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Competências para ação educativa da enfermeira

Resumos

Este estudo tem como objeto a interface entre o ensino e a assistência de enfermagem, em sua dimensão educativa. OBJETIVO: Construir perfil de competências para ação educativa da enfermeira, a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos. MÉTODO: No referencial teórico metodológico o materialismo histórico e dialético, e utilizou-se como categoria conceitual a noção de competência definida por Perrenoud, ancorada nas concepções de trabalho em saúde e no saber operante de Mendes-Gonçalves. RESULTADOS: A análise do material empírico, resultou a construção de dez competências para ação educativa da enfermeira. CONCLUSÃO: A necessidade de ressignificar a ação educativa, na perspectiva da Educação Popular, implicando o desenvolvimento de competências mediante oportunidades pedagógicas que, durante a formação inicial, permitam aos estudantes utilizar seus conhecimentos e habilidades em prol de atitude dialógica e de reconhecimento das necessidades dos sujeitos assistidos.

educação em enfermagem; educação baseada em competências; competência profissional; cuidados de Enfermagem; educação em saúde


The focus of this study is the interface between nursing education and nursing care in its educative dimension. OBJECTIVE: To develop a profile of competencies for nursing care education from the perspective of the subjects involved. METHOD: Historical and dialectical materialism was used as the theoretical and methodological framework. Competence was addressed as the conceptual category, as defined by Perrenoud, based on healthcare concepts and on instrumental knowledge as advocated by Mendes-Gonçalves. RESULTS: the analysis of empirical material resulted in the creation of 10 core competencies for nursing education activities. CONCLUSION: The need to give a new meaning to education action from the perspective of Popular Education implies the development of pedagogical opportunities during their undergraduate studies in order to enable students to use their knowledge and skills to develop a dialogical attitude of recognition of the subjects of nursing care.

education, nursing; competency-based education; professional competency; nursing care; health education


Este estudio tiene como objetivo estudiar la interfase entre la enseñanza y la asistencia de enfermería, en su dimensión educativa. OBJETIVO: Construir un perfil de competencias para la acción educativa de la enfermera a partir de la perspectiva de los sujetos participantes. MÉTODO: Para el referencial teórico metodológico del materialismo histórico y dialéctico, se utilizó como categoría conceptual la noción de competencia definida por Perrenoud, con base en las concepciones del trabajo en la salud y en el saber operante de Mendes-Gonçalves. RESULTADOS: El análisis del material empírico resultó en la construcción de diez competencias para acción educativa de la enfermera. CONCLUSIÓN: La necesidad de dar un nuevo significado a la acción educativa, en la perspectiva de la Educación Popular, implica desarrollar las competencias mediante oportunidades pedagógicas que, durante la formación inicial, permitan a los estudiantes utilizar sus conocimientos y habilidades en pro de una actitud dialógica y de un reconocimiento de las necesidades de los sujetos asistidos.

educación en enfermería; educación basada en competencias; competencia profesional; atención de enfermería; educación en salud


ARTIGO ORIGINAL

Competências para ação educativa da enfermeira

Valéria Marli LeonelloI; Maria Amélia de Campos OliveiraII

IEnfermeira, Mestranda, e-mail: valeria.leonello@gmail.com

IIEnfermeira, Professor Assistente, e-mail: macampos@usp.br. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

Este estudo tem como objeto a interface entre o ensino e a assistência de enfermagem, em sua dimensão educativa.

OBJETIVO: Construir perfil de competências para ação educativa da enfermeira, a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos.

MÉTODO: NO Referencial teórico metodológico o materialismo histórico e dialético, e utilizou-se como categoria conceitual a noção de competência definida por Perrenoud, ancorada nas concepções de trabalho em saúde e no saber operante de Mendes-Gonçalves.

RESULTADOS: A análise do material empírico, resultou a construção de dez competências para ação educativa da enfermeira.

CONCLUSÃO: A necessidade de ressignificar a ação educativa, na perspectiva da Educação Popular, implicando o desenvolvimento de competências mediante oportunidades pedagógicas que, durante a formação inicial, permitam aos estudantes utilizar seus conhecimentos e habilidades em prol de atitude dialógica e de reconhecimento das necessidades dos sujeitos assistidos.

Descritores: educação em enfermagem; educação baseada em competências; competência profissional; cuidados de Enfermagem; educação em saúde

INTRODUÇÃO

As práticas educativas permeiam todo o trabalho assistencial da enfermeira. Historicamente, tais práticas têm enfatizado a transmissão de informações e a mudança de comportamento dos indivíduos, fortemente vinculadas a um modelo de atenção à saúde, voltado para a doença, com ênfase no conhecimento técnico-científico especializado e na fragmentação das ações de saúde, daí seu caráter autoritário e coercitivo(1). Em razão disso, tais práticas têm se mostrado ineficientes para atender as necessidades de cuidado à saúde de indivíduos, famílias e grupos sociais, pois desconsideram a determinação social do processo saúde-doença e não estão orientadas para promover a participação dos sujeitos sociais no enfrentamento de seus problemas(2).

Como conseqüência, observa-se grande distanciamento entre os projetos educativos desenvolvidos pelas enfermeiras nos serviços de saúde e as necessidades de cuidado da população. As enfermeiras, por sua vez, queixam-se de dificuldades e de falta de competência para desenvolver práticas educativas mais dialógicas e participativas, como aquelas defendidas pela Educação Popular(3-4).

A formação inicial em enfermagem tem papel essencial na formação de competências para ação educativa da enfermeira. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), em vigor desde 2001, reafirmam a necessidade e o dever das Instituições de Ensino Superior de formar profissionais de saúde voltados para as necessidades do SUS, com a finalidade de adequar a formação em saúde às necessidades de saúde da população brasileira(5).

As DCNs preconizam ainda que a formação de todas as profissões da área de saúde deve estar orientada pelos princípios e diretrizes do SUS, de modo a assegurar a integralidade da atenção, a qualidade e humanização da assistência e o atendimento das necessidades de saúde(5).

Nesse sentido, propõe-se, aqui, a aproximação com a temática da educação em saúde, na perspectiva da Educação Popular, considerando que as práticas em saúde e a formação dos profissionais devem estar alicerçadas pelos princípios e diretrizes do SUS. O desenvolvimento de ações educativas nessa perspectiva requer o desenvolvimento de competências específicas, objetivo esse pretendido neste estudo.

OBJETIVOS

- Construir perfil de competências para a ação educativa da enfermeira a partir da perspectiva dos diferentes sujeitos implicados na formação inicial em enfermagem;

- Identificar conhecimentos, habilidades e atitudes para a ação educativa da enfermeira em seu processo de trabalho: assistir.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Estudo exploratório e qualitativo, que tem como marco teórico-metodológico o Materialismo Histórico e Dialético (MHD), tendo em vista sua contribuição para a investigação e intervenção em enfermagem, ao considerar os fenômenos sociais como parte da realidade.

Tomou-se, aqui, como premissa a ação educativa em saúde na perspectiva da Educação Popular(3-4) e Educação Popular em Saúde(1-2). Adotou-se como categoria conceitual a competência(6), ancorada nas concepções de trabalho em saúde(7) e saber operante(7).

Locais de estudo

Compuseram os locais de estudo: a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) e dois serviços de saúde vinculados à USP: o Hospital Universitário (HU) e o Centro de Saúde Escola Butantã (CSE-Butantã).

Sujeitos* * A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética e Pesquisa dos respectivos locais estudados. Os sujeitos foram abordados, respeitando-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, fundamentado na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Participaram do estudo cinco grupos de sujeitos: o grupo 1, constituído por cinco docentes da EEUSP; o grupo 2, com cinco alunas concluintes do Bacharelado em Enfermagem da EEUSP; grupo 3, com dez enfermeiras assistenciais, cinco de cada serviço mencionado; grupo 4, com dois gestores, um de cada serviço, e o grupo 5, com oito usuários, cinco do HU e três do CSE-Butantã, totalizando 30 participantes.

Técnicas de abordagem

Utilizou-se a técnica de grupo focal com os docentes e alunos (grupos 1 e 2) e a entrevista semi-estruturada com os participantes dos grupos 3, 4 e 5.

Análise dos dados

Para análise do material empírico, utilizou-se a técnica de Análise de discurso(8). O material das entrevistas e dos grupos focais, gravado e transcrito, resultou em textos discursivos para cada grupo abordado. Realizou-se a leitura dos textos e a seleção de trechos relevantes para a pesquisa. Os discursos selecionados foram recompostos em frases temáticas que, por sua vez, foram organizadas segundo os quatro pilares da educação(9), para cada grupo abordado.

Por último, conhecimentos, habilidades e atitudes de todos os grupos foram articulados e recompostos, à luz do referencial teórico, em um quadro síntese de competências para a ação educativa da enfermeira.

RESULTADOS

Por meio da articulação entre conhecimentos, habilidades e atitudes provenientes dos discursos dos sujeitos foi possível elaborar quadro síntese das competências para a ação educativa da enfermeira, a partir da perspectiva dos sujeitos implicados na formação inicial em enfermagem, discutido a seguir.

DISCUSSÃO

Promover a integralidade do cuidado à saúde

A ação educativa em saúde, como prática dialogada e participativa, tem como objetivo a transformação da realidade de saúde dos sujeitos e grupos sociais assistidos. Considerando a estreita relação existente entre o cuidado à saúde e a integralidade, defende-se que a integralidade deve ser o eixo norteador das ações educativas desenvolvidas nos serviços de saúde(10).

A integralidade é entendida como "um princípio pelo qual as ações relativas à saúde devem ser efetivadas, no nível do indivíduo e da coletividade, buscando atuar nos fatores determinantes e condicionantes da saúde, garantindo que as atividades de promoção, prevenção e recuperação da saúde sejam integradas, numa visão interdisciplinar que incorpore na prática o conceito ampliado de saúde"(10).

Destaca-se a importância da utilização da perspectiva da Educação Popular em Saúde que, ao valorizar o saber dos sujeitos, estimular o diálogo, a participação e a transformação da realidade em saúde, defende que toda ação em saúde é uma ação educativa e, portanto, ação que se aproxima da integralidade do cuidado em saúde, pois assume a articulação entre as atividades de promoção, prevenção e assistência, além do trabalho multiprofissional e intersetorial.

Assumir a integralidade do cuidado como alicerce para o desenvolvimento de ações educativas mais dialogadas e participativas, na perspectiva da Educação Popular em Saúde, implica adotá-la como eixo norteador da formação inicial.

Articular teoria e prática - exercitar a práxis no cuidado à saúde

Para promover a integralidade do cuidado também é necessário articular teoria e prática, ou seja, conhecimento e prática precisam ser constantemente aproximados e confrontados, com vistas a construir a verdadeira práxis na atenção à saúde e nas práticas educativas. Os discursos do grupo 1, constituído por docentes, enfatizaram a necessidade de levar a aluna de enfermagem, futura enfermeira, a aprender a exercitar a práxis no cuidado à saúde durante sua formação inicial.

A práxis é reflexão e, ao mesmo tempo, ação dos homens sobre o mundo, com o objetivo de transformá-lo, pois, "num pensar dialético, ação e mundo, mundo e ação, estão intimamente solidários. Mas, a ação só é humana quando, mais que um puro fazer, é um que fazer, quando também não se dicotomiza da reflexão"(4).

Além disso, a práxis constitui um processo de ação-reflexão que tem o potencial de transformar a realidade. Exercitá-la no cuidado à saúde, no que se refere às ações educativas, implica fazer do trabalho de enfermagem uma prática reflexiva, questionadora e com potencial para transformar a realidade em saúde e promover a integralidade do cuidado.

Promover o acolhimento e construir vínculo com os sujeitos assistidos

A noção de acolhimento aqui adotada refere-se à postura diante do usuário, ou seja, a atitude do profissional frente aos usuários dos serviços e suas necessidades. Nesse sentido, promover o acolhimento significa exercitar a escuta ampliada das necessidades de saúde dos sujeitos(11). Essa perspectiva foi traduzida nos discursos de professoras, enfermeiras, alunas e gestores como forma de "reconhecer e saber ouvir as necessidades de saúde dos sujeitos" e, para os usuários, como forma de "oferecer atenção" às pessoas durante a assistência.

Exercitar escuta por meio do acolhimento requer que o profissional de saúde também se envolva e se comprometa com os sujeitos e suas necessidades. Esse envolvimento e comprometimento podem ser expressos pelo vínculo. Por isso, a competência foi denominada promover o acolhimento e construir um vínculo com os sujeitos assistidos, pois se entende que não é possível fazer acolhimento das necessidades de saúde das pessoas, ouvindo-as e compreendendo-as, sem se comprometer.

Construir vínculos significa manter relações próximas e claras com os sujeitos assistidos, sensibilizar-se com o seu sofrimento, facilitar a construção de sua autonomia, responsabilizar-se pelo cuidado e saber relacionar-se e integrar-se com esses sujeitos, no próprio serviço de saúde e na comunidade(12).

Para realizar ações educativas em saúde mais dialogadas e participativas, torna-se fundamental que os profissionais de saúde, dentre eles a enfermeira, consigam em sua prática profissional promover o acolhimento e construir vínculos com os sujeitos assistidos, com vistas a compreender, reconhecer e comprometer-se em atender suas necessidades de saúde.

Reconhecer-se e atuar como agente de transformação da realidade em saúde

Segundo a perspectiva da Educação Popular, a transformação da realidade só é possível por meio da ação dos seres humanos, que devem ser sujeitos e não objetos de transformação. Trazendo as contribuições dessa perspectiva para a área da saúde, pode-se dizer que o profissional frente à realidade de atenção à saúde, observando e convivendo com a freqüente desumanização da assistência, a precariedade dos serviços e de seu próprio trabalho, a desvalorização do ser humano – de si próprio, enquanto trabalhador de saúde e do usuário – desenvolve alguma postura que pode ser crítica e reflexiva ou acrítica e conformista.

Há que se considerar os inúmeros condicionantes da ação profissional no contexto dos serviços de saúde, em seus limites conjunturais e estruturais. Entretanto, os sujeitos não podem ser neutros, ou melhor, não são neutros frente à realidade na qual se inserem. Dito de outra maneira, ou são a favor da transformação e da mudança ou são favoráveis ou coniventes, de alguma forma, com a permanência da situação(3).

Pensando na ação educativa em saúde como prática essencialmente transformadora da realidade em saúde, que só se realiza com a participação dos sujeitos nela envolvidos, faz-se necessário que o profissional de saúde se reconheça como agente de transformação dessa realidade e que, reconhecendo-se, possa atuar em práticas educativas que promovam tal transformação.

Para a enfermagem, esse é um desafio em especial, já que se trata de uma profissão essencialmente feminina, caracterizada por uma prática historicamente associada à função social da mulher - o cuidado. A enfermagem carrega consigo dupla e histórica subordinação, ou seja, a social, representada pela subordinação ao trabalho médico, e a de gênero, representada pela subordinação ao masculino(13).

Dessa forma, reconhecer-se como agente de transformação da realidade em saúde significa, para a enfermeira, dentre outros desafios, a necessidade de redefinir sua prática assistencial, lutando pela transformação de sua subalternidade social e por atenção à saúde integral e humanizada que atenda as necessidades de saúde dos sujeitos que dela necessitam.

Respeitar a autonomia dos sujeitos em relação aos seus modos de andar a vida

A autonomia é aqui entendida como a possibilidade de os sujeitos reconstruírem os sentidos de sua vida, ressignificando, assim, seu modo de viver e de andar a vida(14).

Para que o usuário possa construir sua autonomia, é necessário, primeiramente e dentre outros aspectos, que o profissional de saúde tenha para com ele atitude de respeito e de reconhecimento(15). Essa atitude de respeito em relação à autonomia dos sujeitos sempre causou e ainda causa certo desconforto para os profissionais de saúde. Isso porque muitos tendem a considerar que a posse do conhecimento técnico-científico, socialmente reconhecido, lhes confere a prerrogativa de definir como os usuários devem enfrentar seus problemas de saúde.

É preciso reconhecer que os sujeitos assistidos, pelas suas vivências e experiências, desenvolvem determinada compreensão sobre as condutas e recomendações defendidas pelos serviços de saúde e, conseqüentemente, certas atitudes em relação às mesmas. Dentre os muitos desafios para os profissionais de saúde e para as enfermeiras está o exercício cotidiano de reconhecimento e respeito à autonomia das pessoas, em relação ao seu modo de andar a vida, como forma de reafirmar o compromisso com a atenção à saúde integral e humanizada e, portanto, como norte para o desenvolvimento de ações educativas nos serviços.

Reconhecer e respeitar o saber de senso comum, reconhecendo a incompletude do saber profissional

O termo senso comum tem origem na filosofia e está relacionado, de maneira geral, aos conhecimentos e saberes originados nas vivências cotidianas e, portanto, voltados para ela. Como é um saber construído no cotidiano, não é legitimado socialmente.

Já o saber científico, expresso na forma do saber profissional, é o que tem legitimidade perante a sociedade, constituindo-se, portanto, saber válido e que deve ser difundido.

Na história das práticas educativas em saúde do Brasil, observa-se que a valorização do saber científico, em detrimento do saber de senso comum, contribuiu para a atenção à saúde mais voltada para as demandas dos serviços e de seus profissionais, do que para as necessidades dos sujeitos assistidos(1).

A hierarquização entre o saber científico e o saber de senso comum também contribuiu para desenvolver postura onipotente do profissional de saúde que, possuidor do saber legítimo, deprecia e desqualifica o saber de senso comum, invalidando-o. Essa postura diante do outro faz com que o profissional não se comprometa verdadeiramente com os sujeitos que assiste, distanciando-se cada vez mais deles(4).

Não se trata, entretanto, de valorizar um saber em detrimento de outro. É claro que o saber de senso comum está cheio de contradições, incertezas, limites e até mesmo preconceitos, assim como o saber científico, ainda que esse último se ancore nas "certezas" científicas indiscutíveis.

Para ser dialógica, a ação educativa precisa reconhecer e respeitar como legítimo e válido o saber de senso comum, em geral subsumido ao saber científico na atenção à saúde. Reconhecer e respeitar o saber de senso comum pressupõe reconhecer a incompletude do saber profissional, o que não significa abdicar do conhecimento científico produzido ou submetê-lo ao senso comum. Trata-se de reconhecer que há diferentes saberes, dentre eles, o saber profissional, que também é incompleto, ou seja, está em constante construção e, por isso, precisa ser reformulado, contextualizado, confrontado e aproximado de outros saberes, principalmente, o de senso comum, para se transformar em conhecimento útil.

Utilizar o diálogo como estratégia para a transformação da realidade em saúde

Define-se o diálogo como um encontro de seres humanos para um saber agir comum. O diálogo se estabelece a partir de quatro elementos: o amor ao mundo dos sujeitos, a humildade, a fé nos homens e o pensar crítico(4).

Defendendo esses alicerces para a construção do diálogo, acredita-se na possibilidade de uma relação pedagógica horizontal, no qual a confiança em um pólo - do educando - seria a conseqüência para o outro pólo, do educador(4).

Historicamente, as ações educativas nos serviços de saúde prestaram-se mais a legitimar o saber técnico-científico e impô-lo à população, do que propriamente promover o diálogo compartilhado e participativo com esses sujeitos, na busca por um projeto comum capaz de enfrentar os problemas de saúde e atender as necessidades de saúde dos sujeitos.

As experiências que utilizaram a perspectiva da Educação Popular como método norteador para ações educativas nos serviços de saúde foram marcantes ao romper com a tradição normativa e autoritária das relações entre profissionais e usuários e construir relação mais horizontal, participativa, tomando o diálogo como estratégia para o enfrentamento dos problemas de saúde e para a transformação dessa realidade(16).

Operacionalizar técnicas pedagógicas que viabilizem o diálogo com os sujeitos assistidos

Para utilizar o diálogo como estratégia para transformação da realidade de saúde, a enfermeira necessita apropriar-se de técnicas pedagógicas, em especial as técnicas grupais, definidas como "conjunto de procedimentos que, aplicados a uma situação de grupo favorece a consecução dos objetivos grupais: coesão, interação, produtividade e gratificações grupais"(17).

No campo das práticas educativas em saúde, observa-se atualmente grande preocupação com a questão da abordagem de grupos. A utilização de técnicas grupais revela-se importante ferramenta de trabalho para a enfermeira em atividades educativas com sujeitos coletivos, principalmente aquelas que adotam perspectiva pedagógica dialogada e participativa, como a da Educação Popular em Saúde. Ainda, assim, verifica-se que a formação inicial dos profissionais dessa área, entre elas a de enfermagem, ainda não permite o desenvolvimento de competências em relação às técnicas grupais.

Durante a formação inicial, a aluna de enfermagem necessita ter contato com diferentes técnicas grupais, apropriando-se dos conhecimentos e habilidades necessários para conduzi-las quando nos serviços de saúde. É preciso, entretanto, entendê-las como meios para alcançar uma finalidade e nunca como uma finalidade em si mesmas(17). As técnicas grupais podem ser usadas para promover e viabilizar o diálogo como estratégia de transformação da realidade em saúde.

Instrumentalizar os sujeitos com informação adequada

No campo das práticas educativas em saúde, a "educação bancária", definida pela Educação Popular como método no qual o educador "deposita" no educando informações e conhecimentos legitimados e comprovados cientificamente, vem se mostrando ineficiente, pois não considera o modo de vida das pessoas e a compreensão que têm em relação à sua saúde.

A competência para instrumentalizar os sujeitos com informação adequada refere-se ao provimento da informação necessária aos sujeitos para que possam refletir e exercer análise crítica acerca de sua realidade(3-4).

Como o profissional de saúde pode lançar mão desses conhecimentos em sua prática educativa? Propõe-se que o profissional de saúde tenha sempre uma "mochila" repleta de saberes, conhecimentos ou informações, lançando mão de seus conteúdos. Alerta-se, entretanto, para o risco de "despejar" todo o conteúdo da mochila. Recomenda-se o bom senso de utilizar a informação conforme a necessidade dos sujeitos(2) . Além disso, o conteúdo da mochila não é algo acabado, pronto, completo. Ele pode e deve ser construído com os sujeitos assistidos.

Valorizar e exercitar a intersetorialidade no cuidado à saúde

Para superar os problemas de saúde da realidade brasileira, marcada cada vez mais pela complexidade e diversidade, é necessário reconhecer que o setor saúde não consegue resolver sozinho, ou elaborar estratégias de enfrentamento dessa realidade, se fechado em si mesmo, em seus saberes e práticas profissionais.

Torna-se cada vez mais urgente e necessária a valorização e o exercício da intersetorialidade, ou seja, a construção de parcerias com os diferentes sujeitos envolvidos e comprometidos com uma nova realidade de saúde(18).

A intersetorialidade envolve, ação coletiva e organizada que pressupõe o respeito à diversidade e às singularidades de cada sujeito, seja ele individual ou coletivo, social ou institucional. Aproxima-se, então, do entendimento de educação dialógica defendida por Freire, na qual são necessários o diálogo e a participação de todos os sujeitos.

Sabe-se que a heterogeneidade e a diversidade dos sujeitos, expressas nos seus interesses e reivindicações, são elementos que tornam a ação intersetorial uma prática processual, que se constrói na medida em que há o reconhecimento mútuo(18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O perfil de competências para ação educativa da enfermeira expressa em grande medida a necessidade de ressignificar a ação educativa no cuidado à saúde, ressignificação que pressupõe não só a contextualização das práticas educativas na história da saúde brasileira, mas também a observação e a avaliação de tais práticas, procurando identificar suas possibilidades e limites, pontos de convergência, ou dissonância, com o propósito de aproximá-las da perspectiva da Educação Popular em Saúde.

Tal superação leva a considerar a ação educativa não só como uma atividade a mais, realizada nos serviços de saúde, mas como prática que alicerça e reorienta toda a atenção à saúde.

Sabe-se que a construção de um perfil de competências, por si só, não garante a renovação das práticas educativas em saúde. É necessário investir também na discussão e reflexão sobre a forma como esse perfil pode ser operacionalizado no cotidiano dos serviços e no ensino de enfermagem(6).

Construir perfil de competências para a ação educativa da enfermeira no seu processo de trabalho assistencial é, portanto, uma das tarefas que se coloca para a formação inicial em enfermagem na interface entre o ensino e o processo de trabalho em enfermagem. Este estudo tem o propósito de contribuir nessa direção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 3.5.2007

Aprovado em: 10.1.2008

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  • *
    A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética e Pesquisa dos respectivos locais estudados. Os sujeitos foram abordados, respeitando-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, fundamentado na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2007
    • Aceito
      10 Jan 2008
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