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A sobrevivência econômica de instituições de longa permanência para idosos empobrecidos

Resumos

OBJETIVO: Identificar acoplamentos estruturais da instituição de longa permanência para idosos (ILPIs) com o sistema econômico, para a manutenção das instituições que abrigam idosos pobres, no contexto brasileiro. MÉTODO: Estudo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com sete dirigentes e oito idosos, análise de comunicações de 52 ILPIs sem fins lucrativos, de caráter público ou privado. A análise de conteúdo foi processada com base nos referenciais da teoria de sistemas de Niklas Luhmann. RESULTADOS: Foi verificado que, diante da escassez de recursos econômicos dos idosos, parte importante das despesas para a manutenção das ILPIs é assumida pelas próprias Instituições e a busca desses recursos dirigentes, equipe, idosos e comunidades. CONCLUSÕES: O excessivo envolvimento das instituições na elaboração de programas em busca de fontes de recursos pode prejudicar o desempenho da função essencial de cuidado ao idoso pobre.

instituição de longa permanência para idosos; idoso; geriatria; envelhecimento; teoria de sistemas; pobreza


OBJECTIVE: Identify structural couplings of Retirement Institutions for the Aged (RIA) with the economic system, in order to maintain those institutions that shelter the poor aged in the Brazilian context. METHOD: Qualitative, exploratory-descriptive study. The data collection was carried out through interviews with seven leading people and eight aged people, analysis of communication of 52 non-profit Brazilian RIAs, both public and private. The content analysis was performed based on the Niklas Luhmann's Systems Theory. RESULTS: It was verified that in face of the aged scarce resources, a considerable share of the maintenance costs are supported by the institutions themselves, whose search for resources is done by leaders, team, the aged and communities. CONCLUSIONS: The excessive involvement of these institutions in the elaboration of programs for searching funds can harm the performance of their essential function which is to care for the poor aged.

homes for the aged; aged; geriatrics aging; systems theory; poverty


OBJETIVO: Identificar acoplamientos estructurales de Hogares para Ancianos (HA) con el sistema económico, para la manutención de las instituciones que abrigan ancianos pobres, en el contexto brasileño. MÉTODO: estudio de aproximación cualitativa de tipo exploratorio descriptivo. La recolecta de datos fue realizada mediante entrevistas con 7 dirigentes y 8 ancianos y análisis de comunicaciones de 52 HAs sin fines lucrativos, de carácter público o privado. El análisis del contenido fue procesado con base en los referenciales de la Teoría de Sistemas de Niklas Luhmann. RESULTADOS: Se verificó que, ante la falta de recursos económicos de los ancianos, una parte importante de los gastos para la manutención de las Has es asumida por las propias instituciones y la búsqueda de esos recursos involucra a dirigentes, equipo, ancianos y comunidades. CONCLUSIONES: El excesivo comprometimiento de las instituciones en la elaboración de programas en búsqueda de fuentes de recursos puede perjudicar el desempeño de la función esencial de cuidado al anciano pobre.

hogares para ancianos; anciano; geriatría; envejecimiento; teoría de sistemas; pobreza


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira, Doutor em Gerontologia Biomédica, Professor Adjunto, Vice-Diretor da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: marionc@pucrs.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, e-mail: ltakase@brturbo.com.br

IIISociólogo, Doutor em Sociologia, Professor Adjunto da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, e-mail: sobottka@pucrs.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar acoplamentos estruturais da instituição de longa permanência para idosos (ILPIs) com o sistema econômico, para a manutenção das instituições que abrigam idosos pobres, no contexto brasileiro.

MÉTODO: Estudo exploratório-descritivo, de abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com sete dirigentes e oito idosos, análise de comunicações de 52 ILPIs sem fins lucrativos, de caráter público ou privado. A análise de conteúdo foi processada com base nos referenciais da teoria de sistemas de Niklas Luhmann.

RESULTADOS: Foi verificado que, diante da escassez de recursos econômicos dos idosos, parte importante das despesas para a manutenção das ILPIs é assumida pelas próprias Instituições e a busca desses recursos dirigentes, equipe, idosos e comunidades.

CONCLUSÕES: O excessivo envolvimento das instituições na elaboração de programas em busca de fontes de recursos pode prejudicar o desempenho da função essencial de cuidado ao idoso pobre.

Descritores: instituição de longa permanência para idosos; idoso; geriatria; envelhecimento; teoria de sistemas; pobreza

INTRODUÇÃO

Diante da necessidade de buscar uma instituição de longa permanência para idosos (ILPIs), o idoso empobrecido no Brasil tem, como possibilidade, as instituições sem fins lucrativos, sejam elas públicas ou privadas. A inexistência e a impossibilidade de arcar com os custos de alternativas, anteriores à institucionalização, bem como a diminuída existência de vagas em instituições sem fins lucrativos, provocam um mercado de (des)cuidado ao idoso de baixa renda, com o surgimento de estabelecimentos, muitas vezes irregulares, com características iatrogênicas, realidade estarrecedora de total abandono, negligência, violência e maus-tratos(1-3). Na perspectiva da necessária qualificação dos espaços de cuidado ao idoso, tornou-se objeto de estudo a questão da manutenção e sobrevivência de ILPIs destinadas ao idoso pobre, no contexto brasileiro.

A função da ILPI inclui, dentre outras, assistir ao idoso "sem vínculo familiar ou sem condições de prover à própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social" ou abrigar "idosos dependentes e/ou independentes em estado de vulnerabilidade social"(4). Para o desempenho dessa função, a ILPI tem necessidade de se organizar do ponto de vista econômico, envolvendo-se com operações do sistema econômico. Esse sistema está centrado na escassez de recursos, bem como sua distribuição e garantia de satisfação das necessidades dos sistemas sociais. A satisfação das necessidades das pessoas idosas residentes em ILPIs sem fins lucrativos é, para essas instituições, um problema real e constante, pois atendem a pessoas de baixa renda. Assim, a quase totalidade de recursos necessários à manutenção do idoso passa a ser responsabilidade da ILPI, que precisa assegurar-se, continuamente, de determinados elementos para eliminar a escassez(5) e garantir a assistência a que se propõe.

OBJETIVO

Identificar os acoplamentos estruturais da instituição de longa permanência para idosos com o sistema econômico para a manutenção das instituições que abrigam idosos pobres, no contexto brasileiro, observando as comunicações e as ressonâncias na ILPI.

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa, de cunho exploratório-descritivo.

O foco de estudo foram ILPIs do contexto brasileiro, em meio urbano, com residentes sem condições de prover a própria subsistência, ou provindos de famílias de baixa renda. Foram incluídas no estudo instituições regularmente reconhecidas como ILPIs, de caráter público ou privado e sem fins lucrativos.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista, seguindo roteiro com questões norteadoras, com sete profissionais dirigentes de diferentes subsistemas internos de ILPIs e oito idosos residentes, em três ILPIs, na região metropolitana de Porto Alegre, RS. Foram observadas comunicações produzidas por 52 ILPIs, veiculadas pela mídia, que expressam a visão que as organizações têm de si mesmas e as expectativas do ambiente social em relação à organização.

A análise dos dados das observações teve, por referência, o método de análise funcional de Niklas Luhmann(5), formulação atualizada da teoria de sistemas, com aplicações nos fenômenos sociais e culturais, com abordagem interdisciplinar. Para Luhmann, os sistemas sociais organizacionais, como a ILPI, podem ser analisados em seus processos internos e as interdependências com outros sistemas e organizações. Esses sistemas são autopoiéticos e suas decisões se encontram em acoplamento estrutural permanente, por comunicações, com seu entorno, podendo estimular ressonâncias nos sistemas envolvidos. A análise dos dados, oriundos da transcrição das entrevistas e das comunicações das ILPIs, foi processada por meio da análise de conteúdo(6). As unidades de significado, identificadas no processo de análise de conteúdo foram codificadas, sendo que foi utilizada a letra I para os idosos, D para dirigentes e ILPI para as instituições, seguidas de um número de identificação.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Os dirigentes das ILPIs e os idosos residentes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Ainda, nos dados obtidos nas comunicações de ILPIs, preservou-se a identidade da organização.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A necessidade de que as ILPIs, foco deste estudo, se ocupem com maneiras de suprir a carência econômica dos idosos que abrigam, é percebida na fala da idosa, abaixo.

Aqui nós pagamos a metade do nosso salário, que é um salário mínimo [U$ 190]. Nós não temos condições de pagar U$ 380 ou U$ 500 por mês (I3).

Considerando que a aposentadoria é a principal fonte de renda entre os idosos pobres(7), a afirmativa evidencia a vulnerabilidade a que podem estar expostos os idosos institucionalizados, por não possuírem as condições de suprir, eles mesmos, o custo de sua manutenção nesses espaços. Os acoplamentos estruturais entre as ILPIs e o sistema econômico, na busca da manutenção dessas organizações, por meio da compensação da escassez do recurso do idoso, foram identificados e organizados em três categorias: "recursos econômicos para a manutenção da ILPI", "as fontes dos recursos econômicos", "os recursos, fontes alternativas e estratégias".

Recursos econômicos para a manutenção da ILPI

A relação da ILPI com o sistema econômico é de devedor e, para sua regularidade, não há como escapar dos compromissos financeiros. O sistema econômico não tem qualquer influência em efetuar pagamentos ou negá-los. Para isso, há programas auto-regulatórios, oriundos da relação entre oferta e demanda na dinâmica do mercado(5), que convergem para determinar os custos da manutenção de um idoso na ILPI, que foram referenciados pelas seguintes comunicações.

O nosso custo mensal aqui hoje contabilizado, o que entra de dinheiro e o que sai, isso com todas as doações que nós temos, se fosse ter um preço assim fixo teria que ser um preço de em torno de U$ 300,00 e U$ 350,00 mensais (D4).

O custo de um idoso hoje pra nós está em torno de U$275,00 a U$300,00 (D3).

Hoje o idoso custa, descontadas todas as doações, U$ 210,00 por mês (ILPI3).

Segundo a administração do local, a manutenção de cada idosos custa, em média U$ 500,00 (ILPI52).

O custo mensal do idoso é determinado pela totalidade dos recursos necessários à manutenção do idoso na instituição, que vai desde insumos alimentares e materiais de higiene até o pagamento de funcionários e de impostos, como descrito a seguir. Ressalte-se que a descrição não pretendeu ser exaustiva, mas levantar indicativos da dimensão das responsabilidades para com o sistema econômico.

A alimentação é um recurso diário que precisa estar disponível na ILPI, em quantidade e qualidade adequadas aos seus residentes. Na maior parte das organizações, a alimentação é processada na instituição. Portanto, todos os insumos, perecíveis e não perecíveis, são adquiridos por elas.

Nós recebemos muitas doações, mas nem todas doações que se ganha contemplam as necessidades do idoso - então se tem gastos com carne, verduras, frutas que o idoso precisa (D2).

Os produtos de higiene pessoal são imprescindíveis. Inclui-se, além de sabonete, xampu, creme dental, escova dental, também fraldas geriátricas necessárias ao cuidado das pessoas com incontinência urinária e/ou intestinal, situação com alta prevalência nesses espaços.

Tem que comprar fraldas geriátricas, nós temos idosos acamados (D2).

Só de fraldas geriátricas o consumo diário chega a 80 (ILPI3).

A respeito de fraldas geriátricas há a percepção, por parte de algumas pessoas, de que seria um artigo de luxo. Enfermeiros têm travado verdadeiras batalhas para garantir esse que, mesmo sendo um item gerador de altos custos, esteja disponível para conforto, prioritariamente do idoso, mas também da qualidade e otimização da atuação da equipe de cuidados aos idosos com tal necessidade. Os produtos de higienização do ambiente e produtos de lavanderia também somam gasto mensal significativo e precisa ser garantido para a manutenção da segurança ambiental.

Alto custo no cuidado à saúde são os medicamentos, especialmente os não repassados pela Secretaria de Saúde. Evidenciou-se o compromisso da instituição em garantir, mesmo por compra, o acesso à terapêutica.

Mensalmente a casa possui uma despesa de doze mil reais somente em medicamentos (ILPI1).

A folha de pagamento dos funcionários ocupa alto percentual do custo mensal das ILPIs, apesar da isenção da parte patronal nos compromissos trabalhistas.

Nós temos um número grande de funcionários, nós estamos hoje com cinqüenta e nove funcionários, só na enfermagem nós temos trinta funcionários [...]. É uma das rubricas mais altas, a nossa folha de pagamento. A gente até precisaria de muito mais funcionários (D3).

O peso da folha de pagamento no orçamento mensal é referido como justificativa para o número diminuto de funcionários e para os baixos salários percebidos por esses.

O salário pago ao cuidador é o mínimo (ILPI12.)

No pagamento de tarifas de água, luz, gás e impostos, não há possibilidade de quaisquer isenções, ainda que as ILPIs já tenham ventilado essa possibilidade.

Porque as instituições têm as despesas, são despesas fixas não há isenções, pagamos luz, pagamos água, pagamos impostos (D6).

A nossa conta de luz também incide um percentual igual a uma indústria que produz alguma coisa que vende e que tenha lucro (D3).

Destaca-se que parte das entidades filantrópicas, também ILPIs, podem não estar incluídas em quaisquer tipos de isenções, que é concedida somente às entidades que atendem às exigências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), dentre as quais possuir o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEAS), concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) no qual apenas 64% do total entidades filantrópicas estavam registradas em 2004(1).

Equipamentos, especialmente os de auto-ajuda, são muito utilizados pelas ILPIs. Geralmente são equipamentos de alto custo para a aquisição, bem como para a manutenção.

Tipo de doação que necessita: camas, macas, cadeiras de banho, cadeiras de roda e produtos ortopédicos (ILPI9).

Um dos maiores problemas do asilo era a falta e o mau estado das cadeiras de roda (ILPI26).

Os custos com a manutenção contínua dos prédios, geralmente antigos, bem como as necessidades de reformas e adaptações, fundamentadas na legislação são, embora imprescindíveis, relegados ao segundo plano. Também na ILPI pública esse aspecto exige negociações prolongadas e, às vezes, sem sucesso.

Parte da manutenção, muito pouco, é feito pelo Município (D7).

A gente vive esperneando, tanto é que nossa casa com todo esse tempo de construção, a gente procura dar para os idosos tudo o que é de bom, tudo o que eles precisam, mas a gente não tem o material pra fazer uma reforma, pra pintar quarto, pra mudar esquadrias que estão todas com cupim, pisos, reformar banheiros, que tem banheiros antigos. Como tem muito uso, chuveiros, por exemplo, tem quarenta usando o mesmo chuveiro uma vez por dia, então tem a manutenção, troca (D3).

Em vista dessas necessidades e a escassez de recursos econômicos para atendê-las, a maior parte das ILPIs não se encontra, ainda, adequada às normas. Isso foi constatado por autores(8-10) que estudaram as estruturas de diferentes ILPIs à luz da legislação, especialmente da Portaria 810/89(11). Apesar da inadequação, ainda presente nas ILPIs, a literatura aponta para lenta e gradual mudança nesse aspecto(8-9,12). As comunicações referentes às obras refletem a adaptação às normas estabelecidas pela legislação, mas também o atendimento à diversidade de necessidades do idoso, bem como a humanização dos espaços.

A festa junina coincidiu com a conclusão das obras de revitalização que deram ao asilo da cidade a condição de modelo no gênero na região sul do país (ILPI22).

Colocação de som ambiente em todas as dependências do asilo (ILPI2).

Fazer uma varanda para facilitar os idosos tomarem sol no 2º piso (ILPI2).

Como bem referiram alguns dirigentes, o espaço físico, o mobiliário, equipamentos e materiais para o lazer não são secundários. Eles têm influência direta na qualidade de vida, determinando maior ou menor risco de fraturas, por exemplo, ou de isolamento social.

Além de procurar, também, contemplar a parte da estrutura, acomodar o idoso bem para que ele possa se movimentar, que tenha um espaço, que dê conta das necessidades dele (D2).

Ter uma cadeira mais confortável para sentar, eu acho que isso que está faltando (D1).

Nesse sentido, estudos(1,13) constataram que a insuficiência de equipamentos nas ILPIs resulta na diminuição da participação de idosos em diversas atividades, como assistir à TV, escutar rádio e música, tanto no espaço individual, como no coletivo.

As fontes dos recursos econômicos

Na observação ficaram evidenciadas, como fonte de recursos para a manutenção das ILPIs, a renda dos idosos, as verbas públicas e as doações da comunidade.

Em geral, as ILPIs sem fins lucrativos absorvem parte ou a totalidade da aposentadoria dos residentes, como forma de contribuição à manutenção da instituição. Isso é referido pela literatura(10), como também o foi pelos dirigentes entrevistados.

Nós temos uma parceria com os idosos que nos passam o benefício que eles recebem pra gente poder fazer frente essas despesas (D3).

Embora os idosos compreendam a necessidade de repassar parte ou a totalidade de sua aposentadoria para a instituição, acabam expressando a sensação de espoliação. Com a aprovação do Estatuto do Idoso, a possibilidade de manter uma parte da renda do idoso na ILPI ficou legitimada, desde que garantido ao idoso o direito de permanecer com um percentual(14). A literatura ressalta que os idosos institucionalizados que não gerenciam sua renda não têm "a possibilidade de opinar sobre os próprios serviços"(12), além de dificultar elos com a realidade e manterem-se atualizados nos valores monetários, por exemplo. Há, dentre os residentes das ILPIs, aqueles que não possuem aposentadoria. Esses representam, possivelmente, o grupo de idosos de extrema pobreza(7). Para esses, as ILPIs encaminham a solicitação do Benefício de Prestação Continuada, mas apenas a partir do momento em que completam 65 anos.

As ILPIs públicas são mantidas, em grande parte, pelo orçamento do Município. As demais ILPIs reconhecidas e legitimadas como sem fins lucrativos, na maior parte das vezes, contam com alguma verba pública como fonte de recursos. As comunicações citadas expressam a existência dessa possibilidade.

Nós temos uma verba federal que é repassada para o município, de U$ 20,00 por idoso independente e de U$ 30,00 por idoso dependente. É uma verba pequena, mas ajuda (D2). Convênios federais e estaduais são os principais recursos para a manutenção da obra social (ILPI2).

As ILPIs expressam, com lamentação, que além de escassos, os recursos públicos são recebidos, freqüentemente, com atraso. Em algumas situações as verbas públicas são repassadas para projetos específicos, voltados à ampliação ou reforma de instalações, aquisição de equipamentos, dentre outros, aprovados em órgãos governamentais. Juntos, os ganhos dos idosos repassados às ILPIs e as verbas públicas não completam a necessidade total de recursos para responder pelos compromissos financeiros.

A entidade é filantrópica e é mantida com verbas que recebe do Governo Federal, da Prefeitura e dos benefícios dos residentes, os quais representam 50% do orçamento mensal (ILPI12).

Nesse sentido, as ILPIs sem fins lucrativos dependem, em muito, de doações da comunidade.

As ILPIs sem fins lucrativos, de caráter privado, enfrentam muito mais dificuldades para suprir seu orçamento mensal, sendo que a maior parte vem de doações e parcerias ou, como dizem

... é aquilo que a gente tem que buscar fora (D3).

As doações da comunidade provêm tanto de pessoas individuais ou grupos de pessoas, pessoa física, como de pessoas jurídicas. Os doadores na forma de pessoa física ou de grupos de origem diversa são importantes na manutenção das instituições e são constantemente motivados e chamados à solidariedade.

Temos comunidade e temos sócios, colaboradores, temos uma grande parcela de sócios contribuintes (D3).

As parcerias ou os convênios com pessoa jurídica exigem agilidade no encaminhamento de projetos que, nem sempre, são aprovados. Destacam-se as parcerias com as empresas estatais e não estatais dos mais diversos setores da economia, da indústria, comércio e serviços, bem como organizações pertencentes ao terceiro setor. Comenta a dirigente:

A busca de parcerias hoje é um dos pontos chave. O pagamento da enfermeira da casa é feito por uma empresa de saúde. Hoje nós temos vários convênios, algumas empresas que fazem o repasse do dinheiro para utilização de algum projeto. Esses parceiros não querem simplesmente dar o dinheiro, querem ver onde e de que forma este dinheiro está sendo aplicado. Algumas inclusive colocam alguns objetivos, fazem uma fiscalização, orientam (D6).

As parcerias com empresas são as mais pleiteadas pelas ILPIs e, com os programas de responsabilidade social, as possibilidades têm aumentado nos últimos anos. Com a implantação de ações sociais as empresas, além de responderem por nova cultura baseada na ética, entendem que podem aumentar a produtividade e o comprometimento de seus funcionários e, ainda, garantir-lhes maior reconhecimento na comunidade e no mercado(15). A opção por determinada ILPI por parte de uma empresa vai depender dos estímulos da instituição e as respectivas ressonâncias no ambiente, favorecendo o acoplamento estrutural com esse setor do sistema econômico. Além disso, pode-se indicar a possibilidade de que o 'apadrinhamento' acontece com base nos interesses de mercado e de marketing, muito bem pensados, que essa parceria pode fortalecer. A seletividade, portanto, se dá por um sentido definido pela empresa e, se a parceria não responde às expectativas do sistema empresarial, ela é abandonada. As entidades filantrópicas e assistenciais são as maiores signatárias de recursos provindos da responsabilidade social das empresas. Os dirigentes expressaram que ainda é limitada a participação do setor.

Fontes alternativas e estratégias

As ILPIs criam as mais diferentes formas de angariar fundos. Pode-se dizer que uma das ressonâncias do acoplamento estrutural com o sistema econômico na instituição é a criação de programas internos para garantir os recursos, fazendo frente às contingências internas e externas e aos condicionantes econômicos. Assim, são criadas alternativas, implementadas estratégias e motivadas as participações dos subsistemas internos da ILPI para fazer frente aos condicionamentos da pobreza.

Dentre as muitas alternativas criativas que as ILPIs encontram, cita-se a confecção de cartões, feiras de usados, festas, bazar e show beneficente, rifas. Exemplificando:

Então nós temos outras alternativas, nós temos nossos feirões que a gente faz quatro vezes por ano (D3).

Eles participam de festas que são realizadas mensalmente no asilo, onde a principal intenção é a arrecadação de dinheiro para melhorias no asilo (ILPI4).

Aplicações financeiras e aluguéis são fontes citadas pelas ILPIs, além de parcerias com empresas de prestação de serviços, que oferecem seus serviços como recurso alternativo. Recursos menos comuns também fazem a diferença, no cotidiano.

O grupo [de trabalhadores de uma indústria] decidiu então realizar a reforma das cadeiras, sempre aos sábados de manhã, tradicionalmente dedicado aos 5S. O grupo se comprometeu também a fazer a manutenção preventiva das cadeiras do asilo (ILPI26).

O serviço visa impedir o ingresso, em território brasileiro, de produtos de origem animal e vegetal. (...) Na lista de beneficiados com mercadorias arrecadas [apreendidas] no serviço de inspeção estão um asilo de idosos (ILPI44).

Uma das formas citada foi o recolhimento de notas fiscais, um programa de alguns Estados, cujo objetivo principal era o incremento da sua receita. As entidades, embora reconheçam o benefício, apontam controvérsias.

É uma coisa boa, mas nos dá trabalho, nós estamos sendo fiscais do governo. Quantas notas a gente tem que digitar, uma por uma no sistema... E aí depois recebemos, dois mil, mil e poucos reais de três em três meses pra gente fiscalizar o governo... E aí a gente ainda tem que prestar contas do que a gente fez com esse dinheiro, tem que mandar com notas, comprovar (D3).

As ILPIs selecionaram essa oferta pontual como comunicação com sentido para a entidade, mas entendem que a ressonância disso no interior do sistema gera sobrecarga à qual se submetem em vista dos condicionamentos econômicos.

Essas alternativas na busca de recursos demonstram que as informações que a ILPI lança no ambiente ficam à espera de algum outro sistema que as compreenda, processe e aproveite e lhes dê retorno com resultados favoráveis a essa ressonância que a comunicação provocou(5). Os dirigentes ressaltaram o fato de que, depender de doações, não é tão simples. Os doadores precisam seguir a linha de necessidades da instituição, que afirma que ... qualquer caridade não serve (D6).

Há, portanto, a preocupação de que as pessoas saibam o que acontece, procurem saber como funciona as ILPIs e quais são suas reais necessidades, colaborando para o desempenho adequado de sua função de cuidado integral ao idoso. Nesse sentido, as ILPIs, além de colocar-se à disposição para oferecer as informações na própria instituição, divulgam à comunidade, de forma específica e detalhada, as suas necessidades, por meio de fôlderes, sites institucionais, matérias jornalísticas. Divulgam, igualmente, as formas de contribuição. Percebe-se a diversificação das possibilidades, no sentido de facilitar o envolvimento dos diferentes grupos da sociedade.

Contribuições podem ser feitas nas formas mensal, trimestral, semestral, anual ou eventual nas seguintes contas bancárias (ILPI3).

Observou-se que os doadores não são permanentes. Assim, há a necessidade de contínua captação de parceiros. Além disso, a complexificação da ILPI e novas demandas para responder às expectativas da sociedade, exigem a ampliação de fontes de recursos(3). Uma vez que a principal motivação para a parceria e contribuição está na solidariedade, essa deve ser positivamente explorada, acompanhada de esclarecimentos e nova visão acerca das ILPIs, buscando a solidariedade com o cidadão idoso. Assim, diante de reportagens que mostram a instituição, as entidades garantem a continuidade e a renovação de doadores. Não fosse a solidariedade da comunidade, de pessoas, grupos, empresas e instituições de ensino muitas ações não seriam possíveis.

Cientes de que sua manutenção depende, em grande parte, da instituição, também os idosos residentes acompanham, atentos, a busca e o recebimento de doações.

Fazem doações, a comunidade vem visitar e vem trazer doações (I3).

Também as equipes profissionais precisam estar envolvidas nos processos de captação de recursos. Mas a preocupação em garantir os recursos é tão grande que acaba por ser criticada pelos profissionais da própria instituição que entendem que a priorização da busca de fundos e a economia acabam por deixar em segundo plano investimentos necessários ao bem-estar do idoso.

Essa instituição eu vejo muito preocupada, em arrecadar fundos. Porque eu sei que é importante, eu sei que é importante pra sustentar (D1).

Eu vejo que o idoso, que são deixadas de lado suas necessidades, que eu acho que ele merece pelo menos mais conforto (D1).

Observou-se que a priorização de investimentos voltados ao bem-estar do idoso depende da concepção que a direção tem acerca das necessidades do idoso, do ponto de vista gerontológico(3,12).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da pobreza do idoso acolhido pela ILPIs sem fins lucrativos, públicas ou privadas, observou-se que as contingências para o acoplamento estrutural dessas instituições com sistema econômico são inúmeras, por um lado, a determinação de necessidades dos subsistemas internos das ILPIs, do cuidado de enfermagem, da nutrição, do lazer e bem-estar, dentre outros, e, de outro lado, as necessidades provindas de sistemas sociais parciais, como a legislação trabalhista e as Normas de Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso. O sistema econômico condiciona os processos de pagamento que, por conseqüência, ao serem selecionados como informações pelas ILPIs, determinam o envolvimento das instituições em busca contínua de fontes de recursos.

Os idosos, apoiados pelo Estatuto do Idoso, expressaram o desejo de receber e gerenciar parte de sua renda. Tal ruído, provindo desse subsistema interno, deve ser selecionado pelas ILPIs em suas decisões referentes a esses recursos, que também contribuem para a manutenção das instituições. O idoso pobre, diante da institucionalização, torna-se vulnerável à espoliação de seus parcos recursos.

O recebimento das verbas públicas depende dos sucessos comunicativos no acoplamento estrutural entre as ILPIs e o sistema social parcial político. Dentre as doações da comunidade são muito desejadas as parcerias com empresas e a sua ampliação é determinada por estimulação constante da ILPI no ambiente. Os recursos, provindos de fontes alternativas, igualmente representam ressonâncias no entorno a partir de informações lançadas pelas ILPIs, que precisam mudar a cultura de que qualquer auxílio serve para suprir a pobreza.

O delineamento contínuo de programas internos para que as comunicações sejam compreendidas no entorno e revertam em recursos financeiros para a ILPI são fundamentais. Porém, os esforços para que isso aconteça não podem colocar em risco, nem deixar em segundo plano, os programas de atenção integral ao idoso. Necessidades evidenciadas por subsistemas responsáveis pelo cuidado direto não podem ser ignoradas e demandam novos investimentos ou remanejos no orçamento. Planejamentos que contemplem tanto a garantia da sustentabilidade, quanto o investimento destinado à qualidade no desempenho da função, reforçam a evidente necessidade do desenvolvimento de novos modelos de gestão das ILPIs que abrigam o idoso pobre, fundamentados em princípios gerontológicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 6.5.2007

Aprovado em: 24.8.2007

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    Marion CreutzbergI; Lúcia Hisako Takase GonçalvesII; Emil Albert SobottkaIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      06 Maio 2007
    • Aceito
      24 Ago 2007
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