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Análise do valor predeterminante dos procedimentos da fase pré-hospitalar na sobrevivência das vítimas de trauma

Resumos

A proposta deste estudo foi analisar o valor predeterminante dos procedimentos realizados, durante o atendimento pré-hospitalar no tempo de sobrevivência de vítimas de acidentes de trânsito. Dados de 175 vítimas com Revised Trauma Score < 11, atendidas e transportadas pelo suporte avançado à vida a hospitais terciários, foram submetidas à Análise de Sobrevivência de Kaplan Méier e à Análise de Riscos Proporcionais de Cox. Identificou-se 4 grupos de procedimentos associados à sobrevivência: circulatórios básicos; respiratórios avançados; volume reposto e medicamentos. Até a alta hospitalar, as vítimas, submetidas à entubação orotraqueal e compressões torácicas, apresentaram 3,6 e 6,4 vezes maior risco para o óbito, respectivamente. A necessidade de realização de via aérea definitiva e de reanimação cardiorrespiratória na fase pré-hospitalar foi predeterminante de maior risco para o óbito. A reposição de volume inferior a 1000ml foi o único fator predeterminante com força protetora para o risco de óbito.

assistência pré-hospitalar; acidentes de trânsito; modelos de riscos proporcionais


The aim of this study was to analyze the determining value of the procedures carried out during prehospital care in the survival time of traffic accident victims. Data of 175 victims with Revised Trauma Score £ 11, cared for and transported by advanced life support to tertiary referral hospitals, were submitted to Kaplan-Meier Survival Analysis and to Cox proportional hazards model. Four procedure groups associated with survival were identified: basic circulatory; advanced respiratory; volume replaced and medication. Until hospital discharge, the victims who underwent orotracheal intubation and chest compressions showed 3.6 and 6.4 times higher death hazards, respectively. The need for definitive airway and cardiopulmonary resuscitation in the prehospital phase was predetermining with higher death hazard. The less than 1000ml intravenous fluid replacement was the only predetermining factor with protective power against death hazard.

prehospitalcare; accidents; traffic; proportional hazards model


La propuesta de este estudio fue analizar el valor determinante de los procedimientos realizados durante la atención prehospitalaria en el tiempo de sobrevivencia de víctimas de accidentes de tránsito. Datos de 175 víctimas con Revised Trauma Score < 11, atendidas y transportadas por el soporte avanzado a la vida a hospitales terciarios, fueron sometidos al análisis de sobrevivencia de Kaplan Méier y al análisis de Riesgos Proporcionales de Cox. Se identificaron 4 grupos de procedimientos asociados a la sobrevivencia: circulatorios básicos; respiratorios avanzados; volumen repuesto y medicamentos. Hasta el alta hospitalaria, las víctimas sometidas a la intubación orotraqueal y compresiones toráxicas presentaron 3,6 y 6,4 veces mayor riesgo de muerte, respectivamente. La necesidad de mantener la vía aérea definitiva permeable y hacer reanimación cardiorrespiratoria en la fase prehospitalaria fue predeterminante de un mayor riesgo de muerte. La reposición de volumen inferior a 1000ml fue el único factor predeterminante con fuerza protectora para el riesgo de muerte.

assistencia prehospitalaria; accidentes de tránsito; modelos de riesgos proporcionales


ARTIGO ORIGINAL

Análise do valor predeterminante dos procedimentos da fase pré-hospitalar na sobrevivência das vítimas de trauma

Marisa Aparecida Amaro MalvestioI; Regina Marcia Cardoso de SousaII

IDoutor em Enfermagem, Coordenador do Núcleo de Educação do SAMU 192, São Paulo, Brasil, Professor universitário, e-mail: marisaaph@itelefonica.com.br

IIProfessor Livre-docente da Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: vian@usp.br

RESUMO

A proposta deste estudo foi analisar o valor predeterminante dos procedimentos realizados, durante o atendimento pré-hospitalar no tempo de sobrevivência de vítimas de acidentes de trânsito. Dados de 175 vítimas com Revised Trauma Score <11, atendidas e transportadas pelo suporte avançado à vida a hospitais terciários, foram submetidas à Análise de Sobrevivência de Kaplan Méier e à Análise de Riscos Proporcionais de Cox. Identificou-se 4 grupos de procedimentos associados à sobrevivência: circulatórios básicos; respiratórios avançados; volume reposto e medicamentos. Até a alta hospitalar, as vítimas, submetidas à entubação orotraqueal e compressões torácicas, apresentaram 3,6 e 6,4 vezes maior risco para o óbito, respectivamente. A necessidade de realização de via aérea definitiva e de reanimação cardiorrespiratória na fase pré-hospitalar foi predeterminante de maior risco para o óbito. A reposição de volume inferior a 1000ml foi o único fator predeterminante com força protetora para o risco de óbito.

Descritores: assistência pré-hospitalar; acidentes de trânsito; modelos de riscos proporcionais

INTRODUÇÃO

Muitos pesquisadores têm tentado determinar os fatores que se relacionam com a sobrevivência de pacientes de trauma. Trata-se de uma tendência internacional de pesquisa na busca de evidências da eficácia das intervenções realizadas e de indicadores prognósticos seguros para esse grupo de vítimas(1-2).

Os fatores estudados envolvem características das vítimas, tipo de trauma e seus mecanismos e as diversas circunstâncias do atendimento prestado desde a fase pré-hospitalar até a intra-hospitalar, incluindo os procedimentos realizados em ambas as fases(1-3). No entanto, há dificuldade em se demonstrar estatisticamente a associação entre esses fatores e a sobrevivência devido ao grande número de variáveis que interferem nos resultados e à dificuldade de se extrair o impacto de uma ou de um grupo específico delas(1,3-6).

Na fase pré-hospitalar, essa dificuldade tem sido ainda mais evidente, principalmente quando o objetivo dos estudos é verificar a influência das medidas de suporte avançado à vida (SAV), que prevê a realização de procedimentos invasivos. Essas dificuldades são inerentes à natureza retrospectiva da coleta de dados, às dificuldades na avaliação da vítima na cena do acidente e, ainda, à falta de padronização e às diferenças nos modelos de cuidado oferecidos pelos diferentes países, que dificultam a comparação entre os estudos sobre a modalidade(1-2).

Nas pesquisas sobre o SAV no trauma, há uma tendência em restringir sua influência aos traumas fechados(1,3,5,7), à realização de alguns procedimentos como a intubação e a reposição volêmica(5) e aos acidentes ocorridos em regiões rurais, onde a distância entre a cena do trauma e o hospital é maior (5).

Essas restrições e a dificuldade em evidenciar a associação estatística com o resultado de sobrevivência, mantém a controvérsia sobre o APH, principalmente entre remover a vítima rapidamente da cena do trauma para o hospital (scoop and run) ou prover os cuidados na cena do acidente (scene stabilization) e, com isso, atrasar a chegada ao cuidado definitivo(1,3,8-9).

O conhecimento sobre o valor predeterminante dos procedimentos da fase de APH pode auxiliar na decisão sobre a realização desses procedimentos e no treinamento de equipes.

O objetivo do presente estudo é analisar o valor predeterminante dos procedimentos de suporte básico e avançado de vida, realizados durante a fase de APH, sobre a sobrevivência das vítimas de acidentes de trânsito, considerando intervalos de tempo até a alta hospitalar.

MÉTODO

Estudo retrospectivo longitudinal utilizando dados da fase pré e intra-hospitalar sobre vítimas de acidente de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo/Brasil, entre abril de 1999 e março de 2003. As fontes primárias de dados foram a "Ficha de Atendimento Pré-hospitalar", os prontuários hospitalares das vítimas e, quando indicado, o laudo de necropsia. Os dados foram acessados após a obtenção da aprovação dos comitês de ética e pesquisa da Escola de Enfermagem da USP e da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, além das devidas autorizações formais dos gestores das diferentes instituições envolvidas. Considerando o caráter retrospectivo da pesquisa em prontuários, não foi necessária a obtenção de autorização por meio do termo de consentimento livre e esclarecido dos sujeitos da amostra.

Todas as vítimas tinham entre 12 e 65 anos, apresentavam Revised Trauma Score (RTS) <11 na cena do acidente e foram atendidas e transportadas por uma equipe de suporte avançado à vida (SAV) do serviço de APH do Município, até uma unidade hospitalar pública terciária. As restrições à inclusão das vítimas na amostra buscaram garantir similares condições e expectativa de sobrevivência, conforme recomendado por outros estudos(1-2).

Os procedimentos, analisados de forma única ou combinada, incluíram:

- Suporte respiratório básico: oxigenio-terapia, cânula de Guedel e aspiração;

- Imobilizações: colar cervical, prancha longa e imobilização de membros;

- Suporte circulatório básico: compressão torácica externa e curativo compressivo;

- Suporte respiratório avançado: intubação orotraqueal (IOT), ventilação percutânea transtraqueal (VPT), punção e/ou drenagem torácica;

- Suporte circulatório avançado: acesso venoso periférico ou central;

- Volume e tipo de solução para reposição volêmica: > ou < que 1000 ml de solução e solução de Ringer lactato e/ou solução fisiológica.

Medicamentos: psicotrópicos, adrenalina (atropina, lidocaína), glicose e outros.

Na perspectiva de diferenciar os óbitos precoces dos tardios, a variável dependente utilizada na análise de sobrevivência foi o tempo decorrido desde o acidente até o resultado (óbito, alta ou transferência), em diferentes intervalos de tempo. Os intervalos considerados foram: até 6 horas, até 12 horas, até 24 horas, até 48 horas, até 7 dias e até a alta hospitalar. Para a determinação desse tempo, a data, hora e a condição na saída hospitalar, foram coletados no hospital terciário de destino diretamente dos prontuários.

A Análise de Sobrevivência Kaplan Meier (ASKM) foi usada para selecionar os procedimentos associados à sobrevivência (p<0,05). Nessa análise, foi considerado o óbito como evento, e os pacientes que estavam vivos, tiveram alta ou foram transferidos até cada um dos intervalos de tempo foram considerados como censuras. Os procedimentos que apresentaram associação com a sobrevivência na ASKM foram submetidos à Análise de Riscos Proporcionais de Cox (ARPC), que estabeleceu o risco relativo para o óbito dos indivíduos submetidos aos procedimentos, perante aqueles que não necessitaram de intervenções (categoria baseline)(10).

Na ARPC, valores superiores a 1 para a estimativa de risco de uma variável significa que o grupo exposto a ela apresenta risco maior para o óbito do que o grupo não exposto e, portanto, seu prognóstico é pior. Valores entre zero e um, indicam a força protetora da categoria ou variável, demonstrando menor risco de óbito diante dela(10).

Os coeficientes de risco de Cox das categorias com associação estatisticamente significante estão apresentados sob o formato de gráficos, o que permite analisar o comportamento e o impacto da categoria ao longo do tempo. O banco de dados e a análise estatística foram organizados no programa SPSS 10.0.

RESULTADOS

A amostra desse estudo foi composta por 175 vítimas de acidentes de trânsito; a maioria na faixa etária entre 20 e 39 anos (61,1%) e do sexo masculino (86,9%). A média de idade foi 31,9 anos (dp 11,3; med 30). Do total, 45,1% das vítimas eram pedestres, 30,9% eram motociclistas e 18,9%, ocupantes de automóveis. A média do RTS na cena foi 8,8 (dp 3,2; med 10), da Escala de Coma de Glasgow (GCS) foi 9,2 (dp 4,2; med 9) e o Injury Severity Score (ISS) médio alcançou 19,4 (dp 14,1 , med 17, min 1, max 57).

As imobilizações e a oxigenioterapia, foram os procedimentos de suporte básico mais realizados (Tabela 1). Para 9,2% das vítimas foi necessário o procedimento de reanimação cardiopulmonar (RCP), com a realização de compressões torácicas.

Dentre os procedimentos avançados (Tabela 2), destacam-se a IOT e a punção venosa periférica. Quanto ao volume utilizado, em 63,4% das vítimas, optou-se por valores <1000ml sendo a solução de Ringer lactato, a mais usada na reposição de volume.

A utilização de adrenalina ocorreu predominantemente durante os procedimentos de RCP.

Considerando a condição de saída e o tempo até o óbito, (Tabela 3), observa-se ocorrência de 63 óbitos, sendo que 32, (50,8%), aconteceram até 6 horas após o trauma.

Na ASKM aplicada aos 7 diferentes agrupamentos de procedimentos da fase pré-hospitalar, foram identificados 4, com associação estatisticamente significante à sobrevivência em todos os intervalos de tempo avaliados. Foram eles: circulatórios básicos (p<0,001); respiratórios avançados (p<0,001); volume reposto (p<0,05) e medicamentos administrados (p<0,001).Os procedimentos respiratórios básicos e circulatórios avançados, foram associados à sobrevivência exclusivamente nos intervalos entre 6 e 12h (p<0,02) e até 7 dias (p<0,05) respectivamente. Os procedimentos de imobilização não foram estatisticamente associados.

A ARPC, aplicada aos agrupamentos de procedimentos selecionados pela ASKM, revelou as seguintes categorias com associação significante à sobrevivência em todos os intervalos de tempo: compressões torácicas, acesso venoso, reposição volêmica com volumes inferiores a 1000ml, administração de medicamentos para RCP e todas as categorias relacionadas a procedimentos respiratórios avançados. A administração de sedativos e analgésicos foi associada apenas entre 48h e 7 dias.

A Figura 1 apresenta o comportamento dos coeficientes de risco para o óbito para as categorias de procedimentos respiratórios avançados.


Das 67 vítimas que receberam IOT ou VPT, 23 sobreviveram. Nas primeiras 6h, a realização de IOT ou VPT, resultou em um risco 13,3 vezes maior para o óbito (p<0,001) nas vítimas que receberam esse procedimento quando comparadas às que não receberam. No grupo que necessitou de IOT ou VPT (n=60) todas as vítimas tinham ISS>25 e, dessas, 24 morreram até 6h. A partir das 6h após o trauma, nota-se um declínio do risco de óbito das vítimas que necessitaram desses procedimentos.

O comportamento dos coeficientes de risco dos procedimentos circulatórios básicos e avançados é apresentado na Figura 2. Também com uma tendência de declínio ao longo do tempo, a compressão torácica aumentou em 6,4 vezes o risco de óbito até a alta hospitalar. Dentre as 16 vítimas que receberam RCP na fase de APH, houve 2 sobreviventes.


A necessidade de reposição com volumes <1000ml, produziu coeficientes de risco inferior a 1 em todos os intervalos avaliados. Comportamento similar foi observado com a categoria "veia periférica ou flebotomia", que apresentou associação na maioria dos intervalos. Dentre as 111 vítimas que receberam volumes <1000ml, 74 sobreviveram.

A administração de drogas sedativas ou analgésicas foi fator prognóstico significativo, somente nos intervalos "até 48h" e "até 7 dias". Os coeficientes observados apontam para o menor risco de óbito na presença desse procedimento.

A necessidade da administração de glicose ou de volumes superiores a 1000ml e de realização de curativo compressivo e de desfibrilação, não apresentou evidências estatísticas de associação com o óbito. Os procedimentos de suporte respiratório básico, não confirmaram associação estatística pela ARPC em qualquer um dos intervalos.

DISCUSSÃO

No presente estudo os procedimentos que se destacaram como predeterminantes de sobrevivência foram os de suporte respiratório avançado, RCP e reposição volêmica.

No APH a realização de procedimentos de acesso respiratório avançado, em especial da IOT, é defendida por diversos pesquisadores, pois a precoce restauração da oxigenação e ventilação pode diminuir as complicações após o trauma e, portanto melhorar os resultados de sobrevivência(1,3,9). No entanto, no presente estudo, o risco para o óbito das vítimas submetidas a esses procedimentos foi alto.

A despeito das teóricas vantagens no uso da IOT, há dificuldades em se obter evidências em favor do procedimento devido à impossibilidade de se realizar estudos com grupos-controle e, principalmente, porque as vítimas que precisam de IOT já apresentam maior risco para o óbito em conseqüência de precisarem de auxílio respiratório invasivo para manter essa função vital(7,11). Essa relação entre a gravidade, necessidade de realização de IOT e óbito, já foi abordada por estudos(1,4,12-14).

Entretanto, não há evidências que indiquem que esse procedimento não deva ser realizado durante APH. Pelo contrário, estudos(12-13) que compararam a mortalidade em vítimas submetidas a IOT na cena e no hospital, demonstraram que para o primeiro grupo, houve percentuais maiores de sobrevivência, levando os autores a avaliar que a menor sobrevivência para o segundo grupo, foi devido ao atraso na realização do procedimento, o que produziu ainda pior prognóstico. Esses resultados, quando associados ao alto risco para o óbito produzido pela IOT na presente amostra, levam a necessidade de se analisar a hipótese de que a realização de IOT não seja um fator de risco, mas que a necessidade de realização do procedimento seja um indicador desse risco.

A necessidade de procedimentos inerentes a RCP, também produziu alto risco para o óbito. No entanto, das 16 vítimas que necessitaram de RCP, 2 sobreviveram (12,5%).

A RCP em pacientes de trauma durante a fase pré-hospitalar, já foi considerada por alguns autores como um exemplo de consumo inadequado de recursos médicos e hospitalares, em razão de seu péssimo prognóstico(15-16). No entanto, estudos recentes sobre vítimas de trauma contuso que receberam SAV, têm confirmado a existência de maior percentual de sobreviventes após RCP, (variação entre 3,5% e 9,3% de sobreviventes)(15-16). Tais resultados, acrescidos daqueles ora apresentados, que também demonstraram bom percentual de sobreviventes (se iniciada a RCP), têm importante impacto para a prática clínica. Os serviços de APH devem rever seus protocolos operacionais e claramente determinar os parâmetros indicativos de inicio das manobras de RCP na cena do trauma. As equipes de APH em SAV, quando em atendimento ao trauma fechado com RCP, devem avaliar a possibilidade de investir todos os recursos disponíveis ainda em cena e no transporte, na busca de maiores chances para a vítima.

A realização de punção venosa periférica durante o APH é um procedimento prioritário, sobretudo nos casos de PCR ou choque(4,11). Se analisada de forma exclusiva, sua realização não apresenta significado clínico. No entanto, seu objetivo é permitir a administração de medicamentos e principalmente a reposição de volume e, somente quando analisado nesse conjunto, o procedimento ganha significado. No presente estudo, todos esses procedimentos foram associados à sobrevivência.

A reposição volêmica é muito discutida(1-2,4,7): não realizar a reposição no APH pode levar a hipoxemia e choque descompensado(1); por outro lado, realizar reposição, pode normalizar a pressão arterial sistólica (PAS) e melhorar a perfusão. Ainda assim, em consequência a elevação da pressão, pode ocorrer aceleração hidráulica da hemorragia e deslocamento mecânico de coágulos sangüíneos, desencadeando outro sangramento(1). Há ainda o risco de diluição de fatores de coagulação nas amplas reposições de fluídos, o que pode aumentar a duração do sangramento e agravar o choque(1).

Estudos internacionais defendem a reposição, mas com volumes menores até a chegada ao atendimento definitivo(1,7). Nessa proposta, o procedimento não eleva excessivamente a PA, porém, mesmo assim, impede as desordens de microcirculação e o metabolismo anaeróbico provocado pelo choque. Nos resultados da presente amostra, a administração de volumes inferiores a 1000ml, foi a única categoria que exibiu coeficientes de risco com comportamento protetor em todos os períodos, o que ratifica a proposta de reposição com volumes menores. Essa força protetora demonstrou ser um importante fator para a maximizar a probabilidade de sobrevida e pode estar associada a menor ocorrência do choque no grupo de vítimas que recebeu volumes menores(1,7).

No geral, as variáveis relativas aos procedimentos da fase pré-hospitalar quando submetidas à análise de Cox, demonstraram que há uma tendência de declínio dos coeficientes de risco até a alta hospitalar. Dentre as razões para esse declínio, destacam-se, o baixo número de eventos (óbitos) acumulados após as 6h e a possibilidade de que o impacto das medidas de APH seja limitada a um intervalo de tempo.

Para as intervenções que apresentaram coeficientes com força protetora, a tendência do comportamento é linear indicando que o benefício ou a força protetora alcançada pode influenciar os resultados obtidos por um período mais longo.

Em relação aos resultados observados neste estudo, vale ressaltar que foi elevado o percentual de realização de procedimentos de suporte básico e avançado no grupo de vítimas. Mesmo considerando que vários deles não tenham sido associados à sobrevivência, a necessidade de realização desses procedimentos pode ser relacionada às alterações precoces das funções circulatória, respiratória e neurológica, detectadas nas vítimas ainda na fase de APH e é ratificada pela presença de RTS<11 na cena do acidente. Ressalte-se que ausência de evidências de benefícios dos procedimentos, não implica em contra-indicação à realização. Procedimentos realizados em quase a totalidade das vítimas tais como imobilização e oxigenioterapia, não alcançaram associação significativa, provavelmente, em conseqüência a homogeneidade da amostra.

Se a vítima precisa da intervenção precoce e ela é realizada precocemente, é uma demonstração de benefício obtido com o APH. Nessa perspectiva, as análises sobre o impacto do APH devem ser realizadas do ponto de vista da necessidade de realização do procedimento na busca de prevenção ou correção de irregularidade fisiológica decorrente do trauma.

Equipes de APH devem considerar que vítimas de acidentes de trânsito com RTS<11 que necessitem de procedimentos respiratórios invasivos ou de RCP têm alto risco de óbito precoce e, por essa razão, devem agilizar as intervenções e o encaminhamento ao hospital terciário para que as vítimas tenham a chance de se beneficiar do cuidado intra-hospitalar.

Para esse grupo de vítimas é preciso estabelecer um protocolo de intervenções suficientemente ágil para cada grupo específico de necessidades, a ponto de ter impacto sobre a sobrevivência da vítima sem consumir tempo desnecessário. Agilizar intervenções requer garantir que as equipes estejam treinadas para reconhecer a necessidade de realização além de executá-las no menor tempo possível.

CONCLUSÃO

A análise do valor predeterminante dos procedimentos realizados durante o atendimento pré-hospitalar no tempo de sobrevivência, permitiu as seguintes conclusões:

Procedimentos respiratórios avançados, compressões torácicas externas e uso de medicações relacionadas a RCP, se destacaram por sua associação significante com maior risco para o óbito em todos os intervalos de tempo, enquanto que, a reposição volêmica com volumes menores que 1000ml, foi fator protetor durante todo o período avaliado.

Em períodos específicos, o acesso venoso por veia periférica ou flebotomia e o uso de drogas sedativas ou analgésicas foram fator protetor diminuindo o risco de óbito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Aceito
    07 Mar 2008
  • Recebido
    25 Jul 2007
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