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Acidentes de trabalho com material biológico entre trabalhadores de unidades de saúde pública

Resumos

Pesquisa descritiva de abordagem quantitativa que teve como objetivo investigar a ocorrência de acidentes de trabalho (AT) com exposição a material biológico entre trabalhadores da saúde, atuantes em Unidades de Saúde Pública do Município de Ribeirão Preto, SP. Foram registrados por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) 155 AT no ano 2004, sendo que em 62 acidentes (40%) houve exposição do trabalhador a material biológico passível de ocasionar infecções como Hepatite e AIDS. Considerando a proporcionalidade das categorias expostas, foi constatado que a categoria de auxiliares e técnicos de enfermagem foi a mais vitimada, com 42 acidentes (67,7%). As agulhas foram responsáveis por 80,6% das injúrias e o sangue foi o material biológico envolvido na maioria das exposições ocupacionais. O tema merece maior atenção para que medidas preventivas possam ser implementadas, considerando-se as peculiaridades das atividades executadas nas diferentes categorias profissionais.

enfermagem; trabalho; saúde ocupacional; saúde pública


This descriptive research aimed to recognize the occurrence of work accidents (WA) involving exposure to biological material among health workers at Public Health Units in Ribeirão Preto-SP, Brazil. A quantitative approach was adopted. In 2004, 155 accidents were notified by means of the Work Accident Communication (WAC). Sixty-two accidents (40%) involved exposure to biological material that could cause infections like Hepatitis and Aids. The highest number of victims (42 accidents) came from the category of nursing aids and technicians. Needles were responsible for 80.6% of accidents and blood was the biological material involved in a majority of occupational exposure cases. This subject needs greater attention, so that prevention measures can be implemented, which consider the peculiarities of the activities carried out by the different professional categories.

nursing; work; occupational health; public health


La finalidad de esta investigación descriptiva con aproximación cuantitativa fue investigar la ocurrencia de accidentes de trabajo (AT) con exposición a material biológico entre trabajadores de salud que actúan en Unidades de Salud Publica del Municipio de Ribeirão Preto-SP, Brasil. Se registraron, mediante la Comunicación de Accidente de Trabajo (CAT), 155 accidentes durante el año de 2004. En 62 de estos accidentes (40%) ocurrió la exposición del trabajador a materiales biológicos que podrían causar infecciones como hepatitis y sida. Ante la proporcionalidad de las categorías expuestas, se observó un mayor número de víctimas en la categoría de auxiliares y técnicos de enfermería, con 42 accidentes. Las agujas fueron responsables por 80,6% de los accidentes y la sangre fue el material biológico involucrado en la mayoría de las exposiciones ocupacionales. El tema merece mayor atención para que medidas preventivas puedan ser implementadas, considerándose las peculiaridades de las actividades realizadas en las diferentes categorías profesionales.

enfermería; trabajo; salud ocupacional; salud pública


ARTIGO ORIGINAL

Acidentes de trabalho com material biológico entre trabalhadores de unidades de saúde pública

Mônica Bonagamba ChiodiI; Maria Helena Palucci MarzialeII; Maria Lúcia do Carmo Cruz RobazziIII

IAluna do curso de graduação em Enfermagem, e-mail: monica.chiodi@uol.com.br

IIProfessor Titular, e-mail: marziale@eerp.usp.br

IIIProfessor Titular, e-mail: avrmlccr@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

RESUMO

Pesquisa descritiva de abordagem quantitativa que teve como objetivo investigar a ocorrência de acidentes de trabalho (AT) com exposição a material biológico entre trabalhadores da saúde, atuantes em Unidades de Saúde Pública do Município de Ribeirão Preto, SP. Foram registrados por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) 155 AT no ano 2004, sendo que em 62 acidentes (40%) houve exposição do trabalhador a material biológico passível de ocasionar infecções como Hepatite e AIDS. Considerando a proporcionalidade das categorias expostas, foi constatado que a categoria de auxiliares e técnicos de enfermagem foi a mais vitimada, com 42 acidentes (67,7%). As agulhas foram responsáveis por 80,6% das injúrias e o sangue foi o material biológico envolvido na maioria das exposições ocupacionais. O tema merece maior atenção para que medidas preventivas possam ser implementadas, considerando-se as peculiaridades das atividades executadas nas diferentes categorias profissionais.

Descritores: enfermagem; trabalho; saúde ocupacional; saúde pública

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho (AT) são definidos, segundo o Ministério da Previdência Social(1), como acidentes que ocorrem pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou, ainda, pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidada para o trabalho, permanente ou temporária. Os acidentes do trabalho, tradicionalmente, são classificados em acidentes tipo ou típicos (os ocorridos no ambiente de trabalho e/ou durante a jornada de trabalho), acidentes de trajeto (os ocorridos no trajeto da residência para o trabalho e do trabalho para a residência) e as doenças relacionadas ao trabalho.

Trata-se de assunto de relevância nacional e internacional devido aos prejuízos que acarreta aos trabalhadores da saúde, às instituições empregadoras e às instituições governamentais.

Em relação aos trabalhadores das instituições de saúde, os AT podem estar relacionados a uma série de fatores predisponentes devido às peculiaridades das atividades realizadas na assistência ao ser humano. Dentre esses se destacam a violência ocupacional, os fatores físicos, químicos, biológicos, psicossociais e ergonômicos(2).

Estudo realizado em unidades de saúde de Cuiabá, MT, mostrou que a violência no contexto de trabalho de enfermagem de unidades de saúde opera por duas vias distintas: estrutural/institucional e comportamental/relacional que se explicitam nos seguintes tipos de violência: violência estrutural (imposição de sobrecarga física e mental aos trabalhadores); violência repressiva (negação do direito de exercer com segurança as atividades assistenciais e a um ambiente de trabalho seguro); violência alienação (explicitada pela obstaculização aos trabalhadores de usufruir o prazer de uma realização profissional competente, eficaz e de serem valorizados socialmente); e violência clássica (agressões físicas e verbais de membros da equipe de saúde e de usuários)(2).

Os fatores físicos estão relacionadas às diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores tais como ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não-ionizantes, como o infra-som e ultra-som. O fatores químicos são aqueles ocasionados por agentes químicos, ou seja, substâncias, compostos ou produtos químicos que possam penetrar no organismo pela via respiratória nas formas de poeira, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade e exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou ingestão(3).

Os fatores psicossociais podem ser associados à fadiga e à tensão; à perda do controle sobre o trabalho; ao impacto dos rodízios do trabalho noturno e em turnos, das horas extras, das dobras de plantão; ao trabalho subordinado; a desqualificação do trabalhador; ao trabalho parcelado com a fragmentação e repetição de tarefas; ao ritmo acelerado de trabalho(4) e os fatores ergonômicos são relacionados à adoção de postura inadequada e/ou prolongada durante o transporte e movimentação dos usuários, equipamentos, materiais e mobiliário não reguláveis, ritmos de trabalho, esquema de horários em turnos entre outros(5).

Os fatores biológicos são representados por agentes biológicos tais como as bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários e vírus(4). Esses são os mais evidentes devido à exposição a sangue e fluidos corpóreos causadores de infecções, ocasionados por patógenos veiculados pelo sangue como o vírus da hepatite B (HBV), o vírus da hepatite C (HVC) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS (HIV), os quais podem ser letais. Essa contaminação ocorre mais freqüentemente por via cutânea, em decorrência de AT com materiais perfurocortantes.

As principais causas atribuídas à ocorrência de AT com materiais perfurocortantes são: o descarte em locais inadequados ou em recipientes superlotados, transporte ou manipulação de agulhas desprotegidas e desconexão da agulha da seringa, mas o principal fator associado é o reencape de agulhas, o qual, mesmo recomendado há anos através de medidas de Precaução Padrão, tem sido evidenciado como responsável por 15 a 35% dos AT com material perfurocortantes(6).

Os AT foram abordados em várias pesquisas envolvendo os trabalhadores da saúde atuantes em instituições hospitalares. No entanto, pequena atenção tem sido dispensada às Unidades da Rede Básica de Saúde: Unidade Básica de Saúde (UBS); Unidade Básica e Distrital de Saúde (UBDS); Núcleos de Saúde da Família (NSF) e Serviço de Assistência Médica de Urgência (SAMU), as quais merecem atenção devido ao grande número de trabalhadores, atuantes nessas instituições, em nosso país, e que conformam a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), e possuem peculiaridades nas unidades de trabalho que diferem daquelas encontradas no ambiente hospitalar.

As atividades de trabalho realizadas nas UBS estão relacionadas ao acolhimento e atendimento das urgências de baixa gravidade ou complexidade, é a porta de entrada no SUS. Na UBDS, que funciona 24 horas, as atividades executadas pelos trabalhadores estão voltadas para a prestação de assistência correspondente ao primeiro nível de assistência de média complexidade (nível secundário)(7). Nos NSF do Programa de Saúde da Família, as atividades laborais estão voltadas às ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas de forma integral e contínua(8).

O Serviço de Assistência Médica de Urgência (SAMU) encontra-se disponível ao público durante 24 horas, aos chamados de resgate de todo o município(9). As atividades dos trabalhadores estão relacionadas à assistência à saúde em situações de urgência e emergência, uma vez que os trabalhadores dirigem-se até o local da ocorrência, oferecem os primeiros socorros e, em seguida, encaminham o paciente para a instituição determinada pela Central de Regulação.

A maioria dos estudos realizados nas unidades da Rede Básica de Saúde sobre os riscos ocupacionais aponta o risco psicossocial como o mais identificado pelos trabalhadores(10). Em pesquisa realizada em unidade de Saúde Pública de Ribeirão Preto, SP, foi constatado que 46,7% da população de trabalhadores considerava o ambiente de trabalho o fator mais estressante e a maioria dos trabalhadores identificou como um dos fatores desencadeantes de estresse o risco de infecção devido à exposição a material biológico e à existência de situações perigosas no local de trabalho, devido à agressividade da clientela assistida(11-12).

Considerando que em 2001 os AT com exposição a material biológico representou 52% do total de AT notificados pelos profissionais de Enfermagem das unidades de saúde da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, SP(13) foi motivo para a realização deste estudo.

OBJETIVO

Investigar a ocorrência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico entre trabalhadores de saúde, atuantes em Unidades de Saúde Pública.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de pesquisa exploratória com uso da abordagem quantitativa para análise dos dados. Foram levantadas as Comunicações de Acidente do Trabalho (CAT) envolvendo exposição a material biológico, durante o ano 2004, ocorridos nas Unidades Básicas e Distritais de Saúde, Núcleos de Saúde da Família e Serviço de Assistência Médica de Urgência do Município de Ribeirão Preto, SP. Os dados foram coletados pelas autoras nos arquivos da Divisão de Medicina e Segurança do Trabalho (DMST), da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, SP, no mês de maio de 2005. Os dados foram registrados em roteiro, elaborado pelas autoras, contendo informações sobre as características do trabalhador acidentado (sexo, idade, estado civil, local de trabalho, categoria profissional) e características do AT (parte do corpo atingida, material biológico envolvido na exposição, objeto causador do acidente, atividade exercida no momento do acidente, motivo pelo qual se acidentou).

O estudo foi realizado seguindo as exigências da Resolução 196/96 para pesquisas envolvendo seres humanos e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Característica do local de estudo

O DMST é responsável pelo registro dos AT ocorridos em todas as unidades de saúde da Rede Básica de Saúde do Município de Ribeirão Preto, SP, dividida em cinco regiões, denominadas Distritos de Saúde. Esses estão localizados nas Regiões: Norte - Distrito do Simioni, Sul - Distrito de Vila Virgínia, Leste - Distrito de Castelo Branco, Oeste - Distrito de Sumarezinho e Região Central - Distrito Central. Cada Distrito de Saúde possui uma Unidade Básica e Distrital de Saúde (UBDS) que, além do atendimento básico para sua área de abrangência, é a referência de algumas especialidades para todo o distrito. Além disso, os Distritos são compostos por várias Unidades Básicas de Saúde (UBS) que têm como finalidade prestar atendimento básico nas áreas médicas, odontológicas e de enfermagem, para a população de sua área de abrangência(14).

A Secretaria da Saúde de Ribeirão Preto, SP constava com 2818 trabalhadores no ano 2004(14). Nesse período, foram registrados 155 acidentes de trabalho, e em 40% dos AT houve exposição do trabalhador a material biológico. A incidência de AT representou coeficiente de 22 AT por mil trabalhadores expostos por ano.

Os resultados encontrados sugerem a ocorrência de subnotificação de AT quando considerado o número de trabalhadores expostos e do grande número de tarefas realizadas com manuseio de material perfurocortante e exposição a secreções veiculadoras de infecções dentre os trabalhadores do setor saúde, principalmente trabalhadores de enfermagem.

A subnotificação de AT entre trabalhadores de enfermagem já foi identificada na área hospitalar onde atinge índices preocupantes. Em estudo realizado em um hospital de Ribeirão Preto, SP a subnotificação de AT foi revelada em 91,9%, e os acidentes perfurocortantes representaram o maior índice com 34,4% e a não notificação dos acidentes foi atribuída pelos trabalhadores por considerarem a lesão muito pequena (53,1%), e também a falta de conhecimento sobre a obrigatoriedade da comunicação do AT(6).

Observou-se, durante a coleta de dados da pesquisa ora realizada, que a maioria das CATs não estavam preenchidas adequadamente, sendo observadas lacunas nos registros de informações importantes para a identificação da real situação acidentária no serviço. Essa constatação indica que o serviço estudado precisa adotar novas estratégias para melhorar o registro das informações.

Características do trabalhador acidentado

Os dados indicaram que 82,3% dos AT ocorreram com trabalhadores do sexo feminino. Esse resultado está relacionado ao fato de que a maioria (75,6%) dos trabalhadores das UBS e UBDS da cidade de Ribeirão Preto, SP(12). A profissão de enfermagem no Brasil é constituída por 88,26% de mulheres, segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem(15).

Em relação às características dos trabalhadores acidentados, constatou-se que a média de idade dos acidentados foi de 41 anos, sendo que a idade mínima foi de 23 anos e a idade máxima de 61 anos e que 51,6% dos acidentados tinham entre 40 e 61 anos e 48,4% tinham entre 20 e 39 anos. Quanto ao estado civil, 61,3% dos trabalhadores eram casados.

A tabela a seguir mostra os dados relativos ao número de trabalhadores expostos, segundo a categoria profissional e o número de trabalhadores acidentados no período estudado.

Os trabalhadores da equipe de enfermagem registraram 45 (72,5%) AT com exposição a material biológico. Desses, 42 (67,7%) pertenciam à categoria de técnicos e auxiliares de enfermagem* * As categorias técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem são consideradas, na instituição, conjuntamente uma vez que executam as mesmas atividades laborais , e três (4,8%) eram enfermeiros. Esses dados eram esperados devido ao maior contingente de trabalhadores da categoria auxiliar de enfermagem atuante na instituição estudada. Essa categoria profissional também é responsável pelo maior número de registros de AT no setor hospitalar, conforme resultados de estudo realizado em Ribeirão Preto, SP, onde 62,99% dos AT notificados ocorreram entre auxiliares de enfermagem(16).

Os auxiliares de enfermagem em nosso país representam mais da metade do total de trabalhadores que compõe a força de trabalho da enfermagem no país. Segundo dados divulgados pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), a força de trabalho na enfermagem é composta por: enfermeiros (13,35%), técnicos de enfermagem (24,47%), auxiliares de enfermagem (59,04%) e atendentes de enfermagem (3,12%)(15).

A segunda categoria profissional com maior número de profissionais acidentados foi a dos cirurgiões-dentistas com 11 (17,7%) acidentes registrados, seguida pela categoria dos médicos que corresponderam a 5 (8,1%) exposições. Ressalta-se que, dos profissionais acidentados, um (1,6%) não informou a sua categoria profissional.

Quando calculado o coeficiente de risco para AT por mil trabalhadores expostos por ano, foi constatado que a categoria que apresenta maior ocorrência de acidentes foi a categoria dos técnicos e auxiliares de enfermagem (70,35), seguida pelos cirurgiões-dentistas (30,38), enfermeiros (14,85) e médicos (7,78). Em um dos registros analisados, não foi informada a categoria profissional do acidentado.

Os locais de trabalho corresponderam às unidades de saúde pública do Município. A Figura 1 ilustra os resultados obtidos quando da análise da referida variável.


Nas UBS foram registrados 30 AT (48,38%), mostrando um dado divergente do apresentado no estudo realizado anteriormente na mesma instituição(13), onde a unidade responsável pelo maior número de registro de AT foi a UBDS, com 43,2%.

Em relação às características dos acidentes, foram analisadas as variáveis: parte do corpo atingida, material biológico envolvido na exposição, objeto causador do acidente, atividade exercida no momento do acidente, motivo pelo qual se acidentou. Essas variáveis foram selecionadas para análise, uma vez que permitem conhecer as circunstâncias em que os AT ocorrem, visando o planejamento de estratégias que poderão ser formuladas para a prevenção desses AT.

Quanto à parte do corpo atingida, os membros superiores corresponderam a 93,5% dos AT, sendo que os dedos das mãos foram atingidos em 80,6% dos episódios. Os dados corroboram com outros estudos realizados e com as estatísticas nacionais mais recentemente divulgadas onde mais de 1/3 dos acidentes de trabalho no Brasil têm como alvo a mão do trabalhador. Em 2004, por exemplo, foram 161 mil acidentes que atingiram mãos, punho e dedos(17).

Em relação ao material biológico envolvido na exposição, 82,3% dos trabalhadores acidentados tiveram contato com sangue. O contato com sangue pode ser responsável pela transmissão do vírus HIV e dos vírus de hepatite. A literatura mostra que devido aos AT com exposição ao sangue, há 99 casos comprovados entre trabalhadores de saúde infectados pelo HIV, em conseqüência de inoculações acidentais(6).

Em 80,6% dos AT as agulhas foram os materiais causadores das lesões perfurantes, em 4,8% as lâminas de bisturi foram responsáveis pelas lesões cortantes. Esses números são semelhantes aos encontrados nos estudos realizados na área hospitalar da mesmo Município, onde 89,35% dos AT foram causados por agulhas e 6,4% por lâminas de bisturi(18). Esses objetos, denominados materiais perfurocortantes, também foram os responsáveis por 52,01% dos AT do estudo realizado anteriormente na DMST(13). A Tabela 2 mostra a distribuição dos AT, segundo o objeto causador das injúrias.

As atividades exercidas no momento do AT correspondiam a atividades de competência dos profissionais e em todas havia o risco de exposição a material biológico, principalmente sangue. Vinte e um por cento dos AT ocorreram durante o procedimento de punção venosa; 15,1% na execução de testes de glicemia e de sensibilidade à penicilina e 9,7% na administração de medicamentos. Esses dados corroboram os achados de estudo realizado em hospitais da cidade de Ribeirão Preto, SP(19), onde 89,5% dos AT ocorreram quando essas mesmas atividades, que envolvem a manipulação constante de agulhas, eram exercidas.

As cirurgias odontológicas foram responsáveis por 17,74% dos AT. As suturas por 11,29%, enquanto o descarte de material perfurocortante correspondeu a 9,68% dos AT. Em relação ao descarte de material perfurocortante, outros estudos relatam essa ocorrência, apresentando média entre 10 e 20% dos AT(6). A limpeza do ambiente de trabalho atingiu 4,84% dos trabalhadores, 3,22% dos AT foram durante a realização de curativos e 1,61% na passagem de sonda nasogástrica.

Quanto ao motivo pelo qual o trabalhador se acidentou, foi constatado que em 59,68% das CATs não havia informação sobre o motivo atribuído ao AT. Dos motivos informados, 16,13% indicaram o usuário como responsável pela ocorrência do AT, devido à movimentação do mesmo durante a execução da assistência prestada pelo trabalhador e em 3,22% das CATS, s o motivo apontado foi a colisão acidental entre trabalhadores.

Dos acidentes notificados, constatou-se que 6,45% trabalhadores se acidentaram quando desconectavam a agulha desencapada da seringa e 9,68% ao encaparem ativamente a agulha, procedimentos não recomendados pelas normas de segurança e nas Precauções Padrão internacionalmente recomendadas. Existem evidências na literatura que a não utilização das Precauções Padrão favorece a ocorrência dos AT com exposição aos materiais potencialmente contaminados entre trabalhadores de enfermagem(6) e, nessa situação, são recomendadas a implantação de estratégias de educação em serviço.

CONCLUSÕES

Os trabalhadores que atuam nas unidades de Saúde Pública estão expostos a risco de AT com exposição a material biológico porque manuseiam vários materiais perfurocortantes e estão em contato com materiais e pacientes contaminados por microorganismos patogênicos, dentre os quais se destacam os vírus HIV (AIDS), HBV e HCV (hepatite). Esse risco à exposição se torna preocupante haja vista a grande incidência de pacientes portadores desses vírus no Brasil. No entanto, constatou-se, por meio de revisão de literatura, que um número pequeno de pesquisas tem analisado a referida população de trabalhadores.

Dentre os 2818 trabalhadores componentes do quadro de funcionários da Secretaria de Saúde do Município de Ribeirão Preto, SP, foi constatado, no ano 2004, o registro de 155 AT dentre os quais 62 AT decorrentes da exposição do trabalhador a material biológico. Quando se considera o número de trabalhadores expostos ao número de AT acometidos e a variedade de tarefas em que existe risco de exposição a material biológico, infere-se que pode estar ocorrendo subnotificação de acidentes, o que mereceria ser investigado com maior profundidade em outra pesquisa. Este estudo deveria buscar conhecer os motivos que levam os trabalhadores da Secretaria da Saúde a notificar ou não as injurias ocupacionais das quais são vítimas.

Os acidentes ocorridos na situação de trabalho estudada podem ser caracterizados da seguinte forma: as mulheres foram as vitimadas em 82,3% dos episódios registrados nas unidades de saúde publica, 51,6% dos acidentados possuía idade superior a 40 anos e 48,4% inferior a 40 anos, 61,3% casados, pertencentes a categorias de técnicos e auxiliares de enfermagem (coeficiente de ocorrência de acidente 7,04), atuantes em Unidades Básicas e Distritais de Saúde, que sofreram lesões percutâneas (95%), principalmente nos dedos das mãos (80,6%) e com exposição a sangue (82,3%).

Foi observado que, embora em freqüências menores, a boca, olho e face também foram locais onde houve contato com material biológico o que serve de alerta para o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) tais como óculos e máscaras.

Os objetos causadores de acidentes foram as agulhas (80,6%). Infelizmente, no Brasil, as agulhas disponíveis na rede básica de saúde e em muitos hospitais não possuem dispositivos de segurança. O descarte de material perfurocortante foi responsável por 9,68% das injúrias.

Os AT registrados ocorreram na execução de atividades de punção venosa (48,4%), administração de medicamentos (9,7%). Os resultados deste estudo chamam a atenção para as cirurgias odontológicas onde ocorreram 17,7% dos AT. Dentre os motivos do AT em 59,7% das CATs esse importante dado não foi informado o que é considerado fator prejudicial ao planejamento de medidas preventivas.

Dentre os motivos registrados, 16,1% foram devido ao paciente e 3,2% devido aos colegas de trabalho. Cerca de 10% dos AT ocorreram decorrentes do encape ativo de agulhas, não seguindo as Precauções Padrão.

Os dados obtidos nesse estudo são indicativos de que as estratégias de prevenção à ocorrência de AT com material perfurocortante devem incluir ações conjuntas, estabelecidas entre trabalhadores e a gerência dos serviços e devem ser voltadas à melhoria das condições de trabalho, em especial direcionadas à organização do trabalho, à oferta de material com dispositivo de segurança, à implantação de programas educativos e à mudança de comportamento dos trabalhadores. Ações isoladas são consideradas ineficazes para a minimização de tais injúrias.

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Recebido em: 13.1.2006

Aprovado em: 10.7.2006

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    As categorias técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem são consideradas, na instituição, conjuntamente uma vez que executam as mesmas atividades laborais
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      13 Jan 2006
    • Aceito
      10 Jul 2006
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