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Monitorização domiciliar da glicemia em pacientes com diabetes mellitus do tipo 1

Resumos

OBJETIVO: Identificar qual de dois esquemas simplificados de monitorização da glicemia viabiliza melhor controle metabólico, em pacientes com diabetes mellitus tipo 1, ao longo de 12 meses de participação em grupos educativos. MÉTODO: Ensaio clínico cruzado, com 21 pacientes divididos em dois grupos. Eles foram submetidos a dois esquemas de monitorização: duas medidas diárias pré-prandiais alternadas e duas medidas diárias pré e pós-prandiais alternadas. A efetividade dos esquemas foi avaliada pelos níveis de HbA1c. Para estudar a variação das médias das HbA1c aplicou-se o teste não paramétrico de Friedman. RESULTADOS: Os grupos eram homogêneos ao início do estudo com relação às variáveis sócio-demográficas e clinicas(p>0,05). A variação das médias de HbA1c, ao longo do tempo para o grupo A foi de 8,48(±1,00) a 7,37(±0,99) e para o grupo B de 9,89(±0,86) a 8,34(±1,06). O resultado da análise da variação da HbA1c mostrou redução significativa nos dois grupos, nos primeiros e últimos 6 meses e ao longo dos 12 meses nos dois grupos (p<0,05). O Esquema de monitorizações pré-prandiais possibilitou o maior número e os maiores percentuais de quedas estatisticamente significativas nos níveis de hemoglobina glicada. CONCLUSÕES: Os dois esquemas melhoraram o controle metabólico e esquema pré-prandial foi mais efetivo.

diabetes mellitus tipo 1; automonitorizacão da glicemia; enfermagem


OBJECTIVE: To determine which of two simplified blood glucose monitoring schemes promotes better metabolic control in type1 diabetic patients during 12 months of participation in educational groups. METHODS: A crossover clinical trial involving 21 patients divided into two groups was conducted. They were submitted to a two monitoring schemes:2 alternate daily preprandial measurements and 2 alternate daily pre-and postprandial measurements. The effectiveness of the schemes was evaluated based on HbA1c. Variations in mean HbA1c were analyzed by Friedman test. RESULTS: The groups were homogenous in terms of sociodemographic and clinical variables (p>0.05). Mean HbA1c levels ranged from 8.48 (±1.00) to 7.37 (±0.99) over time in Group A and from 9.89 (±0.86) to 8.34 (±1.06) in Group B. The analysis of the HbA1c showed a significant reduction in the first and last 6 months and over the 12 months of the study in two groups (p<0.05). The preprandial scheme demonstrated the largest number and highest percentage of significant drops in HbA1c. CONCLUSIONS: The two monitoring improved the metabolic control and the preprandial scheme was more effective.

diabetes mellitus, type 1; blood glucose self-monitoring; nursing


OBJETIVO: Identificar cual de los dos esquemas de monitorización propuestos posibilita realizar un mejor control metabólico, en diabéticos del tipo1, durante los 12 meses de participación en grupos educativos. MÉTODO: Ensayo clínico cruzado con 21 pacientes divididos en dos grupos y sometidos a dos diferentes esquemas de monitorización. La efectividad de los esquemas fue evaluada por medio de la HbA1c. La variación de los promedios de HbA1c fue analizada con la prueba de Friedman. RESULTADOS: Durante todo el estudio la variación de los promedios de HbA1c, para el grupo A, fue de 8,48(±1,00) la 7,37(±0,99) y de 9,89(±0,86) la 8,34(±1,06) para el grupo B. Los análisis de la variación de la HbA1c colocaron en evidencia una reducción significativa (p<0,05) en los dos grupos, en los 3 periodos evaluados: primeros y últimos 6 meses y durante los 12 meses de estudio. CONCLUSIONES: Los dos esquemas mejoraron el control metabólico y el esquema antes de las comidas fue más efectivo.

diabetes mellitus tipo 1; automonitorización de la glucosa sanguínea; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Monitorização domiciliar da glicemia em pacientes com diabetes mellitus do tipo 11

Sonia Aurora Alves GrossiI; Simão Augusto LottenbergII; Ana Maria LottenbergII; Thaís Della MannaII; Hilton KupermanII

IProfessor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brazil, e-mail: sogrossi@usp.br

IIDoutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: lottenb@attglobal.net; thaisdm@icr.hcnet.usp.br, hkuperman@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar qual de dois esquemas simplificados de monitorização da glicemia viabiliza melhor controle metabólico, em pacientes com diabetes mellitus tipo 1, ao longo de 12 meses de participação em grupos educativos.

MÉTODO: Ensaio clínico cruzado, com 21 pacientes divididos em dois grupos. Eles foram submetidos a dois esquemas de monitorização: duas medidas diárias pré-prandiais alternadas e duas medidas diárias pré e pós-prandiais alternadas. A efetividade dos esquemas foi avaliada pelos níveis de HbA1c. Para estudar a variação das médias das HbA1c aplicou-se o teste não paramétrico de Friedman.

RESULTADOS: Os grupos eram homogêneos ao início do estudo com relação às variáveis sócio-demográficas e clinicas(p>0,05). A variação das médias de HbA1c, ao longo do tempo para o grupo A foi de 8,48(±1,00) a 7,37(±0,99) e para o grupo B de 9,89(±0,86) a 8,34(±1,06). O resultado da análise da variação da HbA1c mostrou redução significativa nos dois grupos, nos primeiros e últimos 6 meses e ao longo dos 12 meses nos dois grupos (p<0,05). O Esquema de monitorizações pré-prandiais possibilitou o maior número e os maiores percentuais de quedas estatisticamente significativas nos níveis de hemoglobina glicada.

CONCLUSÕES: Os dois esquemas melhoraram o controle metabólico e esquema pré-prandial foi mais efetivo.

Descritores: diabetes mellitus tipo 1; automonitorizacão da glicemia; enfermagem

INTRODUÇÃO

Um dos estudos mais significativos para testar a proposição de que as complicações do Diabetes Mellitus do tipo 1(DM1) estão relacionadas à elevação crônica da glicose no sangue foi o "The Diabetes Control and Complications trial"(DCCT)(1). O DCCT comprovou que a insulinoterapia intensiva na manutenção dos níveis glicêmicos próximos ao normal é, sem dúvida alguma, eficaz na redução do desenvolvimento e progressão das complicações do diabetes mellitus(1).

Muitos questionamentos, reflexões e estudos têm sido feitos a respeito das dificuldades na implementação dos rígidos controles preconizados pelo DCCT e também sobre suas implicações na prática clínica, nos programas educacionais, no autocontrole, na qualidade de vida e no custo do tratamento, especialmente nos serviços que não dispõem de recursos e de profissionais capacitados. Estratégias alternativas de controle do diabetes que vislumbrem as limitações individuais e as deficiências do sistema de saúde relacionadas aos recursos humanos e financeiros são necessárias e constituem-se no objetivo principal deste estudo. O objetivo do presente estudo foi avaliar a efetividade de dois diferentes esquemas de monitorização domiciliar sangüínea na obtenção de melhor controle glicêmico, em pacientes com DM1, em regime mensal de ajuste terapêutico, ao longo de 12 meses de participação em grupos educativos.

PACIENTES E MÉTODO

Este estudo randomizado e cruzado foi realizado no Ambulatório da Liga de Controle do Diabetes da Disciplina de Endocrinologia do HC-FMUSP. A população foi constituída de indivíduos com DM1, matriculados, regularmente agendados e que atenderam os seguintes critérios de inclusão: idade superior a 2 anos, motivação para realizar monitorização sangüínea 2 vezes ao dia pelo período de 12 meses e ter condições sócio-econômico-culturais e cognitivas mínimas necessárias à freqüência aos grupos educativos e participação nas atividades desenvolvidas. Foram excluídos os pacientes com menos de dois anos de tempo de doença, pacientes em uso esporádico ou contínuo de medicamentos hiperglicemiantes, portadores de outras endocrinopatias associadas ao diabetes e aqueles que não concordaram em participar do estudo. A amostra selecionada foi de 21 pacientes que já realizavam monitorização glicêmica 1 vez ao dia e que atenderam aos critérios de elegibilidade descritos anteriormente.

Os pacientes foram randomizados em dois grupos por sorteio. O grupo A realizou o Esquema 1 de monitorização nos primeiros 6 meses do estudo e o Esquema 2, nos 6 meses subseqüentes. O grupo B realizou o Esquema 2 de monitorização nos primeiros 6 meses do estudo e o Esquema 1, nos 6 meses subseqüentes. No Esquema 1 os pacientes realizaram a monitorização domiciliar da glicemia capilar pré-pandial, 2 vezes ao dia (30 minutos antes do café, antes do almoço e antes de deitar) e, quinzenalmente, às 3 horas da madrugada, durante o período de 6 meses. No esquema 2 os pacientes realizaram monitorização domiciliar da glicemia capilar 2 vezes ao dia, durante 2 dias consecutivos nos horários pré-prandiais(30 minutos antes) e pós-prandiais (90 a 120 minutos após) e, quinzenalmente, às 3 horas da madrugada, durante o período de 6 meses. A efetividade dos esquemas de monitorização no controle metabólico foi avaliada por meio dos níveis da HbA1c. Os resultados obtidos durante os 12 meses foram comparados aos valores iniciais ao estudo.

Os pacientes e seus cuidadores (no caso de crianças), participaram de reuniões grupais educativas mensais. O grupo A e o grupo B, fizeram as reuniões em dias diferentes. Os esquemas insulinoterápicos usados envolveram de 2 a 4 aplicações diárias (antes do café, antes do almoço, antes do jantar e antes de deitar) utilizando a insulina de ação intermediária(NPH), e insulina de ultra rápida (LISPRO). A insulina Lispro era feita 15 minutos antes das refeições.

Com o finalidade de criar critérios objetivos para os ajustes insulinoterápicos realizamos, antes do início do estudo, uma semana de monitorização intensiva de 8 análises diárias, pré e pós prandiais ("run in"), para que fosse possível o cálculo dos fatores de sensibilidade à insulina e dos fatores de correção a serem aplicados no decorrer do estudo, quando o número de monitorizações foi reduzido para duas vezes ao dia . Este mesmo esquema foi repetido no momento da inversão dos grupos, como "wash out". O projeto foi aprovado pelo Comissão de Ética do HC-FMUSP (processo No.521/01).

Os dados deste estudo foram coletados por meio de sete diferentes instrumentos contendo dados de identificação, variáveis sócio-demográficas e clinicas, esquema insulinoterápico e ajustes, resultados da monitorização domicilar, problemas diários, perfil glicêmico, medidas antropométricas e registro da dieta.

Os pacientes do grupo A e B foram submetidos à coleta sangüínea laboratorial para dosagem da hemoglobina glicada - HbA1c(HPLC, valor normal 4,1 a 6,5% ) antes do início do estudo(valores basais) e aos 2, 4 e 6, 8, 10 e 12 meses após o início do estudo. Como parâmetro de controle todos os pacientes tiveram seus níveis de HbA1c comparados aos valores iniciais ao estudo. Os pacientes foram formalmente orientados sobre a técnica correta de monitorização domiciliar da glicemia capilar. As punções digitais foram feitas por meio de lancetas do "Sistema Soft Touch"da Boheringer Mannheim Corporation. Os testes foram realizados com os monitores de glicemia e tiras reagentes do "Sistema Advantage"da Boheringer Mannheim Corporation. A determinação da qualidade dos controles das glicemias foi feita conforme as recomendações tendo-se como referência as recomendações da American Diabetes Association(2).

O tratamento estatístico dos dados foi realizado sob a orientação de estatístico. Os processamentos foram realizados através do programa SPSS for Windows versão 10.0. Foram considerados estatisticamente significantes os resultados cujos níveis descritivos (valores de p) foram inferiores a 0,05. Os seguintes testes foram aplicados para determinar a homogeneidade inter-grupos, no inicio do estudo: teste não paramétrico de Mann-Whitney para HbA1c, renda familar, membros da família; teste t Student para idade e IMC e teste de Fisher para sexo, escolaridade e condições de moradia. Durante o estudo, todas as outras analises tiveram o objetivo de interpretar os dados intragrupos. O teste não paramétrico de Friedman foi aplicado para estudar a variação da HbA1c e das médias das glicemias nos diferentes períodos e ao longo do tempo. Essas análises foram feitas separadamente, para cada grupo, durante o decorrer dos dois esquemas. Quando uma diferença significante na concentração de HbA1c foi detectada, comparações múltiplas de Bonferroni foram feitas para identificar entre quais dos dois meses a diferença ocorreu. O teste de Wilcoxon foi usado para comparações intragrupos nos dois esquemas.

RESULTADOS

As caracteristicas dos grupos A e B estão apresentadas na Tabela 1.

O teste de Mann-Whitney confirmou a homogeneidade da amostra em relação a HbA1c ao inicio do estudo(p=0,548). Esses valores foram usados como parâmetro de controle nas análises subseqüentes.

Em relação aos perfis glicêmicos, as médias pré e pós prandiais foram maiores do que o desejado, nos dois grupos, durante todo o tempo de estudo. Não foram observadas diferenças estatísticas significantes em nenhum dos grupos ao longo do tempo ou nos períodos(teste não paramétrico de Friedman, p>0,05).

A menor média corresponde a última medida no esquema 1 e a pior média foi observada quando os pacientes mudaram para o esquema 2. O teste não paramétrico de Friedman mostrou um decréscimo significante na média dos níveis de HbA1c no grupo A ao longo do tempo.

Um declínio significante na média dos níveis de HbA1c ao longo do tempo também foi observada no grupo B.

A analise da variação da HbA1c pelo test de Friedman mostrou diferença significativa nos primeiros(p=0,0004) e últimos 6 meses(p=0,002) e ao longo dos 12 meses de estudo (p<0,001) no grupo A e uma diferença significativa nos primeiros(p=0,028) e últimos 6 meses(p=0,006) e ao longo dos 12 meses de estudo (p=0,002) no grupo B, independente do esquema vigente.

As Tabelas 4 e 5 mostram as comparações entre as médias de HbA1c basal, intra e inter esquemas de monitorizações propostos nos diferentes meses ao longo dos 12 meses de estudo. Comparações entre Basal/esquema 1 e intra-esqema 1 mostraram que este esquema promoveu três aumentos não significantes nos níveis de HbA1cnos grupos A e B e nove declínios, quatro deles significantes. A mesma comparação para o esquema 2 também evidenciou três aumentos não significantes e nove declínios, um deles significante. As comparações inter-esquemas revelaram seis aumentos, dois deles significantes e três declínios, um deles significante, quando da mudança do esquema 1 para o esquema 2(Tabela 4). As comparações, quando da mudança do esquema 2 para o esquema 1, evidenciaram sete declínios, dois deles significantes, e dois aumentos não significantes(Tabela 5). Os esquemas 1 e 2 foram comparados dentro de cada grupo pelo teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. Os resultados não mostraram diferenças significantes na média dos níveis de HbA1c, entre os esquemas, no grupo A(p=0,79), enquanto no grupo B o esquema 1 melhorou os níveis glicêmicos de forma significante(p=0,021).

DISCUSSÃO

Apesar da análise dos perfis não ter evidenciado melhora estatisticamente significativa, o controle metabólico melhorou, nos dois grupos estudados, independente do esquema de monitorização realizado. Embora as médias das hemoglobinas glicadas tenham permanecido acima do limite superior do método, que é de 6,5%, e em desacordo com os padrões recomendados pela literatura, que preconiza como satisfatórios valores até 10% acima do limite superior do método empregado(1), o resultado da análise da variação da HbA1c, mostrou redução significativa nos primeiros e últimos 6 meses e ao longo dos 12 meses de estudo, nos dois grupos. É possível inferir que os ajustes terapêuticos realizados mensalmente pela equipe, a partir da análise dos perfis glicêmicos individuais, tenha proporcionado melhora nos níveis glicêmicos em momentos não contemplados nos esquemas propostos, melhora esta refletida nos níveis de HbA1c. Considerando que essa melhora foi independente do esquema, pode-se dizer que os dois esquemas contribuíram para isso. Esses resultados, a exemplo de outros estudos, evidenciam que quando existe um programa de monitorização incentivado(3-5), ou quando valores da glicemia são utilizados para compreender a interação entre insulinoterapia, dieta, atividade física e intercorrências e direcionar a terapêutica, a efetividade da monitorização glicêmica domiciliar na melhoria do controle metabólico se confirma e a adesão ao tratamento aumenta, tanto em pacientes jovens quanto em maiores de 60 anos(5-7).

É muito bem documentado na literatura que quanto maior o número de testes domiciliares realizados, maiores as oportunidades de ajustes insulinoterápicos e melhor controle glicêmico(3,7-9). Em um estudo realizado com o objetivo de avaliar o efeito do regime insulinoterápico no controle metabólico de 229 crianças, os autores demonstraram que o aumento no número de monitorizações(1a 6 diárias) correlacionou-se com menores níveis de HbA1c(r=-0,15, p=0,006), sendo que a cada monitorização adicional diária houve um decréscimo de 0,4% nos níveis de hemoglobina glicada e que o número de tipos e aplicações de insulina usados correlacionou-se com o aumento da HbA1c(r=0,2, p=0,02), sendo que a cada dose de insulina adicional houve um acréscimo de 0.46% nos níveis de hemoglobina glicada(10). Outros estudos também demonstraram correlação entre menores níveis de HbA1c e frequência de monitorizações diárias(8-12). Alguns estudos não encontraram relações entre maior número de monitorizações e melhor controle metabólico(4,13). Um desses estudos foi populacional, onde os dados sobre a freqüência de monitorizações diárias foi obtida por questionário e não tinha como propósito usar a monitorização como estratégia terapêutica mas, apenas investigar a relação ela e os níveis de HbA1c(13). Outro estudo incluiu 60 pacientes com diabetes do tipo 1 e participantes de um programa de automonitorização incentivado e a longo prazo. Nos 6 meses iniciais houve grande adesão ao programa, com freqüências em torno de quatro monitorizações diárias, mas apenas 50% dos sujeitos permaneceram por mais de três anos. Num período crítico do estudo, que ocorreu entre o 80. e 110 semestres, o maior número de monitorizações diárias correlacionou-se com glicemias maiores do que 180mg/dl e com os piores níveis de HbA1c(4). Os próprios autores concluiram que a piora no controle metabólico evidenciada pelo incremento da HbA1c e da glicemia capilar aumentou a tendência de monitorizar um maior número de vezes, com o que concordamos.

Na impossibilidade de praticar uma monitorização intensiva e ideal, como é a realidade na grande maioria dos serviços de saúde dos países em desenvolvimento, existe a opção de adotar estratégias alternativas e menos dispendiosas de monitorização, como a proposta nesse estudo. Embora um pouco distante do ideal, foi possível melhorar a condição dos participantes desse estudo, com dois testes diários. Resultados de melhora do controle metabólico, com duas monitorizações diárias em média, também foi documentada em estudo de acompanhamento a longo prazo, a partir do 120 semestre e passado um período de deterioração do controle glicêmico, quando os participantes se reajustaram às demandas do programa(4). Não identificamos na literatura estudos que apresentem resultados de perfis glicêmicos a partir de esquemas simplificados de monitorização, em diabéticos do tipo 1. Muitos deles fazem menção desses esquemas mas direcionam o foco do estudo para outras variáveis. Um estudo interessante de avaliação de perfis foi desenvolvido com 150 pacientes diabéticos do tipo 2 estáveis e que teve com objetivo avaliar a efetividade de uma e duas monitorizações diárias em detectar hiperglicemias e hipoglicemias. Ele evidenciou que, as medidas de antes do café e almoço detectaram a maior proporção(63,6%) de leituras de hipoglicemias, as medidas de antes do jantar e ao deitar detectaram a maior proporção de leituras de hiperglicemias(66,2%) e as medidas de antes do almoço e antes do jantar detectaram a maior proporção(57,7%) de todas as leituras de hipoglicemias e hiperglicemias(14). Estes dados reforçam nosso intuito de continuar investigando e adotando esquemas simplificados em população de baixa renda.

Uma deterioração no controle metabólico foi observada nos dois grupos na mudança de um esquema para outro(julho), achado este indicativo de uma adaptação ao novo esquema. Acredita-se a monitorização por meio de dois testes diários não foi o único fator responsável pela melhora do controle metabólico dos participantes deste estudo. A participação mensal no grupo educativo, o atendimento nutricional individualizado e o vínculo estabelecido com a equipe foram os diferenciais, considerando que reduções significativas das hemoglobinas glicadas foram observadas já ao final dos primeiros 6 meses(maio), nos dois grupos e na vigência dos dois esquemas, o mesmo acontecendo nos últimos 6 meses(novembro).

A importância da educação e do suporte terapêutico compreensivo junto aos pacientes com doenças crônicas é documentada em alguns estudos(13,15-16). As demandas para o autocuidado e os aspectos psicossociais envolvidos no manejo diário do diabetes são fontes geradoras de estresse, o qual pode ser minimizado pelo empenho pessoal no desenvolvimento de conhecimentos e comportamentos adequados de enfrentamento das situações(17). É papel da equipe ter como objetivo em seus programas de treinamento e educação a adoção de estratégias para melhorar a maneira como os pacientes com diabetes lidam com as situações e intercorrências diárias(17). Nesse sentido, houve uma preocupação constante dos profissionais envolvidos nos encontros educativos grupais e individuais que procuraram capacitar e dar suporte específico aos participantes para a tomada de decisões envolvendo dieta, exercícios, ajustes insulinoterápicos e manejo da hipoglicemia e de outras intercorrências. Os pacientes e seus familiares foram estimulados a compreender os perfis glicêmicos, a discutir as condutas com a equipe, tiveram a liberdade de opinar e expor suas dificuldades. Comportamentos de submissão foram desencorajados. O vínculo estabelecido entre pacientes, familiares e equipe foram mantidos ao longo dos 12 meses, inclusive por contato telefônico. Acredita-se que os conhecimentos adquiridos e a forma de abordagem estabelecida na prática educativa tenham contribuído substancialmente na melhora do controle metabólico dos dois grupos.

A importância desse tipo de abordagem compreensiva e direcionada objetivamente para a solução dos problemas diários relacionados aos descontroles glicêmicos foi muito bem pontuada em estudo envolvendo 842 diabéticos adultos tratados com insulina, onde os autores enfatizam que não é suficiente que pacientes monitorizem a glicose sangüínea mas sejam capazes manejar os descontroles com a ajuda da equipe, que tem papel fundamental no ensino e na correção dos erros de julgamento relacionados ao manejo da doença(6). Os achados de um estudo multicêntico americano, que incluiu 3567 pacientes adultos com diabetes do tipo 2, sugerem que a monitorização domiciliar da glicemia tem um importante papel no controle metabólico somente quando for utilizada com parte essencial de estratégias educacionais para promover a autonomia dos pacientes(13). Embora nosso estudo tenha sido desenvolvido com crianças e adolescentes, acredita-se que favorecer a autonomia é um aspecto fundamental da adesão ao tratamento em doenças crônicas, principalmente em adolescentes.

Na tentativa de compreender melhor o comportamento dos grupos em relação aos dois diferentes esquemas de monitorização propostos nesse estudo, realizaram-se comparações múltiplas entre as médias da HbA1c nos diferentes meses(Tabelas 4 e 5). As comparações basal e intra-esquema demonstraram superioridade do esquema 1 na melhoria do controle metabólico nos dois grupos, pois quatro declínios significantes foram observados durante a vigência desse esquema comparado a apenas um declínio significante durante o esquema 2. A maior efetividade do esquema 1 foi demonstrada por significativa redução nos níveis de HbA1c no grupo B(Tabela 5). As comparações inter-esquema revelaram piora no controle metaólico quando da mudança do esquema 1 para o esquema 2, com seis aumentos na HbA1c, dois deles significativos(Tabela 4). Na mudança do esquema 2 para o esquema 1, os níveis de HbA1c melhoraram, o que pode ser confirmado por sete declínios, dois deles significantes(Tabela 5). A maior efetividade do Esquema 1 pode também ser observada quando comparamos os percentuais de redução dos valores de HbA1c ao início e final dos esquemas. Na vigência do esquema 1 houve uma redução de 0,83% no Grupo A, no primeiro semestre e uma redução de 0,30% no grupo B, no segundo semestre. Na vigência do esquema 2 houve uma redução de 0,12% no grupo B, no primeiro semestre e uma elevação de 1,19% no Grupo A, no segundo semestre. Tendo em vista que os pacientes somente ajustavam as doses de insulina no pré-prandial, na vigência do Esquema 1, eles tinham maiores possibilidades de ajustes e isso, com certeza, contribuiu para a maior efetividade desse esquema. Diante disso pode-se afirmar que neste estudo, onde se utilizou de ajustes pré-prandiais, o Esquema 1 de monitorizações foi mais efetivo do que o Esquema 2 para o controle metabólico.

CONCLUSÕES

Os dois esquemas de monitorização possibilitaram ajustes terapêuticos com melhora significante no controle metabólico, avaliado pelos níveis de hemoglobina glicada, nos dois grupos. Esta melhora parece estar relacionada às maiores oportunidades de ajustes terapêuticos proporcionados pelos contatos mensais, monitorização e ao programa educativo desenvolvido. O esquema 1 de monitorizações pré-prandiais, com ajustes nas doses de insulina antes das refeições, foi mais efetivo para o controle metabólico pois contribuiu para um maior número de quedas significativas nos níveis de hemoglobina glicada. O percentual dessas quedas também foi maior na vigência desse esquema. O Grupo A apresentou menor variabilidade e melhores índices de HbA1c, durante todo o estudo. Não foram encontradas justificativas estatísticas para esse melhor desempenho do Grupo A. É possível que algumas características intrínsecas demonstradas por esse grupo e não mensuradas nesse estudo, como maior interesse, coesão e participação tenham influenciado nos resultados.

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    Supported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Dez 2008
    • Recebido
      25 Jun 2008
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