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Necessidades de cuidado das mulheres grávidas que possuem convênio saúde: abordagem compreensiva da fenomenologia social

Resumos

Este estudo objetivou compreender os significados que as mulheres que possuem convênio saúde têm da gravidez e conhecer quais as necessidades de cuidado das mulheres nessa fase do ciclo vital. Fundamentou-se na pesquisa qualitativa de inspiração fenomenológica. O pensamento do sociólogo e fenomenólogo Alfred Schutz conduziu a análise das falas. Como critério de inclusão, definiu-se que os sujeitos deveriam ser atendidos em instituições privadas e possuir convênio saúde. Dos depoimentos emergiram as categorias: tendo novas responsabilidades; vivenciando uma situação especial; vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas; sentindo-se limitada; confiando no profissional de saúde. Por meio da análise das categorias, constatou-se que a vivência das mulheres grávidas que participaram deste estudo mostrou-se de forma similar à daquelas mulheres grávidas que não possuem convênio saúde. No entanto, na categoria "confiando no profissional de saúde" foi possível perceber a importância de possuir convênio saúde, fato que possibilita a intersubjetividade entre a mulher e o profissional de saúde.

pesquisa qualitativa; saúde da mulher; gravidez


This study aimed to understand the meanings women who possess health plans hold regarding pregnancy and get to know their care needs in this phase of the vital cycle. It was based on the qualitative research of phenomenological inspiration. The discourses analysis was based on the sociologist and fenomenologist Alfred Schutz's thought. Having health plans and being attended in private institutions were defined as inclusion criteria. The following categories emerged from the discourses: having new responsibilities; experiencing a special situation; experiencing insecurity, anxiety and expectations; feeling limited; trusting the health professional. It was found, through the analysis of categories, that the experience of the pregnant women who participated in the study is similar to those who do not possess health plans. However, in the category "trusting the health professional" it was possible to perceive the importance of possessing health plan, which allows the intersubjectivity between the woman and the health professional.

qualitative research; women's health; pregnancy


Este estudio tiene como objetivo comprender los significados que las mujeres que poseen seguro de salud atribuyen al embarazo y conocer sus necesidades de cuidado en esta fase del ciclo vital. El estudio fue fundamentado en la investigación cualitativa de inspiración fenomenológica. El pensamiento del sociólogo y fenomenólogo Alfred Schutz condujo el análisis de los discursos. Como criterio de inclusión, se definió que los individuos deberían ser atendidos en instituciones privadas y poseer seguro de salud. De las declaraciones surgieram las categorías: teniendo nuevas responsabilidades; vivenciando una situación especial; vivenciando inseguridad, ansiedad y expectativas; sintiéndose limitadas; confiando en el profesional de salud. Por medio del análisis de las categorías, fue constatado que la vivencia de las mujeres embarazadas que participaron de este estudio se mostró de forma similar a la de las mujeres que no poseen seguro de salud. Sin embargo, en la categoría "confiando en el profesional de salud", fue posible percibir la importancia de poseer plano de salud, hecho que posibilita la intersubjetividad entre la mujer y el profesional de salud.

investigación cualitativa; salud de la mujer; embarazo


ARTIGO ORIGINAL

Necessidades de cuidado das mulheres grávidas que possuem convênio saúde: abordagem compreensiva da fenomenologia social

Miriam Aparecida Barbosa MerighiI; Renata Tavares Franco RodriguesII; Selisvane Ribeiro da Fonseca DomingosIII

IDoutor em enfermagem, Professor Associado; e-mail: merighi@usp.com.br

IIGraduanda, e-mail: tavares_re@yahoo.com.br. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil

IIIMestre em enfermagem; Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem, do Centro Universitário de Caratinga, Minas Gerais, Brasil, e-mail: selisvane@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo objetivou compreender os significados que as mulheres que possuem convênio saúde têm da gravidez e conhecer quais as necessidades de cuidado das mulheres nessa fase do ciclo vital. Fundamentou-se na pesquisa qualitativa de inspiração fenomenológica. O pensamento do sociólogo e fenomenólogo Alfred Schutz conduziu a análise das falas. Como critério de inclusão, definiu-se que os sujeitos deveriam ser atendidos em instituições privadas e possuir convênio saúde. Dos depoimentos emergiram as categorias: tendo novas responsabilidades; vivenciando uma situação especial; vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas; sentindo-se limitada; confiando no profissional de saúde. Por meio da análise das categorias, constatou-se que a vivência das mulheres grávidas que participaram deste estudo mostrou-se de forma similar à daquelas mulheres grávidas que não possuem convênio saúde. No entanto, na categoria "confiando no profissional de saúde" foi possível perceber a importância de possuir convênio saúde, fato que possibilita a intersubjetividade entre a mulher e o profissional de saúde.

Descritores: pesquisa qualitativa; saúde da mulher; gravidez

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS DO ESTUDO

Ao se examinar a literatura, acerca da subjetividade da mulher que vivencia a gravidez, foi possível constatar que tais investigações têm como principal foco mulheres usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), atendidas em hospitais públicos. São mulheres condicionadas a ver e agir no campo da saúde e da doença a partir da perspectiva de sua inserção social, caracterizada pela própria condição de vida e pela vivência de muitas dificuldades econômicas(1-5). Portanto, faz-se necessário tecer, inicialmente, algumas considerações sobre resultados de estudos que envolveram a temática gestação e assistência pré-natal, para, então, se abordar a vivência da gravidez sob a ótica de mulheres que possuem convênio saúde, foco do presente estudo.

Em pesquisa realizada na cidade de Duque de Caxias, RJ, com a finalidade de conhecer a opinião dos profissionais de saúde e da clientela em relação à assistência pré-natal, foi possível constatar que as gestantes usuárias dos serviços estudados, de modo geral, não se referem à contribuição significativa da atenção primária no sentido de facilitar a compreensão do processo de gestação e do parto. As exceções se relacionam às consultas de enfermagem, consultas de maior duração e de maior conteúdo informativo, abrindo espaço para que as questões de ordem afetiva, as dúvidas, as ansiedades e a curiosidade das mulheres possam vir à tona, permitindo que se estabeleça relação entre profissional de saúde e a cliente(1).

O resultado de um estudo etnográfico sobre a assistência oferecida às gestantes em uma instituição filantrópica reflete o real anseio dessas mulheres em relação à assistência pré-natal, além de comprovar as dificuldades de acesso das gestantes aos serviços pré-natal, à descontinuidade da assistência e à avaliação negativa das mulheres, sobre o atendimento pré-natal, oferecido pela rede pública e de convênio com a previdência social(6). A autora comenta que, quando as gestantes conseguem atendimento no serviço pré-natal se deparam com o despreparo e descompromisso dos profissionais, que não lhes dão atenção, estão sempre apressados e, portanto, não conseguem estabelecer interação com as mulheres que, por sua vez, julgam o atendimento apressado e sem profundidade. Algumas delas, não satisfeitas, peregrinam novamente em busca da satisfação de suas necessidades. Outras se desestimulam e, na gravidez subseqüente, não mais freqüentam serviços de pré-natal, ou o fazem tardiamente, apenas na tentativa de garantir vaga para o parto.

Outro estudo a respeito da vivência da gravidez de mulheres pertencentes a uma comunidade de baixa renda objetivou compreender e descrever como as gestantes e seus maridos vivenciam a gravidez. A análise das narrativas mostrou que as gestantes, em sua essência, encontram-se: "vivendo um futuro incerto procurando adaptar-se às novas situações que emergem da gravidez e pedindo a Deus que mostre o caminho certo". A autora considerou que há grande distanciamento entre as necessidades das usuárias dos serviços de saúde e o que lhes é ofertado pelas instituições e seus profissionais(3).

Uma pesquisa feita no município de Ribeirão Preto, SP, sobre acesso ao pré-natal na rede básica de saúde identificou que 54,6% das mulheres iniciaram o pré-natal no segundo trimestre da gestação, 40% tiveram menos de 6 consultas no pré-natal, 77,1% não tinham trabalho remunerado. A análise da assistência recebida pelo grupo de mulheres evidenciou que, na assistência pré-natal, o acesso sociocultural foi definido pelas mulheres como atenção biológica e individual, centrada na consulta médica. O acesso organizacional apresentou obstáculos relacionados ao tempo de espera para consulta, falta de vagas e dificuldades para a realização de exames. Como acesso geográfico/econômico, foram relacionados a distância da maternidade, bem como a dificuldade financeira para o transporte(5).

Assim sendo, julgou-se importante também desenvolver investigações junto às mulheres que possuem convênio saúde e são atendidas em instituições privadas. Parte-se do pressuposto que essas possam ter acesso facilitado no que se refere à assistência à saúde. Nos hospitais públicos, o isolamento da mulher, tanto no pré-natal como na sala de parto e no puerpério, a indiferença, a falta de atenção e de assistência eficiente, o impedimento da presença do companheiro ou do familiar, são fatores que contribuem para o sentimento de solidão, de desamparo e de pânico, levando a mulher a sentir-se entregue à própria sorte(7).

Pressupõe-se, ainda, que as mulheres que possuem convênio saúde têm acesso facilitado ao serviço de pré-natal, têm continuidade na assistência durante o trabalho de parto, parto e pós-parto, possuem garantia de vaga em uma instituição quando em trabalho de parto e não vivenciam a apreensão de saber quem irá realizar o parto.

Por acreditar que o conhecimento do outro em sua totalidade dar-se-á ao se procurar compreendê-lo, enquanto indivíduos pertencentes a um grupo social com características peculiares, que são coletivamente construídas e aceitas e que influenciam na sua forma de perceber seus problemas de saúde e sua terapêutica, procurou-se com este estudo retratar as vivências de gravidez de forma compreensiva, sobretudo no que se refere aos significados atribuídos às vivências e ao reconhecimento das necessidades dessas mulheres a partir de suas experiências durante a gravidez.

Com o intuito de desvelar o fenômeno da vivência da mulher que se encontra gestante e que possui convênio saúde, este estudo teve os seguintes objetivos:

- geral: identificar se os sentimentos e as necessidades de cuidado das mulheres que vivenciam a gravidez, que possuem convênio saúde, e são atendidas em instituições privadas, diferem das usuárias do Sistema Único de Saúde;

- específicos: compreender o significado que a mulher que possui convênio saúde atribui ao processo de gestação; conhecer quais são as necessidades de cuidado dessa mulher nessa fase do ciclo vital.

Acredita-se que esses conhecimentos poderão contribuir significativamente no sentido de subsidiar o cuidado a essa clientela e incrementar o ensino na área da saúde da mulher.

BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Esta pesquisa tem sua base teórico-metodológica fundamentada nos princípios da pesquisa qualitativa que favorece o aprofundamento relativo aos significados, crenças e valores das pessoas que atribuem significados específicos às suas ações e relações humanas. A perspectiva fenomenológica foi adotada, pois se considera que permite melhor compreender a mulher como sujeito capaz de pensar, agir e refletir sobre seu mundo-vida e que necessita ser compreendida e ajudada por aqueles que a assistem.

Apropriou-se, aqui, do referencial da fenomenologia social, que se fundamenta na concepção de Alfred Schutz. Esse referencial estuda o fenômeno a partir do que é vivido pelas pessoas em seu cotidiano, considerando-as como elementos que atuam, interagem e se compreendem dentro do chamado mundo social; permite a substituição dos objetivos de pensamento pelo sentido comum, exemplificado pelas atividades tipificadas para as questões em estudo(8).

A fenomenologia social de Alfred Schutz visa compreender o mundo com os outros em seu significado intersubjetivo. Tem como proposta a análise das relações sociais, admitidas como relações mútuas que envolvem pessoas. Estrutura-se nos significados da vivência intersubjetiva da relação social e volta-se ao atendimento das ações sociais, que têm significado contextualizado, configurado no sentido social, e não puramente individual, o foco de interesse é o que se pode contribuir como característica típica de um grupo social que está vivendo uma determinada situação(9).

O intuito dessa pesquisa foi conhecer a realidade do grupo de gestantes que se encontrava no final do segundo trimestre de gestação, situando-as na atitude natural, portanto, no seu mundo-vida, para compreender as diversas práticas interpretativas por meio das quais a realidade é construída na perspectiva pessoal e social.

A ação social é conduta dirigida para a realização de determinado fim, e essa ação, denominada motivo para, só pode ser interpretada pela subjetividade do ator, pois somente a própria pessoa pode definir seu projeto de ação, seu desempenho social. Nesse sentido, a compreensão do social volta-se para o comportamento social em relação aos motivos, para as intenções que orientam a ação e para as suas significações para o ator da ação(8).

Por motivo entende-se: "um estado de coisas, o objetivo que se pretende alcançar com a ação". Assim, motivo para é a orientação para a ação futura. É, portanto, um contexto de significados que é construído ou se constrói sobre o contexto de experiências disponíveis no momento da projeção. Essa categoria é essencialmente subjetiva. Por outro lado, o motivo porque se refere a um projeto em função de vivências passadas, é uma categoria objetiva, acessível ao pesquisador. O contexto de significado do verdadeiro motivo porque é sempre uma explicação posterior ao acontecimento(8).

Schutz desenvolveu seus estudos com a inquietação proveniente de compreender o significado subjetivo da ação, o que irá possibilitar construir o tipo vivido. O tipo vivido é a expressão de uma estrutura vivida na dimensão social, uma característica de um grupo social, um conceito expresso pela inteligência, cuja natureza vivida é essencial, é invariante. Chega-se ao tipo vivido a partir da análise das relações sociais(8).

Utiliza-se, nesse sentido, o recurso metodológico da tipologia porque se busca, aqui, aprender e apreender com as "coisas sociais" enquanto significativas, graças à ação das mulheres grávidas na cena social em suas funções típicas e não como únicas e singulares, mas como tipo vivido. Na ação de engravidar, muitas vezes a mulher tem algo em vista, isto é, motivos para a ação enquanto projeto intencional a ser realizado.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Com o intuito de desvelar o fenômeno ser mulher vivenciando a gravidez a seleção dos sujeitos apoiou-se em critérios estabelecidos em função das inquietações que levaram a essa pesquisa. Assim, elegemos como critério para participar desta pesquisa mulheres grávidas, com idade acima de 18 anos, atendidas em instituições privadas, que possuíssem convênio saúde e que concordassem em participar do estudo.

As gestantes, sujeitos da pesquisa, também deveriam encontrar-se no final do 2º trimestre de gestação e, portanto, estar experienciando a gravidez e a assistência pré-natal. Essa fase do curso da vida das mulheres é apropriada para a coleta das descrições, pois, no final do 2º trimestre da gravidez, seus sentimentos estão mais próximos da realidade vivida e, desse modo, poderão expressar seus significados em discursos mais ricos.

Para a coleta de dados deste estudo, realizada no período de novembro de 2004 a março de 2005, não se fez necessário definir um local. A região de inquérito foi a própria situação onde o fenômeno ocorre, o mundo vida, o pré-reflexivo das mulheres que vivem e sofrem as influências da gestação. O contato com as gestantes dependeu do conhecimento das pesquisadoras e de informações de terceiros sobre a existência desses sujeitos. As entrevistas foram agendadas de acordo com data, horário e local de preferência das gestantes. Assim, algumas entrevistas foram realizadas nas residências dessas mulheres e outras nas dependências de seu trabalho.

A delimitação do número de sujeitos ficou definida a partir do momento em que se percebeu que os depoimentos desvelaram o fenômeno investigado, ou seja, as indagações encontraram-se suficientemente respondidas. O encerramento da inclusão de novas mulheres, vivenciando o período da gestação, foi decidido com base no conjunto dos dados coletados que evidenciaram tanto a riqueza, como a abrangência dos significados contidos nos depoimentos. Assim sendo, dez depoimentos foram trabalhados e considerados suficientes para desvelar o fenômeno.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas, gravadas, mediante autorização dos participantes, e norteadas por roteiro constituído das questões: fale-me do seu dia-a-dia depois que você ficou grávida. Como você se sente? O que você espera do profissional que atende você na gestação e que a atenderá no trabalho de parto e parto?

As mulheres foram esclarecidas sobre o objetivo do estudo, bem como sobre a manutenção do sigilo, do anonimato da sua pessoa e do seu direito de participar ou não do mesmo. Após estes esclarecimentos, solicitou-se aos participantes a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido para participar da pesquisa. Com o intuito de preservar o anonimato, as gestantes foram identificadas com nomes próprios, porém, fictícios.

CATEGORIAS CONCRETAS EMERGIDAS DO VIVIDO

Para análise dos depoimentos, procurou-se focar, de forma atenta, naquilo que se apresentava em comum, isto é, buscando os motivos para nas entrevistas, que identificaram as convergências apontadas para o desejo das gestantes nas ações dos profissionais de saúde. Os sentimentos e as experiências das gestantes foram compreendidos por meio da análise das cinco categorias identificadas após a organização dos depoimentos, sendo elas: tendo novas responsabilidades; vivenciando uma situação especial; vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas; sentindo-se limitada e confiando no profissional de saúde.

As categorias concretas emergidas do vivido, constituídas a partir do sentido da ação subjetiva, permitiram descrever o tipo vivido "mulher que vivencia a gravidez, que possui convênio saúde e que é atendida em instituição privada", como sendo aquela mulher que, com a gravidez, passa a ter novos projetos e novas responsabilidades, que vivencia situações especiais, como insegurança, ansiedade e expectativa, no que se refere à gravidez e ao nascimento e parto, que espera do profissional de saúde atenção, disponibilidade e competência técnico-científica e que, pelo fato de terem tido a oportunidade de escolher o profissional para assisti-la na gravidez, parto e puerpério, sentem-se seguras e confiantes.

ANÁLISE COMPREENSIVA DO TIPO VIVIDO: MULHER QUE VIVENCIA A GRAVIDEZ, QUE POSSUI CONVÊNIO SAÚDE E QUE É ATENDIDA EM INSTITUIÇÃO PRIVADA

O presente estudo possibilitou a apreensão da reciprocidade e da intersubjetividade, mediante o ato comunicativo que permearam os depoimentos das mulheres grávidas em relação aos motivos para e aos motivos porque das experiências cotidianas das gestantes, e de suas expectativas relacionadas às ações dos profissionais de saúde que as assistem no pré-natal e irão assisti-las no pré-parto e parto. Os dados obtidos possibilitaram conhecer e compreender o típico da vivência dessas mulheres que estão grávidas e possuem convênio saúde.

Os motivos para, extraídos do vivencial do cotidiano das mulheres grávidas, sujeitos do estudo, e que possuem convênio saúde, mostraram-se de forma relevante nas categorias: Tendo novas responsabilidades; vivenciando uma situação especial; vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas e confiando no profissional da saúde. já os motivos porque se mostraram por meio da categoria "sentindo-se limitada".

Na categoria tendo novas responsabilidades a verbalização de algumas gestantes mostram mudança de comportamento no que diz respeito ao cuidado com seus movimentos, com o corpo, com a alimentação, cuidados esses que não se referem somente a elas, mas, também, ao bebê. Nesse sentido, têm novos projetos, mostrando-se mais responsáveis.

... É uma sensação de mais responsabilidade. A gente pensa mais no futuro e pensa primeiramente na criança. Então a gente não pensa mais sozinha, como por exemplo, eu vou pegar mais um serviço porque eu preciso ganhar mais dinheiro. A gente começa a pensar no que vai ser mais seguro para o neném. Então muda isso, pois a gente sabe que tem uma criança que depende da gente... (Luciana).

... Mudou tudo. Mudou meu projeto de vida. Agora, eu programo meu dia, minha noite e meu final de semana. Mudou o lado financeiro, particular, na intimidade, na família. Mudou tudo. Está completamente diferente. A cada dia tem mudanças e adaptações. Você começa a fazer novos planos... (Bianca).

... na minha vida mudou bastante coisa, até a perspectiva de futuro que você tem muda, né, as preocupações de antes você tinha só com você, ou só com a sua família, muda, você se preocupa muito mais com o bebê...(Carolina).

Na categoria vivenciando uma situação especial, os relatos mostram como as gestantes definem seus sentimentos de felicidade, realização, projeção da construção da família, enfim, vivenciam uma situação especial. A gestação é influenciada por vários fatores, sendo que este processo provoca modificações, tanto internas quanto externas e, por isso, torna-se momento carregado de sentimentos e sensações, conforme se pode constatar nas falas abaixo.

... todos estão vivendo uma gravidez querida. Nossa! É totalmente diferente. O pessoal está curtindo muito. Está todo mundo muito feliz... (Bianca).

... A gravidez para mim está sendo maravilhosa... Eu estou muito feliz. É uma felicidade tão enorme... Está tudo maravilhoso... Está sendo uma benção divina do céu... (Kelly).

... Foi uma felicidade tão grande que não dá para descrever. Aquela idéia de que tinha um ser na minha barriga, ou seja, aquela coisa de estar carregando dentro de você uma nova vida me fez sentir abençoada. Na hora que eu fiquei sabendo eu pensei que Deus tinha lembrado de mim... (Giovana).

... você conseguir carregar um serzinho dentro da sua barriga é muito especial... (Carolina).

Na categoria vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas foi possível perceber que cada gestante refere sua insegurança e preocupação de acordo com as vivências e transformações que ocorrem durante a gestação. Nos discursos foram possíveis desvelar os motivos para dessa insegurança.

... a gente fica assim, como que será e o que vai acontecer? Também uma das preocupações que a gente tem no começo é com aborto espontâneo. Então, a gente fica preocupada. Tem alguns certos cuidados... a gente sente insegurança e medo de abortamento (Luciana).

... Eu tinha medo de sentir contrações e não dar tempo de anestesiar... (Lílian).

... Elas me falaram que o médico não fica acompanhando o tempo todo. Fica uma enfermeira e é ela quem avalia. Aí, eu fiquei preocupada se era ela que fazia o toque ou era o médico... as pessoas vão me ver e quantas vão me tocar. Diante dessa situação eu fiquei muito preocupada, pois, se aqui é assim, imagina em outro lugar. Afinal, aqui é um hospital particular e tem toda uma assistência diferenciada. Agora, imagina os outros lugares (Camila).

... A parte emocional que mexe mais mesmo é com a questão da ansiedade. A gente fica meio ansiosa para saber se está tudo bem... eu ficava doida para chegar o dia de fazer ultra-som para saber como ela estava... (Giovana).

A categoria sentindo-se limitada mostra o cansaço como limitação. Tudo que era feito com certa habilidade, não é mais possível realizar de forma natural. Aparecem os motivos porque de se sentirem limitadas. Algumas mudanças podem ser nitidamente percebidas. É comum haver aumento de necessidade de sono, como se um novo ritmo, mais lento, se imprimisse ao organismo como calma, serenidade, tranqüilidade, é como se ficassem mais vulneráveis e sensíveis(9).

... não consigo fazer tudo o que eu fazia de uma vez só, preciso de vez em quando deitar, colocar as pernas pra cima... (Gabriela).

... Ah eu me sinto mal..., não é legal você estar passando por uma série de alterações hormonais que deixam seu organismo totalmente despreparado, pelo menos na minha gravidez né, não sei, não sei se toda gravidez é assim pelo menos a minha tá sendo, então eu fico muito triste por não ter a energia que eu tinha antes, pra fazer as coisas, fico triste... (Natália).

... tudo parece que fica um pouco mais difícil, fica mais cansativo, daí eu tenho que fazer um pouco mais de repouso... no sentido físico é só o cansaço, fico mais cansada, né, sinto um pouco de falta de ar, inchaço... (Adriana).

Na categoria confiando no profissional de saúde, foi possível perceber a importância da interação profissional-cliente. Esse vínculo traz tranqüilidade, confiança e segurança. O reconhecimento dos sentimentos, expectativas, inseguranças e angústias, vivenciadas pelas gestantes, certamente pode ser minimizado por meio da interação profissional-cliente, pois essa proporciona liberdade à mulher e permite um canal de expressão importante. O estar bem informada contribui substancialmente para a resolução de dúvidas, angústias e anseios.

... ela cobrava para fazer cesárea e eu não achei isso justo. Então, eu troquei de médica. Essa médica agora é muito mais humana. Eu tenho muito mais liberdade com ela. A outra médica era muito mais distante. Eu espero e acho que a gente espera sempre na gravidez é uma aproximação maior com a médica... (Luciana).

... Olha, eu tive uma primeira consulta que foi assim... eu abri o livrinho e olhei um nome. Não tinha referência e não conhecia a pessoa. Aí fui em uma consulta com ela, eu não gostei. Não era o tipo de profissional que eu queria para me acompanhar nove meses. Era uma pessoa muito distante, com poucas palavras. Tipo assim, você vai fazer isso, aquilo e depois você volta. Sabe aquela coisa vazia. Também não me deu espaço para perguntar. Eu me senti inibida. Não era o tipo de profissional que eu queria... pois, aí eu pensei, nossa será que eu vou ter que marcar com todo mundo e ir triando até encontrar alguém bom. Aí elas acabaram indicando umas pessoas muito procuradas. Aí eu fiz uma nova marcação...(Bianca).

... e ela é uma pessoa super atenciosa e companheira. Se eu preciso dela, eu ligo e ela é uma pessoa super presente e disponível, me transmite muita tranqüilidade... me passa muita segurança, o que eu acho fundamental, me atende sempre de prontidão e está sempre muito presente, e ela vai ser minha obstetra, vai estar no dia do parto, vai estar na hora. Isso para mim é excelente, pois, a pessoa que te acompanhou o tempo todo, para mim tem que estar dentro da sala... É uma pessoa que eu confio. Acho que essa hora é um momento muito delicado e não é bom você ter muitas surpresas... (Giovana).

Faz-se necessário ressaltar se que constatou por meio da literatura, que as categorias apresentadas, ou seja, o típico da vivência das mulheres grávidas que possuem convênio saúde mostrou-se da mesma forma para as mulheres que não possuem convênio saúde(3-4,10). No entanto, na categoria: "confiando no profissional de saúde", percebe-se a importância de possuir convênio saúde, ter vínculo com o profissional, pois há intersubjetividade e reciprocidade das intenções entre a mulher e o profissional de saúde. O resultado do presente estudo não revela dificuldade para satisfazer a busca por cuidado profissional, pois a interação cliente-profissional de saúde possibilita vivência positiva do período gestacional, diferentemente de outros estudos sobre a experiência de mulheres grávidas, que não possuem convênio saúde, assistidas no contexto de um serviço de pré-natal e que mostram a descontinuidade da assistência e a avaliação negativa por parte dessas sobre o atendimento oferecido(1,3,5,10).

Muitas vezes a sobrecarga de trabalho no cotidiano dos profissionais de saúde pode fazer com que esse profissional preste assistência mecanizada, tecnicista e não reflexiva. A mescla da ciência e da arte é o que distingue o bom profissional daquele que é simplesmente um técnico competente. Boa assistência só se torna possível quando o profissional de saúde atua não só com preparo técnico, mas, também, com intuição e empatia(11).

... Principalmente eu acho que é a atenção... Você ser ouvida... Ter um pouco de carinho... A gente quer ser ouvida mesmo... (Adriana).

... Tudo que eu espero do profissional é atenção, porque a gente precisa de atenção, é um momento de muita fragilidade... (Carolina).

Cuidar de uma gestante, não é cuidar de uma "barriga" e, sim, de uma grávida. O diálogo é o ato mais importante da assistência pré-natal. É imprescindível que todos os profissionais atuantes na área de saúde da mulher conheçam profundamente a gravidez como fase do desenvolvimento humano(2).

O papel do profissional que assiste a mulher no pré-natal é mais abrangente, deve ir além do biológico. Os aspectos subjetivos devem ser valorizados assim como o contexto socioeconômico e cultural necessita ser sistematicamente conhecido para que se ofereça uma assistência à gestante de melhor qualidade(4).

Para as mulheres grávidas, que possuem convênio saúde e são atendidas em instituições privadas, sujeitos deste estudo, percebe-se que a possibilidade de poder contar e, às vezes, até escolher o profissional de saúde que irá atendê-las durante a gestação faz-se presente e muito contribui para a segurança, tranqüilidade e bem-estar. A verbalização abaixo mostra que, após feita essa escolha, a mulher se sente segura por contar com o profissional em caso de dúvidas e intercorrências. Aparecem os motivos para na sua verbalização.

... ela é uma pessoa superatenciosa e companheira, se eu precisar dela, eu ligo... ela é uma pessoa superpresente e disponível... Ela me transmite muita tranqüilidade... (Giovana).

Acredita-se que a preocupação das mulheres em relação ao bem-estar do bebê, ou tipo de parto, a assistência recebida nesse momento pode ser sanada, em parte com a interação profissional-cliente, interação essa que certamente muito contribuirá para a promoção da tranqüilidade durante essa fase do período gravídico-puerperal.

Vale lembrar que a maneira como a mulher experiencia a gravidez, a forma como a vivencia é percebida e a informação que ela recebe sobre a gestação ao longo de sua vida poderão afetar diretamente sua percepção e crença a respeito dos eventos vividos, acrescidos de outros fatores. A bagagem de conhecimento disponíveis é "uma estrutura sedimentada das experiências subjetivas prévias do indivíduo, adquiridas ao longo de sua vida, por meio de experiências vivenciadas ou que a ele foram comunicadas por outras pessoas."(11).

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Ao utilizar a visão da fenomenologia social de Alfred Schutz foi possível fazer emergir o vivido das gestantes que possuem convênio saúde até então não desvelado por pesquisas explicativas e de relações casuais.

A maneira delas vivenciarem a gestação e as razões e os motivos para cada experiência têm fundamento nos seus valores e crenças, os quais são adquiridos socialmente.

Os depoimentos das gestantes fizeram emergir o sentido que a gravidez tem para elas como sendo um conhecimento de origem social e socialmente aprovado. É aprovado socialmente porque está sendo aceito como verdade não só por si próprio, mas também por seus contemporâneos. Com base nesse pressuposto, compreende-se a importância dos conhecimentos adquiridos sobre a gestação. Mesmo sendo conhecimentos passados de geração em geração de mulheres, com modificações no decorrer do tempo, esses conhecimentos, contudo, mantêm a estrutura de gerações anteriores.

As mulheres grávidas baseiam-se em ações típicas para solucionar problemas tipificados do cotidiano de suas relações sociais, lançando mão do estoque do conhecimento para compreender e projetar suas atuações frente ao trabalho de parto e parto e as expectativas relacionadas à assistência.

Nesse sentido, julga-se que este estudo buscou respostas fundamentadas em metodologia que permitiu refletir o cuidado à gestante que não tem possibilidade de possuir convênio saúde, desenvolvendo atitude crítica a respeito da assistência prestada no atendimento às necessidades dessa clientela, com viabilidade de reverter em ação os conhecimentos apreendidos.

As categorias vivenciando insegurança, ansiedade e expectativas e confiando no profissional de saúde mostraram-se contextualizadas, possibilitando a reflexãor sobre seu conteúdo ao se executar as ações.

Utilizando a abordagem compreensiva, acredita-se que as respostas obtidas poderão contribuir para a assistência digna, que passa pela informação e pela capacidade de fazê-la valer, pela melhoria das condições de trabalho nos serviços de saúde e das condições de vida da população usuária. Direito que, juntos, profissionais de saúde e usuários, devem aos poucos conquistar.

A dimensão valorativa da relação interpessoal coloca o profissional enfermeiro na dimensão ética, na qual valor, liberdade, respeito e dignidade são essenciais. Desse modo, na convivência humana há elementos como relacionamento, compartilhamento de idéias, de emoções e de sentimentos no mundo da vida. As pessoas valem mais que as coisas; valem por si mesmas e não pela posição que ocupam, pois possuem um caráter de dignidade que lhe é inerente, pelo fato de serem seres humanos(12).

Se as mulheres grávidas forem encaradas como agentes e não como pacientes, a assistência pré-natal poderá resultar em reflexos positivos nos indicadores epidemiológicos nas áreas da saúde materna e perinatal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 8.6.2006

Aprovado em: 4.6.2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2006
  • Aceito
    04 Jun 2007
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