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Ciclo vigília/sono de mulheres submetidas a cirurgia ginecológica eletiva com um dia de hospitalização

Resumos

Este estudo teve como objetivo comparar as características do ciclo vigília/sono (CVS) de 22 mulheres submetidas a cirurgia ginecológica eletiva com até um dia de hospitalização, entre as etapas pré e pós-operatória. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. As voluntárias (39±9 anos) preencheram um diário de sono durante 23 dias consecutivos, antes e após a cirurgia (46 dias no total). Os dados foram comparados por meio do teste de Wilcoxon para amostras pareadas. Os achados revelaram alterações discretas e transitórias do CVS (aumento da latência, redução da eficiência e despertar mais tardio) após a cirurgia, porém, com melhora da qualidade do sono e rápido retorno às características anteriores à intervenção, talvez pela exposição precoce à rotina do dia-a-dia, ou seja, às pistas ambientais relevantes para a sincronização do ritmo.

sono; cirurgia; enfermagem; mulheres; hospitalização


The aim of this descriptive study was to compare preoperative and post-operative sleep/wake cycle (SWC) patterns of 22 women undergoing elective surgery, with up to one day of hospitalization. The study was approved by the local Review Board. Voluntary women (average age 39 ± 9) filled out a Sleep Journal for 23 consecutive days, before and after the surgery (46 days total). Data were analyzed with Wilcoxon's matched-pairs test. The findings showed slight and transitory SWC changes (increased latency, reduced efficiency and later wake-up time) after the surgery. Nevertheless, sleep quality was improved and there was a fast return to the SWC patterns observed before the intervention, perhaps due to the early exposition to daily routine, e.g. the environmental clues that are important to rhythmic synchronization.

sleep; surgery; nursing; women; hospitalization


Este estudio tuvo como objetivo comparar las características del ciclo vigilia/sueño (CVS) de 22 mujeres sometidas a cirugía ginecológica electiva con hasta un día de hospitalización, entre las etapas pre y post operatoria. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética de la institución. Las voluntarias (39 ± 9 años) llenaron un Diario del Sueño durante 23 días consecutivos, antes y después de la cirugía (46 días en total). Los datos fueron comparados por medio de la prueba de Wilcoxon para muestras pareadas. Lo encontrado reveló alteraciones discretas y transitorias del CVS (aumento de la latencia, reducción de la eficiencia y despertar más tardío) después de la cirugía, sin embargo con mejoría de la calidad del sueño y rápido retorno a las características anteriores a la intervención, talvez por la exposición precoz a la rutina del día a día, o sea, a las señales ambientales relevantes para la sincronización del ritmo.

sueño; cirugía; enfermería; mujeres; hospitalización


ARTIGO ORIGINAL

Ciclo vigília/sono de mulheres submetidas a cirurgia ginecológica eletiva com um dia de hospitalização

Maria Cristina ZarosI; Maria Filomena CeolimII

IMestre em Enfermagem, e-mail: mcriszaros@yahoo.com.br

IIProfessor Doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, e-mail: fceolim@fcm.unicamp.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo comparar as características do ciclo vigília/sono (CVS) de 22 mulheres submetidas a cirurgia ginecológica eletiva com até um dia de hospitalização, entre as etapas pré e pós-operatória. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição. As voluntárias (39±9 anos) preencheram um diário de sono durante 23 dias consecutivos, antes e após a cirurgia (46 dias no total). Os dados foram comparados por meio do teste de Wilcoxon para amostras pareadas. Os achados revelaram alterações discretas e transitórias do CVS (aumento da latência, redução da eficiência e despertar mais tardio) após a cirurgia, porém, com melhora da qualidade do sono e rápido retorno às características anteriores à intervenção, talvez pela exposição precoce à rotina do dia-a-dia, ou seja, às pistas ambientais relevantes para a sincronização do ritmo.

Descritores: sono; cirurgia; enfermagem; mulheres; hospitalização

INTRODUÇÃO

A partir do século XX as mulheres conquistaram novos campos de trabalho e, com as mudanças ocorridas na estrutura familiar, passaram a ter mais tempo para si mesmas e mais oportunidades de novas realizações, além do casamento ou complementares a ele, como o trabalho e a educação(1).

Além dessas conquistas, um avanço nos cuidados à saúde da mulher pode ser representado pelo aprimoramento de técnicas cirúrgicas amplamente utilizadas. Atualmente, algumas cirurgias ginecológicas, tais como a histeroscopia cirúrgica e a laparoscopia ginecológica, podem ser realizadas com apenas um dia de hospitalização. Intervenções desse tipo têm sido cada vez mais empregues, devido à rotina pré e pós-operatória diferenciada em relação às cirurgias de médio e grande porte, bem como porque propiciam risco reduzido de infecção e permitem retorno precoce às atividades diárias(2).

Contudo, outras conseqüências desses procedimentos como, por exemplo, alterações nos processos rítmicos do organismo, podem ter reflexos negativos na saúde da paciente. A hospitalização e o estresse cirúrgico, por causarem mudanças na fisiologia e no cotidiano da mulher, podem provocar perturbações nos seus ritmos biológicos, entre os quais está o ciclo vigília/sono (CVS)(3-4).

Toda a atividade de um ser vivo é resultado de múltiplos processos bioquímicos e fisiológicos temporalmente organizados, ou seja, rítmicos. Essa conduta cíclica é tão antiga quanto a própria vida, de modo a permitir o sincronismo com o ambiente externo(5).

No ser humano, o CVS é acompanhado de variações diárias em outros ritmos, como os de temperatura corporal, freqüência respiratória e cardíaca, composição do sangue, enfim, de praticamente todas as funções corporais. Além de manter essa relação de fase estável com os demais ritmos endógenos, o CVS deve estar sincronizado aos ritmos ambientais e sociais, contribuindo para a obtenção de uma economia interna primordial ao organismo. Essa sincronização é conhecida como "organização temporal", e é fundamental para a integração dos seres vivos com os marcadores temporais do ambiente(5).

A dessincronização do CVS no ser humano pode conduzir ao desenvolvimento de um distúrbio de sono e trazer conseqüências a curto e médio prazo. Dentre as mais importantes, encontra-se a privação do sono, que pode ocasionar alterações na função imune, redução do nível de vigilância e prejuízo em funções cognitivas e fisiológicas, diminuindo também a sensação de bem estar(6).

Vários dias podem ser necessários para a retomada da sincronização(7), abrangendo justamente o momento da recuperação pós-cirúrgica quando a integridade das funções orgânicas é essencial. A instabilidade dos ritmos biológicos, ocasionada pelo estresse cirúrgico, pode interferir na resposta imune, na cura da ferida operatória e na resistência à infecção(3). Nesse sentido, a intervenção cirúrgica que requer curta hospitalização poderia resultar em menor impacto e alteração no CVS, além dos efeitos já conhecidos de redução dos agentes estressores e dos riscos inerentes a este tipo de procedimento.

Acredita-se que este estudo possa contribuir para o conhecimento dos efeitos de um desafio sócio-temporal, como é um procedimento cirúrgico, sobre o CVS de mulheres. O estudo é relevante por estar relacionado à saúde e ao bem-estar da mulher e por proporcionar ao profissional de saúde elementos que podem auxiliar nos cuidados oferecidos a esta.

Desta forma, este estudo tem por objetivo comparar as características do CVS de mulheres submetidas à cirurgia ginecológica eletiva com até 24 horas de hospitalização, entre as etapas pré-operatória e pós-operatória mediata, e descrever o intervalo de tempo necessário, no pós-operatório, para o retorno do CVS às características da etapa pré-operatória.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de campo, descritivo e longitudinal, com abordagem quantitativa, desenvolvido em um hospital no qual são atendidas pacientes de convênio e particulares, no município de Limeira (SP).

Participaram 22 mulheres com idade entre 24 e 64 anos, que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: indicação de cirurgia ginecológica eletiva; previsão de hospitalização de até 24 horas de duração, incluindo uma noite de permanência no hospital no pós-operatório imediato; participação voluntária, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); autorização do médico assistente para participação; intervalo mínimo de 23 dias entre a entrevista inicial para coleta de dados e a data de realização da cirurgia. Os critérios de exclusão, por sua vez, foram: não pernoitar no hospital no pós-operatório imediato; pernoitar no hospital no pré-operatório; pernoitar mais de uma noite no hospital, antes ou após a realização da cirurgia; apresentar complicações cirúrgicas; ficar internada no pós-operatório devido a essas complicações.

Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram: Questionário de Identificação da População (QI) e Ficha de Dados Adicionais de Cirurgia e Internação (FDACI), elaborados para o estudo; Diário de Sono (DS). Todos eles foram respondidos pelas próprias voluntárias, após orientação da pesquisadora.

O QI e a FDACI foram empregues com a finalidade de caracterizar as mulheres estudadas, obtendo-se, respectivamente, dados sócio-demográficos (QI) e informações sobre o procedimento cirúrgico (FDACI). O DS foi preenchido com as seguintes informações sobre o CVS: horário de deitar, início do sono, horário de despertar, latência, interrupções, duração, eficiência e qualidade do sono, permanência no leito, duração dos cochilos e da atividade física, e grau de ansiedade. Esse instrumento foi aplicado em duas etapas, antes e após a cirurgia, cada qual abrangendo três semanas e três a quatro finais de semanas, num total de 23 dias consecutivos em cada etapa.

Os dados obtidos foram submetidos inicialmente à análise descritiva (tabelas de freqüência e medidas de posição e dispersão). As informações do DS foram empregues para caracterizar o CVS das voluntárias em cada uma das etapas. Esses dados foram analisados semana a semana, separadamente, incluindo-se nessa análise apenas dias de semana. Denominou-se a semana mais distante da cirurgia, na etapa pré-operatória, de Pr3, seguindo-se Pr2 e Pr1 (imediatamente anterior à cirurgia) e, na etapa pós-operatória, obtiveram-se as semanas Po1, Po2 e Po3, esta última a mais distante da cirurgia. A seguir, foram efetuadas comparações entre as semanas de cada etapa, duas a duas.

Os dados dos finais de semana foram analisados em conjunto, comparando-se as etapas pré e pós-operatória.

O teste de Wilcoxon para amostras pareadas foi utilizado na análise das características do CVS entre as etapas, bem como da variabilidade intraindividual (desvios padrão) dessas características. Os resultados foram considerados significativos quando p<0,05.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade a que se filiam as autoras, em 19 de abril de 2005. As voluntárias assinaram TCLE elaborado de acordo com a Resolução 196/96 do CNS, que regulamenta a pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

A população foi constituída por 22 mulheres cuja idade variou de 24 a 64 anos (média de 39 ± 9 anos), submetidas a cirurgia ginecológica eletiva. Dentre elas, 64% eram casadas, 86% moravam com outra pessoa (em geral, familiares), 64% relatavam instrução de nível superior ou pós-graduação, 82% tinham atividade profissional fora do lar e 36% mencionavam renda de um a cinco salários mínimos.

A via de acesso para a cirurgia distribuiu-se entre abdominal (41%), vaginal (41%) e mama (18%). O procedimento teve duração entre 15 e 85 minutos, com média de 45 (±18) minutos. Houve predomínio da anestesia geral, empregue em 64% das voluntárias, seguida pela peridural em 27% e raquianestesia em 9%. A duração da anestesia variou de 30 a 140 minutos, com média de 73 (± 25) minutos.

As características do CVS foram comparadas entre as etapas pré e pós-operatória, semana a semana, para os dias de semana. Os valores médios dessas características encontram-se na Tabela 1.

Ao comparar os padrões do CVS entre a semana mais distante da cirurgia (Pr3) e a primeira semana de pós-operatório (Po1), verificou-se diferença significativa (p<0,05, teste de Wilcoxon) nas seguintes variáveis: latência do sono, superior na Po1; horário de despertar, mais tardio na Po1; permanência no leito, mais longa na Po1; eficiência do sono, menor na Po1. Não foi encontrada diferença significativa à comparação entre a Pr3 e a segunda semana de pós-operatório (Po2). Ao comparar a Pr3 com a terceira semana de pós-operatório (Po3), observou-se diferença significativa apenas na variável duração da atividade física, com valor maior na Pr3.

Quando se comparou a Pr2 com a primeira semana de pós-operatório (Po1), foi encontrada diferença significativa (p<0,05, teste de Wilcoxon) nas seguintes variáveis: horário de despertar, mais tardio na Po1; duração do sono, maior na Po1; permanência no leito, mais longa na Po1. Não se observou diferença significativa ao comparar a Pr2 e a segunda semana de pós-operatório (Po2). Entre a Pr2 e a terceira semana de pós-operatório (Po3), obteve-se diferença significativa nas seguintes variáveis: qualidade do sono, com melhor avaliação na Po3; e grau de ansiedade, menor na Po3.

A comparação entre a semana mais próxima da intervenção cirúrgica (Pr1) e a primeira semana da etapa pós-operatória (Po1) evidenciou diferença significativa (p<0,05, teste de Wilcoxon) nas variáveis: horário de despertar, mais tardio na etapa Po1; duração do sono, maior na Po1; permanência no leito, mais longa na Po1; e grau de ansiedade, menor na Po1. Comparando-se a Pr1 e a segunda semana de pós-operatório (Po2), observou-se diferença significativa no grau de ansiedade, menor na Po2 e, entre a Pr1 e a terceira semana de pós-operatório (Po3), foi encontrada diferença significativa na qualidade do sono, melhor na Po3, e no grau de ansiedade, menor na Po3.

Em relação às características do CVS nos finais de semana, observou-se diferença significativa na variável duração da atividade física, maior na etapa pré-operatória, em relação à etapa pós-operatória. A Tabela 2 apresenta os valores médios das características do CVS das voluntárias, nos finais de semana dessas duas etapas.

No que se refere à variabilidade intraindividual, verificou-se que esta era menor, na etapa pré-operatória, em características como latência, duração do sono, eficiência e horário de despertar, enquanto que, na etapa pós-operatória, características como qualidade do sono e grau de ansiedade apresentaram menor variabilidade intraindividual. Os valores médios da variabilidade intraindividual nas características do CVS, nas etapas pré-operatória e pós-operatória, semana a semana, encontram-se na Tabela 3.

Resultados significativos (p<0,05, teste de Wilcoxon): Latência (Pr1<Po2); Horário de despertar (Pr2<Po1); Duração do sono (Pr3<Po1; Pr2<Po1; Pr1<Po1); Permanência no leito (Pr1<Po2); Eficiência (Pr3<Po1; Pr3<Po2; Pr1<Po1; Pr1<Po2); Qualidade (Pr3>Po1; Pr3>Po2; Pr3>Po3); Atividade física (Pr3>Po1; Pr3>Po2; Pr3>Po3); Grau de ansiedade (Pr2>Po1; Pr2>Po2; Pr2>Po3)

DISCUSSÃO

Dentre as mulheres estudadas, 82% encontrava-se na faixa etária de 30 a 50 anos, o que corresponde aos resultados de outros autores, uma vez que é nessa faixa que se concentram as cirurgias ginecológicas(8). A maior parte das voluntárias era casada e residia com familiares, o que está de acordo com a parcela feminina da população brasileira em geral, porém o nível educacional e a renda percebida eram superiores ao encontrado no Brasil(9).

A comparação detalhada das características do CVS dessas mulheres entre as diferentes semanas das etapas pré e pós-operatória (três semanas em cada) trouxe achados em parte consistentes com outros estudos que abordam as relações entre os padrões de sono antes e após uma cirurgia(10-11). Ao comparar a semana mais distante da intervenção cirúrgica com a primeira semana da etapa pós-operatória, foram observados, nesta última, características do CVS sugestivas de sono de pior qualidade: maior latência, despertar mais tardio, permanência no leito mais longa e redução na eficiência do sono. No entanto, na terceira semana após a cirurgia, apenas a duração da atividade física apresentava diferença significativa em relação à etapa pré-operatória, indicando um retorno do CVS às características anteriores à intervenção cirúrgica. A redução da eficiência do sono foi encontrada em estudos realizados com polissonografia, que mostram padrões alterados no pós-operatório, quando o sono noturno sofre diversas interrupções. Essas alterações são mais encontradas após cirurgias de grande porte, enquanto as cirurgias laparoscópicas parecem não reproduzir esse padrão. Esse fato tem sido atribuído ao menor estresse cirúrgico provocado pelas cirurgias endoscópicas, quando comparadas aos procedimentos a céu aberto. Os estudos realizados com polissonografia têm avaliado os padrões de sono até a sexta noite de pós-operatório, no máximo, portanto a real duração dessas perturbações não está bem determinada(10). Em um estudo no qual foi comparada a qualidade do sono em pacientes submetidos à colecistectomia por via laparoscópica e por laparotomia, acompanhando quatro dias anteriores e quatro semanas posteriores à cirurgia, foram observados padrões compatíveis com distúrbio de sono mais leve nos pacientes submetidos à laparoscopia. Entretanto, a qualidade do sono piorou para ambos os grupos, no pós-operatório. Os pacientes de laparoscopia não apresentaram melhora até a quarta semana após a cirurgia, e aqueles submetidos à laparotomia relataram melhora discreta, não significativa em relação ao pré-operatório, na quarta semana. Em ambos os grupos, o número de interrupções do sono aumentou na primeira semana após a cirurgia, mas não nas semanas subseqüentes(11).

A despeito das mudanças observadas nas características do CVS, as mulheres expressaram, no presente estudo, melhora significativa da qualidade do sono na etapa pós-operatória, principalmente na terceira semana após a cirurgia, em relação à etapa pré-operatória. Tais resultados são, a princípio, inesperados, pois considerava-se que poderia ocorrer um retorno da qualidade do sono aos níveis da etapa pré-operatória, e não uma melhora em relação a esta. A literatura aponta para o decréscimo da qualidade do sono nos primeiros dias após a intervenção cirúrgica, com retorno aos níveis do pré-operatório em intervalos variados, mas não há relatos de melhora da qualidade do sono no pós-operatório, como foi encontrado neste estudo(11-12).

A duração da atividade física foi a única variável com diferença significativa entre os finais de semana das etapas pré e pós-operatória, encontrando-se uma redução da prática de atividade física no pós-operatório. Este resultado é coerente, pois há contra-indicação para essa prática após uma intervenção cirúrgica. Desta forma, poder-se-ia esperar que tal redução levasse ao prejuízo da qualidade do sono das mulheres deste estudo, visto que, atualmente, parece consenso na literatura que a atividade física regular, a médio e longo prazo, contribui para o sono de boa qualidade, e que efeitos agudos do exercício físico sobre uma noite de sono são inexistentes(13). Contrariando essa expectativa, a qualidade do sono mostrou-se superior na etapa pós-operatória.

O grau de ansiedade foi estimado por 11 dentre as 22 mulheres, que o avaliaram como mais elevado na etapa pré-operatória. Esse fato pode ter atuado sobre a percepção da qualidade do sono dessas mulheres. Outros autores verificaram que pacientes submetidos à cirurgia ambulatorial nos quais foi constatado um estado de ansiedade elevado apresentaram perturbação do sono acentuada ao longo de quatro dias de acompanhamento no pós-operatório(14). Há estudos indicando que a ansiedade, na etapa pré-operatória, pode induzir a insônia e a privação de sono, fatores que poderiam contribuir, por sua vez, para potencializar os efeitos dos anestésicos de forma indesejada, sugerindo que esse aspecto seja investigado pelos profissionais de saúde como parte da avaliação pré-anestésica e da avaliação pré-operatória em geral(15).

As mulheres demonstraram menor variabilidade intraindividual em características como latência, duração, eficiência do sono e horário de despertar, na etapa pré-operatória, em especial na semana anterior à cirurgia, em relação às duas primeiras semanas de pós-operatório. Em relação à terceira semana após a cirurgia, já não se observaram diferenças significativas. Além disso, a qualidade do sono e o grau de ansiedade apresentaram menor variabilidade na etapa pós-operatória. Diversos autores associam a menor variabilidade do CVS a um sono de melhor qualidade, o que estaria de acordo com o evidenciado no presente estudo, em que a qualidade do sono foi superior, na terceira semana de pós-operatório, do que antes da cirurgia. Dentre as práticas recomendadas de higiene do sono, a manutenção de uma rotina regular de horários para deitar-se e levantar-se é considerada benéfica(16).

Neste estudo, o retorno precoce das mulheres às atividades diárias parece ter favorecido a manutenção das características do CVS na etapa pós-operatória. Em futuras investigações, é importante obter, além de registros sobre o CVS, dados sobre as atividades rotineiras nas etapas pré e pós-operatória, tais como horários de trabalho, estudo, lazer, alimentação e ingestão de medicamentos. Acompanhar as mudanças nessas atividades e o retorno à rotina habitual contribuirá para elucidar possíveis correlações com os padrões de sono que, no presente estudo, podem ser apenas sugeridas. Conhecendo melhor esses aspectos, o enfermeiro pode intervir propondo ou oferecendo pistas temporais que venham a contribuir para a sincronização do CVS, auxiliando dessa forma na recuperação do indivíduo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os achados deste estudo, a cirurgia ginecológica eletiva com hospitalização de até 24 horas provoca alterações discretas e transitórias do CVS e rápido retorno deste às características anteriores à intervenção, talvez por favorecer a exposição precoce da mulher à rotina do dia-a-dia, ou seja, às pistas ambientais relevantes para a sincronização do ritmo.

Estudo sobre os ritmos biológicos tornam-se cada vez mais fascinantes, e as ações desenvolvidas a partir da observação desses podem beneficiar os pacientes, consolidando os objetivos das ações do profissional da saúde.

REFERÊNCIAS

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  • Sleep/wake cycle of women submitted to elective gynecological surgery with a one-day hospital stay

    Maria Cristina ZarosI; Maria Filomena CeolimII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2008
    • Aceito
      08 Ago 2008
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