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O tratamento diretamente supervisionado (DOTS) contribui para a adesão ao tratamento da tuberculose?

Resumos

Estudo qualitativo, realizado sob o marco teórico da Teoria da Determinação Social do Processo Saúde Doença e conceito Adesão. O objetivo foi analisar significados da DOTS na adesão ao tratamento da tuberculose, segundo profissionais de saúde da Supervisão Técnica de Saúde do Butantã da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética. Entrevistou-se a totalidade dos profissionais (22 pessoas) que desenvolviam DOTS, incluindo coordenadores de serviços, profissionais assistenciais e coordenador da DOTS na região. Analisou-se os depoimentos, segundo a técnica de análise de discurso apropriada. Os resultados apontam que a estratégia apresenta mais potencialidades do que limites e efetividade na adesão, por permitir acolher e monitorar o doente considerando suas necessidades. Aponta-se a importância da ampliação do entendimento da adesão para além da ingesta da medicação, integrando o cuidado do doente a partir de suas necessidades, transcendendo aquelas restritas à dimensão biológica.

tuberculose; epidemiologia; terapia diretamente observada


This is a qualitative study performed in the theoretical framework of the Theory of Social Determination of the Health-Disease process and the concept of Compliance. The goal was to analyze meanings of DOTS in compliance with tuberculosis treatment, according to healthcare professionals of the Technical Healthcare Supervision of Butantã (SUVIS), a region of the São Paulo City Healthcare Secretariat, Brazil. The project was submitted to the Ethics Committee of the São Paulo Municipal Health Secretariat. All professionals (22 people) developing DOTS were interviewed, including service coordinators, healthcare professionals and the DOTS coordinator for the region. The statements were analyzed with an appropriate technique for discourse analysis. The results appoint that the strategy presents more potentialities than limits and is effective regarding compliance, since it allows the professionals to welcome and monitor the patients, considering their needs. The importance of increasing the understanding of compliance is also noted, so that it can go beyond the simple intake of medication, integrating the care for the sick person and his or her necessities by transcending those restricted to the biological dimension.

tuberculosis; epidemiology; directly observed therapy


Se trata de un estudio cualitativo realizado bajo el marco teórico de la Teoría de la Determinación Social del Proceso Salud Enfermedad y el concepto de Adhesión. El objetivo fue analizar los significados de la DOTS en la adhesión al tratamiento de la tuberculosis, según la visión de profesionales de la salud de la Supervisión Técnica de la salud del Butanta de la Secretaría de la salud del Municipio de San Pablo. El proyecto fue sometido al Comité de Ética. Se entrevistaron la totalidad de los profesionales (22 personas) que desarrollaban la DOTS incluyendo coordinadores de servicios, profesionales asistenciales y el coordinador de la DOTS en la región. Se analizaron las declaraciones según la técnica de análisis de discurso apropiada. Los resultados apuntan que la estrategia presenta más potencialidad que límites y es efectiva en la adhesión, por permitir acoger y monitorear el enfermo considerando sus necesidades. Se apunta la importancia de ampliar el entendimiento de la adhesión, más allá de la ingestión de la medicación, integrando el cuidado del enfermo a partir de sus necesidades, trascendiendo aquellas restrictas a la dimensión biológica.

tuberculosis; epidemiología; terapía por obsrevación directa


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, e-mail: mfterra@gmail.com

IIEnfermeira, Professor Livre-Docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

Estudo qualitativo, realizado sob o marco teórico da Teoria da Determinação Social do Processo Saúde Doença e conceito Adesão. O objetivo foi analisar significados da DOTS na adesão ao tratamento da tuberculose, segundo profissionais de saúde da Supervisão Técnica de Saúde do Butantã da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética. Entrevistou-se a totalidade dos profissionais (22 pessoas) que desenvolviam DOTS, incluindo coordenadores de serviços, profissionais assistenciais e coordenador da DOTS na região. Analisou-se os depoimentos, segundo a técnica de análise de discurso apropriada. Os resultados apontam que a estratégia apresenta mais potencialidades do que limites e efetividade na adesão, por permitir acolher e monitorar o doente considerando suas necessidades. Aponta-se a importância da ampliação do entendimento da adesão para além da ingesta da medicação, integrando o cuidado do doente a partir de suas necessidades, transcendendo aquelas restritas à dimensão biológica.

Descritores: tuberculose; epidemiologia; terapia diretamente observada

INTRODUÇÃO

O estudo integra a linha de pesquisa que utiliza a categoria analítica adesão, uma das vertentes do Grupo de Pesquisa do CNPq "Adesão, necessidades e vulnerabilidade em Saúde Coletiva". Estudos(1-3) realizados apontam que a adesão ao tratamento extrapola a abordagem que reduz as necessidades de saúde aos aspectos clínicos e biológicos, especialmente quando se trata da tuberculose, que está diretamente associada à estruturação social. A inserção das pessoas na sociedade determina condições para o fortalecimento/limitações perante a vida, e as desigualdades sociais tornam os indivíduos vulneráveis ao desenvolvimento da enfermidade(4-5). Um dos principais problemas que torna ainda mais complexo o problema da doença diz respeito ao abandono do tratamento, com sérias repercussões no cenário epidemiológico. Há variedade importante de contribuições científicas, apontando que o abandono está associado a certos comportamentos, à co-infecção pelo HIV e à história de tratamento anterior para a tuberculose(4-7). Mas, é necessário considerar que a adesão ao tratamento transcende a clínica tradicional e está relacionada à forma como o paciente concebe a doença e como vive e à organização dos serviços de saúde(1-2).

A situação mundial da tuberculose determinou que, em 1993, a Organização Mundial da Saúde recomendasse a implementação da DOTS, buscando garantir a adesão ao tratamento. Estudo(8) apresenta que a quantidade de publicações internacionais supera as publicações nacionais que, entretanto, apresentam similaridades ao procederem às análises sob a ótica da multicausalidade, fatorializando, sem atribuir hierarquias e pesos na determinação da enfermidade e em relação ao sucesso ou fracasso do tratamento.

A tuberculose é um dos exemplos consagrados que evidenciam a produção social da enfermidade. Em um país como o Brasil, há que se considerar a magnitude das desigualdades sociais que tornam vulneráveis os indivíduos ao desenvolvimento da tuberculose. No município de São Paulo, em particular, verifica-se lacuna importante em termos de investigações, fato que justificou o desenvolvimento do presente estudo. Nesse sentido, buscou-se identificar os significados da DOTS, segundo profissionais de saúde que atuavam junto à SUVIS do Butantã-SP, com a finalidade de apreender seus limites e potencialidades na adesão ao tratamento.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo, tendo como matéria-prima os depoimentos de profissionais de saúde que atuavam no âmbito gerencial ou assistencial junto ao Programa de Controle da Tuberculose. A análise do objeto de estudo, a operacionalização da DOTS, e seu impacto no processo de adesão ao tratamento pautou-se no referencial teórico da Teoria da Determinação Social do Processo Saúde Doença que considera a doença como totalidade-parte do processo social e no conceito de adesão. A autora propõe que a adesão transcende o ato de ingerir o medicamento, e relaciona-se diretamente ao lugar ocupado pelo indivíduo no processo de produção e reprodução social, na medida em que desse decorrem condições favoráveis ou limitantes para a efetivação da manutenção terapêutica(1-2). Ademais, refere-se às concepções de saúde-doença que apresentam os indivíduos portadores da enfermidade, assim como aos aspectos que dizem respeito à organização dos serviços de saúde.

O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, tendo sido obtida autorização para a realização do estudo junto à SUVIS do Butantã, São Paulo. Os dados foram coletados por meio de roteiro semi-estruturado de entrevista, anteriormente alvo de pré-teste, tendo sido gravados os depoimentos e transcritos na íntegra. Utilizou-se de técnica de análise de discurso para decodificar o material empírico, e dos depoimentos foram depreendidas frases temáticas(9-10). Foram entrevistados todos os profissionais que atuavam junto à DOTS na região da SUVIS Butantã, contemplando 22 sujeitos: 9 coordenadores (gerentes) de Unidades Básicas de Saúde (UBS), 13 profissionais de saúde que atuavam junto à assistência: 3 médicos, 5 enfermeiras e 5 auxiliares de enfermagem, além do Coordenador do Programa de Controle da Tuberculose e DOTS da SUVIS do Butantã. As entrevistas foram realizadas no período de maio a julho de 2006. O cenário do estudo foi composto por 7 UBS da SUVIS Butantã.

RESULTADOS

Da totalidade dos sujeitos, 18 eram do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Quanto à faixa etária dos pesquisados, dois estavam entre 21 e 30 anos, cinco de 31 a 40, 5 de 41 a 50, oito entre 51 e 60, e dois acima dos 61 anos. Dentre os 9 coordenadores (gerentes) de UBS, 8 eram do sexo feminino e somente um profissional tinha menos de 40 anos. Apenas 3 coordenadores referiram não ter recebido treinamento específico para atuar com tuberculose. Dentre os 13 profissionais de saúde que desenvolviam a assistência direta aos doentes, 11 eram do sexo feminino. Os 3 médicos referiram ter recebido treinamento, e todos tinham grau de especialista em saúde pública. Dentre as 5 enfermeiras, apenas uma referiu ter experiência e formação nessa mesma área, enquanto as demais referiram que o aprendizado foi resultado da prática diária no serviço, ou por orientações prestadas pela SUVIS do Butantã, São Paulo. Todos os 5 auxiliares de enfermagem negaram ter recebido treinamento para a operacionalização da DOTS, mas afirmaram receber supervisão em serviço pela enfermeira da UBS.

Da análise dos depoimentos emergiram frases temáticas que se apresentam sintetizadas a seguir. Por considerar que, em alguns casos, a expressão manifesta pelos sujeitos ilustra de forma mais efetiva a apresentação dos achados, conservou-se o depoimento, que aparece em itálico.

Os significados sobre o Tratamento Supervisionado (TS)

Os coordenadores de UBS e Coordenador do PCT e DOTS na região

O TS é considerado estratégia eficiente para controlar as dificuldades da baixa adesão ao tratamento da tuberculose e investimento para aumentar as taxas de cura e diminuir o abandono. Quanto ao seu significado, houve menção de que se refere a ver, controlar e observar a ingestão da medicação, garantindo a adesão ao tratamento. Torna possível quebrar a cadeia de transmissão, alcançar a cura, além de evitar conseqüências do tratamento incorreto, acompanhar os comunicantes, abordar dificuldades no tratamento, diminuir a resistência aos medicamentos, organizar o serviço de saúde, e permitir que todos falem a mesma língua.

Quanto à indicação do TS, o profissional de saúde é quem define os doentes a serem mantidos sob a estratégia que, geralmente, é recomendada aos pacientes que apresentam recidiva da doença, abandono do tratamento anterior e aos pacientes que dão trabalho. Entretanto, encontra-se depoimentos que apontam que o TS deve ser oferecido a todos os doentes. Por outro lado, alguns consideram que o TS não permite a autonomia do paciente. Ainda assim, encontrou-se menção de que, devido à situação atual da tuberculose, deve ser obrigatório e prioritário na UBS, possibilitando-se que esses decidam como o tratamento pode ser realizado.

Quanto à freqüência do TS, alguns sujeitos apontaram que era realizado diariamente. A esse respeito, vários sujeitos referiram que o TS assume características de policialesco, afetando a privacidade do doente. Alguns coordenadores advogaram que deveria ser realizado semanalmente, ou a cada dois ou três dias.

Os profissionais assistenciais

Os depoimentos desses sujeitos revelam que a DOTS significa ver, cobrar, garantir a adesão, evitar o abandono, garantir a cura, controlar a transmissão da tuberculose e que se constitui em momento para criar vínculo. Quanto à indicação da DOTS, referiram que deveria ser obrigatória a todos. Outros profissionais mencionaram que deve ser indicada apenas aos rebeldes, complicados, complexos, sem consciência da doença e àqueles resistentes aos medicamentos. Os depoimentos apontam que operacionalizar a DOTS envolve orientar o doente e a família sobre o tratamento e gravidade da doença.

O papel da equipe de saúde, além de supervisionar a ingesta da medicação, envolve acolher e acompanhar o paciente durante o processo terapêutico. Quanto ao local a ser realizado o TS, houve alusão de que pode ocorrer na UBS ou no domicílio, tendo sido apontada a UBS como o local apropriado, por dispor de bom espaço físico.

Quanto à periodicidade do TS, mencionou-se que, em algumas UBS, é realizada diariamente, preferencialmente no período da manhã. Em outras Unidades, o TS é realizado três vezes por semana. Conforme indicam os depoimentos, as UBS apresentam diferentes maneiras na operacionalização do TS, no intento de atender as necessidades dos doentes.

Apontou-se que os doentes se engajam na DOTS e, quando é possível, envolve-se os membros da família nesse processo, deixando-os responsáveis por supervisionar a ingesta da medicação nos finais de semana. Mencionou-se que, quando o doente não comparece ao TS, a equipe de saúde entra em contato com o mesmo ou com a família, via telefone, ou por visita domiciliária dos Agentes Comunitários de Saúde, ou pela equipe de enfermagem.

Os incentivos oferecidos aos doentes sob DOTS são importantes para a adesão ao tratamento. Mencionou-se que os pacientes diferenciados, ou seja, aqueles que apresentam melhor condição socioeconômica, não recebem cesta básica.

Quanto às limitações apontadas sobre a DOTS, houve referência de que a estratégia é burocrática, não sendo oferecida pela totalidade dos profissionais de saúde, que há falta de conhecimento sobre a estratégia entre os profissionais de saúde e a irregularidade no fornecimento dos incentivos acarreta problemas nas relações entre profissionais de saúde, doente e os familiares, uma vez que se imputa a esses últimos essa falha. Ademais, apontou-se que o TS não possibilita que o doente se responsabilize pelo seu tratamento, ficando esse encargo com a equipe de saúde que, portanto, carrega o doente.

DISCUSSÃO

De maneira geral, as interpretações dos coordenadores das UBS, assim como dos profissionais de saúde que realizam a DOTS nas UBS, não diferem. Nos depoimentos, há menção de que a DOTS apóia a adesão ao tratamento, ainda que não seja suficiente para superar o problema da tuberculose.

A DOTS, ao possibilitar o seguimento continuado do doente, permite que se estabeleça relação do paciente com o profissional de saúde, que reflete, inclusive, no fato de o paciente sentir-se acolhido ao apresentar alguma queixa e encontrar acesso mais facilitado junto aos profissionais de saúde.

Aponta-se que a manutenção de altas taxas de adesão ao tratamento pelo doente é decorrência da DOTS e do empenho dos profissionais de saúde em manterem comunicação adequada com os doentes(11). Nessa linha, o processo comunicacional não se encerra em uma lógica retilínea, mas pressupõe o canal aberto para escuta. Daí o fato de o TS não se restringir à observação da ingesta da medicação, mas se ampliar para a escuta e compartilhamento de necessidades(2).

Conforme os depoimentos apresentaram, o TS é interpretado como atividade que "assegura" a manutenção do tratamento e deve ser mantido na UBS, dado que não repercute negativamente em sua dinâmica, apesar de requerer infra-estrutura que ainda se apresenta precária. Os depoimentos ainda revelam que o TS é prática que se inicia na recepção do doente, e continua na observação da ingesta da medicação, permitindo o estabelecimento de vínculo entre o profissional de saúde e o doente. Além disso, o TS é apreendido, pelos profissionais de saúde, como estratégia que torna a UBS mais acolhedora, pois possibilita proximidade de contato com o doente, além de envolver o profissional de saúde e o paciente em relação em que ocorre entendimento, captura e encaminhamento das necessidades que emergem na interação entre ambos.

Apontou-se que o TS se constitui como momento oportuno para o doente compartilhar dúvidas, angústias, problemas e necessidades, permitindo a ampliação do foco terapêutico para além do diagnóstico médico(12). O profissional de saúde pode aproveitar esse momento como espaço para desmistificar a doença, além de poder buscar fortalecer o doente no enfrentamento do processo saúde-doença, estimulando-o para o exercício da cidadania, ou seja, exercer seus direitos(1).

Para os profissionais de saúde, a adesão não é processo linear, mas complexo e diretamente relacionado ao vínculo estabelecido entre o doente e o profissional. Por um lado, mencionou-se que o vínculo deve decorrer do profissional de saúde, e que é construído sobre bases de relacionamento que possibilitam a expressão de sentimentos e de necessidades pelo doente. Assim, a adesão é processo construído no cotidiano: decorre do oferecimento do medicamento, de orientações, da inserção do doente no serviço, de seu acesso ao serviço sempre que necessário e da disponibilidade de um profissional que seja referência para o atendimento. Por outro lado, a adesão é ameaçada quando práticas de assistência não permitem flexibilização, em termos de mudança de horário, por exemplo, tendo-se apontado que práticas rígidas do processo de produção de serviços ferem a cidadania e o exercício da liberdade como direito.

Profissionais de saúde, dotados de compromisso com o trabalho em saúde e com os doentes, buscam superar as dificuldades apresentadas pelos pacientes e pelo serviço, para colaborar no processo de adesão. O atendimento às necessidades exige visão ampliada e humanizada, que extrapole a dimensão biológica do processo saúde-doença(12-15). A equipe de saúde deve oferecer apoio aos doentes e familiares no processo terapêutico, permitindo que sejam ouvidos, assim com proporcionar orientação sobre a enfermidade e medicamentos. Ora, esquemas de tratamento de longa duração, em geral, estão associados às dificuldades no seu seguimento.

Há grande disponibilidade de relatos científicos que multifatorializam o abandono no caso de enfermidades crônico-degenerativas ou em enfermidades transmissíveis que requerem tratamento continuado(1). Para lidar com os problemas que se colocam no processo de adesão, advoga-se interpretar a adesão a partir de elementos do cotidiano que guardam relações de interdependência e subordinação. Nesse sentido, a adesão, conforme conceito que embasa o presente estudo, deve abarcar a forma como o doente interpreta o próprio processo saúde-doença. E, ainda, como compreende sua posição no processo de produção e de reprodução social, que vai promover potencialidades diferenciadas em termos de acesso aos elementos que compõem a vida e o trabalho. Ademais, incorpora o entendimento de que a organização dos serviços de saúde deve estar orientada para atender as necessidades dos doentes(1-2).

A atenção aos doentes requer o estabelecimento de vínculo, imprescindível para a efetivação da adesão e se constitui em oportunidade para a emancipação. Em tal processo, o doente vocaliza sua doença, o que permite ao profissional conhecer a concepção do processo saúde-doença do usuário, e construir estratégias que se tornem facilitadoras para a adesão. Além disso, no momento em que os profissionais de saúde se disponibilizam para conhecer a situação de vida do doente, podem proporcionar possibilidades para o enfrentamento do processo saúde-doença, fortalecendo, inclusive, a inclusão social para determinados doentes, principalmente tendo em vista que grande parte dos sujeitos doentes apresenta precárias condições sociais(2).

No presente estudo, apontou-se a importância da atuação dos Agentes Comunitários de Saúde no processo de adesão ao tratamento, pois atuam como facilitadores ao conhecerem de perto o cotidiano de vida dos doentes, e se mostrarem mais abertos na assunção de novas estratégias, diferentemente do que ocorre, via de regra, com os demais profissionais de saúde, historicamente incorporados à equipe de saúde. Tais características favorecem o desenvolvimento do TS(13).

No que se refere aos incentivos que são fornecidos aos doentes, segundo os profissionais de saúde, auxiliam o processo de adesão, principalmente em virtude das restrições sociais que se apresentam. Mas há necessidade de se considerar a instauração de ações e de políticas que possibilitem a inserção social dos indivíduos, pois se trata de benefícios que, conjunturalmente, apóiam o processo, mas não modificam a realidade da vida(13,16).

Ainda, no presente estudo, considera-se que os efeitos colaterais dos medicamentos também influenciam na adesão, daí a importância do profissional de saúde colocar-se disponível para ouvir o doente e buscar solucionar eventuais dúvidas(16).

Numa perspectiva que amplia o tradicional conceito de abandono ao tratamento, advoga-se que a adesão, no cotidiano da assistência, deve considerar os modos de vida do indivíduo e sua dinâmica familiar, além de suas crenças, opiniões e conhecimentos sobre a doença e tratamento(1-2).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações a seguir referem-se à realidade onde foram coletados os dados, apontando-se a necessidade de cuidado para generalizações indevidas. A análise dos depoimentos, pautada na Teoria da Determinação Social do Processo Saúde Doença apresenta quão necessárias são as mudanças nos modos de considerar os processos que levam ao adoecer e morrer dos indivíduos.

Os profissionais de saúde que constituíram a população do estudo desenvolvem o TS a partir do que "pensam ser adequado", uma vez que não houve processo de capacitação. Tampouco, a operacionalização da estratégia era alvo de debate em reuniões técnicas. Para tais profissionais, a DOTS significa manter a atenção perante o doente para que não abandone o tratamento. Reitera-se que é estratégia eficaz para a adesão, e que possibilita a criação de vínculo entre o profissional de saúde e o doente. O vínculo permite que esse se sinta acolhido, encontrando espaço para solucionar dúvidas e "falar" sobre o seu processo terapêutico.

A operacionalização da DOTS exige conhecer as necessidades do doente, para que possa ser adequado o tratamento, de forma que se torne parte da vida da pessoa. Mas, além do apoio do profissional de saúde, para facilitar a adesão ao tratamento, o doente necessita do respaldo familiar, que é facilitado a partir do momento em que o profissional de saúde consegue integrar algum membro da família ao tratamento. Os profissionais de saúde que mais apresentaram envolvimento na operacionalização da DOTS pertenciam à equipe de enfermagem.

Verificou-se, ainda, que a adesão à DOTS é facilitada pela presença dos incentivos, principalmente por ocasião da instauração do projeto terapêutico, momento em que, via de regra, o doente se apresenta mais debilitado em decorrência da enfermidade. Por fim, o desenvolvimento deste estudo fez possível captar que, na região da SUVIS Butantã, a adesão ao tratamento está diretamente associada à DOTS. Os profissionais de saúde parece que se empenham nesse processo, valendo-se de uma série de estratégias, tendo o vínculo como a base da adesão ao tratamento. Reitera-se que a estratégia apóia a adesão ao tratamento, mas não é suficiente, quando analisada com base no conceito de Adesão, utilizado neste estudo como base do referencial teórico(1-2). Isso porquê a adesão está relacionada aos processos de vida e de trabalho dos sujeitos. Nessa perspectiva, alguns profissionais de saúde defendem ser fundamental ampliar a visão sobre as necessidades dos doentes, considerando sua vida cotidiana como importante para o processo terapêutico. Por fim, é necessário reafirmar que o conceito de adesão requer mudança da compreensão dos profissionais de saúde para além da doença, assim como seu engajamento no trabalho em saúde de forma a considerar as necessidades dos indivíduos e da coletividade, buscando compreender os processos pelos quais se adoece e morre. Para isso, os profissionais de saúde necessitam identificar as vulnerabilidades dos indivíduos, famílias e grupos sociais que integram o território, para que constituam alvo de intervenções compartilhadas com a comunidade e com outros setores sociais.

A tuberculose deve ser considerada como enfermidade socialmente determinada, e a adesão ao tratamento está associada diretamente à forma como o doente compreende a enfermidade. Portanto, coloca-se como necessário transcender o entendimento da estratégia para além da ingesta da medicação, considerando os modos de vida do indivíduo, sua dinâmica familiar, suas crenças, opiniões e conhecimentos a respeito da enfermidade.

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  • Tratamento diretamente supervisionado (DOTS) contribui para a adesão ao tratamento da tuberculose?

    Maria Fernanda TerraI; Maria Rita BertolozziII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      16 Out 2007
    • Aceito
      02 Jul 2008
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