nesse momento e, também, ao término, entrega, em mãos, para a pesquisadora. Foi utilizada estatística descritiva para análise dos dados.

RESULTADOS

Caracterização da população segundo as variáveis sociodemográficas

Na Tabela 1 pode-se observar que a freqüência de homens e mulheres que participaram do estudo foi proporcional, com maior percentual de indivíduos, 21(42,9%), na faixa etária de 30 a 41 anos.

Com relação à experiência na área de emergência, 26 (53%) dos profissionais trabalham entre 6 e 17 anos na área, destacou-se a participação do grupo de enfermagem, quando se agrupou as três categorias da profissão, com 21 indivíduos (42,8%). O tempo de experiência na área de emergência corresponde à faixa etária predominante, o que denota grupo constituído de profissionais experientes.

A carga horária de trabalho por dia é de 10 a 12 horas para 26 indivíduos (53%) e de mais de 12 horas para 3 profissionais (6%).

Caracterização da preferência musical dos profissionais

Como se observa na Tabela 2, houve predominância de preferência musical para a Música Popular Brasileira - MPB (38%). Embora a música clássica (13%), que foi utilizada neste estudo, não tenha sido indicada como o estilo de preferência predominante, parece não ter influenciado os resultados apresentados a seguir, denotando que a preferência musical não constitui condição sine qua non para obtenção dos efeitos musicais.

De acordo com a percepção do profissional, os efeitos produzidos no ambiente foram classificados em positivos (76%) tais como: harmonia, relaxamento, calma, tranqüilidade, atenção, leveza, diminuição do stress e felicidade - palavras utilizadas por eles; e negativos (10,5%) tais como: irritação e ansiedade.

Na percepção de alteração da atividade, 41% dos profissionais acreditaram que a música foi responsável por alterar seu desempenho pessoal, sendo referido maior concentração, bom humor, entusiasmo, ordem, alívio do stress, calma, relaxamento e alegria como efeitos positivos (85%) e irritação e sono como efeitos negativos (15%).

Em relação à manifestação dos pacientes, 26 (53%) profissionais informaram ter presenciado algum comentário espontâneo, de aprovação com 15 menções, reprovação com 6 menções e ambas com 5 menções, ou seja, grande parte dos pacientes não verbalizou ter percebido a música ambiente, o que de certa forma era esperado, uma vez que não houve busca ativa dessa informação.

Quanto à seleção musical, 61% dos profissionais referiu ter apreciado o repertório e citou características como suavidade, tranqüilidade, relaxamento, leveza, música apropriada e universal; em contrapartida, 39% não gostou em função de uma seleção cansativa, repetitiva, fúnebre e triste.

Foram sugeridos outros tipos de música por 37 (76%) profissionais, destacando-se a solicitação de MPB para 12 (24%) profissionais. Entre as sugestões constam estações de rádio, jazz, blues, new age, músicas célticas e sons da natureza. Manter a música ambiente foi opinião de 47 (96%) profissionais, o que demonstra a aprovação do grupo em relação à intervenção.

DISCUSSÃO

A disposição dos profissionais em participar da pesquisa foi fator bastante estimulante, sobretudo na área da enfermagem e administrativa. Houve apenas uma recusa por parte de um membro da equipe médica. É fato a se considerar que uma das pesquisadoras também exerce o papel de chefia de enfermagem, o que poderia ter influenciado na aceitação da participação na coleta de dados, no entanto, foram inúmeros os comentários entusiasmados e ansiosos pelo início da música ambiente.

Chamou a atenção o fato de que a carga horária de trabalho para a maioria dos profissionais é de 10 a 12 horas. Uma análise dos aspectos sociológicos das profissões de saúde no Brasil descreve um cenário em que a extensão da jornada de trabalho e múltiplas ocupações ocorrem como mecanismo de compensação das perdas salariais, perfazendo, freqüentemente, carga horária superior a 50 horas semanais, caracterizando um estado de insalubridade ocupacional que tem repercussões psicológicas significativas no profissional e em sua relação com os pacientes, e resulta em situação insatisfatória para ambos os lados(14).

Diante de uma situação inevitável, resta às instituições uma maneira de intervir de modo que não haja comprometimento da qualidade assistencial.

A escolha da seleção musical é um fator de extrema relevância quando se quer proporcionar algum efeito além do sentido estético que a música oferece. Neste estudo, trabalhou-se apenas com um estilo musical e compositor específico, o que justifica a necessidade de desenvolvimento de mais pesquisas e utilização de outros compositores a fim de ampliar as possibilidades de repertório, ainda, sugere-se a avaliação da percepção dos pacientes em situação característica de urgência, para conhecer a influência da música sobre os mesmos.

A audição da música de preferência do indivíduo não parece ser determinante para a obtenção de resultados positivos na diminuição da ansiedade ou relaxamento. Em estudo que utilizou três gêneros musicais diferentes (clássica, popular e new age) para avaliar a redução do stress, relacionado à preferência musical dos ouvintes, a música popular, tal como em nossa amostra, foi apontada por 45% dos ouvintes como a de preferência (n=58), fator que pode estar relacionado ao hábito de ouvir música popular nas rádios com maior frequência. Após a análise estatística dos resultados, foi observado que a música clássica e new age exerceram efeito significativamente positivo na redução do stress, contrário à música de preferência que não exerceu tal efeito(15).

A audição da música clássica de Bach e de rock também foi avaliada no sentido de esclarecer se a preferência musical interfere no efeito benéfico ou não da música para minimizar a ansiedade. Dois grupos de estudantes de música tinham como preferência o gênero da música clássica; o primeiro grupo ouviu Bach e o segundo grupo ouviu rock. O grupo que ouviu rock ficou desconfortável, desanimado e não houve alteração dos níveis pressóricos; já o grupo que ouviu Bach ficou relaxado e a pressão arterial diminuiu significativamente(16).

Considera-se que o estilo musical adotado nesse estudo (rock) para se contrapor à música de preferência (Bach) não era indicado para proporcionar relaxamento e diminuição da ansiedade, diante disso, poder-se-ia questionar qual seria o resultado do segundo grupo com a utilização de música relaxante, porém, não de preferência.

A maioria dos profissionais gostou da seleção musical e, curiosamente, apenas 24% havia relatado o hábito de ouvir música clássica. Para os 39% que não gostou, os fatores mencionados tais como seleção cansativa e repetitiva faz pensar que talvez isso possa estar relacionado ao modo de exposição à música e não à seleção propriamente dita.

Embora a preferência por MPB tenha sido destacada, identificou-se que, no momento de sugerir outro repertório, os estilos foram mais diversificados.

Através de diferentes abordagens, o estudo da música tem favorecido o desenvolvimento de assistência de enfermagem mais holística e humanizada, de forma a implementar alternativas de cuidado que complementem o modelo biomédico. O cuidado com o profissional de saúde é uma responsabilidade que todos devíamos assumir, a fim de proporcionar ambiente de trabalho cada vez melhor, capaz de contrabalançar com as exigências inevitáveis da profissão e, nesse contexto, a música pode se tornar uma aliada.

CONCLUSÕES

Por intermédio desse estudo pode-se concluir que a percepção do profissional em relação ao efeito da música, tanto no ambiente como em seu próprio desempenho, é bastante positiva. A maioria dos indivíduos gostou da seleção musical (61%), percebeu efeito no ambiente (77,5%) e percebeu alteração na atividade individual (41%). Esse tipo de intervenção pode contribuir para a organização dos serviços de emergência no sentido de melhorar o ambiente e minimizar os efeitos do stress no trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 21.3.2006

Aprovado em: 10.11.2006

  • 1. Menzies I. O funcionamento das organizações como sistemas de defesa contra a ansiedade. Londres: Tavistok Institute of Human Relations; 1970.
  • 2. Dejours C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: Chanlat JF. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo (SP): Atlas; 1992. p. 149-73.
  • 3. Bianchi ERF. Enfermeiro hospitalar e o stress. Rev Esc Enfermagem USP 2000 dezembro; 34(4):390-4.
  • 4. Gatti MFZ, Leão ER, Silva MJP, Puggina ACG. Comparação entre os níveis de ansiedade e stress apresentados e percebidos pela equipe de enfermagem. Rev Enfermería Global [periódico on line] 2004 Noviembre [acesso em 2004 dez 12]. Disponível em: http://www.um.es/eglobal
  • 5. Estrada EG. Psychological factors in the emergency department. In: Parker JG, editor. Emergency nursing a guide to comprehensive care. Canada: John Wiley; 1984. p. 11-22.
  • 6. Mendes IAC. Convivendo e enfrentando situações de stress profissional. Rev Latino-am Enfermagem 2001 março-abril; 9(2):1-5.
  • 7. Leão ER, Silva MJP. Música e dor crônica músculo-esquelética: o potencial evocativo de imagens mentais. Rev Latino-am Enfermagem 2004 abril; 12(2):235-41.
  • 8. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000.
  • 9. Fregtman CD. O tao da música. Trad. De Priscilla Barrak Ermel. São Paulo (SP): Pensamento - Cultrix; 1988.
  • 10. Queiroz GJP. A música compõe o homem, o homem compõe a música. São Paulo (SP): Cultrix; 2000.
  • 11. Ortiz JM. O tao da música: utilizando a música para melhorar sua vida. São Paulo (SP): Mandarim; 1998.
  • 12. Ribas JC. Música e medicina. São Paulo (SP): Edigraf; 1957.
  • 13. Lima RT. Pequeno guia do ouvinte de música erudita. São Paulo (SP),195-.
  • 14. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. Psychiatry on line Brazil [periódico on line] 2002 Abril [acesso 2005 Fev 28]; (7). Disponível em: www.polbr.med.br
  • 15. Mornhinweg GC. Effects of music preference and selection on stress reduction. J Holist Nurs 1992 June; 10(2):101-9.
  • 16. Salomon E, Bernstein SR, Kim S, Kim M, Stefano GB. The effects of auditory perception and musical preference on anxiety in naïve human subjects. Med Sci Monit 2003 September; 9(9):396-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    10 Nov 2006
  • Recebido
    21 Mar 2006
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br