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Atividades cotidianas de auxiliares e técnicos de enfermagem face às ocorrências éticas

Resumos

O estudo objetivou conhecer e compreender as ações de auxiliares e técnicos de enfermagem, que trabalham na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, frente às ocorrências éticas. Os dados foram obtidos por meio de entrevista com oito auxiliares e técnicos de enfermagem (AEs e TEs) que vivenciaram o fenômeno, sendo analisados segundo o referencial da fenomenologia sociológica. As experiências dos colaboradores permitiram desvelar as seguintes categorias concretas de significado vivido, pois eles buscam a minimização dos riscos dessas ocorrências ao paciente, a abertura e diálogo entre os membros da equipe de enfermagem, orientação e supervisão das atividades dos AEs e TEs pelos enfermeiros, valorização da justiça nas relações interpessoais, bem como respeito ao direito do paciente de ser informado sobre tais ocorrências. As ações dos AEs e TEs, nas ocorrências éticas, revelaram a intenção de assegurar assistência segura ao paciente.

ética; cuidados de enfermagem; imperícia; imprudência


This study aimed to know and understand the actions of nursing auxiliaries and technicians who work in the intensive care unit of the school hospital at the University of São Paulo in relation to ethical events. Data were collected through interviews with eight nursing auxiliaries and technicians (NAs and NTs), with experience with ethical events, and were analyzed according to sociological phenomenology. Participants' experiences permitted to uncover the following concrete categories of meaning: minimization of the risk in these events for patients, openness/dialog within the nursing team, nurses' guidance and supervision of activities performed by NAs and NTs, valuing justice in interpersonal relationships, and respecting the right of patients to be informed about such events. The actions of NAs and NTs in ethical events revealed their intention to ensure delivery of safe care to patients.

ethics; nursing care; malpractice; imprudence


El estudio tuvo como objetivo conocer y comprender las acciones de auxiliares y técnicos de enfermería, que trabajan en la Unidad de Terapia Intensiva del Hospital Universitario de la Universidad de San Pablo, frente a acontecimientos éticos. Los datos fueron obtenidos por medio de entrevistas con ocho auxiliares y técnicos de enfermería (AEs y TEs) que experimentaron el fenómeno, siendo analizados bajo el marco teórico de la fenomenología sociológica. Las experiencias de los colaboradores permitieron revelar las siguientes categorías concretas del significado experimentado, minimizar los riesgos al paciente en esas situaciones; mantener el diálogo entre los miembros del equipo de enfermería; orientación y supervisión de las actividades de los AEs y TEs por los enfermeros; valorización de la justicia en las relaciones interpersonales, así como el respeto al derecho del paciente a ser informado sobre tales situaciones. Las acciones de los AEs y TEs, en los acontecimientos éticos, revelaron la intención de asegurar una asistencia que ofrezca seguridad al paciente.

ética; atención de enfermería; mala praxis; imprudencia


ARTIGO ORIGINAL

Atividades cotidianas de auxiliares e técnicos de enfermagem face às ocorrências éticas

Genival Fernandes de Freitas

Enfermeiro, Professor Doutor, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: genivalf@usp.br

RESUMO

O estudo objetivou conhecer e compreender as ações de auxiliares e técnicos de enfermagem, que trabalham na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, frente às ocorrências éticas. Os dados foram obtidos por meio de entrevista com oito auxiliares e técnicos de enfermagem (AEs e TEs) que vivenciaram o fenômeno, sendo analisados segundo o referencial da fenomenologia sociológica. As experiências dos colaboradores permitiram desvelar as seguintes categorias concretas de significado vivido, pois eles buscam a minimização dos riscos dessas ocorrências ao paciente, a abertura e diálogo entre os membros da equipe de enfermagem, orientação e supervisão das atividades dos AEs e TEs pelos enfermeiros, valorização da justiça nas relações interpessoais, bem como respeito ao direito do paciente de ser informado sobre tais ocorrências. As ações dos AEs e TEs, nas ocorrências éticas, revelaram a intenção de assegurar assistência segura ao paciente.

Descritores: ética; cuidados de enfermagem; imperícia; imprudência

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Tendo em vista que ao paciente/cliente deve ser assegurada assistência de enfermagem livre de riscos ou de danos decorrentes de negligência, imperícia ou imprudência, cometidas pelos profissionais de profissionais de enfermagem, faz-se mister compreender melhor as ações desses profissionais no sentido de compreender o fenômeno das ocorrências éticas, a partir das vivências dos próprios auxiliares e técnicos de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

É preciso que se considere, também, que, sendo a UTI uma unidade complexa, de intenso dinamismo, que congrega profissionais e onde as tomadas de decisão devem ser prontas e precisas, espera-se que haja estrutura de pessoal e de materiais suficientemente adequada como suporte para o desenvolvimento de assistência segura ao doente crítico(1-2). Assim, o presente trabalho contribui para a compreensão da atuação dos profissionais de enfermagem face às ocorrências éticas, corroborando para a melhoria da assistência de enfermagem, através da minimização de riscos de eventos prejudiciais ao paciente, à instituição de saúde e ao profissional de enfermagem envolvido nessas situações.

As ocorrências éticas são eventos danosos causados por profissionais de enfermagem no decorrer do exercício e que têm a ver com a atitude inadequada face ao colega de trabalho, à clientela ou à instituição em que trabalha. Esses eventos podem acarretar alguma forma de prejuízo ou dano aos clientes ou aos próprios profissionais envolvidos, seja devido à falta de atenção, de habilidade, de conhecimento, de zelo, podendo, também, ser causados por omissão, ou seja, quando o profissional deixa de agir ou realizar algo que deveria fazer e com isso acarreta risco ou prejuízo a outrem(3).

Quando acontecem erros envolvendo profissionais de enfermagem, dá-se ênfase maior à punição do culpado, se comparada à análise e melhoria dos processos que ensejam tais ocorrências prejudiciais. Sendo assim, por causa do medo de punição, os profissionais têm receio de comunicar as ocorrências de erros e, consequentemente, as oportunidades de aprendizagem com as próprias falhas podem não estar sendo aproveitadas(4).

O estudo teve como objeto o fenômeno das ocorrências éticas de enfermagem, a partir das vivências dos auxiliares e técnicos de enfermagem da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Para tanto, foram delineados como objetivos desta investigação conhecer e compreender o significado das ações dos auxiliares (AEs) e técnicos de enfermagem (TEs) frente às ocorrências éticas, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), no hospital mencionado.

A problematização do objeto do presente estudo conduz à seguinte indagação: como os TEs e AEs do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo agem perante as ocorrências éticas na UTI? O que esperam das ações em relação à equipe de enfermagem e aos profissionais envolvidos diretamente em tais ocorrências?

ABORDAGEM TEÓRICO-FILOSÓFICA NO CONTEXTO DO ESTUDO

Buscando ampliar a compreensão das ocorrências éticas envolvendo os AEs e TEs, optou-se pelo referencial teórico da fenomenologia sociológica(4), porque possibilita conhecer e compreender os significados das ações dos profissionais de enfermagem face ao fenômeno estudado, no contexto de suas vivências cotidianas na UTI.

A apropriação da fenomenologia sociológica não se volta para os atos singulares, os comportamentos individuais, fechados numa consciência de si, mas possibilita compreensão do que constitui um determinado grupo social, vivendo uma situação típica. Assim, o mundo cotidiano não é um mundo individual, mas intersubjetivo, no qual se compartilha com os semelhantes, sendo um mundo comum a todos(5).

A intersubjetividade, sob a perspectiva da fenomenologia sociológica, refere-se também à ação humana, a qual pode ser puramente interior (pensamento) ou exteriorizada pelos movimentos corporais, modificando algo no mundo. A conduta humana é enfocada a partir de um projeto que o homem se propõe realizar(6-8).

As pessoas agem em função de motivos dirigidos a objetivos, que apontam para o futuro. O motivo consiste em um estado de coisas, o objetivo que se pretende alcançar com a ação. Quando se age, há razões para as ações. Essas razões estão enraizadas em experiências vividas, na personalidade que se desenvolve durante a vida(6).

Ao problematizar o objeto do estudo, foi possível considerar a hipótese de que os profissionais de enfermagem, AEs e TEs, ao agirem face às ocorrências éticas, provocam mudanças no cenário da prática, que perpassam as relações interpessoais e as ações relativas ao cuidado ao paciente, influenciando ou orientando novas ações e intencionalidades(9).

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Definiu-se como critérios de inclusão na pesquisa que os sujeitos participantes fossem trabalhadores na UTI, como auxiliares ou técnicos de enfermagem, e que tivessem vivências face às ocorrências éticas naquele setor, além de terem vivenciado as ocorrências éticas envolvendo o pessoal de enfermagem.

O cenário escolhido para a concretização do estudo foi o HU-USP, que é um órgão complementar da Universidade de São Paulo, destinado ao ensino, à pesquisa e à extensão de serviços à comunidade. A escolha da UTI justifica-se pelo fato de ser área onde se realizam procedimentos de maior complexidade técnica, com a presença, em geral, de pacientes mais vulneráveis, por vezes submetidos a uma série de riscos decorrentes de ações profissionais, podendo tais riscos contribuir para ocorrências éticas prejudiciais ao paciente.

A escolha de AEs e TEs, como colaboradores do estudo, justificou-se pelo fato de serem eles responsáveis por parte significativa dos cuidados aos pacientes, sendo, também, responsabilizados por erros ou falhas cometidas no processo assistencial.

O estudo foi iniciado após obtenção do parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, onde o mesmo foi realizado, e, também, do consentimento livre e esclarecido dos colaboradores. Assim, estabeleceu-se, a priori, relação de proximidade do investigador com cada um deles. Não se estabeleceu o número de colaboradores, tendo cessado as entrevistas quando foram compreendidas as motivações que impulsionaram as atividades dos AEs e TEs face às ocorrências éticas vivenciáveis por eles, no cenário da prática da UTI. Dessa maneira, a coleta de dados foi realizada com a participação voluntária de oito colaboradores, dentre técnicos e auxiliares de enfermagem.

Cabe pontuar que a região de inquérito do estudo não se delimitou ao espaço físico da UTI, pois, de acordo com estudiosos da fenomenologia, a ideia da região de inquérito é muito mais abrangente, voltando-se para o universo das indagações ou questionamentos do investigador acerca do fenômeno estudado(10-11).

Para estabelecer rapport, ou seja, para possibilitar a aproximação com os colaboradores, foram apresentadas as seguintes questões: conte-me sobre a sua atividade profissional na Unidade de Terapia Intensiva; fale-me da sua atuação face às ocorrências éticas envolvendo os profissionais de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva; o que espera com essa sua atuação?

A fim de assegurar o anonimato dos colaboradores, os mesmos não serão identificados, utilizando-se as iniciais da função seguidas do número da entrevista (AE1, TE1...).

CATEGORIAS CONCRETAS EMERGENTES E O TIPO VIVIDO

A organização e a categorização dos resultados possibilitaram a construção do tipo vivido, que constitui uma característica típica de determinado grupo social, o qual está vivenciando dada situação social de comportamento vivido(7). Assim, para organizar e discutir os resultados, o pesquisador guiou-se, aqui, por modelos propostos por outros pesquisadores em enfermagem, que vêm utilizando a Fenomenologia Sociológica de Alfred Schütz, como referencial teórico de suas investigações(12-13).

Desse modo, foram percorridos os seguintes passos: a) leitura dos depoimentos para apreender a vivência motivada dos sujeitos; b) identificação das categorias concretas que abrangiam os atos dos sujeitos em relação às ocorrências éticas de enfermagem; c) agrupamentos de trechos das falas, isto é, de aspectos afins significativos da ação, frente ao fenômeno das ocorrências éticas envolvendo profissionais de enfermagem; d) estabelecimento dos significados do ato social de atuar frente a essas ocorrências, a partir do típico dos discursos para alcançar a tipologia do vivido dos sujeitos participantes.

Os "motivos para" a ação dos AEs e dos TEs face às ocorrências éticas na UTI desvelaram as proposições e categorias concretas emergentes, a partir das vivências dos colaboradores perante o fenômeno investigado, mostradas a seguir.

Proposição: prestar uma assistência de enfermagem com minimização de riscos ao paciente - Categoria: minimização de riscos

Os colaboradores do estudo revelaram a preocupação para assegurar assistência de enfermagem com a minimização de riscos ou de danos ao paciente, decorrentes da falta de atenção, perícia ou prudência por parte dos profissionais de enfermagem na UTI, tendo em vista a maior vulnerabilidade e a gravidade do paciente, conforme retratam os discursos.

Eu espero que não aconteça nada com os pacientes, que não tenha alterado nada... Que não haja piora de sua situação devido uma falha nossa, da enfermagem. Eu espero que a pessoa seja mais alerta no que vai fazer, embora que seja um local altamente estressante (referindo-se à UTI), todo cuidado é pouco.

A gente erra, mas a partir do momento que você assume que errou, você tem oportunidade de estar resgatando aquilo. Você pode melhorar para não errar mais. Mexer com vidas é algo que eu vejo que é complicado, porque o ideal é você não errar nunca (AE).

Ainda, em relação aos "motivos para" a ação dos colaboradores nas ocorrências éticas na UTI, emergiram as categorias abertura e diálogo, orientação e supervisão, justiça e informação ao paciente, tanto nas falas dos AEs quanto dos TEs, ao se referirem às expectativas quanto à atuação deles e dos enfermeiros perante as ocorrências éticas, conforme apresentadas a seguir.

Proposição: possibilitar a participação do auxiliar/técnico de enfermagem nas ações face às ocorrências éticas - Categoria: abertura e diálogo

O que a gente espera é que o enfermeiro que está acompanhando uma ocorrência, um erro, seja um profissional, uma pessoa, assim, equilibrada, que converse, não em forma de punição, mesmo, porque isso faz com que você não comunique o erro, o que se torna uma coisa extremamente grave (TE2).

Eu espero que ele tenha diálogo, porque assim o próprio profissional vai poder chegar junto ao enfermeiro e assumir pelo seu erro... (AE2).

A gente espera uma atitude de compreensão do enfermeiro, dele estar vendo também o lado do funcionário e as condições de trabalho e o momento da ocorrência. O que acontece? Por que punir tanto se não houve um dano ao paciente ou algo para prejudicá-lo? (TE3).

Proposição: promover a orientação e a supervisão, evitando a punição ao profissional envolvido na ocorrência ética - Categoria: orientação/supervisão

Outro aspecto marcante na fala dos colaboradores refere-se à orientação e supervisão dos enfermeiros, pontuadas pelos AEs e TEs, para que seja evitada a punição ao profissional envolvido na ocorrência ética, valorizando-se, desse modo, o acompanhamento, as orientações e supervisão do enfermeiro na realização dos procedimentos de enfermagem, apoiando e incentivando o agir seguro em relação à assistência de enfermagem prestada ao cliente na UTI.

O que eu espero é que não existe tanta punição, mesmo que o profissional tenha errado. Mas, havendo uma situação de dano ao paciente, nesse caso, eu sou contra deixar o profissional impune. O próprio profissional vai ter que assumir a falha, não para haver demissão, não (TE3).

O que espero do enfermeiro quando nos deparamos com as ocorrências, as falha, etc., é que ele tenha uma visão diferente, que ele chegue junto ao funcionário e explique as coisas com clareza, porque eu acho que o enfermeiro não precisa ser inimigo do auxiliar ou do técnico... Ele, como enfermeiro, deve orientar os profissionais, porque os profissionais, às vezes, agem sem as orientações que precisam para fazer bem feito e não errarem (AE1).

Proposição: agir com justiça face às ocorrências éticas envolvendo os auxiliares/técnicos de enfermagem - Categoria: justiça

Os AEs e TEs tiveram como expectativa a justiça, como elemento significativo no momento das ocorrências éticas, pois almejam que os enfermeiros sejam justos e não punam, mas orientem os profissionais e ponderem sobre as condições de trabalho, as quais podem propiciar as ocorrências prejudiciais ao paciente, de modo totalmente involuntário por parte dos profissionais que as cometeram.

Espero que o enfermeiro aja de uma forma justa diante das falhas dos profissionais. O que o enfermeiro deve fazer é estar conversando com o paciente e com os profissionais, quando ocorrem falhas da sua equipe (AE1).

...e a justiça seria o enfermeiro valorizar mesmo a pessoa que trabalha corretamente e aceitar as críticas. Não é privilegiar um ou outro, nas escala, no serviço, dando dois finais de semana para uma pessoa, enquanto para as outras pessoas só um final de semana (TE1).

Se você que tem o número adequado de funcionários, mas mesmo assim as falhas ocorrem, o papel do enfermeiro é chegar e orientar os profissionais que tais falhas não devem ocorrer de maneira alguma (AE2).

Proposição: informar o paciente e/ou responsáveis sobre falhas cometidas pelos profissionais de enfermagem - Categoria: informação ao paciente

Os colaboradores pontuaram a necessidade de que o enfermeiro informe aos pacientes sobre as ocorrências éticas na UTI, cometidas pelos profissionais de enfermagem, devendo informar-lhes as medidas tomadas para minimizar as consequências, com uma linguagem clara, compreensível e acessível ao entendimento do paciente e/ou do seu responsável legal, conforme mostram as falas a seguir.

Eu espero também que o enfermeiro tome a frente e informe o paciente sobre o que aconteceu, quando há falhas envolvendo a sua equipe; informe o tipo de erro da enfermagem e explique que serão tomadas as medidas para corrigir a falha e que vai ser feito o possível para não haver o erro de novo. Se o paciente caiu da cama, por exemplo, o enfermeiro deve orientar a equipe e o paciente para evitar que isso ocorra de novo; trazendo essa informação de modo claro e que seja entendível para quem mais interessa, o próprio paciente ou seu responsável (AE1).

Se a ocorrência não fosse tão séria como, por exemplo, você devia dar um capoten de 12,5, mas dar um de 50, o paciente não morreu, manteve-se estável. Nesse caso, na minha opinião, não precisaria fazer comunicação à família, mas o enfermeiro responsável da unidade precisa ficar sabendo. Agora se o erro levou uma consequência grave ao paciente, acho que devia ser informado ao paciente ou à família dele. Eu acho que o chefe direto, o enfermeiro, é quem devia ser responsável em dar essa informação à família do paciente (AE2).

ANÁLISE COMPREENSIVA

As categorias "minimização dos riscos, abertura e diálogo, orientação e supervisão, justiça e informação ao paciente" congregaram, na maioria, os "motivos para" a ação frente às ocorrências éticas na UTI, tanto nos discursos dos AEs quanto dos TEs.

A categoria "informação ao paciente" consistiu em importante "motivo para" os AEs e TEs atuarem em relação às ocorrências éticas na UTI. Esses profissionais revelaram a intenção de que o cliente adquirisse ou mantivesse a confiança na equipe de enfermagem que o assiste e, desse modo, justificaram suas preocupações por informá-lo sobre dada ocorrência, sobretudo quando essa representava risco maior à segurança ou à vida. Agindo dessa maneira, os colaboradores esperavam que outros profissionais da área da saúde também valorizassem as atuações da equipe de enfermagem frente às ocorrências éticas.

A ética profissional tem como objeto o estudo de deveres, direitos e responsabilidades de uma determinada categoria profissional. Por outro lado, os pacientes/clientes devem ser considerados como sujeitos de direitos e deveres, assumindo relevo o direito de ser informado sobre as ações profissionais, bem como possíveis riscos, custos e benefícios, para que o paciente possa consentir, devidamente informado ou esclarecido acerca do serviço/cuidado, que lhe será fornecido(14-16). Desse modo, o direito à informação constitui-se em medida de justiça, revelando-se como valor que pode ser definido e integrando crença duradoura em um modelo específico de conduta ou estado de existência, que é pessoalmente ou socialmente adotado e que está embasado em conduta pré-existente(17-18).

A categoria "justiça" revelou o desejo ou a expectativa dos colaboradores no sentido de que seja enfrentada a questão do medo da punição quando ocorrem erros ou falhas no processo assistencial, em especial quando tais falhas acarretem algum tipo de prejuízo físico ou moral ao paciente. Com isso, os colaboradores manifestaram também o desejo de superação de medo, por meio das ações de orientação e de supervisão das ações da equipe de enfermagem, como parte das atribuições dos enfermeiros.

Nessa ótica, na atuação em relação às ocorrências éticas, os AEs e TEs revelaram a expectativa de que essa atuação pudesse contribuir para afugentar o estigma da punição, quando ocorrem falhas. Tal expectativa revelou-se consonante com outros estudos que pontuam o receio da punição por parte dos profissionais envolvidos em falhas, conduzindo-os, algumas vezes, à omissão do registro ou da comunicação de ocorrências dessa natureza e, consequentemente, não se aproveitam oportunidades de aprendizagem com as próprias falhas(4,14).

A categoria "orientação e supervisão" revelou estar intrinsecamente imbricada com o processo educativo, pois os AEs e os TEs manifestaram a intencionalidade de envidar esforços no sentido de comprometer todos com o propósito educativo e preventivo em relação às ocorrências éticas, por meio das orientações dos enfermeiros, as quais deveriam ser apoiadas pela comunicação e reflexão em relação aos profissionais envolvidos em situação de falha ou de erro, seja no âmbito do cuidado ou na relação interpessoal.

Percebeu-se certa reciprocidade de perspectivas nos discursos dos AEs e dos TEs quanto às suas atuações. Assim, alguns AEs e TEs manifestaram a intenção de que os enfermeiros sejam capacitados para orientar e supervisionar as ações dos primeiros, agindo com justiça e informando ao paciente sobre as ocorrências com linguagem compatível com a compreensão do mesmo. Os AEs e os TEs revelaram, também, o desejo de que houvesse abertura e diálogo na equipe de enfermagem em situações envolvendo ocorrências éticas, propiciando melhor compreensão do conjunto dos fatores que as ensejaram, como as condições de trabalho e os fatores individuais. Desse modo, os sujeitos participantes manifestaram o interesse no tocante à minimização do risco de reincidências de ocorrências dessa natureza, além do respeito ao direito do paciente de ser informado sobre a existência de falhas cometidas pelos profissionais de enfermagem.

CONSTRUÇÃO DO TIPO VIVIDO

Na perspectiva da fenomenologia sociológica, os "tipos vividos" idealizados são esquemas interpretativos do mundo social que fazem parte da bagagem de conhecimento do ser humano acerca do mundo, têm valor de significação e sempre se toma elementos deles na relação interpessoal(5,9).

O estudo apontou que há um tipo vivido comum, o que é compreensível porque esses sujeitos estão inseridos em um mesmo grupo social e têm vivenciado com similaridade os "motivos para", com base em um mesmo contexto de significados dessas vivências.

Assim, as ações face às ocorrências éticas na UTI revelaram a intenção dos AEs e TEs com a minimização de riscos de ocorrências éticas. Para tanto, eles acreditaram que fosse necessária a existência de relacionamento entre os profissionais que favorecesse a abertura e o diálogo entre os membros da equipe de enfermagem, bem como a orientação e a supervisão das atividades de enfermagem por parte dos enfermeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A minimização de riscos de ocorrências éticas em UTI representou importante "motivo para" as ações dos AEs e TEs, sendo o diálogo e a abertura de instrumentos para a discussão acerca das ocorrências éticas na UTI, no trabalho em equipe. Sob essa perspectiva, o estudo apontou, também, para a necessidade de se superar o receio da punição que envolve as ocorrências éticas, revelando a necessidade de se priorizar as ações educativas voltadas para a orientação/supervisão. Os AEs e TEs esperam que o enfermeiro informe ao paciente sobre a ocorrência de falhas no processo assistencial e que envolveram a equipe de enfermagem, agilizando medidas para minimizar os riscos de ocorrências prejudiciais.

Do estudo é possível concluir que os profissionais de enfermagem devem se sentir aptos para lidar com as ocorrências éticas no seu dia a dia na UTI. Para tanto, requer-se capacitação permanente dos mesmos, a fim de discutirem as suas próprias vivências cotidianas acerca desse fenômeno. Aqui, sob o ponto de vista da autoria deste estudo, tal capacitação deve ser iniciada no período de formação profissional, revelando-se a importância de se priorizar a educação permanente, a atualização e o treinamento, a fim de minimizar as ocorrências éticas.

Cabe ressaltar que a abordagem fenomenológica propiciou a obtenção de respostas positivas àquelas indagações iniciais, pois foram desvelados significados às ações dos profissionais quanto à minimização de riscos ao paciente, decorrentes de falhas ou erros, bem como a necessidade de abertura, diálogo, orientação e supervisão, por parte do enfermeiro, no que tange às atividades da equipe de enfermagem em UTI. Com isso, os "motivos para" as ações dos AEs e TEs mostraram-se contextualizados no cenário da prática desses profissionais e indicaram a relevante necessidade de se investir em ações educativas, a fim de assegurar assistência de enfermagem livre de riscos de ocorrências prejudiciais ao paciente.

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  • Daily activities of nursing auxiliaries and technicians in relation to ethical events

    Genival Fernandes de Freitas
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 2008
    • Aceito
      23 Jun 2009
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