Acessibilidade / Reportar erro

O processo de enfermagem como ações de cuidado rotineiro: construindo seu significado na perspectiva das enfermeiras assistencias

Resumos

Este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo compreender os significados atribuídos ao processo de enfermagem por enfermeiras da unidade clínica em um hospital do México. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, complementada por observação participante e consulta documental. Os dados foram analisados tendo como referenciais teóricos e metodológicos o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados, possibilitando a compreensão da vivência e o significado atribuído pelas enfermeiras ao processo de enfermagem, na prática cotidiana assistencial, que se desvela como ações de cuidado rotineiro, aplicados de forma diferente daquilo que é ensinado e aprendido na escola.

enfermagem; processos de enfermagem; cuidados de enfermagem


This qualitative study aimed to understand the meanings attributed to the nursing process by clinical nurses at a Mexican hospital. Data were collected through semi-structured interviews, participant observation and document research. Symbolic Interactionism and Grounded Theory were the theoretical and methodological frameworks for data analysis, which permitted understanding the experience and meaning nurses attributed to the nursing process in their daily care practice, which was unveiled as routine care actions, performed differently from what they had learned in school.

nursing; nursing process; nursing care


Este estudio de naturaleza cualitativa tuvo como objetivo comprender los significados atribuidos al proceso de enfermería por enfermeras de una unidad clínica de un hospital de México. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevistas semiestructuradas, complementada con la observación participante y la consulta documental. Los datos fueron analizados bajo el marco teórico y metodológico del Interaccionismo Simbólico y la Teoría Fundamentada en los Datos, que posibilitaron la comprensión de la experiencia y significado atribuido por las enfermeras, al proceso de enfermería en su práctica cotidiana asistencial, que se desvela como acciones de cuidado rutinario, aplicados de forma diferente a lo enseñado y aprendido en la escuela.

enfermería; procesos de enfermería; atención de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

O processo de enfermagem como ações de cuidado rotineiro: construindo seu significado na perspectiva das enfermeiras assistencias1

Ma. Elena Ledesma-DelgadoI; Maria Manuela Rino MendesII

IDoutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, Professor da Escola de Enfermagem de Irapuato da Universidade de Guanajuato, México, e-mail: meld_82@hotmail.com

IIProfessor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: mendes@eerp.br

RESUMO

Este estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivo compreender os significados atribuídos ao processo de enfermagem por enfermeiras da unidade clínica em um hospital do México. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, complementada por observação participante e consulta documental. Os dados foram analisados tendo como referenciais teóricos e metodológicos o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados, possibilitando a compreensão da vivência e o significado atribuído pelas enfermeiras ao processo de enfermagem, na prática cotidiana assistencial, que se desvela como ações de cuidado rotineiro, aplicados de forma diferente daquilo que é ensinado e aprendido na escola.

Descritores: enfermagem; processos de enfermagem; cuidados de enfermagem

INTRODUÇÃO

Enquanto enfermeira dedicada ao âmbito educativo, a experiência com o ensino do processo de enfermagem tem originado relações frequentes com a prática assistencial no contexto hospitalar. Nessa condição, foi possível constatar que as atividades de enfermagem junto ao paciente focalizavam os procedimentos e rotinas estabelecidos, sem haver referência aos fundamentos teóricos e à operacionalização do processo de enfermagem na prática.

A inquietação com os motivos que contribuíam para essa situação direcionou a atenção para a maneira como os profissionais vivenciavam e percebiam a utilização do processo de enfermagem no cotidiano do trabalho hospitalar.

O processo de enfermagem é considerado como a metodologia própria que permite explicitar a essência da enfermagem, suas bases científicas, tecnologias e pressupostos humanistas, que estimulam o pensamento crítico e a criatividade, permitindo a solução de problemas da prática profissional(1-2). Essa metodologia representa tentativa para evidenciar e compreender o trabalho de enfermagem, direcionado ao cuidado como prática reflexiva.

O desenvolvimento do processo de enfermagem no México teve como referência o trabalho da Associação Nacional de Enfermagem nos anos 70, com a preocupação de reunir as enfermeiras do país para refletirem e exporem estratégias sobre os novos cenários e mudanças da profissão. Uma das estratégias destacada foi a capacitação sobre o ensino e assistência de enfermagem, baseados no enfoque dessa metodologia(3).

A partir dessa iniciativa, foram desenvolvidas estratégias de ensino e de prática para instrumentalizar o uso do processo de enfermagem nos currículos dos cursos de graduação e nas instituições de saúde, com vistas à sua incorporação como metodologia da assistência de enfermagem, direcionada ao cuidado, e, também, viabilizar sua inserção no movimento de construção da atenção à saúde como um bem social e coletivo.

Na ultima década, alguns estudiosos explicitam os investimentos realizados para a utilização do processo de enfermagem na prática assistencial, proporcionando informações sobre o que as enfermeiras conhecem, opinam e adotam em diversas realidades e as dificuldades enfrentadas no contexto hospitalar(4-8). Esses estudos indicam a potencialidade de investimentos na sua implementação à prática, aproximando o exercício de enfermagem da atenção à saúde, educação e pesquisa.

Diante do exposto, reafirma-se a perspectiva dos pesquisadores de que o processo de enfermagem se constitui numa ação revestida de significados, possível de ser utilizada pelas enfermeiras na prática, como metodologia para prestação de cuidados, que apresenta desafios tanto no ensino como na assistência, com a necessidade de aprofundá-lo no contexto hospitalar, a partir da percepção das enfermeiras que nele atuam, destacando as dúvidas, incertezas e questões sobre sua operacionalização.

Na busca para realizar aproximação entre essas questões, os objetivos deste estudo são: compreender o significado atribuído ao processo de enfermagem por enfermeiras de uma unidade de internação hospitalar no México e descrever as ações realizadas por elas nessa unidade, condizentes com o significado atribuído ao processo de enfermagem.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Bases conceituais do Interacionismo Simbólico orientaram esta pesquisa qualitativa, por enfatizar a natureza da interação social, a dinâmica e atividade social, envolvendo os atores, sob a perspectiva que considera o ser humano ativo no seu meio ambiente, como um organismo que interage com outros e consigo mesmo. Interação significa que os atos de cada ser humano são construídos continuamente, dependendo em parte do que os outros fazem, influenciando uns aos outros e, ao atuar e interagir, utiliza linguagem derivada da intersubjetividade, operando fundamentalmente dentro de realidades simbólicas aí sustentadas(9). O Interacionismo Simbólico é uma perspectiva da ciência social delineada para produzir conhecimento sobre a vida humana em grupo e sua conduta; focalizando os significados que os eventos têm para os seres humanos e nos símbolos que usam para atribuir aqueles significados. Esses símbolos são desenvolvidos socialmente na interação e são concordados dentro dos grupos.

O interacionismo simbólico baseia-se nas premissas: os seres humanos agem em relação aos objetos com base nos significados que esses têm para si, o significado atribuído aos objetos/coisas deriva-se da interação social entre seres humanos, os significados são manipulados e modificados através do processo interpretativo, desenvolvido pelo ser humano ao defrontar-se com objetos e consigo mesmo(10). A interação humana é mediada pelo uso de símbolos, pela interpretação e averiguação do significado das ações dos outros.

Esta investigação teve como referencial metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) que tem raízes no Interacionismo Simbólico, e seu propósito é gerar teoria a partir dos dados obtidos, submetidos à análise sistemática e comparativa, organizados em categorias conceituais que explicam o fenômeno de interesse.

A TFD é um método em que existe estreita relação entre a coleta de dados de maneira sistemática, a análise e a teoria que emergem durante a investigação; a teoria surge da realidade e não é a mera união de conceitos baseados na experiência, ou pressupostos sobre como as coisas deveriam ser ou funcionar(11).

Esse delineamento metodológico exige a comparação constante dos dados, sensibilidade teórica do pesquisador, amostragem teórica da realidade empírica, indicação de memorandos que corroboram no processo de codificação aberta, axial e seletiva, de modo a assegurar o desenvolvimento e a densidade conceitual. O resultado dessa codificação e integração dos dados contribui para a construção da teoria.

Na TFD, a coleta de dados, codificação e análise ocorrem simultaneamente, permitindo ao pesquisador o entendimento e compreensão dos significados sob a perspectiva dos sujeitos participantes.

METODOLOGIA

Este estudo foi realizado na Unidade de Medicina Interna, do Hospital General de Zona com Medicina Familiar No. 2, Instituto Mexicano del Seguro Social, de Irapuato, Guanajuato-México, instituição de médio porte, articulada ao sistema de saúde e segurança social para trabalhadores de economia formal. Capacidade instalada de 110 leitos operacionais e 52 esporádicos (extra), contando com 327 enfermeiras.

A Unidade de Medicina Interna possui duas alas (sul e norte), com capacidade para 25 leitos e três designados para cirurgia. A equipe de enfermagem conta com 36 enfermeiras gerais e auxiliares, e quatro enfermeiras-chefe. A média de permanência é de quatro a nove dias.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Bioética da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Celaya, Universidade de Guanajuato, e pelo Comitê de Investigação do Hospital General de Zona com Medicina Familiar No. 2, Instituto Mexicano del Seguro Social, Irapuato, Guanajuato. O termo de consentimento livre e esclarecido que explicita os objetivos e procedimentos metodológicos, respeitando os princípios éticos em pesquisa e preservação do anonimato, foi apresentado e assinado por todos os profissionais que aceitaram participar da pesquisa.

Por ser estudo de natureza qualitativa, baseado na TFD, o número de sujeitos não foi pré-determinado, resultou do processo de amostragem e saturação teórica. Isso significa que o número de enfermeiras participantes foi delimitado de acordo com a representatividade dos conceitos que emergiram durante a análise dos dados.

As estratégias de coleta de dados utilizadas foram: entrevista semiestruturada, observação participante e consulta documental, no período de março a setembro de 2007. A entrevista semiestruturada, com perguntas abertas, direcionadas ao objeto de interesse, foi gravada, mediante autorização prévia dos enfermeiros. O teor das gravações foi transcrito e submetido à validação do conteúdo pelos entrevistados, sem modificações.

A observação participante foi realizada pela pesquisadora na Unidade de Medicina Interna, nos três turnos, conforme escala de trabalho dos profissionais entrevistados, no seu cotidiano, atentando ao método de trabalho, identificando ações, interações, procedimentos e anotações, entre agosto e setembro de 2007, permanecendo cerca de oito horas com cada participante, em duas ocasiões. Os registros no diário de campo foram feitos a seguir.

A consulta documental foi realizada nas fontes oficiais do Departamento de Enfermagem na instituição de saúde eleita para o estudo, assim como nos registros de ações de enfermagem em instrumentos definidos pela Unidade de Medicina Interna, onde atuam os profissionais entrevistados e observados, após consentimento das autoridades.

A análise dos dados ocorreu, inicialmente, durante a sua coleta, fazendo comparações entre informações obtidas nas entrevistas, observações e consultas documentais frente a indagações centrais sobre o objeto de interesse, considerando ser a comparação constante a premissa básica do método eleito. Após a transcrição dos dados, foi feita leitura atenta das entrevistas e das observações, para viabilizar a codificação (aberta, axial e seletiva), e permitir a delimitação da teoria(12).

A codificação aberta iniciou-se desde a leitura da primeira entrevista, com exame minucioso do texto, decomposto em fragmentos denominados incidentes, os quais foram examinados e comparados na busca de similitudes e diferenças, gerando códigos. Após essa ação, repetiu-se com as demais entrevistas, uma a uma, tentando definir as categorias, aprofundar os códigos identificados e fazer agrupamentos, para tentar explicar os significados que emergiam dos dados, realizando redução do número dos códigos e visando a categorização.

A construção das categorias, em termos de suas propriedades e dimensões, foi realizada por meio de análise detalhada dos códigos encontrados nos dados, tanto das entrevistas como das observações. Esse processo permitiu identificar e nomear as categorias, dando-lhes especificidade por meio das características particulares.

A codificação axial implica na análise profunda e densa das categorias que emergiram do processo de codificação aberta, compreende o relacionamento das categorias e subcategorias, seguindo as linhas de suas propriedades e dimensões. Nessa codificação, foram relacionadas e agrupadas categorias e subcategorias com apoio no paradigma de codificação, de acordo com seus componentes que incluem as condições, ações/interações e consequências, orientando e auxiliando o pesquisador a formular questionamentos, gerar hipóteses e fazer comparações constantes, úteis na composição do corpo da teoria(11).

Na codificação seletiva, as categorias foram integradas e refinadas até identificar a categoria central e subcategorias, num processo interativo do pesquisador com os dados.

RESULTADOS

Participaram do estudo 16 enfermeiras(os) dos três turnos de trabalho, sendo 14 mulheres e dois homens, com idades entre 30 e 48 anos. Dentre esses, há seis enfermeiras com licenciatura e 10 somente com nível técnico. Tempo de experiência entre 10 e 20 anos de atuação profissional na instituição hospitalar e na enfermagem.

O processo de análise permitiu a construção da categoriacentral o processo de enfermagem como ações de cuidado rotineiro, representando o significado atribuído ao fenômeno investigado pelas enfermeiras na prática cotidiana no contexto hospitalar, categoria essa constituída pelas subcategorias: diferente do aprendido, com perda de continuidade no seu fazer; investigação das necessidades e condições dos pacientes, baseada no tratamento médico e percepções de desconforto; realização das ações/interações de cuidado, baseadas nas necessidades do paciente, indicações médicas e rotinas estabelecidas e registro das ações/interações de cuidado e das prescrições médicas, que permitem entender a vivência das enfermeiras no uso do processo de enfermagem.

As enfermeiras expressam que, no trabalho cotidiano, na referida unidade de medicina interna, o processo de enfermagem utilizado é diferente do aprendido, com perda de continuidade no seu fazer, estabelecendo comparações com experiências na graduação, quando foi ensinado com enfoque individual, em poucos pacientes, fazendo-o passo a passo em situações escolhidas, diferente da diversidade que vivenciam. O que foi ensinado na escola é colocado como um saber com limites na sua aplicação à realidade profissional, chegando a idealizar o conhecimento teórico aprendido que subsidiava a prática.

... é muito diferente quando não é ensinado, quando apreendemos na escola, eu estou falando de mais de 20 anos que terminei; com o passo do tempo, vai-se perdendo essa continuidade, vamos deixando coisas que são importantes, já não administramos como na época da escola, era com mais atenção, porque atendíamos um paciente ou máximo dois, aqui estamos cuidando de 13. (E10).

O significado que as enfermeiras atribuem ao processo de enfermagem se faz presente quando expressam elementos que o integram durante os cuidados no trabalho cotidiano, como se fosse uma atividade rotineira e mecanizada, já sabendo com antecedência o que realizarão, ilustrada a seguir.

...usamos o processo de enfermagem, mas não é percebido, já levamos uma rotina de trabalho e não percebemos, não pensamos que estamos pondo em prática, mas é feito porque estamos planejando as atividades y realizamos as ações, mas é como se fossem nossas atividades rotineiras (E10).

A investigação das necessidades e condições dos pacientes, baseada no tratamento médico e percepções de desconforto, é realizada como ações de cuidado rotineiras, as enfermeiras expressam que avaliam as necessidades e condições do paciente por meio de um processo de coleta de informação, em diferentes momentos do turno, é assistemática, com maior ou menor detalhamento, não segue padrão determinado e prioriza dados do tratamento médico que orientam os aspectos a avaliar e observar.

...se recebe o plantão, nos dizem o nome do paciente, o diagnóstico, se revisa que a venoclisis tenha todos os dados, que no passe de três dias, que o paciente tenha seu soro e que corresponda ao que está nas indicações (E13).

Essa investigação também é realizada baseando-se nas percepções e relatos de desconfortos dos pacientes, que manifestam a potencialidade de autonomia da enfermeira na busca para obter informação a fim de direcionar sua resposta profissional às demandas do cuidado.

...no momento da recepção meu foco é observar o paciente, reviso se deve repetir a solução, que este bem sua venoclisis, se tem algum dreno, se está seco, lhe pergunto se teve algum problema no plantão anterior, vejo se tem algo pendente, então essa seria minha avaliação... (E8).

A partir da investigação das necessidades e condições do paciente, a enfermeira identifica as situações que requerem planejamento das ações/interações de enfermagem, priorizando as condições críticas dos pacientes e aplicações medicamentosas.A priorização implica na atenção imediata, alterando a sequência de suas atividades cotidianas que exigem a interpretação das informações coletadas, com base em seus conhecimentos, experiência clínica e valores instituídos no hospital.

...na manhã chego e começo a ver os pacientes para conhecê-los, vejo seus diagnósticos médicos, que características pode ter quanto a sintomas ou algo que o perturba, y baseado em isso, vou priorizando, se tem algum paciente que tenha algum cuidado que é mais urgente, lhe dou mais atenção a esse paciente (E3).

Na organização de seu trabalho, a enfermeira privilegia as aplicações de medicamentos na regulação do tempo disponível, conforme o número de pacientes e prescrições medicamentosas. Essa atividade, relacionada à indicação médica, se revela elemento central do cotidiano das enfermeiras no contexto hospitalar.

Primeiro, vejo quantos pacientes tenho e de acordo a isso vou com meu carro, preparo minhas ceringas com solução fisiológica, já depois vou paciente por paciente, porque se não faço assim, isso é perdida de tempo para aplicação de medicamentos (E1).

E, ainda, a realização das ações/interações de cuidado, baseadas nas necessidades do paciente, indicações médicas e rotinas estabelecidas seguem, às vezes, protocolos de atenção interiorizados pelas enfermeiras em seu cotidiano. A autonomia da enfermagem na instituição reflete-se nessas ações/interações que resultam do julgamento profissional com finalidade de satisfazer as necessidades do paciente, valorizando sua tomada de decisões.

...não somente fazemos os cuidados seguindo as indicações médicas, geralmente o médico visita e vai embora y nos somos as que percebemos se o paciente tem mudanças, problemas o necessidades, então nos tomamos decisões sobre o que fazer com o paciente (E9).

Na estrutura hospitalar, as ações/interações de cuidado também seguem as rotinas padronizadas e funções instituídas, para disciplinar o trabalho, mostrando-se como elementos direcionadores.

...sempre vamos novamente ao mesmo, registrar sinais, escrever registros de enfermagem, continuar com os cuidados que indica o médico que trata de cada paciente, o que já está estabelecido no serviço (E7).

O registro das ações/interações de cuidado e das prescrições médicas é considerado ferramenta valiosa da profissão, instrumento para o cuidado e requerimento legal, no entanto, as enfermeiras o percebem pouco importante e desvalorizado pelos outros profissionais no âmbito de suas ações, alegando falta de tempo para realizá-lo. Assim, os registros se mostram vagos, pouco detalhados, incompletos, repetitivos e não evidenciam o seu fazer.

Não registramos todo o que fazemos porque sinto que falta tempo, tem plantões nos que escrevo o mesmo que o último plantão "tudo igual", creio que não temos tempo para registrar detalhadamente nossas ações (E13).

Estabelecem, no entanto, diferença quando se trata de registros relacionados às prescrições médicas, aos quais dedicam grande parte de seu tempo, confrontando-os e atualizando-os em diferentes momentos do turno, sobretudo aqueles referentes às mudanças nos medicamentos.

...vamos revisando que coincidam as indicações médicas com o registro de enfermagem, como eu administro os medicamentos, volto a revisar as indicações para ver se foi mudado algum tratamento ou se estão pendentes indicações transcrevemos o mesmo (E2).

DISCUSSÃO

O processo de enfermagem como ações de cuidado rotineiro representa a vivência das enfermeiras ao prestar o cuidado direcionado pela avaliação das necessidades e condições dos pacientes, planejamento das ações/interações de enfermagem, fazendo as ações/interações de cuidado com mais e menos autonomia, e registrando-as parcialmente. Essas ações/interações de natureza prescritiva, na maioria das vezes, têm resolução imediata, priorizadas em relação às condições pendentes, às necessidades e condições de risco, havendo pouco tempo para a escuta atenta ou relação de proximidade com os pacientes.

Assim, predominam ações/interações rotineiras das enfermeiras no cotidiano hospitalar complexo, tentando responder por seu fazer ritualista, incorporado à cultura institucional como uma prática normal, apreendida e adaptada(12). As enfermeiras, diante das condições da estrutura organizacional, se convertem em organismos ativos capazes de modelar sua linha de atuação, baseando-se no que consideram importante e significativo(10) e realizam o processo de enfermagem como ações de cuidado rotineiro, cumprindo as tarefas habituais estabelecidas na organização(7).

O processo de enfermagem no cotidiano hospitalar, porém, passa despercebido na expressão das enfermeiras entrevistadas, na maioria das vezes, como se existisse apenas no seu imaginário, pois o realizamdiferente do aprendido, havendo perda de continuidade no seu fazer, não sendo um fazer viável, sistemático e individualizado, para todos os pacientes sob sua responsabilidade. A dicotomia entre o ensino e a prática dessa metodologia de assistência gera insegurança e descrença nos estudantes e profissionais ao utilizá-la(13).

Essa situação representa um desafio para a profissão, gerando questionamentos sobre a forma mais adequada de ensino do processo de enfermagem, suas estratégias de operacionalização no ensino de campo e integração nos programas acadêmicos, além da ideologia e sistemas de valores dos docentes. Dessa forma, torna-se explícita a necessidade de maior interação entre escolas e serviços, articulando formação profissional às práticas profissionais na saúde(7-8). O descompasso entre a prática da enfermagem no cotidiano hospitalar e a proposta de ensino do processo de enfermagem precisa ser enfrentado, na busca de estratégias viáveis para sua utilização efetiva nos serviços de saúde, de modo a apoiar as ações de cuidado das enfermeiras. A formação crítica dos enfermeiros deve eleger como elementos essenciais o dimensionamento da ciência aplicada, o conhecimento e a prática de enfermagem(14).

A enfermagem enfrenta problemas de sobrecarga de tarefas e falta de tempo, sendo oportuno realizar o processo de enfermagem mais prático e reduzido, que focalize as necessidades atuais do paciente, assunto esse a ser refletido pelas enfermeiras, docentes e estudantes para encontrar caminhos viáveis na sua prática(15).

Nesse contexto, as enfermeiras reconhecem que suas ações de cuidado e uso do processo de enfermagem no cotidiano hospitalar vêm sendo comprometidas, refletindo na avaliação focalizada em sinais, sintomas e necessidades do paciente, com foco nos aspectos físicos e situações críticas do paciente, mediada pelos conhecimentos adquiridos, valores interiorizados e significados atribuídos ao ato de cuidar.

O planejamento das ações e interações de cuidado, que ocupa parte importante do tempo das enfermeiras em seu cotidiano, é apenas percebido, orientado por protocolos e rotinas estabelecidas no serviço, que têm sido interiorizadas e seguidas como linhas de ação, através do processo de interpretação.

A enfermeira, como ator social, interage com seus pares, outros profissionais da saúde, pacientes e familiares do contexto hospitalar, e formula indicações de conduta a partir das normas institucionais e, desse modo, orienta sua interação com outros, alienando-se quando da realização de tarefas definidas pela instituição de saúde, fator determinante de suas ações/interações de cuidado, baseadas principalmente nas prescrições médicas.

Além disso, as enfermeiras executam ações/interações de cuidado, direcionadas às necessidades do paciente, mostrando exercício autônomo, fundamentado em conhecimentos e saberes, no raciocínio crítico e tomada de decisões, que evidenciam superação do modelo normativo instituído, fortalecendo sua natureza de agente(10). Dessa maneira, o processo de enfermagem proporciona ação autônoma perante os demais trabalhadores da saúde(7).

As enfermeiras experimentam a autonomia quando cumprem as metas do cuidado do paciente, utilizando conhecimentos e habilidades, dentro do contexto da compreensão e contribuição ao plano de cuidados, avaliando suas necessidades e condições, comunicando preocupações e prioridades, coordenando os recursos da equipe multidisciplinar(16).

O processo de enfermagem caracteriza-se como rotina num contexto de interações limitadas para o cumprimento de tarefas, revelando-se como atividade mecânica, onde a prescrição de enfermagem não reflete a avaliação individual do paciente(4). Esse contexto indica a perspectiva de discussão crítica do processo de trabalho, na busca dos benefícios que o processo de enfermagem poderia introduzir na estruturação da prática assistencial em equipe, fortalecendo a interação social no trabalho.

Verificou-se, nas observações e entrevistas, que as ações/interações das enfermeiras podem ser caracterizadas como orientadas, principalmente, à atenção física do paciente, aos procedimentos de rotina e protocolos de atenção estabelecidos na unidade, seguindo a prescrição médica, centrados na recepção/entrega de turno, administração de medicamentos, mensuração de sinais vitais, registros clínicos de enfermagem e encaminhamentos(17).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento produzido neste estudo, assim como já citado na literatura, permitiu descrever o processo social presente na vivência de enfermeiras clínicas, no que se refere ao processo de enfermagem. Para elas, esse processo está integrado à sua prática cotidiana e realizado como ações de cuidado rotineiro e despercebido, diferente do aprendido na escola, incorpora protocolos de atenção estabelecidos no hospital e mostra a dissociação e falta de correspondência entre o preconizado no ensino formal e o realizado no trabalho cotidiano, indica a necessidade da articulação entre a teoria e a prática e a busca de estratégias que minimizem esse distanciamento, incorporando a formação contínua ao processo de trabalho, desafio esse que se apresenta para enfermeiros da academia e da assistência, a partir do paradigma crítico e reflexivo.

Considera-se que o estudo contribui para a compreensão do significado atribuído ao processo de enfermagem por um grupo de enfermeiras do contexto hospitalar, que pode ser objeto de reflexão e incentivo para propostas de mudanças na formação e prática de enfermagem.

REFERÊNCIAS

  • 1. Alfaro-Lefevre R. Aplicação do processo de enfermagem: um guia passo a passo. 4Ş ed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas Sul; 2000.
  • 2. Thomaz VA, Guirardello EB. Sistematização da assistência de enfermagem: problemas identificados pelos enfermeiros. Rev Nursing 2002 novembro; 5(54):28-33.
  • 3
    Asociación Nacional de Escuelas de Enfermería, A.C. (MX). Proceso de atención de enfermería: documento básico. México (DF): Asociación Nacional de Escuelas de Enfermería, A.C.; 1976.
  • 4. Rossi LC, Casagrande RL. O processo de enfermagem em uma unidade de queimados: um estudo etnográfico. Rev Latino-am Enfermagem 2001 setembro/outubro; 9(5):39-46.
  • 5. Lima AFC. Significados que as enfermeiras assistenciais de um hospital universitário atribuem ao processo de implementação do diagnóstico de enfermagem como etapa do Sistema de Assistência de Enfermagem - SAE. [dissertação]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem/USP; 2004.
  • 6. Pérez-Rodríguez MT, Sánchez-Piña S, Franco-Orozco M, Ibarra A. Aplicación del proceso de enfermería en la práctica hospitalaria comunitaria en instituciones Del Distrito Federal. Rev Enferm IMSS 2006 enero/abril; 14(1):47-50.
  • 7. Nascimento K, Backes DS, Koerich MS, Erdmann AL. Sistematização da assistência de enfermagem: vislumbrando um cuidado interativo, complementar e multiprofissional. Rev Esc Enferm USP 2008 dezembro; 42(4):643-8.
  • 8. Carvalho EC, Souza AM. O Significado de processo de enfermagem para quem o ministra. Cogitare Enferm 2008 julio/setembro; 13(3):352-60.
  • 9. Charon MJ. Simbolic interactionism: an introduction, an interpretation, and integration. 8Ş ed. New Jersey: Prentice Hall; 2004.
  • 10. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1998.
  • 11. Strauss A, Corbin J. Bases de la investigación cualitativa: técnicas y procedimientos para desarrollar la teoría fundamentada. Medellín (CO): Universidad de Antioquia; 2002.
  • 12. Mantzoukas S, Jasper M. Reflective practice and daily ward reality: a covert power game. J Clin Nurs 2004; 13:925-33.
  • 13. Freitas MC, Queiroz AT, Souza VJA. O processo de enfermagem sob a ótica das enfermeiras de uma maternidade. Rev Bras Enferm 2007 março/abril; 60(2):207-12.
  • 14. Santos SR, Nobrega MML. A busca da interação teoria e prática no sistema de informação em enfermagem - enfoque na teoria fundamentada nos dados. Rev Latino-am Enfermagem 2004 maio/junho; 12(3):460-8.
  • 15. Waldow VR. O cuidar humano: reflexões sobre o processo de enfermagem versus processo de cuidar. Rev Enfermagem UERJ 2001 setembro/dezembro; 9(3):284-93.
  • 16. Gomes AMT, Oliveira DC. Espaço autônomo e papel próprio: representações de enfermeiros no contexto do binômio saúde coletiva-hospital. Rev Bras Enferm 2008 março-abril; 61(2):178-85.
  • 17. Costa R, Shimizu HE. Atividades desenvolvidas pelos enfermeiros nas unidades de internação de um hospital-escola. Rev Latino-am Enfermagem 2005 setembro/outubro; 13(5):654-62.
  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Abr 2009
    • Recebido
      27 Fev 2008
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br