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A percepção de enfermeiros sobre o cuidar de pacientes com problemas físicos que interferem na autoimagem: uma abordagem fenomenológica

Resumos

O presente estudo tem como objetivo compreender a percepção e o significado do cuidar de pacientes com problemas de auto-imagem, resultantes de alteração física, por enfermeiros de um hospital universitário. A trajetória metodológica foi a fenomenologia, os sujeitos da pesquisa foram oito enfermeiros. Para a análise dos depoimentos, realizou-se a transcrição e as leituras, buscando a essência das unidades, expressão dos significados, tematizando e interpretando as falas, buscando convergências, divergências e idiossincrasias e a síntese do fenômeno. Os temas desvelados foram: (não)aceitação da enfermidade; trabalho em equipe; limitações conseqüentes da doença; sentimentos e comportamento do enfermeiro e equipe; vínculo entre equipe, paciente e família; a família; auto-imagem do paciente; idade dos pacientes; o preconceito; (re) conhecimento da doença; nível e cuidados mais intensos; a religião e capacitação. Pela amplitude do fenômeno outros ângulos podem ser desvelados e outras perspectivas habitadas.

auto-imagem; cuidados de enfermagem; pesquisa qualitativa


This study aimed at understanding the perception and the meaning of caring for patients with self-image problems resulting from physical alterations to nurses working at a university hospital. Phenomenology was the methodology used, and the subjects of study were eight nurses. In order to analyze the statements given, transcription and readings were performed, seeking for the essence of the units, the expression of meanings by thematizing and interpreting the discourse and looking for convergence, divergence, idiosyncrasies and synthesis of the phenomenon. The unveiled themes were: (non) Acceptance of the disease; Team work; Limitations resulting from the disease; The nurse's and team's feelings and behavior; Ties between the team, patient and family; The family; Patient's self-image; Patients' age; Prejudice; Acknowledgement or knowledge of the disease; Care level and more intense care; Religion and Capacitation. Due to the amplitude of the phenomenon, other angles can be unveiled and other perspectives can be inhabited.

self-concept; nursing care; qualitative research


El presente estudio tiene como objetivo comprender la percepción y el significado de cuidar de pacientes con problemas de autoimagen, resultantes de una alteración física, por enfermeros de un Hospital Universitario. La trayectoria metodológica fue la fenomenología, los sujetos de la investigación fueron ocho enfermeros. Para analizar las declaraciones, se realizaron la trascripción y las lecturas, buscando encontrar la esencia de las unidades, la expresión de los significados de los temas e interpretando los diálogos, buscando convergencias, divergencias e idiosincrasias y la síntesis del fenómeno. Los temas revelados fueron: La no aceptación de la enfermedad; el trabajo en equipo; las limitaciones como consecuencia de la enfermedad; los sentimientos y comportamiento del enfermero y del equipo; el vínculo entre el equipo, el paciente y la familia; la familia; la autoimagen del paciente; la edad de los pacientes; el prejuicio; el reconocimiento de la enfermedad; el nivel y los cuidados intensivos; la religión y la capacitación. Por la amplitud del fenómeno, se sugiere el estudio de otras perspectivas.

autoimagen; atención de enfermería; investigación cualitativa


ARTIGO ORIGINAL

A percepção de enfermeiros sobre o cuidar de pacientes com problemas físicos que interferem na autoimagem: uma abordagem fenomenológica

Karin Kalita de Oliveira PintoI; Wilza Carla SpiriII

IAluna de graduação, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Brasil, e-mail: trolla_enf@yahoo.com.br

IIDoutora, Docente, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Escola de Medicina de Botucatu, Brasil, e-mail: wilza@fmb.unesp.br*

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo compreender a percepção e o significado do cuidar de pacientes com problemas de auto-imagem, resultantes de alteração física, por enfermeiros de um hospital universitário. A trajetória metodológica foi a fenomenologia, os sujeitos da pesquisa foram oito enfermeiros. Para a análise dos depoimentos, realizou-se a transcrição e as leituras, buscando a essência das unidades, expressão dos significados, tematizando e interpretando as falas, buscando convergências, divergências e idiossincrasias e a síntese do fenômeno. Os temas desvelados foram: (não)aceitação da enfermidade; trabalho em equipe; limitações conseqüentes da doença; sentimentos e comportamento do enfermeiro e equipe; vínculo entre equipe, paciente e família; a família; auto-imagem do paciente; idade dos pacientes; o preconceito; (re) conhecimento da doença; nível e cuidados mais intensos; a religião e capacitação. Pela amplitude do fenômeno outros ângulos podem ser desvelados e outras perspectivas habitadas.

Descritores: auto-imagem; cuidados de enfermagem; pesquisa qualitativa

INTRODUÇÃO

Este estudo considera as inquietações quanto a assistência de enfermagem prestada, em um hospital universitário, a pacientes que apresentam algum tipo de deficiência física com possibilidade de interferência na auto-imagem. Os pacientes referidos são aqueles que eram fisicamente sadios e por motivos, tais como acidente ou doença, tiveram, em conseqüência, modificação corporal visível, o que acarretou em algum incômodo e/ou transtorno em sua auto-imagem.

Imagem corporal é a figura mental ou a percepção que alguém faz ou tem de seu corpo(1).

Acreditamos que existem diferentes maneiras de enfrentamento para a aceitação da imagem corporal. Uns enfrentam com facilidade e conseguem continuar a vida sem traumas, outros não aceitam a mudança no início, mas depois acabam convivendo com o que é inevitável, e também há os que não conseguem lidar com suas limitações. É nestes dois últimos casos especialmente que entendemos a importância de um estudo voltado ao o quê e o quanto o enfermeiro pode perceber desta situação.

Na relação que se estabelece entre as pessoas com alguma deficiência e àquelas não portadoras, há intensamente a presença de emoções como: medo, cólera, desgosto, atração, repugnância. São sentimentos que podem ocorrer juntos ou isoladamente, fortes ou moderados, mas são freqüentes e reais(2).

Estas emoções ocorrem nas famílias, nos profissionais ou em qualquer indivíduo que ao se deparar, direta ou indiretamente, com a deficiência apresente algum tipo de "sofrimento psicológico". Há um processo de negação por meio de pensamentos, palavras e atos(2).

O desvio biológico no corpo humano é manifestado pela "falta ou excesso de". "O deficiente é a própria encarnação da assimetria, do desequilíbrio, das des-funções. Assim, sua desfiguração, sua mutilação, ameaça intrinsecamente as bases da existência do outro". O outro, o diferente, o deficiente, representa a consciência da própria imperfeição daquele que vê, espelha suas limitações, suas castrações. Representa também o sobrevivente, aquele que passou pela catástrofe e a ela sobreviveu, com isso acenando com a catástrofe em potencial, virtualmente suspensa sobre a vida do outro. Representa ainda uma ferida narcísica em cada profissional, em cada comunidade. Representa um conflito não camuflável, não escamoteável - explícito - em cada dinâmica de interrelações. De qualquer lado que se olhe, representa uma chaga em pele idealizadamente de alabastro. Representa ameaça, perigo"(3).

É por meio da imagem corporal que o indivíduo mantém um equilíbrio interno enquanto interage com o mundo(1).

Quando um indivíduo, em algum momento, não aceita seu corpo tal como ele é pode ocorrer desequilíbrio desencadeando distúrbios da auto-imagem. O profissional de enfermagem deve reconhecer esta crise da auto-imagem, que pode se manifestar tanto verbalmente quanto não verbalmente, e se subdivide em quatro etapas: choque, negativismo, reconhecimento da realidade e adaptação(4).

Alguns sintomas podem ser indicadores da crise da auto-imagem, o indivíduo pode apresentar-se queixoso, quieto, deprimido (triste, abatido, melancólico), hostil (zangado, irritado), temeroso, negativista, ansioso, com dor específica ou não, com anorexia, insônia, questionador, divagador, choroso, agitado, dentre outros sintomas(4).

A não aceitação da própria aparência induz ao indivíduo que as pessoas a sua volta também não a aceitem. Isso pode gerar uma depressão relacionada ao descontentamento com a aparência e baixa auto-estima. Por meio dos procedimentos estéticos, pessoas que não convivem satisfatoriamente com sua aparência, amenizam suas ansiedades(5).

A assistência de enfermagem ao paciente com problemas na auto-imagem inclui: "conhecimentos básicos sobre as dimensões do self e suas interrelações; consideração para que em cada atividade, observe-se aquilo que compõe o núcleo central da auto- imagem do indivíduo; distinção das etapas da crise; auxiliá-lo a manter-se dentro dos níveis da normalidade; identificar os sintomas e sinais que indicam um desequilíbrio; auxiliá-lo a voltar aos níveis normais; consideração pelo ser humano como unidade bio-psico-social em constante equilíbrio no tempo e no espaço; estabelecimento e manutenção de um relacionamento terapêutico; a enfermeira como instrumento de observação e de comunicação"(4).

Pessoas com problemas na aparência, que contam com suporte social e familiar, conseguem lidar melhor com a situação e livrar-se de preconceitos que podem aparecer. A enfermeira tem papel relevante pois atitudes como estimular a expressão dos sentimentos possibilita planejamento adequado dos cuidados e assistência(6).

OBJETIVO

Compreender a percepção e o significado do cuidar de pacientes com problemas de auto-imagem, resultantes de alteração física, por enfermeiros de um Hospital Universitário.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Utilizamos a fenomenologia para revelar o fenômeno, ou seja, buscar a essência, a significação da realidade vivenciada pelos sujeitos do estudo, visando a sua compreensão. O caminho utilizado percorreu três momentos: a descrição, a redução e a compreensão.

A descrição possui três elementos: a percepção, a consciência e o sujeito(7). Buscamos os depoimentos visando à percepção dos sujeitos do estudo da significação, produzida pela consciência, do cuidar de pacientes com problemas de auto-imagem relacionados a deficiência física visível.

A redução fenomenológica visou determinar e selecionar quais as partes da descrição são consideradas essenciais. A partir dos depoimentos coletados e transcritos realizamos a redução, refletindo sobre as falas extraindo delas sua essência.

A compreensão fenomenológica especificou o "significado" que é essencial na descrição e na redução, como uma forma de investigação da experiência. Com a essência e a fala dos sujeitos organizamos e interpretamos os temas revelados, realizando uma síntese das unidades significativas encontradas e suas convergências, divergências e idiossincrasias.

A região de inquérito do estudo foi constituída pela situação vivenciada pelos enfermeiros de um hospital universitário que cuidam de pacientes que apresentam problemas com a auto-imagem resultantes de alteração física.

Os sujeitos da pesquisa foram definidos no decorrer do estudo, perfazendo oito, sendo os depoimentos suficientes para desvelar a essência do fenômeno pesquisado.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu Unesp, foram identificados na Divisão de Enfermagem os enfermeiros que assistem pacientes adultos e realizado entrevistas com os enfermeiros que consentiram em participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As entrevistas foram realizadas nos locais escolhidos pelos sujeitos, áudio-gravadas e as fitas, após transcrição, foram destruídas. Foram feitas as seguintes questões norteadoras:

- Como você percebe o(s) paciente(s) que apresentam problemas com a auto-imagem? O que significa para você cuidar deste(s) pacientes(s)?

CONTRUÇÃO DOS RESULTADOS

Os temas desvelados referem-se a essência da situação vivenciada pelos sujeitos.

O tema, "(não) aceitação da enfermidade", revelou aspectos distintos em relação a percepção do enfermeiro quanto a aceitação do paciente a sua doença e ou limitação, variando entre pacientes que aceitavam sua nova condição ou pelo menos se adaptavam facilmente a ela, e pacientes que apresentavam dificuldades consideráveis para aceitar sua nova realidade.

Independente do grau de facilidade de aceitação que os pacientes demonstram, o tempo surgiu como ponto de suma importância para que o paciente se aceite melhor e acostume a conviver com sua nova condição. Assim, percebeu-se que de início o choque, a depressão, a tristeza e a negação, entre outros, eram sentimentos marcantes que o paciente manifestava. Após, transcorrido um tempo nota-se então a aceitação mais facilitada por uns e mais dificultada por outros.

Ao acontecer a doença, o indivíduo que tende a viver em homeostasia, sofre desequilíbrio e esta situação de crise exige que este reencontre seu equilíbrio. A doença geralmente é considerada uma situação ameaçadora e limitante, gera ansiedade e exige esforço para confrontá-la(8).

O apoio familiar ao paciente também se revelou como um aspecto fundamental para a recuperação e aceitação da enfermidade, pois quando a família está sempre presente o paciente apresenta sinais de melhora e superação.

O suporte social, especificamente o familiar, possibilita às pessoas, melhor enfrentarem os seus problemas, amenizando a dor e o sofrimento, diminuindo a ansiedade e a depressão, tornando-as mais estáveis emocionalmente(9).

A ajuda de um profissional especializado como o psicólogo às vezes torna-se necessária quando o paciente, mesmo após um tempo ainda apresenta dificuldades para aceitar e conviver com sua nova condição.

O enfermeiro reconhece que o trabalho em saúde é majoritariamente um trabalho coletivo, realizado por diversos profissionais de saúde. O psicólogo faz parte da equipe e, em uma perspectiva interdisciplinar, a complexidade dos problemas permite esta ação de cooperação e rompimento da visão fragmentada em saúde(10).

Os pacientes que mais sofrem e negam sua realidade são os mais jovens e aqueles que foram acometidos por uma enfermidade que afeta intensamente a aparência.

Com risco de uma análise reducionista podemos inferir que os mais jovens estão construindo sua imagem corporal e que neste processo de construção os aspectos referentes as relações sociais são fundamentais pois "a nossa imagem corporal é a nossa totalidade como seres humanos"(11).

No tema, "trabalho em equipe", os depoimentos desvelam que prioritariamente o paciente precisa de atenção, carinho, respeito pelo seu momento e suas angústias. Estratégias de diálogo, orientação, tratamento com equidade, além de estímulo, encorajamento e incentivo ao auto-cuidado são utilizadas pela equipe de enfermagem a fim de que o paciente perceba e acredite na possibilidade de retomar a vida o mais próximo da normalidade possível dentro de suas limitações, inclusive de restabelecer uma vida independente dentro de sua condições.

O trabalho é realizado reforçando ao paciente o que ele tem de sadio e que o tratamento não se baseia apenas na sua enfermidade e limitação. A busca é para um atendimento humanizado e otimizado ao paciente e sua família, para que sua recuperação seja a melhor possível.

O trabalho em equipe é fundamental para a abordagem integral em saúde. Porém não podemos ser ingênuos em considerar a equipe isenta de conflitos, pois a equipe não é harmonia, mas sim o reconhecimento e o enfrentamento dialógico das diferenças, das desigualdades e das dificuldades de toda ordem que permeiam o cotidiano de trabalho(12).

Ainda na perspectiva do trabalho em equipe, a interação é fundamental e o diálogo, respeito, colaboração, objetivo comum, confiança, ética, criatividade, competência e humildade, são pressupostos que alicerçam este trabalho.

O tema, "limitações e conseqüências da doença", desvelou que as limitações, quando acometem abruptamente o paciente engendram comportamentos depressivos, com aspectos de entristecimento e negação da situação diferente dos acometidos por alguma limitação de forma gradual.

O reconhecimento e compreensão das limitações e perdas impostas pela doença possibilita adaptações e implica em lidar com as mudanças ocorridas. Neste aspecto os sujeitos do estudo reconhecem o quanto existe de possibilidade de suporte, tanto dos profissionais de saúde, quanto da família e outras redes sociais do paciente(8).

A análise dos depoimentos que se relacionam com o tema, "sentimentos e comportamento do enfermeiro e equipe", revelou que os profissionais comumente manifestam sinais de tristeza, sensibilizam-se com a situação do paciente, não raras vezes choram, preocupam-se com os cuidados pós alta e continuidade do tratamento adequado, corroborando a afirmação de que pacientes que sofrem problemas com sua auto-imagem geram ansiedade nos profissionais cuidadores e um ambiente de estresse e preocupação, pois a equipe compartilha o sofrimento do paciente e família, desenvolvendo a empatia.

Os sentimentos expressos pelos enfermeiros são pertinentes e possibilitam que, ao expressá-los, reconheçam que são humanos, pois a relação com a doença e sua manifestação nas pessoas precisa ser explicitada entre a equipe para que haja, de forma saudável, um trabalho com os sentimentos, "... o deficiente é a própria encarnação da assimetria... assim, sua desfiguração, sua mutilação, ameaça intrinsecamente as bases da existência do outro...", de forma análoga, a pessoa com alteração em sua auto-imagem conseqüente da doença, também causa estranhamento aos que estão em sua volta e isto inclui os profissionais de saúde(2).

Por outro lado, os profissionais procuram não transmitir ao paciente seu sofrimento e sua angústia. Buscam sempre estimulá-lo a retomar suas vidas à normalidade considerando sua nova condição. Além disso, há o cuidado para que estes sentimentos pessoais não interfiram em suas vidas particulares e dependendo do vínculo formado com o paciente, o profissional também necessita de ajuda para que seus sentimentos sejam trabalhados adequadamente, não atrapalhem sua vida pessoal e tão pouco prejudique o tratamento do paciente.

No tema, "vínculo entre equipe, paciente e família", compreendeu-se que há formação de vínculo afetivo entre os envolvidos com o paciente bem, porém sempre com a cautela para que estes sentimentos despertados nos indivíduos não interfiram ou prejudiquem o trabalho da equipe de enfermagem. Sentimentos de tristeza e muitas vezes episódios de choro acometem os profissionais dependendo do vínculo formado e da situação do paciente, havendo preocupação com a continuidade de um tratamento adequado após alta e cuidados domiciliares.

O estabelecimento de vínculo é fundamental para a relação profissional, pois "... somente assim se pode estabelecer uma verdadeira igualdade com respeito às diferenças e à fraqueza do outro: Se a desigualdade provém da debilidade do outro, do seu sofrimento é a compaixão que tende a restabelecer a reciprocidade, e mesmo ocorre que 'aquele que parece estar só a dar recebe mais quando dá, através da gratidão e do reconhecimento" (12).

Para o tema, "a família", os depoimentos desvelam que a família muitas vezes demonstra mais sofrimento e depressão do que o próprio familiar doente. Há situações em que a impossibilidade de compreensão do paciente de seu estado patológico dificulta a expressão de seus sentimentos e provoca ansiedade nos familiares, demandando a necessidade de apoio psicológico, pois precisará aprender a conviver com um familiar portador de alguma limitação.

A equipe trabalha junto com a família visando diminuir a ansiedade nos cuidados a serem efetuados com seu familiar. É proposto ao familiar realizar um treinamento, antes do paciente receber alta, para que os cuidados domiciliares sejam prestados adequadamente. Os sujeitos referem a importância do apoio e proximidade da família com o paciente, pois apresentam sinais de melhora e mais rápida recuperação quando a família é presente e apoiadora.

O apoio da família é indispensável a recuperação e esta tem fator preponderante na reinserção do paciente em seu meio social. Além disso, a família também não é imune a situação vivenciada pelo seu ente querido e necessita receber da equipe o apoio e as condições para a continuidade do cuidado em seu domicílio.

Com o tema, "auto-imagem do paciente", percebeu-se que é um desafio cuidar de pacientes que manifestam problemas com sua auto-imagem, pois há contradição na expressão dos sentimentos, uns demonstram sentimentos considerados negativos como: tristeza, angústia, agressividade e depressão, outros não conseguem expressar com clareza tais sentimentos, pois as emoções estão exacerbadas e são diferentes para cada momento da vivência da doença.

Existe uma imagem corporal envolvida que sustenta a concepção que o indivíduo tem da sua personalidade e de sua relação com os outros. A imagem construída na infância está profundamente inserida no funcionamento psíquico global, o que contribui para as reações emocionais perante alterações do corpo advindas de doença, lesões ou perdas de órgãos(1,8).

Outro aspecto apreendido revela que a limitação, conseqüente da enfermidade, causa sofrimento ameno quando comparado ao fato do paciente estar vivo, ou ainda que a gravidade do problema sanado, mesmo tendo como conseqüência alguma alteração que interfira na auto-imagem é relativizada e aceita com resignação.

Este tema também abrange a percepção do enfermeiro sobre o seu papel profissional, incorporado da visão holística, e sua preocupação em estimular, apesar de reconhecer que é traumático para o paciente e família, valorizar as iniciativas dos pacientes em retomar a vida com tranqüilidade e aceitação da auto-imagem.

A ajuda de profissionais competentes é, indubitavelmente, necessária aos doentes, os quais sem apoio, poderão ficar bloqueados pela negação da situação.

O tema, "gênero e idade dos pacientes", evidenciou que pacientes tanto do gênero masculino como do feminino e de diferentes faixas etárias sofrem alterações com sua auto-imagem, porém revelou que os jovens e principalmente as mulheres são os que mais apresentam dificuldades para superar e aceitar a limitação como uma nova realidade.

No "culto ao corpo" a mulher, embora também haja um movimento dos homens neste sentido, é a mais susceptível a repercussão social da alteração da auto-imagem. A imagem corporal não é só uma construção cognitiva, mas também uma reflexão dos desejos, atitudes emocionais e interação com os outros e isto é construído(11).

Acreditamos que este conceito, muitas vezes implícito e não expresso, permeia o pensamento e o agir, principalmente das pacientes, que experienciam o adoecimento. Neste sentido houve sensibilidade dos enfermeiros, sujeitos do estudo, em perceber este significado.

"O preconceito", também foi desvelado referindo que alguns pacientes portadores de alteração física com reflexo em sua auto-imagem, são vítimas do preconceito social e familiar havendo também o preconceito existente entre os próprios pacientes durante o período de internação. Alguns, como mecanismo de defesa desse preconceito, fogem do ambiente familiar e social, refugiando-se no hospital por intermédio da internação. Percebe-se a necessidade do respeito ao paciente para que ele não sofra nenhum tipo de preconceito ou discriminação diante de sua situação.

Neste sentido o preconceito, segundo sua definição, é uma atitude anterior a qualquer conhecimento e, portanto, desprovida de fundamentação. A alteração física e sua conseqüente limitação podem desencadear preconceitos e estereótipos. O preconceito pode provocar aversão à pessoa ou atitude de comiseração, ambas destituídas do enfrentamento e geradoras de conflitos, conforme percebido e explicitado pelos enfermeiros. Importante considerar que o refúgio na internação possibilita ao paciente ter minimizado o enfrentamento de sua condição e a aceitação dos profissionais que o assiste(2).

"(Re) conhecimento da doença", revelou que primeiramente é importante observar se o paciente sabe exatamente o que está acontecendo com ele bem como seu diagnóstico.

Considerando os referenciais bioéticos, o paciente tem direito à verdade que não significa simplesmente uma comunicação fria de dados e informações objetivas, pois é necessário tempo, oportunidade e condições adequadas. O enfermeiro, como membro de uma equipe multidisciplinar que mais tempo permanece junto com o paciente, poderá munir-se de empatia e prudência para adaptar-se às necessidades de cada doente, ajudando-os a apropriarem-se de suas verdades. Isto posto, apreendemos que há preocupação do enfermeiro em saber se o paciente conhece seu diagnóstico e as implicações deste em sua vida(13).

No tema, "nível de atenção e cuidados mais intensos", foi explicitado que pacientes que apresentam problemas com sua auto-imagem acarretam um trabalho desgastante para a equipe de enfermagem devido a maior complexidade assistencial. Portanto há necessidade de maior número de pessoas para prestação da assistência de enfermagem.

Estudos sobre dimensionamento de pessoal de enfermagem têm se constituído, ao longo dos anos, em foco de atenção dos enfermeiros e de gestores dos serviços de saúde, por interferirem diretamente na eficácia, na qualidade e custo na assistência à saúde, "a demanda de atendimento da clientela com necessidades cada vez mais complexas, tem imprimido sobrecarga de trabalho aos integrantes da equipe de enfermagem, influenciando e dificultando a implantação de qualquer medida que favoreça a qualidade da assistência prestada" (14). Esta afirmação nos impele a considerar que a percepção do enfermeiro sobre trabalho desgastante tem direta implicação na complexidade assistencial e nas demandas cada vez maiores.

"A religião", também se revelou como tema e expressou a importância da existência de alguma crença para a recuperação e aceitação do paciente em relação a sua nova realidade, eles manifestam mais entusiasmo e facilidade para a superação de seu problema com a auto-imagem.

"A religião aparece como garantia à sobrevivência e proteção simbólica, oferecendo amparo aos que sofrem e consolo aos que choram"(9). O enfermeiro percebe a importância desta relação e o quanto pode contribuir para a aceitação da doença, assim como a esperança para a cura.

O tema, "capacitação", desvelou que alguns profissionais não se sentem preparados para lidar com pacientes que não aceitam sua auto-imagem e sua nova condição, sentem insegurança para a abordagem e comunicação com o paciente e família sobre a situação vivida considerando a nova realidade que se apresenta e o momento delicado em que essa relação se estabelece.

A enfermeira que trabalha com a deficiência se torna capacitada para o trabalho de maneira gradativa através da experiência, convivência e conhecimento teórico. No relacionamento da enfermeira com a família e o paciente, sentimentos de ansiedade, insegurança, negação, rejeição são notados e acarretam num envolvimento emocional(15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desvelar a essência do fenômeno do significado do cuidar de pacientes com problemas de auto-imagem resultante de alteração física, os depoimentos engendram convergências, divergências e idiossincrasias que permitem compreender a percepção dos enfermeiros sobre o assistir estes pacientes que podem apresentar problemas com a auto-imagem devido a alguma limitação física decorrente de enfermidades e/ou acidentes.

O significado atribuído pelos sujeitos apreende a necessidade de uma equipe de enfermagem bem preparada e orientada para a assistência adequada aos pacientes e considera que a equipe também necessita de atenção e ajuda para lidar com os sentimentos despertados ao cuidar destes pacientes. A formação de vínculo acontece entre os indivíduos envolvidos, porém há preocupação em não permitirem interferências do seu trabalho em sua vida pessoal.

Compreendeu-se que os pacientes e seus familiares precisam de estímulos para retomar a vida considerando as limitações sendo o tempo, o suporte de profissionais especializados e a religião facilitadores deste processo.

Quanto a auto-imagem, foi desvelado que os sentimentos manifestados pelos pacientes são considerados negativos diante de sua condição, além do preconceito que é sofrido. Os mais jovens e principalmente do sexo feminino apresentam mais resistência à aceitação de sua limitação.

O trabalho é desgastante e estressante para a equipe de enfermagem necessitando, portanto, de mais recursos humanos para uma assistência humanizada e otimizada ao paciente.

Dada a amplitude do fenômeno, outras perspectivas se contemplam e outros enfoques podem ser habitados. Novos desvelamentos consideram os horizontes ilimitados aos seres humanos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Aceito
    05 Dez 2007
  • Recebido
    16 Maio 2007
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