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Significado da neutropenia e necessidades de cuidado em domicílio para os cuidadores de crianças com câncer

Resumos

Este estudo objetivou compreender os significados atribuídos pelos cuidadores ao processo de cuidar de uma criança neutropênica, em domicílio, e conhecer as necessidades de orientações para o cuidado dessas crianças. É estudo descritivo, realizado no Instituto de Oncologia Pediátrica, com onze cuidadores, utilizando entrevista semiestruturada. Os dados foram organizados segundo a técnica de análise de conteúdo e interpretados à luz das Representações Sociais. Os resultados indicam mudanças no ambiente físico, nas pessoas e nas relações humanas, evidenciando fases de crise e de transição para a estabilidade. Os cuidados que geraram dúvidas foram: hipertermia, higiene corporal, do ambiente e dos alimentos, riscos do contato interpessoal e cuidados especiais. Conclui-se que há necessidade de preparo técnico e emocional dos cuidadores para o enfrentamento das dificuldades apontadas, incluindo as condições de agravamento.

oncologia; neutropenia; cuidado da criança; educação em saúde


This study aimed to understand the meanings caregivers attributed to the process of caring for a neutropenic child at home and know their needs for orientation related to care for these children. This descriptive study was carried out at the Pediatric Oncology Institute through semi-structured interviews, involving eleven caregivers. Data were organized according to the content analysis technique and interpreted according to Social Representations theory. Results indicate changes in the physical environment, people and human relationships, evidencing crises and transition towards stability. The following care procedures raised doubts: hyperthermia, body, food and environmental hygiene, risks of interpersonal contact and special care. The conclusion is that caregivers need technical and emotional preparedness to cope with the reported difficulties, including aggravating situations.

medical oncology; neutropenia; child care; health education


Este estudio tuvo como objetivo comprender los significados atribuidos por los cuidadores al proceso de cuidar de un niño neutropénico, en su domicilio, y conocer las necesidades de orientaciones para el cuidado de esos niños. Es un estudio descriptivo, realizado en el Instituto de Oncología Pediátrica, con once cuidadores, utilizando entrevista semiestruturada. Los datos fueron organizados según la técnica de análisis de contenido e interpretados bajo el marco teórico de las Representaciones Sociales. Los resultados indican cambios en el ambiente físico, en las personas y en las relaciones humanas, evidenciando fases de crisis y de transición para obtener la estabilidad. Los cuidados que generaron dudas fueron: hipertermia, higiene corporal, del ambiente y de los alimentos, riesgos de contacto interpersonal y cuidados especiales. Se concluye que existe necesidad de preparar técnicamente y emocionalmente a los cuidadores para el enfrentamiento de las dificultades apuntadas, incluyendo las condiciones de agravamiento.

oncología médica; neutropenia; cuidado del niño; educación en salud


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ARTIGO ORIGINAL

Significado da neutropenia e necessidades de cuidado em domicílio para os cuidadores de crianças com câncer1

Débora Duarte GelessonI; Liliane Yumi HiraishiII; Letícia Alves RibeiroIII; Sonia Regina PereiraIV; Maria Gaby Rivero de GutiérrezV; Edvane Birelo Lopes De DomenicoIV

IEnfermeira, Doutoranda, Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Brasil. Professor, Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: suzelecris@ig.com.br

IIEnfermeiro, Mestre Enfermagem, e-mail : schiaveto@yahoo.com.br

IIIEnfermeira, Bolsista de apoio técnico - CNPq, E-mail: thaisvendruscolo@yahoo.com.br

IVDoutor em Ciências, Professor colaborador, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: vjhaas@uol.com.br

VEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: rsdantas@eerp.usp.br

VIProfessor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: rosalina@eerp.usp.br

RESUMO

Este estudo objetivou compreender os significados atribuídos pelos cuidadores ao processo de cuidar de uma criança neutropênica, em domicílio, e conhecer as necessidades de orientações para o cuidado dessas crianças. É estudo descritivo, realizado no Instituto de Oncologia Pediátrica, com onze cuidadores, utilizando entrevista semiestruturada. Os dados foram organizados segundo a técnica de análise de conteúdo e interpretados à luz das Representações Sociais. Os resultados indicam mudanças no ambiente físico, nas pessoas e nas relações humanas, evidenciando fases de crise e de transição para a estabilidade. Os cuidados que geraram dúvidas foram: hipertermia, higiene corporal, do ambiente e dos alimentos, riscos do contato interpessoal e cuidados especiais. Conclui-se que há necessidade de preparo técnico e emocional dos cuidadores para o enfrentamento das dificuldades apontadas, incluindo as condições de agravamento.

Descritores: oncologia; neutropenia; cuidado da criança; educação em saúde

INTRODUÇÃO

Entre os tratamentos da criança com câncer, a quimioterapia antineoplásica é uma das mais importantes e promissoras maneiras de combater o câncer(1-2). No tecido hematopoiético, as drogas quimioterápicas podem causar pancitopenia, caracterizada pela redução das hemácias, dos leucócitos (principalmente dos neutrófilos) e das plaquetas, gerada pela inespecificidade de ação dessas drogas(3).

Nessa condição de vulnerabilidade, orientações e cuidados são adotados para minimizar os riscos de complicações relacionadas à neutropenia, quer a criança esteja em ambiente hospitalar quer esteja sendo cuidada no domicílio. Cabe também ao enfermeiro a competência e a responsabilidade de planejar e implantar ações educativas para a manutenção e recuperação do estado de saúde, com vistas à "integração desta criança à sociedade, trabalhando com ela diferentes aspectos de valores e atitudes, tais como: respeito, higiene, cuidados com o corpo e com o emocional"(1,4).

Nessa perspectiva, compreender como os cuidadores interpretam o processo de cuidar da criança com neutropenia e as necessidades peculiares que possuem para cuidar dela nessa condição constituiu-se o foco desta investigação, visando a obtenção de subsídios para o planejamento e implementação de atividades educativas futuras em Enfermagem. As perguntas do estudo foram:

- qual o significado do processo de cuidar da criança com neutropenia para o cuidador?

- quais as necessidades de orientações que o cuidador da criança, em período de neutropenia, apresenta em relação aos cuidados diários da criança no domicílio?

OBJETIVOS

Compreender os significados atribuídos pelos cuidadores ao processo de cuidar de uma criança neutropênica no domicílio.

Conhecer as necessidades de orientações aos cuidadores para o cuidado da criança neutropênica em domicílio.

QUADRO TEÓRICO

Neste estudo foram utilizados os conhecimentos oriundos das Representações Sociais, principalmente aqueles relacionados à compreensão de que as realidades consensuais têm por matéria-prima os universos reificados(5). Na realidade consensual encontram-se a atividade intelectual da vida cotidiana, as "teorias do senso comum", ou seja, "um corpo de conhecimentos produzido espontaneamente pelos membros de um grupo e fundado na tradição e no consenso"(5), que sofre contínuas apropriações das imagens, noções e linguagem que a ciência (presente no universo reificado) lança no mundo contemporâneo, pelos diferentes meios de divulgação (rádio, televisão, internet, revistas, entre outros)(5-6).

Esse processo é permeado pela transferência e transformação dos conhecimentos que estarão explicitados na elaboração dos comportamentos, bem como na forma e conteúdo da comunicação entre os indivíduos(6). A construção dos significados simbólicos será, simultaneamente, um ato cognitivo e também um ato afetivo.

Na presente investigação, os cuidadores de crianças com câncer e neutropênicas terão as próprias significações do processo de adoecimento, dos riscos inerentes ao diagnóstico e ao tratamento, bem como de suas consequências, constituídas na vivência desse processo e no convívio com os ambientes compartilhados das instituições de saúde.

Sendo assim, pretendeu-se desvelar o universo de representações desses cuidadores, na medida em que ele pode trazer a lógica do comportamento e da ação (conectada a crenças representacionais). Cabe ressaltar que as convicções dos cuidadores estarão refletidas em suas ações, por acreditarem nos conhecimentos que dispõem.

MÉTODO

Tipo de estudo

É um estudo descritivo, de natureza mista, quantitativa e qualitativa. A análise qualitativa justifica-se por compreender uma metodologia de pesquisa que possibilita a incorporação do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais(7).

Local

O campo de pesquisa foi o Instituto de Oncologia Pediátrica (IOP-GRAACC), instituição sem fins lucrativos, localizada na cidade de São Paulo (SP, Brasil), no Ambulatório de Quimioterapia dessa unidade de saúde.

Sujeitos

Este estudo foi realizado com onze cuidadores de crianças com câncer e que atenderam aos seguintes critérios de inclusão:

- ser o cuidador(a) principal da criança com câncer em tratamento quimioterápico;

- ter sido informado(a), anteriormente, do risco de neutropenia pós-quimioterapia;

- ter cuidado da criança em casa, após a realização da quimioterapia antineoplásica.

Coleta de dados

Aspectos éticos

A pesquisa de campo teve início após a aprovação e autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal São Paulo. Os aspectos contidos na Resolução CNS 196/96 foram respeitados, visando assegurar os direitos dos participantes do estudo. A oficialização da decisão dos sujeitos a respeito da participação no estudo foi dada por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Caracterização da amostra

Inicialmente, buscou-se identificar o contexto individual e social dos participantes, por meio de análise de prontuário e, posteriormente, abordando-se diretamente os cuidadores.

Os dados obtidos com a população foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, gravada e posteriormente transcrita na íntegra, no mês de outubro de dois mil e sete.

Questões semiestruturadas

- descreva como é/foi para o sr./sra. cuidar de uma criança com neutropenia no domicílio

- quais os cuidados que geraram maiores dúvidas?

- quais os cuidados que o sr./sra. avaliam como necessários para serem orientados?

Análise dos dados

Os dados quantitativos estão apresentados em números absolutos, percentuais e médias. Para a análise dos dados qualitativos foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo(8), que deu origem a três esquemas representacionais, os quais foram analisados a partir do referencial das Representações Sociais.

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Dos cuidadores que participaram do estudo, dez eram as mães e um era o pai, e a idade desses variou entre 23 e 40 anos, média de 32,4 anos. Em relação à escolaridade, três cuidadores possuíam primeiro grau, quatro o segundo grau e quatro não referiram o grau de escolaridade.

A idade das crianças desses cuidadores variou entre 2 anos e 4 meses e 11 anos (média 5,2 anos). Dessas, quatro tinham como diagnóstico leucemia linfóide aguda e os demais apresentavam diagnósticos variados de câncer e doenças mielodisplásicas.

Em relação às condições gerais de moradia, todos moravam em casa de alvenaria e a média de cômodos nas residências era de 3,6. O número de moradores variou de três a sete, e a média foi de 3,9 habitantes por casa, com idade variando de 2 a 64 anos.

Resultados das questões semiestruturadas

As perguntas semiestruturadas subsidiaram a construção das figuras representacionais apresentadas neste capítulo, buscando-se fornecer ao leitor uma mensagem escrita e diagramática dos conteúdos provenientes das entrevistas.

As verbalizações acerca do processo de cuidar de uma criança neutropênica, em domicílio, trouxeram várias expressões de sentimentos oriundos das mudanças na organização e dinâmica do lar (Figura 1).


Alguns relatos

(...) muda tudo em casa, a gente passa a se dedicar mais a ela, aí você esquece um pouco de você. Você esquece até um pouco do relacionamento em casa (E4).

O cuidado dobra, porque você fica preocupada, sempre tem um risco né? (...) É alimentar bem, cuidar da temperatura, cuidar bem dele. E no resto é carinho e amor. E confiança em Deus (E6).

Quando questionados sobre "quais os cuidados que geraram maiores dúvidas" ao lidar com a criança em domicílio, as respostas agrupadas em categorias estão na Figura 2.


Em relação aos cuidados que geraram maiores dúvidas, houve predomínio das questões relacionadas ao manejo da hipertermia, à higiene do ambiente e alimentos e à profilaxia de infecções.

O quadro de febre que dava, eu tinha medo dela convulsionar (E3).

Quando eu vi que ele estava com febre, todo mundo começou a chorar em casa; aí eu saí correndo para o hospital (...). Todo mundo cuida dele. Se eu vou à igreja, porque sou evangélica, a minha filha mais nova já pega e fica com o termômetro, toda preocupada. Ela fala: mãe, ele não teve febre (E7).

Outros relatos evidenciaram dificuldades no gerenciamento das atividades sociais e interpessoais, tais como locomoção e permanência em locais públicos, além de receios na realização de cuidados específicos, conforme depoimentos, a seguir.

Uma amiguinha dela outro dia estava com catapora dentro do ônibus (...). Aí eu falei: não senta perto da menina pelo amor de Deus (...) (E3).

Foi na hora dos remédios, no começo eu pensava se ia dar certo, se eu iria atrapalhar (E9).

Quando ela foi para casa (depois da última internação) teve que fazer inalação de três em três horas, de quatro em quatro horas (...) eu estava com medo, no primeiro e segundo dia foi difícil fazer os exercícios, mas depois eu aprendi também (E2).

Quando indagados sobre quais os cuidados que julgam apresentar necessidade de orientação, os entrevistados apontaram como focos de cuidado: a higiene, seguida por questões de suporte afetivo/emocional, no sentido de preparo e respaldo para o enfrentamento das intercorrências: risco de queda e ferimentos, administração de medicamentos, bem como outros cuidados relativos à alimentação por sonda, dietas especiais e cateteres intravenosos.

Com relação ao preparo e restrições na dieta, as novas necessidades levam o cuidador a se adaptar, procurando atender às solicitações da equipe multiprofissional e, ao mesmo tempo, satisfazer os desejos da criança.

A alimentação é complicada. Porque assim... tem coisas que a gente acha que pode, mas tem coisas que não pode. Ele come o básico. Não pode dar ovo com a gema mole. Então, já prefiro não dar. Já corto, sabe esses tipos de coisa -ah, você pode, mas tem que fazer isso. Aí eu já corto e não dou (E10).

Os cuidadores apresentaram maior domínio e verbalização de segurança nos cuidados relativos à limpeza da casa e ao preparo dos alimentos, apesar desses ainda se apresentarem como fonte de dúvidas.

As frutas que são dela eu deixo separado, quando eu chego, eu lavo em água normal, aí depois eu ponho de molho no hipoclorito de sódio. As mamadeiras, eu esterilizo com água quente. Álcool, em casa tem álcool para tudo e quanto é lugar, se tiver dúvida, eu ponho até na roupa (E2).

Em terceiro lugar, os contatos interpessoais geraram medo e incertezas relacionadas a diferentes atividades como frequentar escola, ir ao cinema e ao shopping. A necessidade de utilizar transporte coletivo também foi citada como geradora de insegurança, por não poder ser controlada pelos pais, em termos de apresentar risco para aquisição de doenças transmissíveis.

Primeiro, que, quando você sai daqui, você já sai preocupada, né!? Você pega ônibus, o ônibus é cheio (E3).

Por último, foram citados cuidados que são peculiares ao tratamento, ou às complicações do mesmo, e ao manejo de seus efeitos adversos.

E agora que ele está fazendo MTX, ele (criança) não pode comer vitamina C, nada que tem vitamina C. Então tem aquela preocupação de ficar lendo as coisas (rótulos de alimentos) (E10).

Os dados relativos à pergunta "Quais os cuidados que o sr./sra. avalia como necessários para serem orientados?", permitiram o agrupamento em focos do cuidar (Figura 3).


Sobre os cuidados com a higiene dos alimentos, ambiente e corpo, tem-se os relatos, mostrados a seguir.

No sentido da higiene, alimentação, procurar ficar o máximo de olho em tudo o que acontece. Eles ficam muito delicados, indefesos e aí a gente procura proteger de todos os lados (E7).

Eu acho que é mais a higiene, porque quanto menos contato com bactéria ele tiver, é melhor. O que eu tenho maior cuidado é com a higiene dos legumes, deixo de molho em um produto, do tomate eu tiro a pele (E1).

As orientações de higiene foram enfatizadas por sete respondentes, como cuidados com necessidade de orientação, mas também como mais facilmente executáveis por serem reconhecidos como parte de atividades cotidianas. O ambiente doméstico aparenta ser o único local no qual os cuidadores acreditam ter o real controle para diminuir o risco de infecção. Portanto, os cuidadores acreditam ser essa uma das principais orientações a ser recebida.

Como mencionado anteriormente, a criança com câncer pode exigir cuidados de diferentes complexidades. Nesse sentido, alguns respondentes demonstraram apreensão por terem que equacionar todos os cuidados no dia a dia, incluindo a preocupação de executá-los com qualidade.

Então (além da higiene), é a comida com menos sal, com quase nada de sal para não subir a pressão, tomar remédio, ter cuidado para não cair, ter hematomas, ver o sangue, as plaquetas... Então, tudo isso a gente tem que tomar cuidado (E9).

Foi atenção, muito cuidado e obedecer aos horários dos remédios (E8).

Outros conteúdos que foram mencionados como necessários pelos respondentes estão relacionados ao preparo: psíquico e afetivo para enfrentar e se ajustar às questões emocionais envolvidas no processo de cuidar de uma criança, em casa, com câncer, e sob riscos aumentados, decorrentes da neutropenia.

Quando a criança está fraca, debilitada, o amor é o essencial (...). Ter paciência, muita paciência e muita força de vontade (E2).

O mais importante é o pai e a mãe estarem juntos, e só. Tem criança aqui que só tem a mãe ou o pai, mas tem que estar os dois juntos com ele (E5).

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Analisando o perfil dos respondentes, pode-se constatar que é constituído por pais jovens, detentores de ensino fundamental e médio, fato que deverá ser levado em consideração no planejamento das ações educativas a serem implementadas.

Com exceção de uma mãe entrevistada, todas as outras informaram não trabalhar fora de casa desde o adoecimento do filho, dedicando-se exclusivamente à família. Em termos de moradia, todos referiram morar em casas de alvenaria, porém, alguns relatos evidenciaram os riscos de, principalmente, expor a criança, por motivos de insegurança, à parte externa da casa (entulhos, materiais recicláveis).

Como demonstrado na Figura 1, a percepção do cuidador sobre o processo de cuidar da criança com câncer na situação de neutropenia é demarcada pelas mudanças que ocorrem em diferentes esferas: ambiente, pessoas e relações. Sob a perspectiva das teorias que explicam as reações humanas, em situações que exigem a utilização de recursos de enfrentamento e adaptação, geralmente acompanhadas pelo estresse, encontra-se o estado de transição, que tem início a partir do momento no qual a pessoa percebe situação de crise, que pode ser a resposta a um evento visto como ameaça, como é o caso da neutropenia induzida por quimioterapia(9).

O estado de transição é processo dinâmico e singular, marcado por mudanças relacionais e pessoais, na tentativa de encontrar novos recursos de suporte(9-11). Para a família, o estado de transição é difícil e desgastante. São momentos de angústia, preocupação e estresse, impondo à família a reformulação de seu cotidiano com o intuito de cuidar da criança e da adaptação a uma nova rotina que mantenha a unidade familiar(10-11).

Significa, na prática, ajuste contínuo entre situações percebidas como ameaçadores e difíceis que, de certa forma, impulsionam e qualificam novas formas de pensar e agir, demarcadas pelos conhecimentos de senso comum que, na atual circunstância, são percebidos como insuficientes pelos cuidadores(5).

Observou-se, porém, em outros relatos que a construção de referências para o cuidar da criança em estado de neutropenia também é compartilhado nas relações estabelecidas com os cuidadores de outras crianças. Nesse aspecto, as interpretações de senso comum podem gerar dúvidas, ou mesmo atitudes que comprometem as necessidades reais de cuidado a serem oferecidos para a criança. Essa condição foi observada na verbalização de uma mãe em relação à administração de suporte nutricional, como se segue na transcrição.

A sonda, eu me lembro, as (outras) mães falavam: ah, mas eu não dou no mesmo horário, uma atrás da outra, igual elas (enfermeiras) mandam (E8).

Eu sempre cumpria... eu achava que a N (filha) ia ficar entupida, mas pensava: precisa (E 10).

As práticas do cuidado são fortemente influenciadas pelos determinantes culturais e socioambientais e isso significa que o profissional deve lançar um olhar atento e intencional sobre as representações que clientes e cuidadores possuem acerca dos conteúdos que estão imbricados nesses cuidados(12). Conhecer os significados atribuídos pelo receptor da mensagem é tarefa fundamental quando o profissional visa a adoção de novos comportamentos, uma vez que a construção dos significados simbólicos, expressos nos comportamentos, compreende duas dimensões: a cognitiva e a afetiva(6).

Acerca dos cuidados que geraram maiores dúvidas, agruparam-se as respostas em cuidados relativos à hipertermia, à higiene, ao contato interpessoal e aos cuidados especiais.

Os cuidados relativos à hipertermia foram apontados como principais fontes de preocupações, uma vez que os cuidadores são orientados que a hipertermia é sinal clínico importante, sugestivo de quadros infecciosos graves, com ameaça à manutenção da vida da criança(13).

No que diz respeito aos cuidados com a higiene, três campos sofrem alterações: o preparo dos alimentos, a limpeza do ambiente e o asseio corporal.

Essa nova demanda, que envolve mudanças de hábitos no cotidiano, gera ansiedade, medo e aflição por serem, em sua maioria, situações que serão vivenciadas pela primeira vez no domicilio, como anteriormente evidenciado em estudo que teve por objetivo identificar as demandas de cuidados gerais de crianças e adolescentes no domicílio, após quimioterapia ambulatorial, porém, sem o enfoque exclusivo na condição de neutropenia(14).

Quando surge, nos relatos de cuidadores, que esses se espelham e aprendem a lidar com a criança a partir da observação dos procedimentos e orientações realizadas pelos profissionais enfermeiros, observa-se a possibilidade de estabelecimento de situações de ensino-aprendizagem, oportunamente acopladas à realização das ações assistenciais.

CONCLUSÕES

A realização do presente estudo oportunizou a compreensão de como os cuidadores de criança neutropênica, no domicílio, entendem e reagem às condições novas e inseguras que permeiam o cuidar da criança nessa condição.

Os resultados indicaram a necessidade de preparar os cuidadores para o enfrentamento das dificuldades inerentes ao cuidar numa situação que envolve tantas mudanças nas esferas do ambiente, da pessoa e das relações, incluindo o preparo emocional para as situações de agravamento da condição clínica da criança.

O desafio atual é transformar os achados deste estudo em subsídios para a construção de um protocolo de orientações de enfermagem aos cuidadores de crianças neutropênicas, no domicílio.

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  • 1
    Article extracted from specialization course conclusion monograph. Nursing Course, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2008
    • Aceito
      13 Ago 2009
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