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Avaliação da estrutura e processo da atenção ao parto: contribuição ao debate sobre desenvolvimento humano

Resumos

Com a finalidade de subsidiar gestores da área de saúde da mulher, na formulação de políticas públicas, voltadas ao desenvolvimento humano, realizou-se esta investigação, cujo objetivo foi avaliar a estrutura e o processo da atenção ao parto e ao neonato desenvolvido em região do interior paulista. Estudo epidemiológico, voltado para avaliação dos serviços de saúde, baseou-se na observação da assistência prestada pelo Sistema Único de Saúde em 12 maternidades e 134 partos, adotando-se padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde ou Organização Mundial de Saúde para comparação. Os resultados apontam problemas relacionados à estrutura em algumas maternidades, mostrando que práticas úteis ao parto normal ainda são pouco utilizadas, enquanto que outras prejudiciais ou ineficazes ainda são utilizadas rotineiramente. Reverter esse quadro será essencial para oferecer atendimento de qualidade às mulheres, com conseqüente redução nas taxas de mortalidade materna e neonatal, para que a região atinja as metas estabelecidas para ampliação do desenvolvimento humano no milênio.

desenvolvimento humano; avaliação de serviços de saúde; parto


This study aimed to evaluate care during childbirth and neonatal development in the interior of São Paulo in order to support managers responsible for formulating public policies on human development and allocating public resources to the women's healthcare. This epidemiological study focused on the evaluation of health services based on the observation of the assistance delivered by the Single Health System in 12 maternities and 134 delivers. The Brazilian Health Ministry or World Health Organization standards were adopted for comparison. The results revealed problems related to the structure of some maternities, where some well-proven practices in normal childbirth are still little used, whereas other prejudicial or ineffective ones are routinely used. Reversing this picture is essential in order to offer humanized quality care to women with consequent reductions in maternal and neonatal mortality rates, in such a way that the region achieves the millennium goals established for improving human development.

human development; health services evaluation; delivery


Con la finalidad de subsidiar a gestores responsables por la atención a la salud de la mujer en la formulación de políticas públicas dirigidas al desarrollo humano, se propone la presente investigación, cuyo objetivo es evaluar la estructura y proceso de atención al parto y al neonato desarrollada en una región del interior del Estado de São Paulo, Brasil. Se trata de un estudio epidemiológico caracterizado por la evaluación de la calidad de servicios de salud. Los resultados obtenidos fueron comparados con patrones establecidos por el Ministerio de la Salud y la Organización Mundial de Salud. Los resultados apuntan problemas con la estructura de algunas maternidades y revelan que prácticas demostradamente útiles en el parto normal aún son poco utilizadas, mientras que otras perjudiciales o ineficaces son rutinariamente utilizadas. Modificar esa situación será esencial para ofrecer atención humanizada y de calidad, con consecuente reducción en las tasas de mortalidad materna y neonatal, de forma que la región alcance las metas establecidas para la ampliación del desarrollo humano en el milenio.

desarrollo humano; evaluación de servicios de salud; parto


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da estrutura e processo da atenção ao parto: contribuição ao debate sobre desenvolvimento humano

Cristina Maria Garcia de Lima ParadaI; Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesII

IDoutor em Enfermagem, Docente, e-mail: cparada@fmb.unesp.br

IIDoutor em Saúde Pública, e-mail: carvalha@fmb.unesp.br. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Brasil

RESUMO

Com a finalidade de subsidiar gestores da área de saúde da mulher, na formulação de políticas públicas, voltadas ao desenvolvimento humano, realizou-se esta investigação, cujo objetivo foi avaliar a estrutura e o processo da atenção ao parto e ao neonato desenvolvido em região do interior paulista. Estudo epidemiológico, voltado para avaliação dos serviços de saúde, baseou-se na observação da assistência prestada pelo Sistema Único de Saúde em 12 maternidades e 134 partos, adotando-se padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde ou Organização Mundial de Saúde para comparação. Os resultados apontam problemas relacionados à estrutura em algumas maternidades, mostrando que práticas úteis ao parto normal ainda são pouco utilizadas, enquanto que outras prejudiciais ou ineficazes ainda são utilizadas rotineiramente. Reverter esse quadro será essencial para oferecer atendimento de qualidade às mulheres, com conseqüente redução nas taxas de mortalidade materna e neonatal, para que a região atinja as metas estabelecidas para ampliação do desenvolvimento humano no milênio.

Descritores: desenvolvimento humano; avaliação de serviços de saúde; parto

INTRODUÇÃO

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nas últimas décadas, tem trabalhado não apenas com indicadores econômicos, mas também sociais, especialmente das áreas de saúde e educação. Entre os oito objetivos estabelecidos por esse Programa para o milênio, com vistas à redução das desigualdades sociais no planeta, dois mantêm íntima relação com a atenção ao parto: reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde materna(1). O Brasil está entre os 189 países que se comprometeram com tais objetivos.

A maior parte dos óbitos infantis, atualmente, se concentra no primeiro mês de vida, evidenciando a importância de fatores relacionados à gestação, ao parto e puerpério. Destaca-se que, a despeito da diminuição contínua da mortalidade pós-neonatal no Brasil, a partir da década de 1990, a mortalidade neonatal tem mantido relativa estabilidade, fazendo com que passe a representar mais de 60% do total de óbitos infantis em todas as regiões do país(2). Essa também é a situação observada na DIR XI (antiga Direção Regional de Saúde de Botucatu, SP) , local de realização desse estudo, que, em 2005, apresentou coeficiente de mortalidade infantil de 12,1 por 1.000 nascidos vivos, valor pouco inferior ao do Estado de São Paulo (13,4 por 1.000 nascidos vivos), sendo os coeficientes de mortalidade neonatal e pós-neonatal iguais a 8,3 e 3,8 por 1.000 nascidos vivos, respectivamente(3).

Em 2004, o Plano Nacional de Política para Mulheres apontou, como prioridade, a promoção da assistência obstétrica e neonatal qualificada e humanizada, condição indispensável para que o Brasil possa atingir as metas estabelecidas pela Cúpula de Desenvolvimento Humano do Milênio, relacionadas à redução dos índices de mortalidade materna e neonatal em 75% até 2015(4). Entre as ações a serem executadas, inclui-se a expansão do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, inclusive viabilizando repasse financeiro para municípios que cumprirem os protocolos de ampliação e qualificação das ações de atenção ao pré-natal, parto e puerpério(5).

Para o acompanhamento das metas do PNUD dirigidas a melhorar a saúde materna, foram adotados dois indicadores: taxa de mortalidade materna e percentual de partos assistidos por profissionais de saúde qualificado(1). Razões de mortalidade materna elevadas indicam precárias condições socioeconômicas, baixo grau de informação e escolaridade, dinâmicas familiares em que a violência está presente e, sobretudo, dificuldades de acesso a serviços de saúde de boa qualidade(4).

A mortalidade materna é considerada evitável em 92% dos casos(1), o que reflete a existência de sérios problemas relacionados à assistência no ciclo gravídico-puerperal, quando de sua ocorrência. Na última estimativa oficial, referente a 2002, a razão de mortalidade materna brasileira era de 74,8 óbitos por 100.000 nascidos vivos, muito acima do índice considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS): 20 mortes por 100.000 nascidos vivos(4).

Por se tratar, porém, de evento raro, a análise das taxas de mortalidade materna deve, na medida do possível, considerar populações grandes e a tendência em períodos relativamente longos, evitando-se a simples comparação das diferentes taxas em populações pequenas ou de um ano para outro. Considerando-se o período de 2001 a 2005, esse indicador manteve-se relativamente estável no Estado de São Paulo, variando entre 30,3 e 35,7 por 100.000 nascidos vivos, situação diferente daquela observada na região de governo de Botucatu onde, no mesmo período, as taxas variaram de zero a 98,5 por 100.000 nascidos vivos(6).

Os óbitos maternos e neonatais devem ser tratados como decorrência de um mesmo quadro de precariedade no pré-natal e nos cuidados com o parto e pós-parto. Assim, é inequívoco que a qualidade da atenção à mulher, nessa fase de sua vida, constitui também indicador de desenvolvimento humano. Avaliar os serviços desenvolvidos, a fim de identificar suas fragilidades e fortalezas, de forma a promover a reorganização da assistência, quando necessário, é uma forma de participar do esforço de redução de desigualdades expresso pelo PNUD.

Este artigo apresenta e discute sob, o enforque do PNUD, os resultados relativos à avaliação da atenção ao parto, obtidos por amplo projeto que avaliou o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN) na DIR XI(7) do Estado de São Paulo.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo no campo da epidemiologia, voltado para a avaliação da qualidade de serviços de saúde. Foram avaliados os componentes estrutura e processo. A análise de estrutura relaciona-se aos recursos existentes para a execução dos serviços, inclusive físicos, humanos e materiais, e o processo corresponde à avaliação das atividades realizadas pelos provedores da assistência, considerando aspectos técnicos e de relação interpessoal(8).

De um total de 31 municípios da região, foram incluídos no estudo 20, tendo como único critério de inclusão a adesão do município ao PHPN até 2003. Todos possuem unidades de atenção básica para atendimento pré-natal e 11 possuem maternidade para atenção ao parto de baixo risco, porém, com número de leitos variável: três nos hospitais com menor média mensal de partos e 29 naquele com maior média. Existe na região um único serviço para atendimento terciário na área de obstetrícia.

Os indicadores de estrutura utilizados foram: para os recursos humanos, a presença de médicos e enfermeiras em todos os plantões; para os recursos físicos, a possibilidade de acompanhante no pré-parto, a existência de quartos PPP (pré-parto, parto e puerpério) e a adequação das salas de cesárea e parto normal, do alojamento conjunto e do berçário para receber os pais; para os recursos materiais e equipamentos, a presença, nas salas de parto normal e cesárea, de ar comprimido, oxigênio, foco, mesa de parto, carrinho de urgência e de anestesia, estetoscópio, esfignomanômetro, estetoscópio de Pinard ou sonar Doppler e berço aquecido e, no alojamento conjunto e berçário, o número de berços e roupa para a mãe e o bebê e a existência de lavabo antes da entrada do berçário; para as normas e procedimentos, a disponibilidade de alojamento conjunto, de normas/procedimentos escritos, de atividades sistemáticas de orientação às mães, o uso de chucas, mamadeiras e leite artificial e a permissão para a mãe permanecer no berçário caso necessária a internação da criança.

Os indicadores de processo incluíram: na admissão, a solicitação do cartão de pré-natal, realização de dinâmica uterina e do exame de toque vaginal, aferição da pressão arterial, ausculta dos batimentos cardíacos fetais e realização de tricotomia e de enema; no pré-parto, a presença de acompanhante, prescrição de jejum ou repouso, controle não farmacológico da dor, instalação de venóclise, ausculta dos batimentos cardíacos fetais e preenchimento do partograma; na sala de parto, o contato visual e pele a pele mãe/bebê, ausculta dos batimentos cardíacos fetais e realização de episiotomia nos partos vaginais; para a assistência ao neonato, o atendimento por pediatra na sala de parto, oferecimento de vitamina K, estabelecimento do índice de Apgar no primeiro minuto de vida, idade gestacional por exame físico, identificação do peso, coleta de sangue para tipagem sangüínea e exame VDRL (Veneral Diseases Research Laboratory) e aleitamento materno na primeira hora de vida.

Coleta de dados

Três instrumentos com perguntas/questões fechadas foram construídos: o primeiro, para entrevista com o gestor, considerado o informante com mais conhecimento da estrutura dos serviços; o segundo e o terceiro, para acompanhamento do processo de atenção ao parto, consistiu de um roteiro tipo check-list a ser preenchido pelos observadores, incluindo também aspectos da estrutura das maternidades, mas na perspectiva deles. Todos derivaram de amplo instrumento utilizado em estudo desenvolvido no Maranhão(9), tendo sido realizadas pequenas alterações para adaptação à realidade local.

A coleta de dados ocorreu nos anos 2004 e 2005, em duas etapas. Na primeira, foram entrevistados todos os gestores das maternidades (n=12), geralmente seu diretor clínico. Na segunda, realizou-se a observação de todos os partos ocorridos pelo Sistema Único de Saúde durante sete dias consecutivos, 24 horas por dia, em todas as maternidades da regional (n=134), sendo a observação realizada por profissionais ou estudantes da área da saúde previamente capacitados. A coordenação e supervisão da observação foi realizada por uma das autoras, mediante reuniões com os observadores, realizadas antes, durante e após a coleta de dados.

Análise dos dados

Como já apontado, ao se avaliar a estrutura e o processo do PHPN, compararam-se os resultados obtidos com padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde(10-11) ou OMS(12). Para a análise do processo, classificou-se as práticas reconhecidamente associadas aos melhores desfechos obstétricos e úteis ao parto normal e as prejudiciais ou ineficazes em três categorias de desempenho, conforme sua prevalência nos partos observados. No primeiro caso, para a maior parte dos indicadores, considerou-se desempenho satisfatório cobertura acima de 80%, exceção apenas para a aferição da pressão arterial e da freqüência cardíaca fetal, que, por sua importância, inocuidade e facilidade de realização, estabeleceu-se como adequada cobertura de 100%; o desempenho foi considerado regular quando a cobertura estava entre 50 e 80% e taxas menores de 50% indicaram desempenho insatisfatório. No segundo caso, por incluir indicadores que são desaconselhados, classificou-se o desempenho como satisfatório, regular e insatisfatório, considerando-se, respectivamente, as seguintes taxas: abaixo de 20%, de 20 a 50% e acima de 50%.

Procedimentos éticos

O Projeto desta investigação foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista e atendeu todas as normas previstas para pesquisas realizadas com seres humanos.

RESULTADOS

Informações sobre a estrutura para assistência ao parto e neonato constam da Tabela 1. Freqüências muito baixas foram observadas para todos os itens relativos aos recursos humanos. Nenhuma das maternidades possuía quartos PPP, em mais da metade delas o espaço físico permitia a presença de acompanhante no pré-parto e uma sala de parto foi apontada como inadequada, devido ao seu reduzido tamanho. A área física do alojamento conjunto era adequada em dois terços das instituições e em pouco mais da metade delas havia adequação para receber os pais no berçário. O uso de chucas e mamadeiras foi muito alto e o desenvolvimento de atividades educativas sistemáticas, pouco freqüente (Tabela 1).

Dados sobre o processo de assistência ao parto e ao neonato constam da tabela 2.

Considerando as práticas que devem ser encorajadas, tiveram taxas insatisfatórias na admissão a aferição da pressão arterial e a ausculta dos batimentos cardíacos fetais e regular a realização de dinâmica uterina; na sala de pré-parto, foram insatisfatórias a presença de acompanhante, a utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor e a ausculta dos batimentos cardíacos fetais, sendo satisfatório o preenchimento do partograma; na sala de parto, foram insatisfatórios o contato pele a pele mãe/bebê e a ausculta dos batimentos cardíacos fetais e satisfatório o contato visual entre a mãe e a criança; na assistência ao neonato, a idade gestacional por exame físico e a coleta de sangue para VDRL foram insatisfatórias e a verificação do peso, o estabelecimento do índice de Apgar e oferecimento de vitamina K foram satisfatórios (Tabela 2). Entre as práticas danosas, na admissão, foi considerado com desempenho insatisfatório a realização de tricotomia e regular a realização do enema; no pré-parto, a prescrição de jejum e a instalação de venóclise foram insatisfatórias, enquanto a prescrição de repouso foi regular. Na sala de parto, foi insatisfatória a realização de episiotomia nos partos vaginais (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Este estudo apresenta uma importante característica: a maior parte dos indicadores utilizados foi aferida por meio da observação direta da estrutura das maternidade e do processo de atenção ao parto. Justamente por isso, pode-se considerar que os resultados apresentam boa confiabilidade se comparados aos estudos brasileiros com objetivos semelhantes, realizados até o presente momento, já que esses utilizam, via de regra, a coleta de dados por meio de consulta de prontuários ou entrevista com parturientes e profissionais.

De acordo com o PHPN, todas as unidades integrantes do SUS têm como responsabilidade dispor de recursos humanos para a adequada assistência ao parto(11) e, para a OMS, a enfermeira-parteira parece ser o profissional mais adequado e com melhor custo-efetividade para ser responsável pela assistência à gestação e ao parto normais(12). Apesar do exposto, em nenhum dos hospitais estudados existe atuação da enfermeira obstétrica no centro obstétrico para atendimento ao parto normal nas 24 horas do dia. Apenas um hospital conta com essa especialista para realização do parto, mas, nos plantões diurnos e na ausência do médico. Mesmo a enfermeira generalista está pouco presente: em nenhum hospital existia a atuação da enfermeira exclusivamente na área obstétrica e apenas em um deles encontrou-se esse profissional atuando especificamente na área de neonatologia em todos os plantões. Na maior parte dos casos, as poucas enfermeiras contratadas dividiam-se para atender todo o hospital, sendo comum a presença de uma única enfermeira por plantão.

Com relação ao trabalho médico, a situação mais freqüentemente observada neste estudo é a do obstetra de plantão à distância, o que não é raro no Brasil, onde, segundo estudo publicado em 2002, quase um terço dos partos ocorria em instituições que não tinham obstetras nem mesmo à distância e 74% não contavam com a presença de pediatra(13), situação inaceitável, visto que a legislação prevê que todas as unidades integrantes do SUS devem garantir a presença do pediatra na sala de parto(11). Comparando a situação observada na região da DIR XI com os dados brasileiros, observou-se quadro mais favorável, pois, em 59% dos partos, o pediatra estava presente.

Ainda assim, deve-se considerar a necessidade de efetiva atuação multiprofissional, de repensar os plantões à distância, especialmente nas maternidades maiores, e a pertinência do desenvolvimento de atividades de educação permanente, de forma que maior número de partos seja assistido por profissionais qualificados, um direito das mulheres e compromisso do país com a melhoria de seus indicadores de desenvolvimento humano.

A situação da área física onde ocorre o pré-parto é inadequada em cerca de 40% das maternidades, por ser incompatível com a presença de acompanhante. Pode-se afirmar que, em geral, as áreas físicas das maternidades e berçários não foram construídas para permitir a humanização do cuidado. Além disso, em uma das maternidades não havia alojamento conjunto, prática essencial para auxiliar a elaboração da relação mãe/filho e obrigatória nas unidades integrantes do SUS, desde 1993(14).

A maioria dos hospitais estudados dispunha de salas de parto equipadas com ar comprimido, oxigênio, foco, mesa de parto, carrinho de urgência e de anestesia, porém, a presença de instrumentos básicos como estetoscópio/esfignomanômetro e estetoscópio monoauricular de Pinard ou sonar-Doppler foi pouco freqüente. Essa forma de organização das maternidades está relacionada à medicalização do parto, situação marcante no Brasil, desde a segunda metade do século XX, e que nos últimos anos se procura rever, visto que, em situação de baixo risco, se deve intervir pouco, na medida compatível com a segurança(12).

Para avaliação global do processo de assistência desde a admissão até o parto, entre as práticas úteis ao parto normal, foram satisfatórios apenas os indicadores: solicitação de cartão de pré-natal, realização do exame de toque vaginal, preenchimento do partograma e contato visual mãe/bebê. Com relação ao bom desempenho desses indicadores, embora positivos para a qualidade da atenção(10-11), não parecem decorrer da implantação do PHPN, pois essas já eram práticas assistenciais estabelecidas. Os desempenhos insatisfatórios quanto à presença de acompanhante, controle não farmacológico da dor no pré-parto e contato pele a pele mãe/bebê, indicam que os serviços pouco têm se preocupado com a humanização do cuidado. Destaca-se, porém, que a sensação de dor referida pela parturiente deve ser respeitada, pois, para muitas mulheres, o parto é sinônimo de dor e sofrimento, envolvendo a necessidade de ajuda e apoio(15).

A não realização em todos os partos da aferição da pressão arterial da gestante e de ausculta dos batimentos cardíacos fetais indica falha técnica importante no processo de atenção, contrárias ao objetivo de redução da mortalidade materna e neonatal. O aumento súbito da pressão arterial pode indicar a necessidade de apressar o parto ou de transferência da parturiente para um nível mais complexo de assistência, e a ausculta de batimentos cardíacos é essencial para avaliação da vitalidade fetal, com posterior tomada de conduta(12).

Vários procedimentos que permitiriam melhor prognóstico aos recém-nascidos apresentaram desempenho insatisfatório, com destaque para a taxa de aleitamento na primeira hora de vida, apenas 23,1%, inferior aos 40% obtidos recentemente em maternidade pública do Rio de Janeiro(16). Deve-se lembrar que favorecer a amamentação é também uma das metas do PNUD e prioridade da política de saúde brasileira.

Desde a década de 1950, tem sido apontado que os indicadores de desenvolvimento humano devem incluir, além da dimensão monetária, outras relacionadas à vida social e à qualidade de vida das pessoas. Nesse sentido, no Estado de São Paulo, desde o ano 2000, tais indicadores têm considerado as taxas de mortalidade perinatal e infantil, sinalizando a importância da atenção materno-infantil, já que ambas as taxas mantêm íntima relação com a qualidade da atenção pré-natal e do parto(17).

Considerando os resultados desfavoráveis relativos, principalmente, aos indicadores da qualidade do processo de atenção à mulher, durante o trabalho de parto e parto e ao recém-nascido, tomando como referência o PHPN, questiona-se se melhorar a saúde materna e infantil tem sido prioridade dos responsáveis locais - gestores, profissionais, sociedade - pela implementação das políticas de saúde e desenvolvimento humano.

CONCLUSÕES

Práticas demonstradamente favoráveis à saúde, úteis no parto normal e preconizadas pelo PHPN, como presença de acompanhante, controle não farmacológico da dor, contato pele a pele mãe/bebê e início precoce do aleitamento materno, entre outras, ainda são pouco praticadas nas maternidades estudadas e outras claramente prejudiciais, ou ineficazes, como jejum, venóclise, tricotomia e episiotomia, ainda são freqüentemente utilizadas.

Reverter esse quadro será essencial para oferecer atendimento humanizado e de qualidade às mulheres, com conseqüente redução nas taxas de mortalidade materna e neonatal, metas do projeto de desenvolvimento humano no milênio com a qual os serviços de saúde brasileiros estão comprometidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 1.4.2007

Aprovado em: 18.8.2007

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    Cristina Maria Garcia de Lima ParadaI; Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      18 Ago 2007
    • Recebido
      01 Abr 2007
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