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Câncer, pobreza e desenvolvimento humano: desafios para a assistência de enfermagem em oncologia

Resumos

Reflexão sobre a questão da pobreza, o desenvolvimento humano e suas interfaces com a assistência de Enfermagem em Oncologia. Objetivos: identificar os principais tipos de câncer por região; apontar os desafios para a assistência de enfermagem; discutir as possibilidades de atuação da enfermagem em oncologia nesse contexto. Tendo em vista a distribuição demográfica, epidemiológica e sociocultural do câncer no Brasil, articular de forma sistemática o cuidado em oncologia, em situações de pobreza e baixo desenvolvimento humano, constituem um desafio para a Enfermagem, visto que as ações necessárias para prevenção, detecção precoce, tratamento e reabilitação vão da baixa à alta complexidade. Nessa concepção, abre-se a possibilidade de atender às demandas da população, que chega aos serviços especializados em oncologia com uma diversidade de necessidades, que não estão restritas ao acesso ao tratamento antineoplásico, mas acrescidas de carências inerentes a fatores socioeconômicos e culturais.

pobreza; desenvolvimento humano; enfermagem oncológica


This is a reflection on poverty, human development and their interfaces with Oncology Nursing Care. Objectives: identify the prevailing types of cancer per region; point the challenges posed to nursing care; discuss the possibilities for Oncology Nursing actions in this context. In light of the demographic, epidemiologic and socio-cultural distribution of cancer in Brazil, a systematic articulation of the Oncology care, in situations of poverty and of low human development, represents a challenge for Nursing, as the necessary actions for prevention, early detection, treatment, and rehabilitation, range from low to high complexity. This conception opens the possibility of meeting this population's diverse demands made to the specialized services in Oncology, which are not restricted only to the antineoplastic treatment access, but include needs inherent to socio-economic-cultural factors.

poverty; human development; oncologic nursing


Una reflexión sobre el problema de la pobreza, el desarrollo humano y su relación con la atención de Enfermería Oncológica. Objetivos: identificar los principales tipos de cáncer por región; señalar los desafíos para la atención de enfermería; discutir las posibilidades de actuación de enfermería oncológica en este contexto. Considerando la distribución demográfica, epidemiológica y sociocultural del cáncer en Brasil, articular de manera sistemática el cuidado de oncología en situaciones de pobreza y de escaso desarrollo humano. Esta operación constituye un desafío para la enfermería, ya que las acciones necesarias para la prevención, detección temprana, tratamiento y rehabilitación, van desde baja hasta alta complejidad. En esta concepción, se abre la posibilidad de atender a las demandas de la población, que llega hasta los servicios especializados de oncología con una diversidad de necesidades, que no se encuentran restringidas al tratamiento antineoplásico, pero también abarcan una serie de carencias inherentes a los factores sociales, económicos y culturales.

pobreza; desarrollo humano; enfermería oncológica


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira da Educação Continuada do Hospital do Câncer I/INCA, Brasil, Doutor em Enfermagem

IIEnfermeira da Educação Continuada do Hospital do Câncer III/INCA, Brasil, Doutor em Enfermagem

IIIEnfermeira do Hospital do Câncer I/INCA, Brasil, Mestre em Enfermagem

IVEnfermeira da Educação Continuada do Hospital do Câncer III/INCA, Brasil, Doutoranda em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO

Reflexão sobre a questão da pobreza, o desenvolvimento humano e suas interfaces com a assistência de Enfermagem em Oncologia.

OBJETIVOS: identificar os principais tipos de câncer por região; apontar os desafios para a assistência de enfermagem; discutir as possibilidades de atuação da enfermagem em oncologia nesse contexto. Tendo em vista a distribuição demográfica, epidemiológica e sociocultural do câncer no Brasil, articular de forma sistemática o cuidado em oncologia, em situações de pobreza e baixo desenvolvimento humano, constituem um desafio para a Enfermagem, visto que as ações necessárias para prevenção, detecção precoce, tratamento e reabilitação vão da baixa à alta complexidade. Nessa concepção, abre-se a possibilidade de atender às demandas da população, que chega aos serviços especializados em oncologia com uma diversidade de necessidades, que não estão restritas ao acesso ao tratamento antineoplásico, mas acrescidas de carências inerentes a fatores socioeconômicos e culturais.

Descritores: pobreza; desenvolvimento humano; enfermagem oncológica

INTRODUÇÃO

A presente reflexão teórica tem como intenção discorrer, de forma contextual, sobre a questão da pobreza e do desenvolvimento humano e suas interfaces com a assistência de Enfermagem em Oncologia. Ao colocar em pauta essa possibilidade de articulação, traz alguns indicativos com enfoque para a prática, ante a perspectiva do cuidado de pessoas portadoras de câncer em situação de pobreza.

A pobreza é um fenômeno complexo e pode ser definida, de forma simples, como a situação na qual as necessidades da pessoa não são atendidas de forma adequada (1).

Ressaltamos que tanto a identificação de necessidades quanto o suprimento incorrem na relativização desses termos que nos apontam para a dimensão subjetiva das necessidades singulares de cada um e o seu suprimento num dado contexto social.

O estudo do câncer e sua distribuição demográfica refletem as condições de vida das populações e do desenvolvimento da sociedade. O câncer, caracterizado como uma doença crônica, pode ser referenciado como um indicador de saúde no Brasil, sendo, assim, um indicador do grau de desenvolvimento regional.

Entretanto, alguns fatores têm interferido diretamente na configuração epidemiológica do câncer no Brasil, tal como a expectativa de vida ao nascer, a composição etária e migração interna da população. No caso do deslocamento populacional de uma região para outra, este gerou um incremento no processo de ocupação desenfreada dos grandes centros urbanos, criando bolsões de miséria nas periferias das metrópoles brasileiras. Esse fato expressa, de forma contundente, as diferenças regionais, as quais se consolidam com exuberância nas áreas metropolitanas(2).

Assim, os cânceres característicos de regiões pobres passaram a integrar o perfil de morbi mortalidade das cidades, constituindo-se, então, um indicador de classes sociais em espaços comuns, convivendo nos gráficos de incidência e mortalidade(2).

Nesse sentido, tendo em foco a relação entre assistência de enfermagem em oncologia e a pobreza, os objetivos desta reflexão são: identificar os principais tipos de câncer por região; apontar os desafios para a assistência de enfermagem; discutir as possibilidades de atuação da enfermagem em oncologia nesse contexto.

CÂNCER E DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL

O Brasil está numa fase de transição demográfica, na qual encontramos quedas nas taxas de natalidade e mortalidade, coexistindo, nesse cenário, com a ocorrência de doenças agudas e crônicas, de cânceres em crianças, adultos, jovens e idosos e de cânceres de países ricos e pobres.

No que tange ao desenvolvimento socioeconômico, o câncer de estômago e de colo uterino são indicadores de saúde de sociedades menos desenvolvidas, enquanto o câncer de mama e de pulmão, de sociedades mais desenvolvidas(2).

Os tumores relacionados aos adultos jovens, como, por exemplo, os cânceres de boca, de pênis e de colo uterino são mais encontrados em áreas menos desenvolvidas e de baixas condições socioeconômicas e culturais(2).

Para se avaliar o nível de desenvolvimento socioeconômico e a qualidade de vida das populações, existe um indicador de mensuração utilizado amplamente, que é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa reflexão, partimos do IDH para balizar a discussão, no que tange à problemática do câncer e sua relação com a situação de pobreza.

Esse índice é a síntese de quatro indicadores, a saber: PIB (Produto Interno Bruto) per capita, expectativa de vida, taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais, e taxa bruta de matrícula nos três níveis de ensino(3).

Conforme dados do Relatório do Desenvolvimento Humano 2006, o IDH do Brasil cresceu, passando de 0,788, em 2003, para 0,792, em 2004. Esse resultado posiciona o Brasil entre as 83 nações de IDH médio (IDH entre 0,500 e 0.799) e o coloca fora do grupo de 63 nações de IDH alto 9 (igual ou acima de 0,800) (3).

Os dados obtidos apontam que o Brasil avançou nas três dimensões do IDH, a saber: longevidade, renda e educação.

No que tange à longevidade, o Brasil passou de 70,5 para 70,8 anos em expectativa de vida, entretanto esta ainda é a área em que o Brasil apresenta a pior comparação aos outros países, ocupando o 84º lugar no ranking mundial(3).

Na educação, a taxa de alfabetização aumentou de 84,4% para 88,6%, ocupando a 62ª posição no rol dos países(3).

A dimensão de renda, avaliada pelo PIB per capita, foi o índice que mais alavancou o IDH brasileiro. Esse índice avançou 3,1%, passando de US$ 7.949 para US$ 8.195, posicionando o país em 64º lugar no ranking mundial(3).

O Brasil possui uma variação considerável de IDH entre os estados da federação, apresentando índices de 0,534 no Piauí a 0,869 no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Tais variações refletem as diferenças existentes relacionadas com o acesso aos serviços de saúde e educação, bem como reflete a distribuição de renda, a qualidade e as condições de vida das populações nessas áreas geográficas(3).

Outro índice derivado do IDH, calculado apenas para países em desenvolvimento, é o Índice de Pobreza Humana (IPH), que mede a privação em três aspectos, a saber: curta duração de vida (possibilidade de viver menos de 40 anos), falta de educação elementar (representada pela taxa de analfabetismo de adultos) e a falta de acesso a recursos públicos e privados (pessoas sem acesso a serviços de água potável e porcentagem de crianças com peso abaixo do recomendado). O Brasil ocupa a 22ª posição mundial, num total de 102 países(3).

No que se refere ao gênero, existe um índice mensurável, que é o Índice de Desenvolvimento Ajustado ao Gênero (IDG), que relaciona as mesmas variáveis do IDH, considerando as desigualdades entre homens e mulheres. Nesse ranking, o Brasil ocupa a 55ª posição(3).

A SITUAÇÃO DO CÂNCER NO BRASIL

As prioridades da política de controle de câncer no Brasil baseiam-se no perfil de morbidade e mortalidade dos diversos estados e municípios do país, apresentando ampla variação de região para região. De posse das estimativas de casos incidentes de câncer segundo localizações primárias, pode-se oferecer informações epidemiológicas que são fundamentais para o planejamento de ações de promoção à saúde, detecção precoce e de atenção oncológica em todos os níveis(4).

No Brasil, as estimativas para o ano de 2006 apontaram a ocorrência de 472.050 casos novos de câncer. Os tipos de maior incidência, com exceção dos cânceres de pele não melanoma, serão os de próstata e pulmão, no sexo masculino, e mama e colo do útero, no sexo feminino, acompanhando o mesmo perfil da magnitude observada no mundo(4).

Em 2006, esperavam-se 234.570 casos novos para o sexo masculino e 237.480 para sexo feminino. Estimava-se que o câncer de pele não melanoma seria o mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de mama feminina, próstata, pulmão, cólon e reto, estômago e colo do útero(4).

A distribuição dos casos novos de câncer segundo localização primária é bastante heterogênea entre estados e capitais do país. Nas regiões Sul e Sudeste ocorrem as maiores taxas, já as regiões Norte e Nordeste mostram taxas mais baixas. As taxas da região Centro-Oeste apresentam um padrão intermediário(4).

Para se ter uma idéia, na região Sudeste, por exemplo, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres, com um risco estimado de 71 casos novos por 100 mil. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o mais freqüente nas mulheres das regiões Sul (69/100.000), Centro-Oeste (38/100.000) e Nordeste (27/100.000). Na região Norte, é o segundo tumor mais incidente (15/100.000), o primeiro é o câncer do colo do útero. No Brasil, tanto o câncer de mama como o do colo do útero ainda são diagnosticados em estádios avançados, o que contribui para o aumento da mortalidade e redução da sobrevida(4).

Responsável por desenvolver e coordenar ações integradas para a prevenção e o controle do câncer no Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão do Ministério da Saúde, tem como visão estratégica "Exercer plenamente o papel governamental na prevenção e controle do câncer, assegurando a implantação das ações correspondentes em todo o Brasil, e, assim, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população" (5).

As ações integradas são de caráter multidisciplinar e compreendem a assistência médico-hospitalar, prestada direta e gratuitamente aos pacientes com câncer, e a atuação em áreas estratégicas, como a prevenção e a detecção precoce, a formação de profissionais especializados, o desenvolvimento da pesquisa e a informação epidemiológica. Todas as atividades do INCA têm como objetivo reduzir a incidência e a mortalidade causada pelo câncer no Brasil(5).

Como órgão responsável pela prevenção e controle do câncer no Brasil, o INCA desenvolve os seguintes programas de âmbito nacional:

1. Expansão da assistência oncológica (Projeto Expande), que tem como principal objetivo estruturar a integração da assistência oncológica no Brasil a fim de obter um padrão de alta qualidade na cobertura da população. Prevê a criação de 20 Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) no país, para atender a cerca de 14 milhões de brasileiros.

2. Programa Nacional de Controle do Câncer do colo do útero e da mama - Viva Mulher, que tem como objetivo principal reduzir, substancialmente, o número de mortes causadas pelo câncer do colo do útero e de mama, permitindo à mulher um acesso mais efetivo ao diagnóstico precoce pelo exame colpocitológico (Papanicolaou) e exame clínico das mamas, além do tratamento adequado do tumor.

3. Programa Nacional de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer, que capacita profissionais das secretarias de saúde estaduais e municipais para orientar a população sobre os males do tabagismo, nas escolas, nas empresas, nos hospitais e nas comunidades locais.

4. Programa de Qualidade em Radioterapia, que tem como principais metas atender a todas as instituições prestadoras de serviços de radioterapia no âmbito do SUS, estimulando e promovendo condições que permitam a essas instituições a aplicação da radioterapia com qualidade e eficiência e a capacitação dos profissionais vinculados à radioterapia.

5. Programa de Epidemiologia e Vigilância do Câncer e seus Fatores de Risco, que tem como objetivo conhecer com detalhes o atual quadro do câncer no Brasil e de seus fatores de risco(5).

Quanto ao acesso da população, os serviços vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) que realizam tratamento oncológico no Brasil são cadastrados pelo Ministério da Saúde como CACON - Centros de Alta Complexidade em Oncologia, Serviços Isolados de Quimioterapia ou de Radioterapia, compondo uma Rede de Atendimento em Oncologia. Essa rede de serviços é coordenada pelo INCA por meio do Projeto Expande(5).

Os CACONs são unidades hospitalares públicas ou filantrópicas que dispõem de todos os recursos humanos e tecnológicos necessários à assistência integral do paciente de câncer. São responsáveis pela confirmação diagnóstica dos pacientes, estadiamento, assistência ambulatorial e hospitalar, atendimento das emergências oncológicas e cuidados paliativos(5).

POSSIBILIDADES E DESAFIOS DE ASSISTIR NA ENFERMAGEM EM ONCOLOGIA NO CONTEXTO DA POBREZA

O câncer, qualquer que seja sua etiologia, é reconhecido como uma doença crônica que atinge milhões de pessoas em todo o mundo, independente de classe social, cultura ou religião. O saber de que se é portador de câncer é, em geral, aterrador, pois, apesar dos avanços terapêuticos permitindo uma melhoria na taxa de sobrevida e qualidade de vida, permanece o estigma de doença dolorosa, incapacitante, mutiladora e mortal. Dessa forma, fica clara a necessidade e a propriedade de intervenções de enfermagem que auxiliem as pessoas no enfrentamento da doença e suas conseqüências, visando à reabilitação e à melhoria da qualidade de vida(6).

Na verdade, a evolução da enfermagem em oncologia como especialidade nas últimas décadas mostra um grande progresso da prática profissional, especialmente no cuidado do paciente com uma doença complexa. Observa-se um extraordinário e crescente entendimento do câncer como um problema não só biológico, mas também social, econômico e psicológico(7-8).

Inicialmente, as enfermeiras atuavam no cuidado dito de "cabeceira" e se limitavam a medidas de conforto para pacientes hospitalizados e tratamento paliativo para os pacientes terminais. Porém, a atuação da enfermeira em oncologia cresceu com o advento dos protocolos terapêuticos conduzidos com novos agentes antineoplásicos. Junto com eles, vieram os ensaios clínicos necessários à boa prática do profissional da saúde, que, por sua vez, trouxeram a necessidade de um trabalho conjunto da equipe multidisciplinar, incluindo a Enfermagem. Assim, o enfermeiro voltou-se para a pesquisa clínica, e seus cuidados se estenderam às comunidades(7).

Com o crescimento da demanda para a enfermagem em oncologia, houve o estímulo para o seu desenvolvimento como especialidade, sendo esta a razão formal que levou ao aparecimento das organizações de enfermagem oncológica, da inserção da oncologia nas grades curriculares dos cursos de graduação das áreas da saúde e dos cursos de especialização, de atualização, dentre outros(6).

Assistir em oncologia visa proporcionar à pessoa um aumento da expectativa de vida com qualidade e não simplesmente a cura da doença. Mesmo atuando sob o modelo biomédico, o cuidado de enfermagem, por sua vez, tem, em sua essência, assistir ao ser humano em sua totalidade, observando a relação bio-sociocultural. Portanto, a assistência de Enfermagem no cotidiano do cuidar deve se refletir numa atuação de qualidade direcionada para o ensino do autocuidado, com o objetivo de resguardar a autonomia e a melhoria da qualidade de vida dos clientes e, ainda, permitir o reconhecimento e a valorização do profissional ao estabelecer uma relação positiva e empática entre quem cuida e quem é cuidado(9).

Nesse enfoque, a assistência de enfermagem em oncologia possibilita a intervenção em diversos níveis: na prevenção primária e na prevenção secundária; no tratamento do câncer; na reabilitação; e na doença avançada. Nesse sentido, a assistência de enfermagem em oncologia evoluiu como um assistir que tem foco no paciente, família e comunidade, visando a educação, provendo suporte psicossocial, possibilitando a terapia recomendada, selecionando e administrando intervenções que diminuam os efeitos colaterais da terapia proposta, participando na reabilitação e provendo conforto e cuidado(10).

No que se refere à atuação na prevenção primária, as enfermeiras são vistas pela população e pelas autoridades públicas em câncer como líderes nesse tipo de ação ao informar e educar a população, ao avaliar indivíduos, ao identificar grupos de risco para a doença e ao sugerir intervenções que modifiquem comportamentos de risco(10).

Educar o paciente e sua família é parte integrante e fundamental do tratamento do câncer, em especial considerando-se os bolsões de pobreza e miséria, acompanhados de níveis precários de educação escolar, que levam à desinformação e à dificuldade de acesso a serviços de saúde em muitas regiões do Brasil. Assim, a enfermeira é responsável por assegurar aos indivíduos e comunidade a compreensão e o entendimento do processo da doença, sua prevenção e seu tratamento, capacitando-os para tomar a decisão de cuidar da própria saúde e permitindo-lhes, então, desenvolver estratégias de enfrentamento da doença.

Neste sentido, o profissional de enfermagem parece ocupar um lugar importante junto à clientela no dia-a-dia da trajetória terapêutica, diferentemente de outros profissionais da equipe multidisciplinar, pois é ele quem recebe esse paciente, avalia-o, realiza procedimentos e encaminha os problemas que não são de sua alçada. Por ser o profissional acessível para conversar ou esclarecer dúvidas, muitas vezes é reconhecido como o principal elo entre os membros da equipe de saúde.

Nessa perspectiva, torna-se imprescindível uma reflexão sobre a prática de enfermagem no sentido da exigência de um conhecimento amplo, tecnológico e humano, sobre os cuidados necessários a essa clientela específica e sobre os desafios para sua aplicação.

Cabe ressaltar a questão da formação acadêmica em Enfermagem, que persiste apresentando lacunas no que tange aos conteúdos teóricos específicos relacionados ao câncer, bem como à brecha existente entre a preparação técnica/científica e a prática do cuidar(11).

Quando deparamos com a pobreza e seus déficits econômicos e sociais e a prática do cuidado em si, dilemas e conflitos emergem e nos damos conta de que as soluções necessárias transcendem ao nosso campo de ação, abarcando questões estruturais, econômicas e sociais.

Por exemplo, situações de extrema pobreza constituem um desafio significante no tratamento oncológico e no serviço de visita domiciliar em oncologia. O planejamento das intervenções de Enfermagem, bem como de todo o processo terapêutico nesse caso, pode falhar, diante da falta de alimento, de condições sanitárias adequadas, de condições de locomoção e transporte, de capacidade cognitiva para o aprendizado, dentre outros. No entanto, apesar desses problemas, principalmente a visita domiciliar em oncologia parece estar contribuindo para a manutenção da qualidade de vida e a expansão do cuidado paliativo domiciliar(12).

Assim, assistir a pessoa em situações de pobreza e baixo desenvolvimento humano constitui um desafio para a Enfermagem em oncologia, visto que as ações necessárias para prevenção, tratamento e reabilitação vão da baixa à alta complexidade, gerando a necessidade de criatividade na abordagem direcionada para o cuidado e ensino, e também a necessidade de insumos tecnológicos diagnósticos e terapêuticos, os quais nem sempre estão acessíveis à população em situação de pobreza.

CONCLUSÃO

O cuidado de Enfermagem deve ser exercido baseado no respeito à dignidade humana, a compaixão, a responsabilidade, a justiça, a autonomia e as inter relações, considerando sempre a solidariedade universal, visando ao benefício das pessoas cuidadas e dos cuidadores(13).

À enfermagem cabe lidar com a realidade freqüente no dia-a-dia da assistência em oncologia, na qual desenvolve uma prática resolutiva que deve esclarecer, orientar e adaptar condutas terapêuticas às situações emergentes inerentes à pessoa com câncer. Trata-se de uma prática que utiliza a tecnologia de ponta articulada a um cuidado humanizado, fato que amplia a dimensão da assistência prestada, agregando ao cuidar os valores humanos de cada enfermeiro, os quais serão determinantes da qualidade do cuidado profissional(14).

Essa lida inclui ouvir, observar, refletir e agir, de maneira que inclua o indivíduo, programando os cuidados em conjunto com os clientes, respeitando seu querer, seus valores e seus hábitos, expandindo sua capacidade de se cuidar, resgatar ou manter sua saúde.

Nessa concepção, o cuidado de enfermagem abre-se como uma possibilidade de atender às demandas desse segmento populacional em situação de pobreza, que chega aos serviços especializados em oncologia com uma diversidade de necessidades, as quais não estão restritas ao acesso ao tratamento antineoplásico, mas acrescidas de carências relacionadas a fatores socioeconômicos e culturais.

Assim, apesar de grande parte da atuação de Enfermagem estar relacionada ao ambiente hospitalar, conseqüentemente pautada no modelo biomédico, não se restringe apenas ao tratamento que visa à cura. Está essencialmente voltada para a pessoa, vivenciando seu processo saúde-doença, com enfoque na promoção do bem estar e da saúde. Dessa forma, o enfermeiro resgata as origens de sua profissão, que está direcionada ao ser humano e não à patologia(15). Nisso consiste o desafio permanente do assistir na Enfermagem em oncologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 9.3.2007

Aprovado em: 18.8.2007

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  • Câncer, pobreza e desenvolvimento humano: desafios para a assistência de enfermagem em oncologia

    Maria de Fátima Batalha de MenezesI; Teresa Caldas CamargoII; Maria Teresa dos Santos GuedesIII; Laisa F. F. Lós de AlcântaraIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      18 Ago 2007
    • Recebido
      09 Mar 2007
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